Revista
do Instituto Histórico e Geográfico de
Montes Claros

Fundado em 27 de Dezembro de 2006

VOLUME VI

MONTES CLAROS
MINAS GERAIS – BRASIL
2010


COMISSÃO FUNDADORA 2006-2007


Dr. DÁRIO TEIXEIRA COTRIM
Dr. HAROLDO LÍVIO DE OLIVEIRA
Jornalista LUIS RIBEIRO
Dr. WANDERLINO ARRUDA


DIRETORIA 2010- 2011

PRESIDENTE DE HONRA Dr. LUIZ DE PAULA FERREIRA
PRESIDENTE Dr. DÁRIO TEIXEIRA COTRIM
1º VICE - PRESIDENTE Dr. WANDERLINO ARRUDA
2º VICE - PRESIDENTE Dr. HAROLDO LÍVIO DE OLIVEIRA
DIRETORA EXECUTIVA ROBERTO CARLOS M. SANTIAGO
DIRETOR-SECRETÁRIO Dr. PETRÔNIO BRAZ
DIRETOR-SECRETÁRIO ADJUNTO Profa. MARTA VERÔNICA V. LEITE
DIRETOR DE FINANÇAS Coronel LÁZARO FRANCISCO SENA
DIRETOR DE FINANÇAS ADJUNTO Profa. KARLA CELENE CAMPOS
DIRETORA DE PROTOCOLO Dra. MARIA DA GLÓRIA C. MAMELUQUE
DIRETORA CULTURAL Profa. FELICIDADE PATROCÍNIO
DIRETORA DE BIBLIOTECA Profa. RUTH TUPINAMBÁ GRAÇA
DIRETORA DE MUSEU Profa. MARIA LUÍZA SILVEIRA TELLES
DIRETOR DE RELAÇÕES PÚBLICAS Jornalista REGINAURO R. DA SILVA
DIRETORIA DE JORNALISMO Jornalista BENEDITO DE PAULA SAID
DIRETORA DE CURSOS Profa. MARIA GERALDA DE SENA SOUZA

CONSELHO CONSULTIVO

Dr. JOSÉ GERALDO DE FREITAS DRUMOND
Dr. WALDYR DE SENA BATISTA
Profa. YVONNE DE OLIVEIRA SILVEIRA

COMISSÃO DE GEOGRAFIA E ECOLOGIA

Prof. IVO DAS CHAGAS
Profa. ANETE MARÍLIA PEREIRA
Profa. MARIA APARECIDA COSTA


COMISSÃO DE HISTÓRIA E ARQUEOLOGIA

Profa. MARTA VERÔNICA VASCONCELOS LEITE
Prof. CÉSAR HENRIQUE DE QUEIROZ PORTO
Profa. FELICIDADE PATROCÍNIO

COMISSÃO DE ANTROPOLOGIA, ETNOGRAFIA
E SOCIOLOGIA

Prof. GY REIS GOMES BRITO
Profa. CLÁUDIA REGINA ALMEIDA

COMISSÃO DE CLASSIFICAÇÃO E DE
ADMISSÃO DE SÓCIO
S

Jornalista MAGNOS DENNER MEDEIROS
Profa. MIRIAM CARVALHO
Dra. FELICIDADE VASCONCELOS TUPINAMBÁ
Profa. ZORAIDE GUERRA DAVID
Dr. WANDERLINO ARRUDA
Dr. DÁRIO TEIXEIRA COTRIM

COMISSÃO DA REVISTA DO INSTITUTO HISTÓRICO
E GEOGRÁFICO

Dr. PETRÔNIO BRAZ - coordenador
Dr. DÁRIO TEIXEIRA COTRIM
Dr. ITAMAURY TELLES DE OLIVEIRA
Dr. WANDERLINO ARRUDA
Prof. JUVENAL CALDEIRA DURÃES
Profa. MARTA VERÔNICA VASCONCELOS LEITE
Jornalista LUIS CARLOS NOVAES


COMISSÃO REVISORA DA REVISTA

Dr. DÁRIO TEIXEIRA COTRIM
Dr. HAROLDO LÍVIO DE OLIVEIRA
Coronel LÁZARO FRANCISCO SENA
Dr. WANDERLINO ARRUDA


LISTA DE SÓCIOS EFETIVOS DO IHGMC

CD
Sócios
Patronos
01
Dr José Santos Rameta Alpheu Gonçalves de Quadros
02
Escritora Milene A. Coutinho Maurício Alfredo de Souza Coutinho
03
Padre Antônio Alvimar Souza Antônio Augusto Teixeira
04
Professora Claúdia Regina Almeida Antônio Augusto Veloso (Desemb.)
05
Profª Yvonne de Oliveira Silveira Antônio Ferreira de Oliveira
06
Prof Marcos Fábio Martins Oliveira Antônio Gonçalves Chaves
07
Professora Maria Aparecida Costa Antônio Gonçalves Figueira
08
Professora Anete Marilia Pereira Antônio Jorge
09
Professora Isabel Rebelo de Paula Antônio Lafetá Rebelo
10
Professora Maria Florinda Ramos Pina Antônio Loureiro Ramos
11
Jornalista Reginauro Rodrigues da Silva Ary Oliveira
12
Dr Antônio Augusto Pereira Moura Antônio Teixeira de Carvalho
13
Dr Cesar Henrique Queiroz Porto Ângelo Soares Neto
14
Professora Karla Celene Campos Arthur Jardim Castro Gomes
15
Jornalista Magnus Denner Medeiros Ataliba Machado
16
Dr Waldir de Senna Batista Athos Braga
17
Profa. Marta Verônica Vasconcelos Leite Auguste de Saint Hillaire
18
Dr Petrônio Braz Brasiliano Braz
19
Dr Luiz de Paula Ferreira Caio Mário Lafetá
20
Professora Felicidade Patrocínio Camilo Prates
21
VAGA Cândido Canela
22
Professora Lygia dos Anjos Braga Carlos Gomes da Mota
23
Historiador Hélio de Morais Carlos José Versiani
24
Dr João Carlos Rodrigues Oliveira Celestino Soares da Cruz
25
VAGA Corbiniano R Aquino
26
VAGA Cyro dos Anjos
27
Professora Regina Maria Barroca Peres Dalva Dias de Paula
28
Escritora Amelina Chaves Darcy Ribeiro
29
Professora Filomena Luciene Cordeiro Demóstenes Rockert
30
VAGA Dona Tirbutina
31
Professora Clarice Sarmento Dulce Sarmento
32
Dr Edgar Antunes Pereira Edgar Martins Pereira
33
Dr Wanderlino Arruda Enéas Mineiro de Souza
34
Profa. Geralda Magela de Sena e Souza Eva Bárbara Teixeira de Carvalho
35
Dr. Antônio Ferreira Cabral Ezequiel Pereira
36
Dra. Felicidade Vasconcelos Tupinambá Felicidade Perpétua Tupinambá
37
VAGA Francisco Barbosa Cursino
38
Professora Maria Inês Silveira Carlos Francisco Sá
39
Professor Ivo das Chagas Gentil Gonzaga
40
Drª Maria da Glória Caxito Mameluque Georgino Jorge de Souza
41
Dr Reinine Simões de Souza Geraldo Athayde
42
Professora Maria Luiza Silveira Teles Geraldo Tito da Silveira
43
Professor Benedito de Paula Said Godofredo Guedes
44
Hist. Roberto Carlos Morais Santiago Heloisa V. dos Anjos Sarmento
45
Jornalista Angelina de Oliveira Antunes Henrique Oliva Brasil
46
Professora Eliane Maria F Ribeiro Herbert de Souza – Betinho
47
Jornalista Paulo César Narciso Soares Hermenegildo Chaves
48
Professora Raquel Veloso de Mendonça Hermes Augusto de Paula
49
Dra. Maria Fernanda M. Brito Ramos Irmã Beata
50
VAGA Jair Oliveira
51
Dr José Carlos Vale de Lima João Alencar Athayde
52
Profa. Maria Isabel M. F. Sobreira João Chaves
53
Dr João Carlos M. Sobreira de Carvalho João Batista de Paula
54
VAGA João José Alves
55
Cel. Lázaro Francisco Sena João Luiz de Almeida
56
Escritor João Aroldo Pereira João Luiz Lafetá
57
Jornalista Luiz Carlos Novaes João Novaes Avelins
58
Professor Necésio de Morais João Souto
59
Jornalista Luiz Ribeiro dos Santos João Vale Maurício
60
VAGA Jorge Tadeu Guimarães
61
Jornalista Girleno Alencar Soares José Alves de Macedo
62
Profº José Geraldo de Freitas Drumond José Esteves Rodrigues
63
Historiador Pedro de Oliveira José Gomes Machado
64
Professora Palmyra Santos Oliveira José Gomes de Oliveira
65
Dra. Maria de Lourdes Chaves José Gonçalves de Ulhôa
66
Arqueólogo Fabiano Lopes de Paula José Lopes de Carvalho
67
Dr Elias Siuffi José Monteiro Fonseca
68
Professora Rejane Meireles Amaral José Nunes Mourão
69
VAGA José (Juca) Rodrigues Prates Júnior
70
Jornalista Márcia Sá José Tomaz Oliveira
71
Dr João Caetano Canela Júlio César de Melo Franco
72
Jornalista Theodomiro Paulino Correa Lazinho Pimenta
73
Dra. Maria das Mercês Paixão Guedes Lilia Câmara
74
Professor Laurindo Mekie Pereira Luiz Milton Prates
75
VAGA Manoel Ambrósio
76
VAGA Manoel Esteves
77
Profª Maria Jacy de Oliveira Ribeiro Mário Ribeiro da Silveira
78
Jornalista Américo Martins Filho Mário Versiani Veloso
79
Professora Maria José Colares Moreira Mauro de Araújo Moreira
80
Jornalista Hélio Machado Miguel Braga
81
Prof. Juvenal Caldeira Durães Nathércio França
82
Dr Haroldo Lívio de Oliveira Nelson Viana
83
Historiador Paulo Costa Newton Caetano d’Angelis
84
Dr Itamaury Telles de Oliveira Newton Prates
85
VAGA Armênio Veloso
86
Professora Zoraide Guerra David Patrício Guerra
87
Profa. Marta Edith Sayago M Marques Pedro Martins de Sant’Anna
88
Professora Miriam Carvalho Plínio Ribeiro dos Santos
89
Jornalista Rosângela Silveira Robson Costa
90
Hostoriador José Henrique Brandão Romeu Barcelos Costa
91
Dr Wesley Caldeira Sebastião Sobreira Carvalho
92
Professor Roberto Pinto Fonseca Sebastião Tupinambá
93
Dr Dário Teixeira Cotrim Simeão Ribeiro Pires
94
Dr Luiz Pires Filho Teófilo Ribeiro Filho
95
VAGA Terezinha Vasquez
96
Professora Ruth Tupinambá Graça Tobias Leal Tupinambá
97
Professor Gy Reis Gomes Brito Urbino Vianna
98
Jornalista Rafael Freitas Reis Virgilio Abreu de Paula
99
VAGA Waldemar Versiani dos Anjos
100
Professora Maria Clara Lage Vieira Wan-dick Dumont

Sócios Correspondentes

Dr.André Kohene Caetité -BA
Prof. Regente Armênio Graça Filho Rio de Janeiro- RJ
Dr. Ático Vilas-Boas da Mota Macaúbas - BA
Dr. Augusto José Vieira Neto Belo Horizonte - MG
Dr. Avay Miranda Brasilia - DF
Jornalista Carlos Lindenberg Spínola Castro Belo Horizonte - MG
Escritora Carmem Netto Victória Belo Horizonte - MG
Historiadora Célia do Nascimento Coutinho Belo Horizonte - MG
Historiador Daniel Antunes Júnior Espinosas - MG
Dr. Enock Sacramento
São Paulo - SP
Dr. Fernando Antônio Xavier Brandão Belo Horizonte MG
Dr. Eustáquio Wagnar Guimarães Gomes Belo Horizonte - MG
Escritor Flávio Henrique Ferreira Pinto Belo Horizonte - MG
Jornalista Geraldo Henriques (Riky Tereze) New York - USA
Prof. Herbet Sardinha Pinto Belo Horizonte - MG
Jornalista Jeremias Macário Vitória da Conquista - BA
Jornalista João Martins Guanambi - BA
Dr. Jorge Lasmar Belo Horizonte MG
Prof. José Eustáquio Machado Coelho Belo Horizonte MG
Prof. Dr. Jorge Ponciano Ribeiro Brasília - DF
Dr. Marco Aurélio Baggio Belo Horizonte MG
Profa. Dra. Maria da Consolação M. Figueiredo Cowen London - England
Prof. Moisés Vieira Neto Várzea da Palma - MG
Jornalista Paulo César Oliveira Belo Horizonte - MG
Jornalista Paulo César Oliveira Belo Horizonte - MG
Escritor Reynaldo Veloso Souto Belo Horizonte - MG
Prof.Thiago Carvalho Makiyama Gunma-Ken - Japão
Prof. Wellington Caldeira Gomes Belo Horizonte - MG
Historiador Zanoni Eustáquio Roque Neves
Belo Horizonte - MG

NOTAS DOS COORDENADORES DA EDIÇÃO

............A ordem de publicação dos trabalhos dos sócios efetivos obedeceu à seqüência alfabética dos nomes dos autores. Em seguida, foram ordenados os trabalhos dos sócios correspondentes; A Revista não se responsabiliza por conceitos e declarações expedidos em artigos publicados; A revisão dos disquetes originais foi feita pelos próprios autores dos artigos publicados.


HOMENAGENS


Historiador João Botelho Neto

Cônego Adherbal Murta de Almeida

Poeta Reivaldo Canela

Escritor
Olyntho da Silveira

Necésio de Morais

EPITÁFIO

Para um túmulo de amigo

“A morte vem de manso, em dia incerto
e fecha os olhos dos que têm mais sono...”.

(Alphonsus de Guimaraens – ossa mea, I.)


FINS DO IHGMC
Art. 2º - O IHGMC tem como finalidade a promoção de estudos e a difusão de conhecimentos de história, geografia e ciências afins, do município de Montes Claros e da região Norte de Minas, assim como o fomento da cultura, a defesa e a conservação do patrimônio histórico, artístico e cultural.

APRESENTAÇÃO

............Estamos agora folheando mais um volume da Revista do Instituto Histórico e Geográfico de Montes Claros. Elas se fazem necessárias para que possamos divulgar os nossos projetos que visam o conhecimento humano; o resgate da memória histórica e a preservação do patrimônio público e privado. Nota-se, contudo, que não houve nenhuma mudança significativa no layout gráfico de seu miolo e nem de sua capa. Mas, por outro lado, o leitor certamente continuará a encontrar nesta coletânea, uma série de pesquisas sobre a nossa terra, a nossa gente e os nossos costumes, com textos repletos de gravuras e ilustrações, os quais apresentam uma visão geral de um passado glorioso e que merece maior atenção dos geógrafos e historiadores do nosso Instituto.

............Portanto, recomendamos todos os leitores para que leiam mais uma Revista do nosso Instituto Histórico e Geográfico de Montes Claros. Pode-se dizer que ela foi escrita com carinho extremoso e, em sendo assim, é licito afirmar que não há, aqui, nenhuma ambição científica ou filosófica por parte de seus editores, porque é dever dos nossos ilustres confrades a valorização da nossa história com a divulgação de artigos que complementam os fatos ainda poucos conhecidos. Não queremos com isso dizer que tenhamos realizados plenamente a nossa tarefa de editor/historiador e não o fizemos por uma simples razão: é que estamos apenas iniciando os primeiros passos na busca da história antiga de nossa terra.

............Pode e devem ter ocorridos lapsos e senões durante a sua formatação. Não creiamos que isso seja evitável quando se trata de uma obra que abrange nada menos que três ciências especializadas: a história, a geografia e a genealogia. Neste caso seremos gratos ao leitor competente por qualquer correção que se fizer necessária. Sendo assim, é chegado o momento em que é preciso resgatar o passado do nosso povo com o fito de por em evidência as nossas origens. O presente apenas nos oferece a oportunidade de se fazer tudo isso. Portanto, para tudo dizer com poucas palavras, que estamos concluindo com honestidade e competência mais uma Revista do Instituto, esperando que as próximas gerações possam se sentir orgulhosos de tudo do que hoje produzimos.

............Finalmente devemos agradecer a todos os confrades que nos ajudaram na confecção desta empolgante Revista. Também queremos agradecer penhoradamente, a comissão de revisão dos textos, que teve a gentileza de rever todos os manuscritos com o máximo de esmero, objetivando fazer da nossa Revista o melhor documentário histórico e geográfico de Montes Claros e, também, do Norte de Minas. Não devemos tampouco, esquecer de registrar aqui o nosso reconhecimento de gratidão aos diretores da Millennium por terem eles incumbidos, com um profissionalismo inquestionável, do melhor propósito na publicação desta obra e de outras tantas referentes ao nosso Instituto Histórico e Geográfico. Em poucas palavras podemos dizer que esta antologia trata-se de uma obra essencial, altamente instrutiva e certamente de valor artisticamente incontestável para todos nós.

Dário Teixeira Cotrim
Presidente do IHGMC


 

 

 

Revista
do Instituto Histórico e Geográfico de
Montes Claros
Fundado em 27 de Dezembro de 2006

 

 


Destaque do semestre

Uma Justa Homenagem

............No dia 12 de setembro de 2010, na cidade de Diamantina, data do nascimento do ex-presidente Juscelino Kubitschek, o escritor Petrônio Braz, sócio e secretário do Instituto Histórico e Geográfico de Montes Claros, foi agraciado pelo Governo do Estado, com a Medalha de Honra JK.

............A Medalha JK tem como objetivo agraciar personalidades que se destacaram pela relevância de seus serviços prestados à coletividade. Trata-se de uma das condecorações mais importantes do Estado, justamente por retratar a memória de um dos mais notórios homens públicos do País. A solenidade de entrega da Medalha JK aconteceu na Praça que leva o nome do ex-presidente.

............O Conselho da Medalha, responsável pela escolha dos homenageados, é formado pelo presidente da Assembléia Legislativa do Estado, deputado Alberto Pinto Coelho; pelo presidente do Tribunal de Justiça de Minas Gerais, desembargador Cláudio Renato dos Santos Costa; pelo secretário de Estado de Cultura, Washington Tadeu Mello; pelo prefeito de Diamantina, Geraldo da Silva Macedo; pelo presidente da Casa de Juscelino (Diamantina), Serafim Melo Jardim; pelo presidente do Instituto JK, Aníbal Teixeira de Souza; e pelo representante da família do ex-presidente Juscelino Kubitschek, Carlos Murilo Felício dos Santos.

............Criada em 1995, a comenda é dividida nas categorias Grande Medalha e Medalha de Honra. Grande Mérito, para chefes do Executivo, Legislativo e Judiciário, e Medalha de Honra, para outras autoridades e personalidades. São destacadas personalidades e instituições que contribuem para o desenvolvimento de Minas e do País.

............Além da Medalha de Honra JK, o jurista, poeta e historiador Petrônio Braz foi agraciado pelo Governo do Estado, em 2008 com a Medalha “Santos Dumont”, grau prata, por indicação da Academia Mineira de Letras; em 2009 com a Medalha “Matias Cardoso, pelo Movimento Catrumano e, no mesmo ano, com a Medalha Comemorativa dos Cem anos de fundação da Academia Mineira de Letras.

Comissão Editorial


O DIA DA CONSCIÊNCIA NEGRA

Amelina Chaves
Cadeira N. 28
Patrono: Darcy Ribeiro

“Sou negro, sim... Por que não?
Que culpa tenho eu de ter na pele a cor da escuridão”.

Poema premiado no concurso ZUMBI, em Salvador/BA.

............Em todas as histórias da humanidade existem registros de fatos em que o homem comporta-se como abutre do próprio homem. Ou chacal faminto, em outros casos hienas, que devoram a presa sorrindo e sem a menor piedade. Houve tantos monstros no decorrer da história que se torna impossível enumerá-los. Cristo um pregador de leis, queria apenas a igualdade para todas as nações. Foi a maior vítima dos carrascos e torturadores de sua época. Foi morto e crucificado. Qual o crime ele teria cometido? Jamais foi citado, todos conhecem os nomes Adolfo Hitler, Maquiavel, Marquês de Sade e mais uma infinidade deles espalhados pelas páginas dos livros antigos.

............Fazendo uma retrospectiva no tempo, chegamos ao Brasil numa época não muito longe. Podemos ver os registros das páginas sangrentas, onde mostra os momentos terríveis vividos por homens, mulheres e crianças vítimas da escravidão. Os homensabutres inventavam para os pobres negros desterrados de suas origens os mais exóticos instrumentos de tortura, para promover o sofrimento humano, entre eles: tronco, o ferro em brasa; o chicote com bolas de ferro nas pontas, o pau de arara, a palmatória, colar para o pescoço com guisos, corrente com bolas de chumbo para os pés, e mais uma infinidade de criações de mente diabólicas. Qual seria o crime cometido por esses homens, que se aglomeravam nas senzalas como animais? O que existe de mal na diferença da cor da pele, se todos são filhos de Deus?!

............Enquanto a escravidão era lucrativa e prazerosa para o sadismo de muitos, podemos notar claramente que a única consciência existente era a de explorar o trabalho escravo sem gastos.

............Muito tempo depois cria-se a chamada CONSCIÊNCIA NEGRA. Consciência de que? De que homens e mulheres foram explorados, humilhados nos tétricos troncos, muitas vezes nus? Outros expulsos deixados à margem, amontoados pelos cantos; analfabetos, sem empregos? Contudo, será que ainda não a prenderam que todos nós somos iguais perante a lei? E que o sol nasce para todos? Deus não discrimina ninguém, nem criou os preconceitos. O primeiro a nos alienar o homem de qualquer cor é ele mesmo, que não busca o conhecimento, este que liberta e ensina caminhos diferente, para viver com dignidade de todo cidadão brasileiro consciente dos seus direitos e deveres. De uma forma ou de outra, somos todos afro-descendentes. Devemos nos orgulhar da força da nossa raça, esta que é parte da história de um Brasil livre e generoso.


A Igreja dos Morrinhos

Clarice Sarmento
Cadeira N. 31
Patrono: Dulce Sarmento

............De cima do pequeno outeiro, a igrejinha do Senhor do Bonfim contempla a cidade e as mudanças sofridas, ela própria também muito diferente da primeira e minúscula capelinha, construída em 1886 por D. Germana Maria de Olinda, cujos ossos repousam em seu interior.

............Testemunhou o preenchimento pouco planejado dos espaços vazios da colina e da cidade. Viu romântico caminho de brita, ladeado de capim cor-de-rosa e que serpenteava morro acima, ser ocupado por construções e o acesso à igreja ser deslocado para a parte posterior do morro.

............A história da capelinha pode ser contada por ciclos.

............Embora inaugurada festivamente em 14 de setembro de 1886 pelo padre Manoel Ribeiro Assunção, ficou abandonada por 60 anos, durante os quais sofreu apenas uma reforma em 1930, o que evitou a degradação total de sua estrutura. Em 1946, quando da extensão dos trilhos da rede ferroviária até Monte Azul, o engenheiro-chefe encarregado dos trabalhos, atendendo solicitação de senhoras rotarianas, promoveu uma restauração,reformando o antigo cruzeiro e construindo um pedestal para o Cristo Redentor, retirando-o da torre onde fora colocado na reforma de 1930.

............Meus pais mudaram para a rua Melo Viana em 1944. Podiase contar nos dedos as escassas casas, não só na rua como no bairro todo. Provenientes da praça da matriz, acostumados à vizinhança da igreja e suas celebrações logo se interessaram pela igrejinha restaurada que continuava abandonada. Em 1947, minha mãe Maria Guimarães e sua amiga Mariquita Maia que, aliás, morava “lá em baixo” na rua Dr. Veloso, puseram-se em campo para equipar a Igreja com santos, móveis e bancos, toalhas, paramentos e demais objetos litúrgicos necessários. Saiam todas as tardes, religiosamente, de porta em porta, visitando casas comerciais e casas de amigos, a pedir donativos. E foram comprando o necessário, mandando vir de São Paulo aos poucos, à medida que o dinheiro ia entrando. A partir daí começaram a pressionar Padre Marcos Van In e Monsenhor Osmar de Morais Lima, este à frente da diocese desde a morte do bispo D. Aristides Porto, pois a capela precisava de um padre para os serviços religiosos.

............Por sorte, chega à cidade, recém-ordenado pelo seminário de Jaú, padre Humberto - Adherbal Murta de Almeida. (Naquele tempo usava-se mudar o nome de batismo quando da ordenação). Dotado de grande idealismo, inteligência e entusiasmo, o jovem padre transformou a capelinha no centro religioso da cidade, para onde se deslocava a população dos quatro cantos dela, para participar das novenas e procissões, missas e leilões. Fundou a Cruzada Eucarística de crianças, o Corinho Santa Terezinha (depois dividido em três grupos de 20 meninas - uniforme grená, verde e azul - e que cantava em latim missas completas, ladainhas e Te Deuns, assim como a Irmandade de Santa Terezinha para as mocinhas As festas do Senhor do Bonfim, São Geraldo, São José e Santa Terezinha eram precedidas de novenas finalizadas por procissões iluminadas por velas e que serpenteavam pela encosta.

............No mês de maio, depois do terço e ladainha cantada, havia coroações todas as noites. Eu lá estava sempre, com meu camisolão de cetim cor-de-rosa, guarnecido de casinhas-de-abelha e arminhos de asas de penas de galinha, cantando no maior entusiasmo, muito bem ensaiada por Clotilde Costa (Colo). Eu também fazia parte do Corinho Grená. Ilda, filha de Neném Mangabeira, nos acompanhava aos ensaios das quintas-feiras feitos, na maioria das vezes, pelo seminarista Tiãozinho de D. Ana, hoje padre Joaquim, na capelinha de Nossa Senhora Aparecida, ao lado da “Casa dos Pobres” e do Seminário Premonstratense. Parece-me daí o despertar do interesse que me levou, depois de anos como pianista, a optar pelo canto coral e obter tantas alegrias numa profissão que me realiza.

............A equipe de trabalho na igreja era invejável e o braço direito de mamãe e padre Humberto passou a ser Coló, sempre prestativa com sua bondade e disposição. Os paroquianos adoravam o dinamismo e idealismo do jovem sacerdote e, como escrevi certa vez, desconfio de que muitos o confundiam com os santos do altar.

............Leonel Beirão de Jesus era leiloeiro e gritava os lances no maior entusiasmo, intercalando-os com momices, brincadeiras e inconveniências verbais que divertiam a plateia e a criançada. Meu pai era o escrivão; fazia a escrita das doações e coletas e anotava os fiados para serem cobrados por “Seu Santo”. Seu Vicente Ferreira Borges tocava o harmônio, que tinha sido doado por Levi Pimenta.

............Foram cinco os anos de ouro da capela, anos que, como aconteceu comigo e meus irmãos, iluminaram nossa infância e alicerçaram nossa vida, com exemplos de bondade, trabalho, amor e doação.

............Em 1953 Padre Murta foi transferido para Monte Azul. O padre designado para substituí-lo encontrou paroquianos frustrados, sem cooperação. Nada foi como dantes e a igrejinha voltou ao abandono, só retornando suas atividades com a designação do Padre Inácio Terez, que promoveu aumento de sua área interna e construiu o salão paroquial, onde hoje se reúnem grupos de trabalhos como o dos Vicentinos e da Pastoral da Criança. Logo depois foi restaurada sob o patrocínio da Copasa e Sementes Tolentino.

............O pároco atual celebra missas aos domingos, realiza casamentos e batizados. É um novo ciclo que começou e o período 47-53 e seu significado passou a ser guardado somente nas recordações daqueles que dele fizeram parte. Para os demais, a igrejinha é apenas um acidente geográfico na paisagem da cidade e sua história, uma lembrança esquecida de um passado distante.


Corinho Sta Terezinha - Na fila do meio, assentados, da esquerda para a direita:
Ilda mangabeira, Clotilde Costa (Coló), Cleonice Sarmento (Irmã Leila),
Maria Guimarães Sarmento,Pe. Murta, Clarice Sarmento, Seu Vicente (tocava
o harmônio) Bia Nery.


AS ESTRADAS DO TIJUCO A SALVADOR

Dário Teixeira Cotrim
Cadeira N. 93
Patrono: Simeão Ribeiro Pires


1. A ESTRADA REAL PELO NORTE DE MINAS

............A Estrada Real seria, sem dúvida alguma, um projeto de real grandeza para o território brasileiro, não fosse a falta do seu complemento para entender que seja ela o fato mais significativo para a memória nacional. Na verdade, faltam estudos mais acurados nos arquivos históricos da cidade de Rio de Contas e de Caetité. Quer isso dizer que o Instituto Geográfico e Histórico da Bahia e o Arquivo Público da Bahia não podem ser desprezados pelos pesquisadores. Hoje, quem acompanha o projeto existente tem uma visão mediana do que se quer documentar: da cidade de Parati (no Rio de Janeiro - Caminho Velho) e da cidade do Rio de Janeiro - Caminho Novo – até a velha cidade de Ouro Preto. Entretanto, num segundo momento, deste ponto até a vila do Tijuco (Diamantina), trecho tem a denominação de Caminho dos Diamantes.

............Até aí tudo bem. Porém, o caminho mais importante para a remessa dos malotes de diamantes foi a Estrada das Boiadas, ou Caminho do São Francisco, aberta por uma ação espontânea dospaulistas e complementada por Antônio Gonçalves Figueira, com o desmatamento das inúmeras veredas margeando o rio Jequitaí até as beiradas do rio São Francisco. A vila de Montes Claros das Formigas era uma parada obrigatória para o pouso das tropas, sempre na busca do descanso necessário para o prosseguimento da viagem. A Estrada Real é muito mais do que é apresentado pelo senhor Eberhard Hans Aichinger. A Estrada Real se completa com a participação do Norte de Minas e a Chapada Diamantina, na Bahia. Em vista disso, há duas versões ainda por serem estudadas sobre a nossa região: o Caminho do São Francisco e o Caminho do Sertão. Ambos têm início na cidade de Diamantina e se cruzam em Tranqueira (ou Criolos do Paramirim) para depois seguirem até a cidade de São Salvador.

............Mas, é muito triste dizer que os governos baianos sempre foram negligentes na recuperação da histórica Estrada Real do interior do Estado. É por isso que o diretor geral do Instituto Estrada Real, em entrevista com Cezar Félix, disse com certa arrogância que “a Estrada Real é do povo de Minas Gerais”. Isso não é verdade!
Ela é também do povo baiano.


Fazenda São Romão do Capitão Mor Salvador Cardoso de Sá, onde funcionava
o 7º destacamento no distrito de Diamantina na Estrada Real de Diamantina/
MG para Tranqueira/BA.


............Ora, o desbravador do grande-sertão norte-mineiro foi o bandeirante Antônio Gonçalves Figueira, que criou a fazenda Brejo Grande na região do Vacaria. Por ali passava o Caminho do Sertão com destino à fazenda de São Romão, que era de propriedade do capitão-mor Salvador Cardoso de Sá (falecido em 1755). No inicio do século dezoito, o referido capitão-mor prestava serviços de fiscal no Destacamento Número 07 do Distrito Diamantino, nas margens do rio Pardo. Deste importante destacamento de fiscalização, o Caminho do Sertão ainda passava pela Vila do Príncipe de Santana de Caetité para, depois, cruzar com o Caminho do São Francisco, em Tranqueira, na Chapada Diamantina – Bahia. O Caminho do Sertão não foi de pouca valia para a História do Brasil, assim como pensam alguns historiadores paulistas. Não obstante a decadência do ouro na região de Minas Novas, Grão Mogol e Serra Nova (Rio Pardo de Minas) muitas tropas levavam as riquezas da terra para a cidade de Salvador, e outras tantas traziam, dos currais do rio das Rãs, o gado que era negociado no Curral das Pedras, do fazendeiro João Costa, para a região dos diamantes. Por tudo isso, o Caminho do Sertão é um importante traçado real que deve ser recuperado para completar os estudos sobre o ciclo do ouro em Minas Gerais e Bahia.

2.O CAMINHO REAL PELO SERTÃO BAIANO

............De Vila de Albuquerque ou Vila Rica (Ouro Preto) para a cidade de São Salvador (Salvador), o caminho que levava o “metal amarelo” para a coroa portuguesa iniciava pelas margens do rio das Velhas (antigo Rio das Abelhas), até a Barra do Guaicuí, no rio São Francisco. A viagem deste ponto do rio até a Biguara ou Malhada do Porto de Santa Cruz (Malhada) era tranqüila e rápida, pois as corredeiras do rio tornavam-se motor propulsor que impulsionava os diversos barcos carregados de pessoas e animais rio abaixo. Até aqui a viagem era feita pelas águas dos rios. Mas, daqui pra frente, as tropas de mulas cargueiras enfrentavam as veredas sinuosas do sertão em busca da Chapada Diamantina, com muitas dificuldades.


Igreja de Parateca, município de Malhada/BA.


Fazenda Três Irmãos, município de Palmas de Montes Alto, pouso utilizado
pelos tropeiros com destino a Chapada Diamantina/BA.

............De Malhada do Porto de Santa Cruz o primeiro pouso era na fazenda do capitão Tomé Nunes, onde a caravana-real ficava por pouco tempo. Na seqüência, a fazenda Juazeiro, Venda e Boca da Caatinga até chegar à fazenda Curralinho para um descanso maior e com muito mais conforto. Desse ponto vai até a fazenda da Passagem, da Barra, da fazenda do Mija-Fogo, Marreco, Bemse-vê e Campinas para, então, chegar à Vila de Nossa Senhora Mãe de Deus e dos Homens de Monte Alto (Palmas de Monte Alto),

............Na segunda etapa do caminhada, a caravana-real levantava cabana ainda no escuro. Tinha à frente o belíssimo bloco de pedras denominado de Três Irmãos, onde a tropa repousava para um lauto café da manhã. Era preciso enfrentar o sol escaldante da caatinga. Por isso uma parada rápida em Paga Tempo com destino à fazenda Capim da Raiz. A viagem prossegue por Boqueirão, Boa Vista e Brejo com parada obrigatória na fazenda da Gameleira. O movimento comercial ali em Gameleira já era intenso, haja vista a presença de padres recolhidos no Hospício por força de lei criada pelo Marquês de Pombal, em 1760. Do Hospício passavase pela fazenda Escadinha e chegava-se na Vila Nova do Príncipe e Santana de Caetité (Caetité). Aqui termina a segunda etapa da
viagem da caravana-real.

............A terceira etapa da caminhada iniciava na Vila Nova do Príncipe e Santana de Caetité. Desse ponto passava-se na fazenda Santa Bárbara, e daí, numa estica longa até a fazenda Lagoa Grande, para o descanso dos animais. Na sequência, a viagem tornava-se custosa, tendo em vista os caminhos íngremes que eram enfrentados pela caravana-real. Uma parada mais longa se fazia na fazenda Lagoa do Timotheo depois de passar por Brejo Sujo, Quebradas e Juazeiro. Em Lagoa do Timotheo já existia a Igreja de São Timóteo que é considerada uma das mais velhas do interior do Brasil, juntamente com a Igreja de Parateca (Pareiatécá) e a outra em Morrinhos (Matias Cardoso). De Cacimbas, Salitre, Cova de Mandioca até a fazenda do Tabuleiro havia uma trégua para os animais, tendo em vista a abundância de água e a existência de melhores pastos. Todavia, desse ponto em diante a viagem tornava-se angustiante e ao mesmo tempo gratificante. Angustiante pela dificuldade de vencer os cerros íngremes e as passagens dos grandes rios – Tabuleiro e Brumado – até a Vila Velha (Livramento de Nossa Senhora) e, gratificante por causa das belezas naturais que a região sempre oferecia aos tropeiros em viagem. Certamente que a Chapada Diamantina é uma das regiões mais bonitas de todo o território brasileiro.

............Por fim, a subida da Serra da Vila Velha até a vila de Minas do Rio de Contas (Rio de Contas), no alto da Chapada Diamantina, onde termina a terceira etapa da viagem com destino à cidade de São Salvador.


Igreja de São Temoteo, pouso que ficava entre Caetité e Tranqueira, na Chapada
Diamantina/BA.


MONTES CLAROS
Memória, Devoção e Milagres

Fabiano Lopes de Paula
Cadeira N. 66
Patrono: José Lopes de carvalho

Se não usarmos o milagre que Deus nos deu hoje, ele se perderá –
porque não pode ser guardado ou utilizado amanhã.”

Paulo Coelho

............O valor quase mágico de uma fórmula de uma oração se encontra no poder que a mente do suplicante confere aos seus dizeres. É inútil procurar graças fora daquele campo de energia, pois, sem uma alquimia de fórmulas, parece impossível conseguir o que ele pede, simplesmente porque os fundamentos da crença estão centrados no reconhecidamente coletivo. Assim este responsório reflete uma concepção coletiva de que a recompensa de uma graça recebida se encontra na disponibilidade de invocar:

“Dizem quem busca milagres
Que os enfermos sara, Antônio,
Afugenta o erro, a morte,
Calamidades, demônio...”
(Responso de Santo Antônio. COUTINHO, 2006, p.71).

............Essa quadra, inicialmente, apresenta conteúdo de oração feita pelo povo; trata-se, dentre outros, de rezas, responsórios em linguagem simples, envolvente e popular que abrangem um tipo de ex-voto. Os ex-votos são importantes ingredientes para a religião, a história, o patrimônio cultural e ricos de interesse para o turismo.

............É da própria essência da vida humana a necessidade de fazer usos de símbolos ou signos para expressar idéias, angústias, temores, teorias. O estudioso da cultura popular se atém a uma análise impregnada de carga simbólica de cultura materializada ou exteriorizada, que, após socializada, não é encontrada apenas nas mentes individuais, mas passa a fazer parte do coletivo.

............Para a interpretação de tais fatos, a Semiologia fornece modelos teóricos vinculados a linguagens por constituir-se em ciência que estuda os signos e os símbolos, objetos-base para a compreensão da iconografia e iconologia. Esses dois assuntos são pertinentes a este texto, cujo objetivo é apontar questões sobre ex-voto, numa abordagem de conteúdo e forma e como se manifestam nas cidades. É importante percebê-los no nosso cotidiano.

............A Semiologia estuda os signos passíveis de serem visualizados em suas infinitas formas, com auxílio de estudos interdisciplinares, principalmente, a linguagem. O estudioso de ex-voto deve, dentre outros, voltar seu olhar para a sua questão sígnica e simbólica, o que requer leituras de documentos-testemunhos, já que essa ciência permite ler, desvendar os aspectos signológicos dos objetos.

............Segundo Umberto Eco, ex-votos significam ”imperfeições, indícios, sinal manifesto a partir do qual se podem tirar conclusões e similares a respeito de qualquer coisa latente (...). Qualquer processo visual que reproduza concretos, como o desenho de um animal para comunicar o objeto ou o conceito correspondente” (ECO, 1977, p. 15-16).

............Dessa forma um objeto, como um pé de cera ou de madeira(cura de uma doença), uma casinha (sinal de imunidade a um incêndio por exemplo), uma muleta (símbolo de enfermidade ou desenfermidade, mecha de cabelo, fotografias, quadros narrando a história de cura, pingentes esculpidos em metais das partes afetadas) numa sala de milagres possibilitam leituras polidimensionais, pois trata-se de objetos sígnicos entre o crente e a divindade, passíveis de serem lidos e interpretados, num universo sensorial.

............Segundo (BOURDIEU, 2004, p.8-9), determinações materiais e simbólicas possuem uma complexa relação de interdependência, atuam sobre as estruturas sociais e psicológicas do agente, em situações historicamente contextualizadas. Um fato concretizado pela fala de alguém ou a visão de um fato ilustrativo de uma cura, reproduz e perpetua uma prática social. Para ele, “para pensar o social, é preciso ser um pouco artista, um pouco ousado e, sobretudo, muito subversor”, afinal a Sociologia é um esporte de combate, é uma arma a favor do conhecimento, da tomada de consciência e da transformação da ordem.

............Assim, uma ocorrência de cunho sobrenatural é uma forma de subversão à ordem natural das coisas, ao conhecimento científico, ou seja, uma subversão cognitiva. Representa a manifestação de uma cultura pertencente ao campo da consagração dos bens simbólicos, do desconhecido, desvestida de poder material que pode concretamente decidir. Acreditar em fatos sobrenaturais não deixa de ser uma forma de dominação, diferente da força física ou do poder pelo dinheiro, mas pelo mágico, por um jogo de forças que operam no psiquismo do agente, que desafia a ordem natural dos fatos, por um mundo cósmico de rezas, de dizeres miraculosos, de ideologias. Do sagrado (BOURDIEU, 2004).

............Esse acreditar no que vem do misterioso se traduz em formas simbólicas, concretas, numa tentativa de materializar todas as recompensas recebidas, de tornar visível os efeitos da crença no sagrado. Artistas, desprovidos de fé ou não, materializam em obras de arte fatos sobrenaturais em nome de sua capacidade criativa. Assim registram, em forma de pinturas, esculturas e objetos, imagens de santos, capelas, representações de milagres, figuras destinadas a pagamento como agradecimento por uma graça recebida. Esses trabalhos, muitas vezes, passam a constituir peças de museu e nelas se concentra toda um história mística de uma situação espaço-temporal, datada, que envolve agentes, produção mental de uma realidade, fórmulas de oração, aspirações, fé, enfim toda uma alquimia social, inexplicável materialmente e que produziu seus efeitos. Basta, portanto, levar tudo isso em consideração, para verificar a verdade nesse campo de fluidos positivos e verificar, também, que dos trabalhos artísticos emana uma energia socioespiritual (BOURDIEU, 2004).

............Para o Museólogo José Cláudio Alves de Oliveira, professor do Departamento de Museologia da Universidade Federal da Bahia (UFBA) e coordenador do projeto Ex-votos do Brasil, “[...] os ex-votos [...] são documentos. Exposições provocadas por todo o tipo de pessoas: camponeses, trabalhadores, desempregados, turistas, estudantes, ricos e pobres. Refletem a crença, a fé e as atitudes do homem, da vida, da doença, da morte, da ambição, da festa, de variados valores sociais, políticos e econômicos. Ao manter (e atualizar) a tradição, essas pessoas se espelham no costume de ir a um ambiente do povo rezar e fazer a desobriga” (OLIVEIRA, 2009, p.31).

............Todo esse acervo do ex-votos, fornecido pelos “crentes”, passa a constituir o patrimônio cultural de uma região, de um povo, de uma nação. De acordo com (CHOAY, 2001), os ex-votos podem ser explicados, tendo-se como base as estruturas familiares, econômicas e jurídicas de uma sociedade estável, cujos efeitos são atemporais e sem fronteiras.

............É dentro dessa requalificação que se insere o adjetivo patrimônio cultural, termo emergente, o qual está relacionado ao legado que recebemos do passado no presente e transmitimos às futuras gerações. O patrimônio é um acervo de vida e inspiração, ponto de referência para a identidade de um grupo, de um povo, de uma nação. (UNESCO, 2007)1.

............No milagre se insere a figura do “duplo”: de um lado, o mágico que liberta o milagrado; de outro, as cargas maléficas que aprisionam. O beneficiador ou o milagreiro é deposto em lugar de destaque e o agraciado, não importa a sua identificação e, sim, a fixação do essencial, fortalecido pelas velas votivas, ofertas de flores, esmolas para manutenção dos cultos. Dessa forma, os agraciados passaram a freqüentar as salas de milagres e nas adjacências surgiram comércios como fomento do ex-voto, medalhas, garrafas de água benta ou de fonte milagrosa, flores que tocaram a imagem e os famosos riscadores de milagres.

............O catolicismo chegou ao Brasil por intermédio dos portugueses que trouxeram a religião voltada para o culto aos santos e divindades. A construção de ermidas aqui era impregnada de confiança em devoções e não com a prática de culto a Deus em primeiro plano. Essa tradição propagou-se entre os fiéis e deu origem a cultos organizados, o que induziu os crentes à construção de santuários, como os que temos hoje (SILVA, 1981).

............A “sala dos milagres” do Santuário de Aparecida do Norte, por exemplo, lembra, de imediato, a idéia de promessas, de graças recebidas e de todo um psiquismo de fé, de esperança e de força que move multidões e favorece o aumento da busca pelo espiritual, por aquilo que se encontra além da concretude. Os elementos que comprovam os milagres e as graças recebidas são demonstrações de que o transcendental tem um papel decisivo na vida das pessoas e as move não só pela busca, mas também pela gratidão que se manifesta em pagamentos e solicitações por meio de objetos.

............Assim os ex-votos se confirmam por meio de uma série de elementos representativos das mais diferentes formas de agradecer e de esperar. Constituem uma verdadeira profusão de mensagens linguísticas, iconográficas, fotográficas, bibliográficas, que semiologicamente se pode definir a que ciência esse material poderá servir de estudo e como interpretá-lo como significado cultural, porque cada objeto oferece não uma leitura unívoca, mas uma leitura plurissignificativa. Os ex-votos formam um círculo que nunca completam sua trajetória: são promessas cumpridas e a serem cumpridas, são fés que se renovam a cada novo pedido e a cada novo atendimento, são depoimentos que expressam verdades ou mentiras; o amor ou o ódio; a arte ou o grotesco; o sagrado ou o profano; o útil ou o desprezível. Tudo possui um valor simbólico diferente para cada um ((SILVA, 1981).

............O termo ex-voto é uma abreviação latina que significa “o voto realizado”. Refere-se a pinturas, estatuetas e a variados objetos ou edifícios doados às divindades como forma de agradecimento por um pedido atendido. São manifestações artísticoreligiosas ligadas diretamente a artes religiosas e populares, constituindo centro de interesse e de pesquisa aos historiadores da arte e da cultura, arqueólogos e antropólogos. As motivações do presente votivo se manifestam em favor da proteção contra catástrofes naturais, cura de doenças, recuperação em virtude de sofrimentos amorosos, acidentes e dificuldades financeiras, dentre outros. O voto feito aos deuses, por sua vez, também adquire formas muito diversas: placa, maquete ou pintura descrevendo os motivos da promessa, ou pequenas réplicas (de barro, madeira ou cera) das partes do corpo afetadas por moléstias (perna, cabeça, mão, coração, etc.), chamadas por alguns de “ex-votos anatômicos”. Há também “ex-votos marinhos”, principalmente oriundos de regiões litorâneas, que, em forma de barcos, são colocados em locais públicos - capelas ou sala de milagres. Tudo isso representa uma troca com o divino. É uma prática que se manifesta, artística e ritualmente, em todas as épocas e culturas (OLIVEIRA, 2009. http://www.revistamuseu.com.br).

............Quanto à origem do ex-votos, algumas fontes localizam-na entre os fenícios. Já aparecerm manifestações nas religiões précristãs e pré-islâmicas da Ásia Menor, norte da África, e povos mediterrâneos, da Europa ocidental e central. Encontram-se, também, formas comparáveis ou idênticas em tradições recentes e populares da Índia, Tibet, China e Japão. Essa tradição se dissemina nas Américas do Sul e Central, entre a colonização portuguesa e espanhola, e as missões católicas romanas. Na Idade Média, o ex-voto constitui hábito da nobreza, que encomenda os objetos votivos - em geral pinturas - a artistas conhecidos. “Até o século XVI, o ex-voto pintado se mantém preferencialmente relacionado às classes mais abastadas; e, a partir desse período, as imagens votivas se disseminam pelo mundo ocidental, aparecendo cada vez mais em imagens populares.2

............Para (SCARANO, 2004), a locução latina ex-voto, em seu sentido amplo, significa o pagamento de algo pela graça recebida. Isso quer dizer que, diante de uma situação de perigo vencido, há uma manifestação de gratidão e, consequentemente, de agradecimento. Ex-voto traduz uma idéia de eterno agradecimento de algo que já ocorreu, mas seus efeitos, em forma de milagre, partem do individual ou de um pequeno grupo e atingem o coletivo e se prolongam pela eternidade.

............Essa autora diz, ainda, que essa idéia de milagre ou de manifestação do poder de Deus, ou seja, da vitória sobre o mal está contida nos Evangelhos, não só no de Lucas, mas de todos os outros evangelistas. Neles há a manifestação de dois mundos antagônicos, da luta contra o Bem e o Mal que são separados por intervenção de Cristo, separando dois mundos, como se fosse no juízo final. Os ex-votos significam, aos olhos dos humanos, uma forma de dominar ou controlar o mal. Trata-se de designação erudita na qual se enquadram os Milagres e Promessas dos crentes, daí seu interesse antropológico. O ex-voto, quase sempre, é passível de ser integrado em outros contextos, como museus, coleções particulares, galerias de arte, residências e esse fato torna o objeto fonte de informações, para o qual contribuem o conhecimento e a sensibilidade de vários especialistas.

............“Voto e ex-voto são práticas universais cujas raízes se perdem na faixa do tempo em que magia e religião ainda não se distinguiam no enquadramento da práxis do misticismo. Constituem manifestações paralitúrgicas de relacionamento com a divindade (ou seus agentes). O voto caracteriza-se como ato propiciatório anterior à graça ou mercê desejada (...) Ex-voto é, portanto, uma prática desobrigatória posterior à graça alcançada, como testemunho público, (...) não só da força milagreira da divindade (ou seus agentes), mas também da gratidão do milagrado (SILVA, 1981).

............Em 1938, o escritor modernista, Mário de Andrade, então diretor do Departamento de Cultura de São Paulo, empreendeu a realização de importante pesquisa de campo com o objetivo de documentar a música popular nordestina. A nascente Diretoria de Patrimônio Histórico e Artístico (IPHAN) realizou, paralelamente, trabalhos no sentido de levantar arquiteturas e costumes regionais. Entre eles se encontrava Luís Saia, um dos integrantes da diretoria, que encontrou, na cidade de Meirim, próxima à cachoeira de Paulo Afonso, numa capela, pertencente a núcleos remanescentes indígenas, uma cabeça de madeira, que atribuiu ter pertencido a alguma imagem de roca3. Visitou Tacaratu, Itabaiana, Areia e Alagoa Grande e, nos cruzeiros, encontrou objetos representativos de Milagres. Essa primeira leva de Milagre foi levada à Discoteca Pública Municipal de São Paulo e constituiu junto a outras peças o primeiro conjunto de documentação popular e regional (SILVA, 1981).

............O ex-voto é amplamente realizado até hoje, em todo o mundo. No Brasil, trata-se de uma tradição que remonta ao século XVIII e ao ex-voto pintado do convento de Santo Antônio de Igaraçu, em Pernambuco, procedente da antiga igreja de São Cosme e Damião, 1729. Nele se encontra relatada a epidemia da peste que atinge o Estado em 1685, e que não teria alcançado a cidade em razão da promessa feita pela população. Em Salvador, no mosteiro de São Bento, encontra-se a pintura de 1745, que representa a figura daquele beneficiado pelo milagre, Agostinho Pereira da Silva, que teria escapado de ladrões em razão da promessa feita a Nossa Senhora dos Remédios. No Museu do Estado de Pernambuco, é possível ver três painéis, datados de 1709, representando as batalhas dos montes Guararapes e das Tabocas, e o apelo feito a Nossa Senhora dos Prazeres. Ex-votos esculpidos em madeira se fazem presentes em diversos Estados do Nordeste brasileiro, principalmente Piauí, Ceará e Rio Grande do Norte (idem).

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3 - Imagem destinada a receber vestimentas. Tronco e braços repousam em
armação de madeira em forma de cone.
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............Na Bahia, no interior de uma caverna, num penedo, junto ao rio S. Francisco, tem-se a Capela de Bom Jesus da Lapa que reúne fiéis tanto da Bahia quanto do norte de Minas. Em Minas Gerais, existem várias capelas votivas do século XVIII, dentre as quais se destacam: O Santuário de Bom Jesus de Matosinhos em Congonhas e a Capela de Nossa Senhora do Ó em Sabará.

............A intenção do ex-voto é a de trazer o céu à terra: isso significa que o homem, em sua pequenez e insignificância, diante dos males e angústias que o assolam, faz seu pedido por intermédio de um santo que o leva a Deus, que é o autor dos milagres, mas o personagem principal é o santo, porque dele depende a aceitação do pedido. A fé, mais do que outro merecimento, é que faz acontecer o milagre, a concessão do pedido, mesmo que o suplicante seja o maior pecador do mundo.

............Alguns santos são conhecidos por curarem determinados males ou por resolverem determinadas situações. Como exemplos, dentre muitos outros, temos S. Brás, protetor da garganta, capaz de curar seus males; S. Roque, livra os crentes da peste,
São Bento protege contra bichos peçonhentos e Santa Luzia é protetora dos olhos, São Gonçalo do Amarante, protetor das moças solteiras. Outros, inicialmente, específicos de certas classes sociais, como no caso de São Benedito, Nossa Senhora do Rosário e Santa Efigênia, santos dos escravos, mas oragos, como quaisquer outros, que atendem indistintamente a toda as classes sociais.

............Esta música narra um episódio em que força da crença vem o socorro provocado pela fé. Certamente, o fato pode não ter acontecido e não se sabe se em Montes Claros de Minas ou Montes Claros de Goiás. Não importa. Essa oralidade e essa cultura popular é que fortalece as crendices.

 

O GRANDE MILAGRE


(Mococa e Moraci)


Lá perto de Montes Claros na fazenda do Simão.
Alí existe uma estátua com um chicote na mão.
Dizem que há muitos anos no tempo da ecravidão.
Existia um fazendeiro que fazia prisioneira,
As famílias do sertão.

O homem e seus capangas matavam sem piedade.
Quem tentasse uma fuga da fazenda Soledade.
O povo morria a míngua com uma esperança em vão.
Quem reclamasse apanhava o seu chicote estalava,
Na maior judiação.

Um velho já bem cansado cuidava de seu netinho.
Fazia oração chorando pra salvar o menininho.
Ao ver a criança pedir vovô não me deixe morrer.
Sai co’o menino doente pediu na fazenda urgente,
Ajude meu neto a viver.

O carrasco olhou o velho que ajoelhado ao chão.
Nos braços o seu netinho implorava compaixão.
Mais na hora o fazendeiro foi em cima do velhinho.
Que ao levantar o chicote o velho sentiu a morte,
E abraçou-se ao netinho.

O menino amedrontado chamou sua mãe querida.
Proteja vovô lhe peço: Ó Senhora Aparecida.
O milagre aconteceu foi uma grande explosão.
O fazendeiro malvado alí ele foi tranformado,
Numa estátua e chicote na mão.

“COMO NO CÉU.”

............As questões que afetam os suplicantes são as do cotidiano. Por vezes, no imaginário popular, adquire-se uma intimidade com o sagrado, o céu e a terra são próximos e este caminho é uma certeza., Buscamos numa informação oral presenciada por Virginia de Paula, onde a oração Pai Nosso é assim rezado “Asso na Terra e como no Céu”. Este pequeno recorte demonstra que no imaginário popular transitamos em dois mundos, o paraiso celeste, que nos recompensa pelos nossos feitos e o mundo terreno, onde nos sujeitamos às privações cotidianas e nos preparamos para um estágio celestial posterior. O tipo de linguagem usada não importa, para o santo invocado a fórmula não interfere na graça a ser concedida, o que conta é a força da fé e a convicção do atendimento.

............O Pe. Simão de Vasconcelos, autor da “Crônica da Companhia de Jesus no Estado do Brasil”, narrou um milagre ocorrido, durante uma viagem de José de Anchieta que, por intercessão da Virgem, cuja festa se celebraria no dia seguinte, salvou-se de ondas furiosas e ventos, mantendo a Virgem firme em suas mãos a quem implorara proteção para os náufragos. Com essa bagagem cultural dos colonos lusos, chegou ao Brasil o catolicismo tradicional ou popular, “trazendo em seu bojo o trato intimista com a divindade e santos”.

............Renato Teixeira, na composição musical “Romaria”, narra de forma simples, numa linguagem que traduz os anseios dos crentes, o motivo da romaria em busca de Nossa Senhora Aparecida: luz e paz para sua vida, tudo isso pelo fato de ouvir de outros os poderes da Virgem, sinal de que a fé se propaga pela força do pensamento positivo e de boca em boca:

“(...) Sou caipira,
Pirapora NossaSenhora de Aparecida
Ilumina a mina escura e funda
O trem da minha vida
O meu pai foi peão, minha mãe solidão
Meus irmãos perderam-se na vida
Em busca de aventuras
Descasei, joguei, investi, desisti
Se há sorte eu não sei, nunca vi
Me disseram porém que eu viesse aqui
Pra pedir de romaria e prece
Paz nos desaventos
Como eu não sei rezar, só queria mostrar
Meu olhar, meu olhar, meu olhar.”

............A necessidade de contato direto com o divino, de cultuar o mito da imortalidade, se manifesta nessa cantiga que retrata os anseios do humano em ter melhor sorte, saúde perfeita, paz para si mesmo e para os seus. Sua forma de agradar se manifesta em sua fé e, em outras palavras, em seu olhar, como diz a cantiga.

............São famosas as romarias que se realizam pelo Brasil. Esses dizeres mantêm um pacto do mito com o orante: a recompensa e a salvação:

............“Vocês que vêm de suas terras distantes do Sul de Alagoas e Pernambuco, dos Brejos da Paraíba, das praias do Rio Grande do Norte e deste Estado, ou dos longínquos sertões do Piauí, Maranhão e Bahia, sofrendo privações, a fome, a sede, o sol e as intempéries dos longos caminhos, tudo por amor a visitar Nossa Senhora das Dores e o padre Velho do Juazeiro, fiquem certos de que a mãe de Deus recompensará a todos. E quanto a mim, não acreditem no que propalam dizendo. E nem o Satanás, nem os homens do Satanás têm o poder para me tirar desta cidade, a qual só deixarei quando completar a salvação de vocês todos” (Pe. Cícero Romão Batista, citado por Dinis M., 1935:34)4.

............Nessa fala, pode-se notar que a promessa de Pe. Cícero feita ao povo fomenta a perenidade da salvação eterna.

............Na freguesia de Quintela, Portugal, no alto da serra, fica o Santuário de Nossa Senhora da Lapa. Suas origens datam do século XVI e a romaria mais importante em sua honra é realizada todos os anos, no dia 15 de agosto. É famoso o milagre de Nossa Senhora da Lapa em favor da pastorinha Joana, muda de nascença, que um dia, ao caminhar “pelos montes e rochas da Serra da Lapa, encontrou uma imagem da Virgem, guardou-a e apegouse com tamanho carinho a ela que nunca ia a lado nenhum sem ela. Num dia de inverno, Joana rezava junto da imagem quando, sem se aperceber do motivo, a sua mãe, irritada, pegou na imagem e arremessou-a para o fogo. Nesse momento aconteceram dois milagres, a menina muda de nascença gritou: ‘Ó, minha mãe! Que fez a minha mãe?! Quer queimar a Senhora da Lapa?!’ e nesse mesmo instante o fogo afastou-se da imagem como se a estivesse a proteger.5

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4 - http://redalyc.Uaemex.mx/pdf.
5 - http://www.geocaching.com/see/seek/cache_detailsaspx?gid
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............No Brasil, Nossa Senhora da Lapa é padroeira da diocese de Araçuaí, MG. Sua festa é considerada o maior evento religioso da região. Todos os anos, a fé consegue reunir milhares de fiéis naquele local.

............São muitos outros os centros de peregrinação no Brasil a que acorrem os romeiros: Nossa Senhora de Nazaré, em Belém do Pará; São Francisco de Canindé, na cidade do mesmo nome, no Ceará; Senhor do Bonfim em Salvador e Bom Jesus da Lapa também na Bahia, Nossa Senhora de Aparecida e Bom Jesus de Pirapora, ambos em São Paulo. Os romeiros conseguem chegar a esses lugares a pé, de bicicleta, a cavalo, em pau de arara, de charrete, em carro-de-bois, moto, ônibus, caminhão. Alguns equilibram pedras na cabeça, vão descalços, sobem imensas escadas de joelhos, outros arrastam cruzes, não medem, enfim, sacrifícios, tudo para pagar uma promessa, implorar uma graça, ou agradecer um pedido atendido.

............Em Goiás temos: Santuário do Divino Pai Eterno e Nossa Senhora do Muquém, grandes centros de peregrinação.

 

ROSÁRIO

............Em Minas Gerais, festa de Rosário no Serro; de São Sebastião em Campo Azul; de Nossa Senhora do Rosário dos Homens Pretos, em Chapada do Norte; de São Geraldo Magela em Curvelo; de Nossa Senhora da Piedade em Caeté; de Bom Jesus do Matosinhos, em Congonhas, Nossa Senhora da Abadia, no Triângulo Mineiro.

............Assim o ex-voto conta com dupla face: ao mesmo tempo que se trata de um costume arcaico, é atual e altamente importante na vida das pessoas que, pela fé, cultuam os santos e os consideram porta de entrada para a recepção das graças suplicadas. Para o milagrado, quanto mais remota é a história de uma intercessão divina, mais favorece o incremento da fé e mais atual se torna a vinculação entre o devoto e o santo invocado.

............Esse assunto, pela sua dimensão, é matéria de interesse aos estudos sociais, artísticos, antropológicos, religiosos em que há um misto de fé, devoção popular, costumes regionais, que atravessam os tempos, porque o universo da crença se liga a necessidades inseparáveis: à necessidade do produto e das práticas como testemunho dos resultados obtidos.

 

MONTES CLAROS: FÉ, RELIGIOSIDADE,
DEVOÇÃO E SEUS EX-VOTOS

............Região do sertão norte-mineiro, como a maioria das cidades mineiras, tem seus ex-votos incorporados à atual cidade, como sinal de fé, humildade e gratidão.

............Montes Claros não surgiu por acaso, mas das raízes da fé; teve seu inicio num ato votivo. Em 18 de junho de 1769, o casal José Lopes de Carvalho, que doou uma gleba, onde se construiu uma nova capela, cujos oragos seriam Nossa Senhora da Conceição e São José. A licença para a nova construção foi requerida ao Visitador-Geral do Sertão Alto e Minas Novas do Arassuahy, também Juiz de Justificações e Dispensas, o Reverendíssimo Senhor Doutor Silvestre da Silva Carvalho. A antiga fora erigida por Gonçalves Figueira. Dessa gleba concretizou-se um patrimônio de culto da fé, de pedidos, súplicas e agradecimentos. Local de deposição de seus ex-votos e de encontro do crente com os seus santos intercessores.

............Nesse caldeamento de religiosidade e terreno de uma légua de largura, por légua e meia de comprimento, surgiu a Montes Claros, que hoje conhecemos. Abençoada em seu viver pelos seus padroeiros e pelo labor de seu povo; persistente e fiel a seusprincípios. A maior cidade do norte mineiro, poderia ser dito no ufanismo do montesclarense, em crença, em esperança, em canções de louvor, já que a religiosidade se solidificou em suas bases.

............Essa vila emergente torna-se cidade no ano de 1857. A então Vila de Formigas passa a ser sede de paróquia, tornando modesta a pequena capela erigida por Lopes de Carvalho. A partir dessa data, não foram medidos esforços na construção de um templo maior. Essa construção, concluída em 1880, mobilizou a comunidade de Formigas, agora cidade de Montes Claros, mas, ao se acenderem as luzes das velas nessa nova igreja, a fé de seu povo já se encontrava arraigada desde os primórdios da cidade e o que ocorre é o recrudescimento da crença e o aparecimento de novas, num círculo cujas pontas são entrelaçadas pela chama sagrada da fé.

............Essa igreja atendeu aos fiéis e arregimentou a religiosidade do povo até os anos 40 do século XX, quando teve início a construção do templo que aí está, cujo término se deu na década seguinte. A comunidade de Montes Claros, motivada pela boa vontade e gratuidade, desejou erigir um templo que pudesse abrigar os fiéis, já mais numerosos, com seus anseios, dúvidas e devoção e o fez. Esse feito, uma vez mais, demonstra a força de mobilização da comunidade.

............Famílias, numa relação de comunhão entre si, revezavamse no fazer do processo histórico-social, cultural e religioso da cidade, na construção dos altares e na doação de imagens e alfaias. A família Lopes, seguindo uma tradição herdada desde o Alferes Lopes de Carvalho, incumbiu-se do altar- mor. Os custos da construção foram cobertos por donativos dos descendentes do alferes. É possível que ainda existam as placas em cada altar referenciando as famílias beneméritas.

............Movimentos similares nesta construção de espaços consagrados devem ser aqui assinalados. Segundo Hermes de Paula, em sua obra Montes Claros, sua Gente e seus Costumes, o Santuário do Bom Jesus foi erigido pela benemerência de alguns cidadãos montesclarenses, liderados pelo Sr. Milimias Alves Teixeira, que inicialmente ergueram a Capela da Cruz das Almas, manifestação devocional muito presente em Portugal, porém aqui, em Minas Gerais, em número bem pequeno. Diversas famílias tiveram participação nessa iniciativa, como Sebastião Petronilho, Olegário Miranda, Antonio Ferreira e sua mãe D. Guilhermina. Antonio Zuba ofereceu uma imagem de Nossa Senhora Aparecida em 1922 e D. Miquita Soares Costa introduziu as imagens do Sagrado Coração de Jesus, do Bom Jesus e fez, inclusive, um trono para a Sagrada Família. Colaboram, ainda, as famílias João Campos, Antônio Vieira e Francisco Peres Durães. O templo reconstruído levou o nome de Santuário de Bom Jesus.

............Outra iniciativa de mérito e manifestação de crença na força divina é o conjunto religioso erigido por Pedro Xavier de Mendonça no bairro Santos Reis. Foi edificada, em terrenos de sua propriedade, a capela de Santos Reis, tendo ao lado uma gruta artificial onde se encontra exposto um presépio permanente. Este santuário tem um caráter singular por concentrar os foliões da festa de Reis, celebrados nos finais de anos até o dia 6 de janeiro. Tornou-se um local de manifestação e de identidade das festas de Reis e das pastorinhas. Exerce um papel fundamental na perpetuação das festas religiosas e do folclore da cidade. Por si só este local merece uma atenção especial quanto à preservação do lugar para a continuidade das celebrações. Pedro Mendonça, entusiasta e conhecedor da importância da conservação da cultura, cuidou para que as festas de Reis, nem das Pastorinhas desaparecessem do cenário de Montes Claros. Manteve, por muitos anos, grupos de foliões e pastorinhas, além de escrever peças teatrais.

CUMPRIMENTO DE EX-VOTOS

............A igreja dos Morrinhos é um ex- voto. D. Germana Maria de Olinda abriu uma subscrição para angariar esmolas para a construção de uma capela, que foi inaugurada dois anos após, em 1886 e sobrevive até os nossos dias. A invocação é de Nosso Senhor do Bonfim, cuja imagem foi ofertada por Antonio Augusto Veloso. Essa capela chamou-se inicialmente de Capela de Santa Cruz (PAULA, 1957.

............O caráter votivo da capela perdurou por gerações seguintes. Ainda, segundo Paula, em 1930, Dr. Marciano Alves Maurício, para o pagamento de uma promessa, fez nela obras reparadoras, destituindo-a da singeleza peculiar de um projeto despretensioso, mas harmônico, de autoria do engenheiro Frances Dr Caillaud. A destituição de suas telhas de bica por telhas francesas e a colocação de uma estátua do Cristo Redentor em uma de suas torres, descaracterizaram-na. Intervenção não do agrado da população. Paula ainda complementa a história da capela. Em 1946, damas rotarianas solicitaram ao engenheiro Demóstenes Rockert, responsável pela rede ferroviária, a volta da capela ao seu estilo arquitetônico original. As obras foram conduzidas por Abelard Câmara, e, em pouco mais de um ano, a igreja voltara a sua feição normal. O Cristo Redentor fora colocado ao lado do templo. O cruzeiro, que ali se encontrava, em 1883, por obra dos Missionários, foi remodelado por Zino Oliva com todos os martírios de Cristo.

............O Sr Levi Pimenta, em agradecimento a uma graça alcançada, contemplado por uma sorte grande na loteria federal, doou um harmônio à igreja. Uma vez mais, outros elementos votivos foram agregados à capela. A idéia do imaginário do milagre tende a se socializar cada vez mais, sai do individual e atinge o coletivo. Certamente outras capelas foram edificadas, motivadas pelo pagamento de promessas.

 

DEVOÇÃO E RECIPROCIDADE

............Variadas são as formas de comprometimento, da promessa e de como saldar esta dívida. Tudo depende da cultura de cada um e do modo de encarar a aflição decorrente do problema. O ato de cumprir, da forma como o prometido, estabelece o fim de um acordo tácito, a obrigação do fazer. A oferenda pode ser tanto algo construído como a materialização do próprio sacrifício. Não importa o que seja, o que vale é a satisfação do cumprimento do voto, numa relação de pedido e oferta. Pode ser tanto uma igreja construída às expensas do fiel ou de sua incumbência de mediar ou angariar fundos para o almejado.

............Era comum também a aquisição, seja por compra imediata ou encomenda, de esculturas ou de quadros com a representação da graça alcançada, cenas materializadas por um artista, que, em algumas regiões do Brasil, são conhecidos como riscadores de milagres.

............A fotografia muito auxiliou, favorecendo a instantânea reprodutibilidade de um ato de fé, pela possibilidade de comprovação do pagamento da promessa. Retratos em frente aos templos ou nas barracas dos fotógrafos serviam não só como lembrança, mas como um ex-voto, a quitação do compromisso e, ao mesmo tempo, de propaganda do trabalho realizado pelo profissional, comércio necessário, como forma de possibilidade de concretização de uma graça.

............Cassimiro Xavier de Mendonça e sua esposa, Josefina Teixeira de Carvalho, com muita antecedência preparavam a romaria para Bom Jesus da Lapa, na Bahia. Os teréns ajeitados, as mulas arriadas com as bruacas cheias de mantimentos, cuidados pelo cozinheiro da tropa. Os bentinhos bem cuidados para serem depositados na sala de milagres. A viagem durava por volta de trinta curtos dias. Sem nenhuma pressa, pousavam nos belos lugares dos “gerais encontrados”, poderia ser à beira de um rio, numa sombra de uma gameleira, ou numa casa de moradores. O arrieiro desmontava a tropa, o cozinheiro no inicio da tarde iniciava o “de comer”, para ser apreciado às 4 ou 5 da tarde. Esse ritual fazia parte da romaria e consistia no principal alimento, ou seja, o elemento propiciatório para a chegada final – momento de emoção pelo cumprimento da promessa.

............Em outros tempos, em meados da década de 60, participamos de uma romaria a Bom Jesus da Lapa. Organizada por Vitalina Lopes que, fervorosamente, levou seus filhos e netos para pagamento de uma promessa em família. Levou junto objetos, fotos e outras encomendas como “pagas” de promessas de vizinhos e amigos.

............Há, ainda, oferendas que materializam a trajetória do ritual, a resignação e a humildade. Acontece, principalmente, quando se promete cortar os cabelos junto ao altar depois de um determinado tempo de privação. Hermes de Paula teve seus cabelos trançados cortados junto ao altar de Bom Jesus da Lapa. O mesmo aconteceu com Luiz de Paula, que por promessa de sua mãe cultivou por muitos anos longas madeixas.

............Em Montes Claros acontece um outro tipo de pagamento de promessa, muito comum. Pode-se chamar até de ex voto efêmero, pois a resignação do sacrifício termina com o patrocínio ou participação nas festas de agosto. Festeiros cumprem o prometido aos santos como integrante direto, ou seja, como patrocinador, dançante ou mesmo colocando os filhos no cortejo imperial, do Divino, São Benedito ou Nossa Senhora do Rosário. Nas décadas primeiras do século XX, por muitos anos, a festa se concentrou na “rua de Baixo”, pois as famílias ali residentes, incluindo a numerosa Lopes, que fazia sucessivas promessas e, por esse motivo, sempre havia crianças dessa família participando dos três reinados. Parte dessa devoção talvez se devesse às relações de amizade e convivência com os promotores da festa de São Benedito, Maria e Antonio de Custodinha, que, pela sua descendência de escravos, mantêm através de sua geração a festa.

............Existem, também, outros ex-votos, iniciativas de promessas particulares que foram incorporadas ao acervo dos templos religiosos. Na Matriz Nossa Senhora e São José, há uma Nossa Senhora do Carmo, que foi adquirida por Joana Xavier de Mendonça, em pagamento de promessa. Ela foi levada a pé ao templo por Joana e pelo seu sobrinho, Cassimiro de Paula Ferreira, na década de 40, do século XX. Joaquina de Paula, irmã de Joana, católica, cumpriu o prometido dotando o templo de dois anjos tocheiros que se encontram no altar principal da igreja Matriz. Essa mesma senhora, em agradecimento, doou, como pagamento de promessa e de ação de graças, uma imagem de Santa Terezinha que se encontrava na recepção do hospital Santa Terezinha.

............Os donativos, quase sempre sinais de ex-votos, partem de significados pessoais e cumprem o seu papel. Na Matriz existia uma imagem do Menino Jesus que, a cada promessa alcançada por sua intercesssão, ganhava uma nova vestimenta. Esse hábito
de adornar os santos é muito comum nas igrejas brasileiras, e principalmente nas mineiras. Sua origem remonta ao imaginário religioso europeu. Muitas das imagens eram adornadas com joias, roupas e repinturas em pagamento de promessas. No Brasil temos exemplos dessa fé inabalável até mutilações de imagens, cujas partes só eram devolvidas após o recebimento da graça..

............A antiga igreja do Rosário exerce um papel de congregar elementos votivos e práticas religiosas e folclóricas. Mesmo após sua demolição, o local onde foi edificado o novo templo, rescende lembrança de uma história vinculada àquele pedaço de cidade, tornou-se sagrado, sendo nos dias de hoje um lugar vital para a manutenção das festas de agosto.

............Pela sua grandiosidade, por suas tradições, pela cultura que encerra em suas igrejas, construções e, sobretudo, pelo magnetismo da fé transmitido pelos objetos, imagens, pelas manifestações de ex-votos e por tudo que incutiu em nós, seus filhos montesclarenses, é um dever rememorar seus benfeitores e seus feitos, pois a grandiosidade de Montes Claros canta em nós, a vida inteira, em todo o nosso ser.



REFERÊNCIAS

BOURDIEU, Pierre. A produção da Crença: contribuição para uma economia dos bens simbólicos. São Paulo: Zouk, 2004.

CHOAY, Françoise. A alegoria do patrimônio. São Paulo:.UNESP, 2001

COUTINHO, Maria Luiza. O vale dos pirilampos. Belo Horizonte: O Lutador, 2006.

ECO, Umberto. O signo. Lisboa: Progresso, 1977.

OLIVEIRA, José Cláudio Alves de. Forma e conteúdo. Revista de História da Biblioteca Nacional. Ano 4, nº 41, fev. 2009, p. 30-31.2009, p.31. Disponível em: >http://www.revistamuseu.com. br < Acesso em 29 out. 2010.

PAULA, Hermes Augusto. Montes Claros, sua história, sua gente, seus costumes. Rio de Janeiro, 1957.


SCARANO, Julita. Fé e milagre: ex-votos pintados em madeira: séculos XVIII e XIX. São Paulo: Universidade de Sâo Paulo, 2004.

SILVA, Maria Augusta Machado da. Ex-votos e orantes no Brasil. Rio de janeiro: Museu Histórico Nacional, 1981.

Valladares, Clarivaldo do Prado. Os riscadores de milagres. Rio de Janeiro: Vida Doméstica Ltda. 1967.


A ARTE DE KONSTANTIN CHRISTOFF

Felicidade Patrocínio
Cadeira N. 20
Patrono: Camilo Prates

............Na obra de Konstantin Christoff vamos encontrar aquilo que se define por “ grande arte, ”originada no paradoxo da criação de um artista, ao mesmo tempo médico e filósofo, que queria ser apenas um marinheiro. Sua obra retrata bem a posição atual do artista que faz duas artes, uma para as galerias, para vender, na reverência inevitável ao capitalismo, paralelo a arte filosófica, museológica, que instiga e provoca o espectador exigindo reflexão. É uma arte que “faz ver” não só a si própria, mas ao mundo que a originou.

............Konstantin Cristoff, o pintor búlgaro montes-clarense, queria ser apenas um marinheiro. Disse-o muitas vezes a mim, em diálogos substanciosos e agradáveis, que temos tido ao longo da nossa amizade. No entanto, dotado de genialidade não conseguiu fugir aos apelos do talento artístico. A capacidade intuitiva e seu especial entendimento do mundo, levaram-no à uma vasta obra. E assim, de maneira singular retorna ao marinheiro que sempre quis ser, consumando o seu sonho. Só que os mares navegados são outros. Ao adotar o sertão para viver, sua navegação se voltará para as paisagens do cerrado e para os oceanos infindáveis da alma humana, ambos, registrados, nas telas grandiosas do seu “diário de bordo.”

............Observando e refletindo a obra desse pintor, que às vezes se faz filósofo, ratificamos uma proposição que há muito defendemos, a de que Arte e Filosofia são a mesma coisa, o que uma diz a outra mostra. Nota-se que a obra de arte se constitui no trânsito entre pensamento, imaginação e os fenômenos da realidade exterior, e os seus agentes, à semelhança dos filósofos destacamse pelas problematizações de questões vitais para a humanidade. Nestes aspectos Konstantin marca de maneira feliz a nossa contemporaneidade. Que o digam os seus monumentais quadros da Auto-retratologia, da Via-Sacra, Viagem à América e Pecados Capitais, obras de grande beleza e ousada concepção, que registram e criticam de forma universal o homem pós-moderno. O homem que, indiferente à ética e desconhecido de si mesmo, vai-se fazendo cada vez mais produto do capitalismo exacerbado, do bombardeio incessante da mídia e da subsunção irrefletiva à tecnologia e consumismo.

DADOS DA SUA VIDA

............Nascido em Strajitza, Bulgária, a 18 de junho de 1923, Konstantin Raelf Christoff entrou pelo sertão norte-mineiro quando ainda era menino, 10 anos de idade, acompanhando a mãe, Russa Christova, e o irmão mais velho, Rayo. Vinham ao encontro do pai, Christo Raelf Christoff, anarquista militante que por motivos de segurança necessitara se ausentar da terra pátria. Com o reencontro da família búlgara em solo sertanejo, é Montes Claros que passa por bem-vinda mudança de hábitos alimentares. Isso porque, percebendo que as hortaliças na cidade restringiam-se a tomatinhos siltres, maxixes, abóboras, couve e quiabo, Christo e sua família, investem no cultivo de hortas de onde começam a sair cenouras, rabanetes, beterrabas, nabos, berinjelas, pimentões, tomates gigantescos para a época, os quais comercializavam nas feiras do desaparecido Mercado Velho. Observa-se que os Christoff não tardaram a superar as diferenças entre eslavos e latinos, Bulgária e Brasil, e Christo Raelf, pai de Konstantin, que tanto cativava os montes-clarenses com suas maneiras polidas, hoje dá o seu nome ao principal mercado da cidade.

............A partir daí e ainda criança, Konstantin inicia a sua odisséia. Havendo chegado com o curso primário concluido, concilia as diferenças curriculares e faz o curso de Admissão no Ginásio Municipal de Montes Claros, classificando-se sempre em primeiro lugar. O jovem que desde criança gostava de desenhar integra-se ao grupo de escoteiros e em 1940 faz uma excursão ao sul do país durante a qual produz um diário de viagem todo ilustrado. Pouco depois, muda-se com os pais para Belo Horizonte e em 1945 ingressa na Faculdade de Medicina da UFMG, o que não o impede de continuar dedicando-se ao desenho. Nesse período, faz ilustrações para trabalhos científicos publicados em livros e revistas, além de caricaturas voltadas ao humor para jornais.

............Na capital mineira, conhece o grande pintor e modernizador das artes mineiras Alberto da Veiga Guignard, de quem se torna amigo. Guignard pinta retratos de Konstantin. Visita o 1a Salão de Arte Moderna de Belo Horizonte, transplantado de São Paulo no governo de Juscelino Kubitschek que assim incentivava uma modernização na arte mineira. Essa exposição constava de obras de Tarsila do Amaral, Anita Malfati, Goeldi, Segall, Portinari, Guignard, entre outros luminares do Modernismo brasileiro. A mostra provoca grande impacto em Konstantin, que retorna à ela, repetidas vezes. Embora ainda não tivesse inteira compreensão do significado daquelas pinturas inovadoras, o seu interesse pela arte aumentou a partir de então. Nesse período, lê muito e de tudo: livros sobre arte, clássicos da literatura universal. Ao ler Marx, Engels e outros pensadores revolucionários, tornou-se comunista e assim permaneceu durante o tempo da universidade. Sonhou a igualdade, com a radical divisão dos bens. Em 1948, tendo concluído o curso de Medicina, retorna a Montes Claros e passa a residir no próprio local de trabalho, ou seja, na Santa Casa de Misericórdia, então o único hospital da cidade. Como cirurgião expedito, realiza de duas a três cirurgias por dia, o que era muito para as condições tecnológicas da época. Torna-se chefe do setor cirúrgico da Santa Casa, cargo que exerceria por mais de quatro décadas, e passa a ser um dos cirurgiões mais requisitados do Norte de Minas.

............Apresenta trabalhos científicos em congressos e escreve artigos para revistas especializadas. Extirpa, de muitos pacientes, os incômodos papos no pescoço (bócio) causados por carência de iodo no organismo. Acompanhando a evolução da medicina, experimenta a área estética, fazendo-se também cirurgião plástico, o primeiro de Montes Claros. Sobre o seu exercício na medicina confessa ter partido mais de um envolvimento do que de vocação. Formara-se nesta área, antes de tudo para não contrariar os pais que fizeram estardalhaço quando manifestou o desejo de ser marinheiro. Mas, observamos que, nem por isso fez pouco caso da profissão. Antes, curvou-se amorosamente ao atendimento do ser humano, na situação de maior fragilidade, a doença, conquistando respeito e fazendo fama como cirurgião. É certo que a pintura tardou a acontecer em sua vida, por causa desse seu êxito médico.

............Konstantin já despertava as atenções pelo exotismo de sua aparência e originalidade dos modos. Usava os cabelos compridos, fumava cachimbo sofisticado, passeava com um grande cão de feições estrangeiras e passava ao volante de um garboso Buik. Era, na descrição do escritor Wanderlino Arruda: “Rapagão louro, de cabelos compridos sem ser demais, barba européia ariana, olhos claros, perfil de um possível marinheiro viking”.

............Desde sempre Konstantin se sentiu atraído pelo desenho de humor, acompanhava obsessivamente o trabalho de Vão Gogo, Millôr Fernandes, Carlos Estevão, Borjalo, Ziraldo, Jaguar, Fortuna e Claudius. Desenhava histórias em quadrinhos, fazia fotografias de nus artísticos e também ensaiava seus próprios desenhos de humor. Sua atenção estava sempre ligada aos fatos relacionados à arte e cultura principalmente da sua terra Montes Claros, onde se fez grande colaborador, autor e co-autor de iniciativas destas áreas. Por exemplo, a criação de Salões de Arte, criação de revistas impressas, criação de feiras de arte.

............Em 1952, mesmo ano em que perde seu único irmão, o engenheiro Rayo Christoff, vítima de desastre de avião, Konstantin conhece o baiano-montesclarense Godofredo Guedes, pintor de tendência acadêmica e músico que tocava clarineta no melhor cabaré da cidade. O contato com o novo amigo, e a apreciação de suas telas, levam-no a reviver o fascínio pelas artes. Demonstra desejo de pintar e experimenta pincéis e tintas sob a orientação técnica de Godofredo, de quem ouve que “pintura é coisa séria e difícil, exigindo muita paciência e obstinação”.

............Crescentemente aficionado por imagens, Konstantin adquire uma máquina fotográfica e passa a registrar os flagrantes que o seu olhar de artista capta. A descoberta da nova estética leva-o a se interessar pela beleza do prosaico. Fotografa doentes em enfermarias, prostitutas e outros personagens e cenas menos visadas pelos fotógrafos. O trabalho que realiza fará dele destaque em salões de fotografia.

............Em 1955 já está casado com Yêdde Ribeiro. Apaixonara-se pela moça bonita de modos finos e discretos que, inclinada à espiritualidade, por pouco não se tornara noviça. A partir de então, além da grande amiga e companheira de toda a vida, nela terá o sustentáculo moral e a preceptora de apurada sensibilidade artística que, com muito jeito o incentivará na pintura. Juntos tem 3 filhos; Rayo, Andrey e Igor.

A EXPLOSÃO DA ARTE DE KONSTANTIN

............A partir da década de setenta, não conseguindo mais conter o seu talento de pintor Konstantin oferece tempo e espaço à expressão artística. A excelência do seu trabalho, de imediato lhe abrirá as portas das mais importantes galerias do país e será alvo da atenção da crítica especializada que o consagrará. O intelectual e artista montes-clarense, Georgino Junior, assim se exprimiu: “Konstantin influenciou como nenhum outro a minha geração e as artes montes-clarenses e acho, sinceramente, que muitos de nós apenas reproduzimos as lições que dele aprendemos.”

............Após muitas participações e alguns prêmios na década de 1970, em 1982, Konstantin, na maturidade do seu exercício artístico, não consegue mais separar a sua obra artística das suas experiências, de suas concepções ideológicas e filosóficas. A partir de então começa a demonstrar que a arte além de servir aos olhos e a emoção, deverá também servir a mente. É o que se deduz diante das séries polêmicas iniciadas com a Auto-Retratologia, onde o artista se joga na tela para usufruir de mais espaço para a provocação e continua assim na Via Sacra e séries seguintes. A partir da Auto-retratologia, Konstantin, de sujeito passa também a objeto de uma extensa série de mais de 40 quadros que reafirmam a maestria de sua arte e que, reflexiva, confirma ser o homem, o seu principal tema.

............Sabe-se que todo artista está de uma forma ou de outra em sua obra, visto que esta se constitui na medida de sua relação eumundo. Konstantin, leva isso ao extremo, jogando-se de corpo inteiro na tela e expressando tudo o que lhe passa pela cabeça, aquilo “que convém e o que não convém”. Ora como figurante, ora como espectador. Misturado aos demais personagens do quadro emociona-se, levanta questões, faz interrogações para saber quem ele próprio é. E mais: desnuda-se contando intimidades domésticas, apontando paradoxos nas práticas de dogmas religiosos, faz política e também filosofa. Exibida a partir de 1984 em diversas cidades do Brasil, na Galeria do Banerj no Rio de Janeiro, no Paço das Artes em São Paulo, no Foyer do Teatro Nacional em Brasília, na grande galeria do Palácio das Artes em Belo Horizonte, no Museu de Arte de Santa Catarina em Florianópolis, no Centro de Extensão Cultural Hermes de Paula de Montes Claros, a série alcança grande repercussão, com a crítica especializada se manifestando de modo favorável. Nos estados por onde circulam, suas pinturas tornam-se capas de importantes revistas e matéria de extensas reportagens ilustradas em jornais de circulação nacional. Famosos, seus auto-retratos já percorreram quase todo o país e hoje reluzem nas paredes de colecionadores exigentes.

............Em 1989 apropria-se da Via-Sacra, o caminho da cruz percorrido por Cristo e numa singular interpretação rompe com a forma tradicional de representação da mesma. Esta série trabalhada em telas gigantescas, recebia os últimos retoques quando foi apresentada a um público de artistas montes-clarenses, entre os quais me integrei, e aos alunos da Escola de Arte Guignard, que se deslocaram de Belo Horizonte em grupo liderado pelo crítico e historiador da arte Pierre Santos. Ela começará a percorrer as galerias do país somente a partir de 1997, sendo exposta primeiramente no MAM - Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro (era a primeira vez que um pintor mineiro fazia exposição individual ali), onde artistas e intelectuais compareceram em grande número. Foi apresentada a seguir na grande galeria de arte da Telemig, em Belo Horizonte. Em Abril de 1998, a Associação dos Artistas Plásticos de Montes Claros promove a sua exibição no Shopping Center da cidade e muitos são os que a vêem, surpresos e impactados pelo seu caráter grandioso e polêmico e pelo sentido novo que empresta às cenas sagradas. Depois, a nova série, “Viagem à América”, onde tece inteligente critica aos Estados Unidos, após uma viagem àquele país. Acompanhamos a produção desta série e depois a vimos numa espetacular montagem na grande galeria do Palácio das Artes de Belo Horizonte. A seguir Konstantin pinta a série, Pecados Capitais.

............Essas telas monumentais são uma continuação à provocação iniciada com os auto-retratos. Nelas, Konstantin faz citações, usa técnicas mistas, tintas acrílicas, metálicas, recorta, cola e pinta fotos de personalidades famosas, recria imagens da mídia, apropria-se da obra de Bosch, Dürer, Picasso, Bruegel, El Greco, Aleijadinho e discute pictóricamente as dificuldades de relacionamento e convivência entre os homens. Em sua execução, Konstantin não se deixa cercear pelos padrões de beleza comumente aceitos. Para ele, a magia é não se prender a convenções, é deixar rolar a síntese intuitiva que pede abertura de expressão. Aos olhos de Wanderlino Arruda, “Konstantin é um revolucionário, um iconoclasta, nada de detalhismo, nada de cores obedientes, traço rápido, um quase simplismo, brincalhão, às vezes puxado para a caricatura”. Para Darcy Ribeiro, o seu conterrâneo montesclarense, é dotado de “duplo talento de primoroso desenhista e de colorista refinado, desenha com facilidade e a inocência de uma criança, sua marca distintiva como pintor é o expressionismo sempre dramático. Tão angustiante que chega a fazer-se caricatural para comunicar sua visão trágica do mundo”.

 

“ARTE LEVE”

............Já a outra face da sua arte a qual classifica de “bonitinha” e que é feita para agradar e assim facilitar as vendas, já que sobreviver é preciso, é direcionada às galerias comerciais, visando atender à procura por quadros aptos a decorar as paredes das residências e outros espaços. O capital que gera é investido na pesquisa e elaboração da arte em que o artista expressa de maneira ousada e livre o seu olhar crítico sobre a sociedade. Essa arte mais comercial, com temáticas mais decorativas, constitui-se de pintura leve e sua figuração gira em torno de marinhas luminosas, de flores reais ou imaginadas, de corpos com anatomias especiais, preferencialmente de mulheres que o artista recria como se pintasse as crianças que elas foram, mas com formas adultas nas quais o erotismo imanente dilui-se nos rostos inocentes. Konstantin quase sempre pinta as mulheres nuas, justificando ser o nu, eterno, mais honesto e expressivo, portanto mais estético. Brincando, diz pintá-las em quantidade, uma após outra, até começarem a ter pneumonia. Aí então retorna às flores, campos, cerrados e marinhas, utilizando a tinta acrílica e o PVA.

............Bela e poética esta face da sua obra, oferece prazer ao apreciador que exige beleza. Caracteriza-se por um colorido de cores puras, na maioria quentes e bem combinadas entre si, deixando nos olhos de quem a contempla uma sensação de luminosidade tropical. Diríamos que também nela, se bem que de forma atenuada, está presente a marca expressionista que permeia a outra vertente desse pintor.

............Konstantin se interessou também pela escultura. Presenteou Montes Claros com a escultura existente na praça Honorato Alves, justo em frente à Santa Casa, onde exerceu a medicina. Há algum tempo modelou na argila cabeças humanas deformadas que, atendendo ao seu pedido, tivemos o prazer de queimar para se tornarem cerâmicas.

KONSTANTIN “ATEU” PROCURA UMA FÉ RELIGIOSA

............Durante minha convivência com Konstantin, uma sua particularidade pessoal deixa-me intrigada. Refiro-me à sua angústia existencial ocasionada pela falta do que ele próprio define como “fé religiosa” e à sua busca incessante, no que conta com o apoio extremoso da sua companheira Yêdde, pessoa visivelmente espiritualizada. Percebe-se nele um desejo enorme de possuir uma fé contrita nas divindades religiosas constituídas, mas ao mesmo tempo uma absoluta impossibilidade dessa crença, devido às suas elocubrações de pensador racionalista.

............Esse búlgaro-montesclarense, naturalizado brasileiro percorre uma longa caminhada em busca da fé. Pede-a, facilita-a, mas ela não vem. Sofre, já que vive em um mundo de conceituações, de crenças, de dinâmica e metafísica cristãs. Suas origens são cristãs, tendo na infância vivida na Bulgária, pertencido à Igreja Cristã Ortodoxa. Na memória ainda conserva imagens daquelas liturgias “muito solenes”. Revela que libertou-se com facilidade de muitos conceitos radicais que trouxera da pátria distante, no processo de aculturação na nova pátria, inclusive conceitos relativos ao Bem e ao Mal. No entanto o ambiente que o acolheu em Montes Claros era também propício à prática cristã.

............O conflito com as divindades e busca de fundamentação lógica para a relação entre o homem e Deus levam-no a pintar um quadro que me impressionou pela beleza. A tela, imensa, é em sua quase totalidade ocupada por um céu infinito e deslumbrante, que definiríamos como sendo um céu visto por marinheiro em alto mar. No azul que descreveríamos como “absoluto”, entre dezenas de estrelas, vemos a constelação de Escorpião e embaixo, à direita, num diminuto espaço de terra à beira do oceano, dois escorpiões olhando para o alto e o maior deles, apontando para a constelação diz, para o menor: “Papá do Céu”. Percebe-se aí que Konstantin sugere a projeção que o homem faz da sua imagem com relação ao desconhecido e misterioso divino. Contradizendo a sua falta de fé, observo que poucos se dedicaram com tanto empenho à reflexão sobre os dogmas e preceitos da Igreja católica. Konstantin conhece a Bíblia, a Filosofia cristã e empresta a sua inteligência a essa reflexão. Por isso nos arriscamos dizer que, no seu campo de expressão, Konstantin extrapola a condição de ateu e passa à condição de legítimo fiel .

............Grande parte dos seus temas, sairão das páginas do Novo e Antigo Testamentos: a Via-Sacra, as Santas Ceias, as exposições inteiras de santos, parte da Auto-retratologia composta com figurações de anjos, Evas, Jonas e a baleia, os diversos enfoques de conteúdo bíblico, Cristos, São Franciscos, os Pecados Capitais e mais.

............Alem do mais foi fiel companheiro das freiras da Santa Casa, por mais de quatro décadas, as quais confessa grande admiração. É de textos religiosos que retira e trabalha conceitos que considera essenciais à harmonia, à boa convivência humana, à paz aqui na terra. Por exemplo: a omissão, a traição, a indiferença ao sofrimento alheio, a violência, a justiça, o pecado, o Bem e o Mal. Sua pintura provoca reflexões. E sua forma crítica valoriza a inteligência do espectador, não impondo aceitação de verdades de formas ingênuas, mas despertando e questionando, sugerindo que religião se vive e se constrói nas relações, no respeito e no amor ao outro e na atuação no mundo. Em sua pintura ele veste Jesus Cristo com calça jeans, tênis e camiseta como na moda contemporânea, utiliza recortes de revistas, fotos de personagens históricas, figuras da mídia. Brinca com a cor e a luz. Vê-se claro que sua inventividade é sensível aos sopros da modernidade. O seu gesto pictórico dessacraliza conceitos, autoridades civis e religiosas e sua leitura crua da realidade humana derruba mitos, por isso gera polêmica. No entanto, como bem observa a crítica, esse expressionismo não provém de uma consciência desditosa, sendo antes fruto da verdadeira vocação de expressar denunciando. Trata-se de uma arte profundamente ligada aos estímulos do meio social e, por isso, impensável fora dela.

MANIFESTO AOS CARTUNISTAS

............No “Manifesto aos Cartunistas”, que escreveu ao mesmo tempo em que pintava a série Viagem à América, Konstantin defende uma reformulação na pintura brasileira e até mesmo na mundial. Conclama os humoristas gráficos a se apropriarem da pintura, substituindo os seus modestos instrumentos pelas telas, pincéis e tintas multicores. O conteúdo deverá permanecer, mas sua expressão deverá ser atravessada pela crítica bem-humorada ou mesmo radical, priorizando os fatos sociais.

............O pintor alega no manifesto que a pintura perdeu seu rumo, restando aos cartunistas, geralmente grandes desenhistas, o espaço artístico em crise. Diz ele na página 9: “Todos os motivos e temas cansaram porque os pintores nunca se lembraram de que o humor é a fonte inesgotável de inspirações, assim como da ironia, da crítica, da irreverência e outros sentimentos mais complexos e sutis, profundamente humanos, intemporais, eternos e universais!”.

 

CONCLUINDO

............O pintor Konstantin é hoje conhecido e admirado em museus e galerias do Brasil e exterior. Apesar de toda a ascensão, não é uma ilha, é pessoa acessível e sensível. Gosta do verde, que curte na fazenda e no seu grande jardim de árvores incomuns. Tem a facilidade da palavra e gosta de falar.

............Confessa não ser capaz de explicar nitidamente tudo o que faz, mesmo assim se sente feliz na exclusiva dedicação à arte, e gosta de exercitar a capacidade interpretativa do expectador, desafiando a decifração dos seus símbolos.

............Hoje está com 87 anos de idade. Enquanto vai se recuperando de um AVC que silenciou a sua voz, faz passeios na sua rica biblioteca, onde muito leu, em seu imenso atelier, onde muito produziu e no jardim de grandes árvores da sua casa, sob os olhos cuidadosos da sua querida Yedde e da cidade que o ama como filho especial.


Foto: Itaumary Teles


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

SANTOS, Pierre. Konstantin Auto-retratos. Projeto gráfico e arte final QSP - Quantum Satis Propaganda S/C Ltda. Impressão e encadernação: Laborgraf Artes Gráficoas S.ª Apoio Cultural: Byk Química e Farmacêutica Ltda 1987.

SACRAMENTO, Enock.Coordenação Editorial. Via Sacra Konstantin. Livro Catálogo. (QSP) projeto Gráfico Enock Sacramento, Flávia da Matta e Patricia Fernandes. MAM - Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro. 1997.

Depoimentos de críticos de arte brasileiros como: Sálvio de Oliveira, Maristela Tristão. Flávio Aquino de Carmo Arantes em folders de exposições do artista e jornais.

Diálogos do artista com a autora, efetuados em datas diferentes; gravados e anotados.

Jornal Noticias - Montes Claros - 25/26/Abril/98 - pág. 7.
Jornal Noticias - Montes Claros - 17/18/Abril/98 - pág. 4.
Artigos sobre o artista escritos por intelectuais montes-clarenses e publicados em jornais e revistas de Montes Claros.


UMA RUA DE ONTEM E HOJE

Geralda Magela de Sena Almeida e Sousa
Cadeira N. 34
Patrono: Eva Bárbara Teixeira de Carvalho

............Numa sala de espera aguardo ser atendida pelo meu ginecologista. A sala está cheia de pessoas que, como eu, aguardam a vez. Leio um livro, enquanto meu nome não é chamado.

............Súbito, começo a ouvir sons de violão, risos e de vozes, alegres, conversando animadamente.

............Olho ao redor e percebo algo estranho. As pessoas que aguardavam comigo não estão mais ali.

............A sala está cheia de jovens alegres que se movimentam, falam alto, riem, cantam felizes.

............De momento em momento chega mais alguém e a sala é sacudida em ondas de animação. O canto para por instantes, o movimento se diversifica e gritos, risos de boas vindas se destacam.

............Olho ao redor, mais uma vez, sem entender completamente o que se passa. Estou numa festa de aniversário e não num consultório médico.

............Vim consultar meu ginecologista e me perdi, certamente.

............Encontro-me, sim, na casa de Zenilda Gomes, filha do senhor Gentil Gomes, minha querida amiga e colega desde o tempo do primário. É noite e comemoramos seu aniversário. A turma do Colégio Imaculada, do “Lairô”, da Tabatoriba comandam o agito e enchem o ambiente com o barulho e a alegria característica dos tempos de juventude.

............O som de vozes, acompanhadas pelo violão, faz fundo ou solo, alternadamente, na festa que aqui se desenrola.

............Olho em frente, à minha direta, e vejo sentada, a Josefina Pereira, Lúcia Teixeira, Neusinha Dias, Maria Luisa (de D. Angélica baiana), Mercês Madureira, Alda Viana, Aparecida Costa, Miriam Milo, Magna Félix,Carmem Lúcia Tupinambá, Marta Brasil, Carmo Alvanir, Joelita Noronha, Valda Ataíde, Aparecida Pinto, Elizabeth Renault, Rachel Peres, Eliana Almeida e Mércia Pereira, em pequenos grupos, conversando animadamente.

............À minha esquerda, num canto, Zilda Gomes, irmã de Zenilda, e a Ismar Aquino, ao violão, comandam a música e os cantadores. Conceição Tolentino, Glória Fagundes, Lúcia Idalina, Teresinha Massière, Iole e Isabel Nunes enchem a sala com suas lindas vozes: “mar ô mar... mar que vai e vem... mar ô mar... nunca traz meu bem...”, “Não se esqueça meu amor, que quem mais te amou foi eu... ... e num sonho para dois, viveremos a cantar ... a a a a cantar o amor, Diana...”, “e que tudo mais vá pro inferno...”. Uma paradinha para acertos e olhares e recomeçam: “zum... zum ... zum... lá no meio do mar....como pode o peixe vivo, viver fora d’água fria...” e todos os presentes, em coro, batendo palmas, também cantam. Uma alegria só!

............De tempos em tempos as irmãs da aniversariante fazem um movimento gostoso pelo ambiente. Surgem com pratos variados contendo pastéis “pipocas”, brotinhos (aqueles deliciosos petiscos feitos com rodelas de queijo, salsicha e azeitona espetados no palito), empadas, canapés que a todos monopolizam no prazer da degustação. Lado a lado acompanham coloridos copos com os esperados “ponches”, mistura de groselha, água e pedacinhos de maçã ou abacaxi. Para as mais avançadas, os coquetéis com suco de pêssego e guaraná, levemente alcoolizados. Algumas colegas aventuram-se em bebericar cuba-libres, especialidades preparadas para os rapazes.

............De repente, num sussurro, um alerta. A música faz uma parada rápida e recomeça. Os olhares se voltam, disfarçadamente, para a porta de entrada. Surgem o Márcio Milo, Mimi Didier, Agnaldo Drumond, Waldir Aguiar, Márcio Figueiredo, Márcio Milo, Lazinho e Edvar Pereira. “Frisson” geral! Na sala, um movimento, dissimuladamente feliz. O ar é de festa, de esperança e juventude.

............Em meio ao burburinho ouço chamar, não sei por que, num tom formal, o meu nome.

............Olho para uma porta no fundo da sala e vejo surgir uma pessoa, diferente daquele grupo, que se dirige a mim. Foco a atenção: é a assistente do médico.

............Sem entender, volto o olhar para o resto da sala. Vejo pessoas desconhecidas. Lembro-me, de repente, que são as mesmas que aguardavam comigo a hora de serem atendidas.

............Num relance, percebo que viajei no tempo.

............Experiência maravilhosa, um navegar pelas lembranças! Emoções revividas!

............A vida, e o tempo que ela encerra, está sobreposta em faixas, ocultadas no passado. Um inexplicável cair dos véus, que normalmente as recobre, trouxe-me este fantástico presente ao presente.

Ao sair, não me contive. Do lado de fora o mesmo endereço de ontem e hoje: Rua D. João Pimenta, 230.


PARABÉNS, JORNALISTA
OSWALDO ANTUNES!

Haroldo Lívio de Oliveira
Cadeira N. 82
Patrono: Nelson Viana

............Parabéns por tudo que tem feito na vida, por tudo que escreveu até agora, pela prosa escorreita e pela poesia que reluta em mostrar, apesar dos elogios recebidos de Alphonsus de Guimaraens Filho. Principalmente parabéns por estar alcançando hoje, 21 de outubro de 2009, em pleno gozo de saúde e de bem com o mundo, a idade bíblica de 85 anos, dos quais mais de 60 dedicados a uma das mais completas carreiras no jornalismo, que pode colocá-lo em pé de igualdade com os nomes mais conhecidos e festejados da imprensa brasileira.

............Não há nenhum excesso neste comentário sobre a trajetória profissional de um jornalista que fez sua caminhada num jornal do interior, O Jornal de Montes Claros, deixando de atuar nos órgãos do eixo Rio de Janeiro e São Paulo, onde se consagra a carreira e para onde vão os jovens que ambicionam o sucesso e a fama. Você se contentou com a reputação adquirida na imprensa de Belo Horizonte, na cobertura política, em período de efervescência nacional, após a redemocratização, na década de 1940, e tomou a decisão de retornar às origens sertanejas, no momento em que deveria ter se transferido com armas e bagagens para a metrópole. Foi este o rumo tomado por seus colegas de redação, Otto Lara Resende, Paulo Mendes Campos, Hélio Pellegrino, Fernando Sabino, Alphonsus Filho e tantos que tomaram o trem Vera Cruz e foram brilhar no Rio.

............Dá para acreditar no destino. Bandeira fala da “vida que poderia ter sido e que não foi.”, que não é o seu caso, conforme relata em seu livro de memórias. Aconteceu que foi flechado por Cupido e trocou o sucesso pela felicidade. Apaixonado por uma beldade loura, mandou o jornal às favas, tendo decidido casar e abrir uma banca de advocacia em Montes Claros. Queria apenas ser feliz e acertou na escolha de seu par, dona Inilta, sua companheira da vida inteira e musa inspiradora. Juntos, trabalhando lado a lado, comungando os mesmos pensamentos, constituíram bela família de que muito se orgulham. Realmente, foi melhor do que ter ido para o Rio...


Oswaldo Antunes

............A advocacia durou pouco, e o jornalista teve uma recaída. Comprou o jornal, que circulou de 1951 a 1990, funcionando como um baluarte na defesa das reivindicações mais destacadas da comunidade. Nas grandes crises, abria as baterias e fustigava as autoridades competentes buscando soluções para as necessidades prementes, como ocorreu na década de 1950, com a falta de luz.A campanha cívica que desaguou na candidatura única de Antonio Lafetá Rebello para a prefeitura, em 1966, e mudou os rumos da história política e administrativa de Montes Claros, abrindo um novo ciclo de desenvolvimento econômico e social, foi concebida e gestada de sua pena flamejante.Houve outras campanhas memoráveis, merecendo destaque a moralização do tribunal do júri, que fez de Montes Claros uma cidade finalmente civilizada. Anteriormente, nossos jurados, submetidos ao domínio dos caciques políticos, absolviam até cangaceiro, como aconteceu em 1930, no julgamento do famigerado Rotílio Manduca, com muitas mortes nas costas e merecedor da pena máxima.

............O jornalista corajoso, que não teme cara feia, que caminha em cima da fumaça, realizou esta obra desafiando forças poderosas, até sucumbir com o fechamento do jornal, para não interromper a tradição de independência e dignidade conquistada em quatro décadas de circulação.


Obituário

Necésio (Velloso) de Moraes

Haroldo Lívio de Oliveira
Cadeira N. 82
Patrono: Nelson Viana

............Montes Claros e Pedra Azul acabam de sofrer uma perda irreparável com o passamento de um de seus maiores filhos. Ele conseguiu o feito até então inédito de ser filho mado e amoroso de duas cidades. ´E´ isto mesmo, dupla maternidade, embora pareça aberração, fenômeno teratológico, porém muito fácil de explicar a quem não o conheceu de perto.Tive o privilégio de com ele conviver por cerca de cinqüenta anos. Lembro-me de que cheguei a ele pela mão de Waldyr Senna Batista, de quem tinha sido colega de trabalho e já fazia parte de seu círculo de relações sociais, que admitia novos membros com certa parcimônia. Necésio tratava a todos com lhaneza e respeito e gozava de geral simpatia, mas a roda de amigos para o bate-papo tinha número reduzido.

............Voltando ao assunto das terras-mães, ele nasceu mesmo foi em Pedra Azul, que antes fora Fortaleza e Boca da Caatinga, no ano de 1922, do qual se gabava de ter sido o ano do Centenário da Independência do Brasil e da realização da Semana de Arte Moderna, em São Paulo, de incomparável importância histórica. Seu pai, coletor de rendas, dos Moraes da Bahia, e sua mãe, da família Velloso, afazendada no município de Grão-Mogol, proporcionaram-lhe a infância feliz junto com os irmãos. Ele se orgulhava de ser pedrazulense e jamais esqueceu a terra que o viu nascer.

............Surgida a necessidade de ampliar os estudos, mudou-se para Montes Claros, aos 16 anos, em 1938, a fim de trabalhar no Armazém 13, de seu primo Armênio Velloso, e estudar contabilidade no Instituto Norte-Mineiro de Educação, sob a regência do Dr. João Luiz de Almeida. Foi aí que se tornou montes-clarense de coração e bebeu na mesma fonte onde Ubaldino Assis, Luiz de Paula, Herculino Miranda e outros jovens daquele tempo haviam matado a sede de sabedoria e ilustração.


Necésio de Morais

............Diplomado perito-contador, não demorou em granjear a justa reputação de ser um dos mais escrupulosos e idôneos profissionais da classe contábil. Trabalhou sempre com o maior apuro, com muita cautela e rigor, reunindo o zelo do guarda-livros e o conhecimento sólido do contador. Em sua ascensão, deixou o nome gravado em letras de ouro por onde passou, na Agência Ford, na fábrica de cimento Matsulfur, na CODEVASF, sempre reconhecido como exemplo de competência e probidade.

............Fora da contabilidade, ele também brilhou, sendo apontado como homem culto, lido e corrido, de conhecimento enciclopédico, que pontificava e era muito apreciado em suas agradáveis palestras. Era considerado o maior conhecedor vivo da história desta cidade, que muito amava e exaltava. Constantemente, era solicitado para desvendar mistérios de nosso passado, e o fazia baseado em leituras antigas ou em conversas que tivera com fontes fidedignas. Tinha cuidado com o que dizia. Nunca caluniou, nunca difamou, nem injuriou.

............Sofreu assédios para se casar, mas atravessou a vida invicto, sem ser levado aos pés do altar. Arrependeu-se de não ter se casado com uma bela morena, que foi sua namorada há cinqüenta anos. Mas ela fumava e abusava no trajar... Poderiam estar, hoje, rodeados de filhos e netos, quem sabe até bisnetos.

............Deus fecha uma janela e abre outra, concedendo-lhe a graça de ser pai de Cristina, a menina de seus olhos, dona de seu velho coração e herdeira universal, que fez dele o mais ditoso dos pais. Há poucos meses, já recluso na cadeira de rodas, confiou-a aos cuidados do esposo, em belíssima cerimônia nupcial, no Santuário de Bom Jesus, a capelinha das almas, em ambiente romântico. Sentiu-se que aquele ato para ele teve o mesmo significado do fechamento de um balancete, em que todas as contas se acham conferidas e comprovadas.Rubricou tudo e deu por cumprida sua missão. Ele faleceu no dia 22 de agosto passado, quando a cidade que tanto amou e honrou estava em festa, louvando o Espírito Santo, São Benedito e Nossa Senhora do Rosário.


Café Galo reinaugurado com festa

Itamaury Teles de Oliveira
Cadeira N. 84
Patrono: Newton Prates

............Que o coração da cidade é o centro, todo mundo sabe. Mas onde esse coração pulsa, normalmente, poucos sabem. Exceto em Montes Claros, onde é voz corrente que o Café Galo é o ponto nevrálgico do pulsar da cidade.

............O Café Galo, para usar terminologia consentânea, é um “poleiro” de reduzidas imensões, onde cidadãos, de variados níveis sociais, democraticamente se encontram e se confraternizam, em ambiente amistoso e cordial, para saberem das últimas, em absoluta primeira mão, e para discutirem os mais variados assuntos da atualidade. Ali se reúnem, diariamente, com exceção dos domingos, jornalistas, escritores, poetas, vendedores de loteria, corretores de imóveis, arquitetos, engenheiros, médicos, políticos e variada e disforme fauna de interessados nas novidades quotidianas...

............Como no Café Nice belo-horizontino ou na Boca Maldita curitibana, o Café Galo é passagem obrigatória de políticos e celebridades do meio artístico que circulam pela cidade e ali se deixam fotografar, para se “eternizarem” em suas paredes. Com efeito, podem ser vistas no local fotografias do presidente Lula e do vice José de Alencar, do governador Aécio Neves, dos exgovernadores Tancredo Neves, Itamar Franco, Aureliano Chaves, Francelino Pereira e Eduardo Azeredo, do ator global Jackson Antunes, dos comediantes Chico Anísio e Tiririca, e muitos outros. Paulo Maluf, quando candidato a presidência da República, ensaiou lá comparecer, mas manifestantes irados o fizeram demover da idéia, quando já descia do carro na porta do Café...

............Dentre os frequentadores mais tradicionais, pontificam no Café Galo os escritores Haroldo Lívio, Petrônio Braz, Dário Cotrim, Ronaldo José de Almeida e Augusto José Vieira Neto – o Bala Doce; os jornalistas Jorge Silveira, Felipe Gabrich, Luís Carlos Peré Novaes, Theodomiro Paulino, Arthur Leite, José Maria Costa, Oswaldo Antunes e Élton Jackson; o administrador Marco Paulo Furtado, os arquitetos Geraldo David Alcântara e Luiz Cláudio Cascão; o músico e performer Tico Lopes, os bancários Nonato Versiani, Euler Lino Campos, Florival Cardoso, Denart Dávila e José Batista; o engenheiro Ítalo Teles, os aposentados Fernando Lívio, Márcio Milo, Dudu Guimarães, Ruy Pinto, Danilo Macêdo, o “operário padrão” Massarico e, última e não menos importante, Zezinha da Loteria, uma das poucas representantes do sexo dito frágil a frequentar o espaço...

............Além disso, no seu entorno pululam vetustos membros de confrarias diversas, tais como da insólita AUCHAPAMOC – Associação dos Usuários de Chapéus Panamás de Montes Claros, da Sociedade dos Poetas Quase Mortos e, ultimamente, têm aparecido com frequência e relativa quantidade, assentados nos bancos de madeira, circunspectos usuários de bengala, com ares de cidadãos londrinos. São quase uma dezena, capitaneados pelo decano e carismático Recenvindo Silva, um nonagenário salinense que reside faz tempo em Montes Claros.

............Neste ano, o famoso Café Galo montes-clarense completou 53 anos de existência, funcionando no mesmo lugar, na esquina das ruas Governador Valadares e Simeão Ribeiro, no denominado Quarteirão do Povo. Ganhou roupa nova, presente de empresas locais, que assumiram o ônus da sua reforma, a partir de apelo feito por Theodomiro Paulino, o mais influente colunista social da cidade e frequentador assíduo do “point”. A reinauguração, no dia 4 de julho, reuniu centenas de freqüentadores, que lotaram o já concorrido Quarteirão do Povo, envergando camisetas alusivas à data.

............O Café Galo foi inaugurado em 1957, por Augusto Alves, que justificava o nome do estabelecimento com o humor próprio dos baianos de Urandi, dizendo que “se o galo sobrevive é porque come milho”, talvez numa alusão à impureza dos cafés de então, sempre “batizados” com o alimento do galináceo.


O proprietário do Café Galo, Jadir Rodrigues,
contempla um mascote do seu famoso café. (Foto: Itamaury Teles)

............Mas há outras histórias para a origem do nome. Jadir Rodrigues, o atual proprietário há 23 anos, sucedendo ao “seu” Augusto, diz ser o nome uma referência a uma ave que acorda cedo, como o Café Galo, que abre as portas às 6 da manhã, para servir cafezinho a seus clientes. Todavia, a versão mais criativa para o nome escolhido é de autoria do antigo proprietário do imóvel, o pranteado historiador Hermes de Paula. Como reservara apenas 12 metros quadrados de sua antiga clínica médica para um ponto comercial, vaticinou dizendo que ali bem que poderia funcionar um café, mas, pela exigüidade de suas dimensões, as pessoas teriam que comer em pé e rapidamente, feito um galo

– numa chistosa expressão com duplo sentido...

............O assunto é controvertido e vem povoando, nos últimos dias, as conversas no lugar. Mas ali ninguém se preocupa em concluir nada, o que importa são as acaloradas discussões, onde todos falam e, na maioria das vezes, ninguém tem razão...

............A reinauguração do Café Galo é fator de importância capital para a preservação da memória da cidade, por tratar-se do último reduto onde a chama da tradição ainda é mantida acesa, principalmente quando já se apagaram a do Café do Zim Bolão, a da Churrascaria Espeto de Ouro – do inesquecível Zé Amorim – e, mais recentemente, a da Sorveteria Cristal, que se transformou em prosaica pastelaria...

............Por isso, vida longa ao Café Galo é o que todos desejam.


Festa de Agosto

João Valle Maurício
Patrono da Cadeira N. 59

............A “Festa de Agosto” é uma mistura de religião com danças populares tradicionais em nossa cidade realizadas em regozijo e honra a São Benedito, Nossa Senhora e o Divino Espírito Santo.

............Tomam parte os congados ou catopês, os marujos, os caboclinhos e a cavalhada.

............Os “Catopês”, como denominamos aqui, evocam origens africanas. São quase todos pretos. Os “Caboclinhos” representam nossos índios. Os “Marujos” figuram os portugueses colonizadores. A “Cavalhada” recorda as lutas entre mouros e cristãos, pela posse da terra santa, nas cruzadas. Cada um deles, em particular, tem colorido interessantíssimo justificando uma descrição completa.

............Aqui abordaremos apenas, em traços rápidos, com muita saudade, o conjunto da festa em torno da Igrejinha do Rosário que agora, - velha e enfraquecida, está sendo demolida. Chega o seu fim, como nós chegaremos um dia.

............Sol de agosto! Quente de rachar! O chão, em brasa, é coberto por um colchão de poeira fina e amarela. No céu, nem um fiapo de nuvem. Na igrejinha pequena e majestosa, no meio do largo, aglutina-se a população.

............Barracas, mesinhas e tendas esparramadas por todos os cantos, vendem doces, biscoitos, garapas, amendoins, gergelins e outras comilanças. Não vendem cachaça. Apesar da alegria, existe respeito.

............Sá Dade, negra velha, de saia rodada, mascando um naco de fumo, fiscaliza o tabuleiro com os deliciosos pés-de-moleque e pastéis. Os níqueis são colhidos numa latinha de pó de arroz “Lady”.

............Na ponta dos mastros de pindaíba, ladeando o cruzeiro, as bandeiras permanecem paradas, nesta época do ano até o vento é sufocado pelo mormaço.

............Acocorados à beira dos muros, à sombra, junto às casas de Sá Aninha Pinto, dona Nazinha Pimenta e dona Vidinha, mulheres e crianças descansam e conversam. Um garotinho pançudo, com a camisa, debaixo dos braços, “faz serviço” com naturalidade e tranquilidade. Pela porta da sacristia entram e saem aflitas as “filhas de Maria”, na arrumação dos altares, toalhas e paramentos do Padre Marcos. Lá dentro dona Augusta Valle, com voz cansada pela asma crônica, vai dando ordens. D. Eponina Pimenta é também grande autoridade, além de filha de Maria, é sobrinha do Bispo D. João.

............As outras moças repartem o tempo entre rezas e namoros, passeiam aos bandos, de braços dados, rodeando a Igreja. Os rapazes frajolas refletem luz de espelhinhos redondos nos olhos das escolhidas, trava-se um duelo de luz, no qual ambos são vencidos pela flecha de cupido. Sai namoro e às vezes, casamento. Seu Tonico Maia, aquele do chapelão de abas largas que é o delegado, é o pai do Imperador (O menino Lauro Azevedo Maia). Em sua casa, no largo da Matriz, nas palavras de Mané das Moças, o festeiro mais oferecido da cidade, está um farturão besta. Panelões enormes, caldeirões gigantescos, latas de querosene jacaré cheios tutu, farofa, arroz de tropeiro, doces de leite e de casca de laranjas, são esvaziados constantemente. Todo mundo come e come muito. É questão de honra para o dono da casa que todos fiquem satisfeitos.

............No rumo da rua de baixo. Sobem os foguetes de rabo, pipocando no céu limpo. É um reinado que vem subindo para a Igrejinha do Rosário.

............Dentro em pouco, ouve-se o dobrado da banda “Euterpe”. Ronca surdo o marcante com a clarineta de Tonico de Naná e Adail Sarmento, ajudados pelo bombardino do Zé do Ó. Augustão, maestro, cheio de alegria e glória, está magnífico, seu narigão vermelho faz contraste com o boné azul e os botões amarelos do uniforme, vem subindo pela rua Dr. Veloso. Muito mais gente corre à esquina do seu Basílio para assistir ao desfile. É um dos pontos alto da festa.

............Na frente, montado em belos animais com peitorais cheios de guizos e selas enfeitadas, vem os reis da cavalhada. Imponência de majestades, com coroas e espadas. Logo atrás, dentro de um quadrado, conduzido pelo povo, está o Imperador. É um garotinho, todo de vermelho, muito chique, com o cetro na mão e uma longa capa levada por duas meninas.

............A seguir, estão os dois ternos, é o nome do grupo de “catopês”. Zé da Custodinha é o chefe, com um beição enorme, balançando a cada pulo, vai repicando a caixa de couro e cantando:

- Ei! Vamos levar a coroa do Imperador...

............Os outros respondem o mesmo, em voz mais fina e mais alta. Tem na cabeça um capacete que mais parece um enorme espanador, contornando de vários espelhos e miçangas coloridas, pendem atrás longas fitas de seda que esvoaçam com a dança. De roupa branca e pés no chão. Os demais têm menos adornos e no final, estão os negrinhos, saltitantes, já roucos e com as veias do pescoço salientes. Entre os dois ternos, um menino “branquelo” sacudindo o pandeiro em cumprimento a uma promessa a São Benedito.

............Os caboclinhos cheios de ritmo e graça vestidos de saiotes enfeitados de penas de cocar, pintados de urucum, munidos de arcos e flechas, marcam a cadência. São comandados pelo “cacicão” e fiscalizados pelo “papai-vovô” e “mamãe-vovó”. A marujada dentro de uma dita barca, provida de rodas e envolvida por um pano ralo, tem no comando os “capitães” Chico Testa e Joãozinho Fogueteiro.

............Numa cantiga dolente entoam:

- Moça mineira, chega na janela

- Venha ver marujo, que já vai pra guerra...

............Em grupo compenetrado estão as princesas e príncipes do reinado, cada qual acompanhado da madrinha, que leva um chapéu de sol.

............Sá Maria Batoca, a princesa mais velha e mais prosa, tem um vestido azul, a fita da irmandade e uma avantajada bolsa de couro amarelo. É a corte acompanhando o Imperador para a sagração. Chegam à pracinha que já é pequena para os que lá estão. O sino solitário cumpre sua missão, continuam os meninos assoprando os tições e mandando para o céu os foguetes de rabo. De quando em vez, cai uma taquara ainda quente na gaforinha de uma crioula dengosa e sapeca-lhe a nuca. Ela dá uns gritinhos, mas não larga o reinado.

............A Igreja está um presépio de bonita. Os santos que são donos da festa também dela se aproveitam, ganham flores e arrumações. As velas iluminam fartamente todo o templo.

............São Benedito, pretinho, está no seu grande dia. Nossa Senhora, com sorriso tranquilo recebe agradecida as homenagens, também o Divino, numa bandeira prateada, aguarda a chegada do cortejo.

............Chegou o cortejo.

............José da Custodinha, ao penetrar no templo, arranca do seu peito forte, cheio de fé e respeito, o canto de saudação.

“Deus te salve, Casa Santa,
Onde Deus fez a morada.
Onde mora o cálice bento
E a hóstia consagrada...”.

............Todos vão se aproximando do altar. Prestam as reverências, recebem as benções e em evoluções sempre de cabeça baixa, recuando, cedem lugar aos demais.

............O Imperador fica assentado num trono ao lado do altar acompanhando o cerimonial.

............À noite realiza-se o levantamento do mastro do Divino. Enorme fogueira é acesa. De novo a “Euterpe” executa seus deliciosos dobrados. Iluminam o céu as girândolas e foguetes do Marciano Fogueteiro.

............Terminou a Festa de Agosto, deixando o cansaço e muitas saudades para os participantes.

............Hoje termina a velha e querida Igrejinha do Rosário

............Deus te salve Casa Santa!


COISAS DO PASSADO II

Juvenal Caldeira Durães
Cadeira N. 81
Patrono: Nathércio França

............Nós somos afetados pelo saudosismo, independentemente de nossa vontade. Todavia, há quem nos aconselhe evitar lembranças passadas, sob o argumento de que elas só servem para ocupar espaços em nossa mente, atrapalhando a criação de idéias novas e úteis ao nosso desenvolvimento pessoal. Mas, como é agradável, nos momentos de silêncio e tranqüilidade, a gente recordar as passagens da infância, da adolescência, do tempo de estudante, do começo da vida profissional e dos acontecimentos daquelas doces e amargas aventuras!

............Naquelas épocas do nosso passado, as cidades interioranas eram pacatas, alegres com festejos familiares, religiosos e folclóricos. Chovia muito, o povo afortunado vivia na abundância com a produção do campo e com os recursos da época. Outros, porém, viviam no infortúnio, sem proteção do estado e com dificuldades para manter a família. Era uma época de desigualdade acentuada, de riqueza e pobreza.

............A segurança era mantida pelo bom senso da comunidade, que raramente recorria a intervenção policial para resolver as desavenças na vizinhança. A polícia era temida pela arbitrariedade e violência, portanto evitada. A justiça era coisa de ricos. Pobre não tinha acesso a esse tipo de benefício. Os litígios eram quase sempre resolvidos e apaziguados, por intermediações de anciões da família e de vizinhos. A população vivia tranqüila, sem violência e sem medo. A não ser quando contrariava algum coronel da região.

............A Saúde era precária e fora do alcance da população de menos recursos. Lembro-me de nossos vizinhos: Manoel Dias, rapaz alto, alegre e simpático, morreu com uma infecção causada por um espinho de pau-preto no pé. Aurelino, ainda na mocidade, morreu acamado e sem saber a origem da doença que o vitimou. Osvaldo, em plena adolescência, com os olhos amarelados, talvez uma hepatite, morreu depois de longo tempo prostrado numa cama sem assistência médica. Era comum o enfermo acamar-se e esperar a morte ou o restabelecimento com o repouso e remédios caseiros ou farmacêuticos, conhecidos como jalapa, sene, bicabornato de sódio, maná, biotônico fontoura, capivarol, injeção 914 e os manipulados. Muitos deles de pouco valor terapêutico e já desaparecidos das farmácias. Usavam-se também, beberagens de ervas de quintais e de plantas do cerrado. Às vezes, recorriam também aos curandeiros e às benzedeiras com seus poderes sobrenaturais. Com essas práticas rudimentares, muita gente morria com sofrimentos dolorosos e prolongados, na vã esperança de cura.

............Apesar dessas atribulações, a solidariedade entre parentes e amigos era habitual na redondeza, a fim de consolar os enfermos e familiares, quando não se tratava de doenças contagiosas, como a tuberculose, lepra, varíola e outras. O preconceito era forte e com razão, pois afetado, o contagiado ficava sujeito ao sofrimento, sem esperança de cura e à espera da morte. Naquela época não existiam recursos para curar tais doenças.

............Os médicos não tinham condições de diagnosticar seus pacientes com exatidão. Não era costume pedir exames e faltavamlhes recursos e instrumentos de precisão para as avaliações. Geralmente, o doutor mantinha curto diálogo com o paciente, o que lhe bastava para prescrever os medicamentos da época e fazerlhe algumas recomendações rotineiras.

............No caso da parturiente, os parentes e vizinhos assumiam os procedimentos e riscos do parto que sempre dava certo, porém, poderiam resultar em morte da mãe (morte de parto) ou em “mal de sete dias” vitimando a criança, o que deveria ser infestação de tétano, proveniente da falta de higiene na operação da parteira leiga.

............O parto era feito na própria casa, onde a convalescente ficava confinada durante quarenta dias, usando algodão nos ouvidos, pano cobrindo a cabeça, meias compridas, embrulhada com pesado cobertor, com janelas fechadas, dietas rigorosas, silêncio e sendo alimentada com pirão de frangos, criados com essa finalidade. Tudo atendendo recomendações daqueles que se diziam mais experientes e que temiam uma recaída ou “quebra de resguardo” da parturiente. Uma infecção era, quase sempre, fatal. Naquela época não havia antibiótico. O repouso e a dieta eram importantes e imprescindíveis no restabelecimento do doente.

............Hoje, a medicina está especializada e aparelhada com recursos modernos e apropriados para amenizar ou curar os males da época. E, ainda, preparada para prestar atendimento a todas as faixas sociais, com modalidades diversas. Para alguns, com pesados ônus; para outros, através de planos de saúde e para a classe pobre, o SUS, instituído pelo governo federal, sem obrigações e custos para o paciente. No entanto, ouvimos queixas e descontentamento geral contra as instituições de saúde e de seus serviços prestados à população, às vezes, por desconhecer um passado, que muitos saudosistas gostariam de reviver em nossos dias.

............A Educação não era diferente. Os filhos de pessoas menos favorecidas, geralmente, não recebiam ensino dos poderes públicos. Às vezes, alguns conseguiam matrículas nas raras escolas do governo, porém, elementares e sem as devidas estruturas. As instalações eram rústicas e as professoras leigas, de pouco conhecimento e faziam, quando necessário, uso da palmatória.

............O aluno era, geralmente, matriculado na escola aos sete anos de idade e só saía do primeiro ano, depois de aprender divisão de sílabas das palavras, soletrar corretamente, escrever textos comuns, decorar a tabuada, ler livros simples e manuscritos de caligrafias diversas e complicadas. Lembro-me ainda de alguns livros usados no curso primário, como: Violeta, Zezé e Elza.

............Os alunos de melhor poder aquisitivo estudavam em escolas melhores, mantidas e ministradas, geralmente, por religiosos e pessoas consideradas ilustres e eruditas, porém sem os devidos conhecimentos pedagógicos. Outros procuravam lugares evoluídos e colégios famosos para seus estudos. Os alunos saíam do ensino básico e ingressavam, sem vestibular, nas universidades de renome. As faculdades ficavam nos grandes centros e eram caras. Os bacharéis eram chamados de doutor.

............Na zona rural, as escolas eram rústicas e particulares, mantidas pela vizinhança, sem assistência e controle das entidades governamentais. Todavia, de vez em quando, aparecia por lá um servidor público, montando um cavalo e na função de inspetor com a incumbência de fiscalizar a escola. As professoras eram leigas e com conhecimentos elementares reduzidos, porém, esforçadas, dedicadas e rigorosas. Os alunos eram obedientes, responsáveis e ansiosos para aprender o pouco que as abnegadas professoras tinham para ensinar.

............O ensino acompanhou a evolução dos tempos e tomou rumo a uma fase áurea, com o aprimoramento docente e o desenvolvimento discente, resultando numa pluralidade de conhecimentos que se estenderam para os bairros, periferias e distritos.

............Nos últimos anos, surge uma avalanche de informações benéficas e maléficas com o advento da TV, da internet e de outras inovações, proporcionando grandes recursos e benefícios à sociedade, quando bem usadas na vida prática e com fins educativos ou, abalando o sistema educativo, a moral e o controle da autoridade, quando mal usada. Esses mecanismos dominantes despertaram a liberdades exageradas e sem limites na juventude, gerando desrespeito e danos incalculáveis para os costumes, para a aprendizagem e para educação, apesar do aperfeiçoamento de professores e de estruturas adequadas e modernas dos educandários.

............Os costumes também acompanharam a evolução do tempo, deixando para trás coisas que viriam ferir a dignidade e direitos humanos em nossos dias.

............As mulheres eram essencialmente domésticas. Viviam em função exclusiva da casa, de seus maridos, dos filhos e vestiam roupas discretas. Raramente, participavam das decisões de seus esposos e não freqüentavam meios sociais. Não saíam só e nem trabalhavam fora de seu lar. Eram vigiadas e condenadas por quaisquer atos suspeitos. Muitas sofriam abusos de seus maridos e não podiam livrar de seus grilhões. Porém, outras eram valorizadas como pessoas pelos cônjuges, pelas famílias, pela sociedade e até chamadas de rainha do lar.

............O casamento era coisa séria. A virgindade da mulher era condição necessária para o matrimônio. A fidelidade era infalível. A separação, rara e quando acontecia, a mulher retornava à casa dos pais e se afastava do convívio social, para evitar ciúmes das outras mulheres. Muitas, não suportando o confinamento do lar, procuravam viver relegadas à zona boêmia, para sempre.

............Se houvesse caso de defloramento, o rapaz ficava na obrigação de casar imediatamente, sob pena de morte ou de desaparecer da região para sempre e a moça, relegada à rua das amarguras.

............Hoje, a mulher alcançou uma condição de independência que lhe traz contentamento incontido e estampado na face. Não deixa de ser motivo de júbilo, conquista de liberdade e combate aos preconceitos. Todavia, nada é de graça e tudo tem o seu preço. Seus afazeres do lar extrapolaram, alcançando as diversas áreas de atividades profissionais e sociais, trazendo-lhes, às vezes, cansaço, desarmonia conjugal, impossibilidade de cumprimento das obrigações domésticas e de acompanhamento da educação dos filhos.

............O caráter era um dever do cidadão. As pessoas eram sérias e honestas e um passo em falso era o suficiente para torná-las desacreditadas e repudiadas pela sociedade.

............O serviço comum era fácil, como nos dias atuais, porém temporários e sem seguridade. O serviço público era para poucos. Os profissionais qualificados eram raros e serviam, geralmente, às classes predominantes. Porém, ninguém se preocupava com empregos. Não usava concurso público ou privado. Era regra geral viver sem preocupações, ambições e concorrências. O importante era o sossego e tranqüilidade.

............Na década de trinta existiam as indústrias de fiação do Cel. Luiz Pires e a dos Paculdinos e não me lembro de outras. A cidade só começou crescer no setor industrial na década de cinqüenta, com a criação e expansão da SUDENE.

............O comércio era mais ativo com os comerciantes tradicionais: Benedito Gomes, Manoel Higino, Deraldo Calixto de Carvalho, seu irmão Antônio Calixto de Carvalho, José de Araújo e outros.

Farmácias: de Mário Veloso e de Juca de Chichico e médicos: Dr. Mário Botelho, Dr. Alpheu de Quadros Gonçalves, Dr.Pedro Santos e outros que vieram mais tarde.

Prefeitos: Dr. Santos, Dr. Barroca, Dr. Alpheu de Quadros Gonçalves, mais tarde, Dr. Simeão Ribeiro Pires, Dr. Pedro Santos, Dr. Moacir Lopes e outros que lhes seguiram.

Clubes: Clube Montes Claros, Clube dos Bancários, Boate da Praça de Esportes e posteriormente o suntuoso e moderno Automóvel Clube.

Campestres: Tínhamos os clubes nos municípios vizinhos:
Clube Pentáurea (Bocaiúva ) e depois Clube Lagoa da Barra (Francisco Sá).

Folclore: Os catopês ou dançantes que representavam os africanos; os caboclinhos, os índios; os marujos, portugueses. E a cavalhada, mouros (vestidos de vermelho) e Cristãos (vestidos de azul). Eu torcia pelo azul nas competições, mesmo sem saber as origens e os significados daqueles grupos. Além disso, tínhamos o carnaval e o futebol: Montes Claros Clube, o União Operária, Padre Osmar. Mais tarde, o Ateneu, o Cassimiro de Abreu, o Ferroviário, o Tiradentes e o Ipê.

............Banda de Música Euterpe, vestia de amarelo (onde fui trombonista na década de quarenta) e a da União Operária, usava uniforme verde.

............A religião dominante era a Católica, ministrada, geralmente, por padres estrangeiros (Pe. Marcos e Pe. Lucas e outros) rigorosos para com seus fiéis. A Semana Santa era de orações e de devoção e os preceitos religiosos eram cumpridos com rigor e muita fé. Às vezes ouvíamos falar da Igreja Batista, rara no nosso meio.

............A zona rural era densamente habitada, produtiva e alegre. Ali, os casamentos verificavam sempre entre parentes e vizinhos, intermediados, quase sempre, pelos genitores. Os filhos, depois de casados, construíam suas moradas nas terras dos pais ou nos arredores. A vegetação exuberante e densa, de árvores frondosas e com moradas de abelhas nos seus galhos, dominava na região. As madeiras comuns serviam para as cozinhas, como lenhas. As “de lei”, mais famosas eram o cedro, a aroeira, o jatobá de vazante, o jacarandá, o pau-d’arco (ipê), o pau-preto, o jequitibá e outras, que serviam para as construções de móveis, de fazendas e de moradias. Havia, também, grande variedade de animais selvagens, pássaros canoros e exóticos, que povoavam as matas fechadas e de árvores altaneiras. Os mais mansos cantavam com tonalidades diversas e sonoras nas ramagens e copas das árvores frutíferas dos quintais. Nas lagoas, as aves aquáticas e de plumagens matizadas deslizavam sobre águas transparentes, ameaçando os peixes incautos e emaranhados na vegetação do fundo dos lagos. Os rios corriam com águas cristalinas e com peixes nadando nos remansos calmos ou passando apressadamente pelas correntezas impetuosas. Tudo era muito lindo naqueles tempos saudosos. Era uma época sadia, alegre e indelével. Hoje, são coisas do passado, devastadas ou poluídas, não pelos animais irracionais, mas pelos que se dizem racionais.


PADRE AGOSTINHO,
A SAGA DE UM SACERDOTE

Lázaro Francisco Sena
Cadeira N. 55
Patrono: João Luiz de Almeida

O RESGATE

............Noite de inauguração no Colégio Tiradentes da Polícia Militar. Estava concluída a construção do belo auditório com capacidade para 524 pessoas assentadas confortavelmente na plateia, com vista garantida para o palco dos acontecimentos. Nome escolhido para o espaço: “Auditório Padre Agostinho”, uma sugestão do coronel Lázaro Francisco Sena, a pedido do então diretor, professor Milton Lopes da Silva.

............Aquele ato singelo, embora carregado de emoções, na noite de 19 de dezembro de 1997, veio resgatar a memória de um grande idealista e realizador, o professor José João Beckhauser, mais conhecido como Padre Agostinho, falecido a 28 de maio de 1980, aos sessenta e sete anos de idade, nesta cidade de Montes Claros, além de elevar a autoestima da viúva Maria Honória Rodrigues Ramos e das cinco filhas do casal, Agostinha, Valquíria, Consuelo, Lílian e Telma, todas com o prenome Maria e o sobrenome Ramos Beckhauser, até então abaladas pelo desditoso falecimento do chefe da família. Foi como se a alegria renascesse naquela casa, pelo reconhecimento público do valor e da honra de um bravo lutador que ficou ferido na estrada das intolerâncias humanas.

............O sofrimento e a humilhação a que se submeteram o padre Agostinho e sua família podem ser resumidos em memorável crônica do padre Aderbal Murta, publicada em O Jornal de Montes Claros, edição de 08-11-81, da qual ousamos transcrever três trechos. O primeiro relata a sua reação ao lhe ser sugerido pelo companheiro que deixasse de fumar, em razão da sua deplorável situação de saúde: “Eu quero morrer! Quero me libertar desta vida desgraçada em que tudo deu errado. Dême o cigarro, eu preciso fumar, fumar muito, muito mesmo, para morrer depressa! Quero morrer, gritou desvairado, quero morrer, Murta, morreeer!” O segundo trecho trata de sua reação inversa quando, na recepção do hospital, recebeu um beijo comovido da atendente, sua ex-aluna do Colégio Tiradentes, que o cronista denominou O Beijo da Ressurreição: “Murta – gritou chorando e rindo de emoção – eu quero viver! Chame o médico, eu quero viver! A vida é uma sinfonia de amor, que ecoa na eternidade, quando alguém nos ama.” O terceiro trecho é o triste epílogo da crônica e da vida de nosso personagem: “Mesmo assim, um mês depois, o cemitério de Montes Claros abriu suas portas para um novo hóspede, e o corpo do Padre Agostinho, Cura da Catedral de Montes Claros, do Professor Agostinho, Diretor do Colégio Tiradentes, do Capitão Agostinho, Capelão da Polícia Militar de Minas Gerais, desceu numa cova escura e humilde, sem batina, sem alunos, sem farda, sem salva de tiros, sem as continências de praxe. De uma arvorezinha ao lado, cheia de lagartas, a corneta agourenta e desafinada de um pardal arrepiado e triste executou, na hora, o toque de silêncio; e a sinfonia de amor a que Agostinho se referira começou a niná-lo baixinho no silêncio da eternidade.”


Inauguração do “Auditório Padre Agostinho”.
Prof. Milton Lopes da Silva, Diretor do Colégio Tiradentes;
Da. Maria Honória Rodrigues Ramos, viúva do homenageado;
Ana Carolina Beckhauser Farias, primeira neta do casal.

 

AS ORIGENS

............JOSÉ JOÃO BECKHAUSER nasceu a 13 de abril de 1913, na cidade de Tubarão-SC, filho de João Carlos Beckhauser e Maria Selhorst, descendentes de imigrantes alemães que vieram para o Brasil no ano de 1862 e se estabeleceram naquele Estado de Santa Catarina. Consta que, até os oito anos de idade, só falava a língua alemã, aprendida com sua família, vindo a aprender o português somente quando entrou para a escola. Era o quinto filho do casal, de um total de treze irmãos, sendo seis homens e sete mulheres. O fato de ter sido o primeiro filho homem foi determinante para seu ingresso no seminário, aos treze anos de idade, por imposição de seus pais, para não fugir ao costume das famílias tradicionais daquela época, que tudo faziam pela ordenação de um padre entre os seus descendentes.


O seminarista José João Beckhauser, com seus pais e os doze irmãos, em
frente à sua residência, em Tubarão-SC.

O SACERDOTE

............A ordenação de José João Beckhauser como sacerdote verificou-se a 19 de maio de 1940, na própria cidade onde nasceu. A partir dessa data adotou o nome Padre Agostinho, em homenagem ao seu padrinho espiritual, o santo do mesmo nome. Logo a seguir, foi nomeado Cooperador em Formiga-MG, até o ano de 1942, quando foi nomeado Cooperador e Missionário em Brusque-SC. A primeira designação como Vigário foi para a cidade de São Bento do Sul-SC, entre os anos de 1943 e 1944. Consta ainda que foi o fundador da “Casa de Castro”, no estado do Paraná, em 1944, mesmo ano em que foi designado Cooperador em Jabaquara-SP. A vinda para o estado de Minas Gerais aconteceu em 1945, quando foi designado Vigário da cidade de Lavras, tendo ali permanecido até 1947. Entre os anos de 1947 e l949, foi nomeado Reitor em Nepomuceno e Três Pontas, no sul de Minas. Finalmente, a partir de 03 de maio de 1950, foi designado para a Diocese de Montes Claros. Aqui exerceu, inicialmente, funções junto ao Colégio Diocesano Nossa Senhora Aparecida, tais como Vice-Diretor, Capelão, Diretor Administrativo e Diretor Geral. Exerceu outras funções na Diocese, também em algumas cidades vizinhas, como Janaúba, Grão Mogol e Claro dos Poções, antes de ser nomeado Cura (Vigário) da Catedral, a partir de janeiro de 1955. Foi nessa função, certamente das mais destacadas dentro da Diocese, que as suas qualidades de grande orador se manifestaram ao público, em sermões que, segundo a voz do povo, faziam tremer a majestosa Catedral.


Padre Agostinho discursa na Catedral, ao lado de Dom José Alves Trindade,
Bispo Diocesano, em solenidade com a presença de várias autoridades.

O CAPELÃO MILITAR

............Com a instalação do 10º Batalhão da Polícia Militar em Montes Claros a 28 de julho de 1956, nas proximidades da Catedral, o “vigário” daquela igreja, o padre Agostinho, era sempre solicitado para os serviços de assistência religiosa junto ao quartel, surgindo aí uma identificação de princípios comportamentais entre o futuro pastor e o seu rebanho. Em conseqüência, já em 01-06-58, foi incluído no Batalhão como Sacerdote, na condição de “encostado”, ou seja, “recruta”, para efeito de remuneração. Sua situação funcional foi legalizada a partir de 29-03-60, quando foi nomeado Capelão da Polícia Militar, por ato do Governador do Estado, com a côngrua correspondente aos vencimentos de 1º Tenente. Foi empossado oficialmente a 03-05-60.


Revista do Instituto Histórico e Geográfico de Montes Claros 94 Padre Agostinho, Capelão do 10º Batalhão, em seu gabinete de trabalho.

............A adaptação do padre Agostinho aos rigores da disciplina militar aconteceu de forma espontânea, em razão da sua própria formação cultural, como descendente de tradicional família alemã, afeita aos mais severos mandamentos religiosos. Em termos de hierarquia e disciplina, a Corporação mais recebeu dele do que talvez lhe tenha emprestado, tal foi a coincidência de princípios e atitudes cultivados por ambas as partes. Era como se, há muito tempo, o pastor conhecesse as suas ovelhas e essas, ao mesmo tempo, reconhecessem a sua voz.

............Na rotina da caserna, embora fosse “provocado” constantemente pelos mais íntimos de seus pares, sobre a sua condição de celibatário, privado pois, pela própria Igreja, da prática de quaisquer atividades sexuais, respondia dignamente que a própria natureza cuidava de resolver tal situação, fazendo descarregar o seu organismo enquanto dormia, através das chamadas “poluções” noturnas. Entre risadas e cacoetes, a turma fingia que acreditava, deixando o “pobre” capelão ainda mais vermelho do que já era determinado pela própria etnia.

............Um dos grandes momentos vividos pelo padre Agostinho nas fileiras da Polícia Militar, já promovido a capitão, certamente foi a sua integração à tropa do 10º Batalhão designada para se deslocar até Brasília-DF, durante o movimento revolucionário de 1964, que tinha como objetivo impedir a “comunização” do governo brasileiro nos moldes da Cuba de então, dominada e manipulada pela extinta União Soviética, já, naquela época, tiranizada pelo renitente ditador Fidel Castro. A missão da tropa incluía, se necessário fosse, a deposição do presidente da República, João Belchior Marques Goulart, ou simplesmente Jango, que se mostrava vacilante e até mesmo simpático aos movimentos anarco-sindicalistas, através dos quais os comunistas pretendiam conquistar o poder. O padre Agostinho, como cristão e católico combativo, encontrou naquele movimento a oportunidade de repelir as ideias do comunismo ateu, que ameaçavam dominar a consciência do povo brasileiro. Em Brasília, o Batalhão permaneceu por um mês, ocupando pontos estratégicos, principalmente na região de Taguatinga, só regressando a Montes Claros após a eleição de um novo presidente da República pelo colégio eleitoral formado pelos deputados e senadores ocupantes das cadeiras da Câmara e do Senado federais. Pelo sistema de eleição indireta, ainda hoje em vigor em várias nações do mundo civilizado, foi sufragado o nome do marechal Humberto de Alencar Castelo Branco, como primeiro presidente do novo regime implantado pelo movimento revolucionário.


Oficiais do 10° Batalhão, sob o comando do Cel Georgino Jorge de Souza, em
frente à Catedral de Brasília-DF, em abril de 1964. Padre Agostinho é o último
à direita, de pé, em uniforme de campanha.

O CELIBATO

............Nenhuma outra norma instituída pela própria Igreja, sem qualquer apoio no evangelho cristão, provoca conseqüências mais danosas do que o celibato clerical em vigor no catolicismo romano. Atividades sexuais são inerentes aos seres humanos, como a todo reino animal, até mesmo como processo obrigatório para perpetuação da vida. Entre os irracionais, a natureza instintiva regula os procedimentos. Entre os humanos, contudo, premiados por Deus com o livre arbítrio, carecem de normatização. Isso, todavia, não autoriza eliminá-las, mas sim orientá-las dentro de um padrão de conduta compatível com a vida em comunidade.

............A Igreja de Cristo, ao longo de seus dois mil anos de evangelização, encontrou dificuldades de toda ordem para cumprir a sua missão. Não foi diferente à época do papa Gregório VII que, entre tantas reformas necessárias, teve a infelicidade de proibir, sob pena de excomunhão, os sacerdotes de se casarem, no ano de 1074. Com os cismas posteriores acontecidos dentro da própria Igreja, restou quase que exclusivamente ao catolicismo romano perpetuar tal proibição. Aí os problemas estavam apenas começando. É defensável que o celibato clerical seja uma opção pessoal, mas jamais uma imposição. Arrebanhar jovens no despertar da sexualidade e acreditar que essa torrente possa ser contida é mais do que temerário, é insensato. Nem mil anos de experiência malsucedida conseguiram convencer a alta hierarquia da Igreja Católica Romana, a minha religião de professada fé, das inconveniências e da ineficácia do regime celibatário imposto aos seus sacerdotes. Pior do que a incontinência sexual dos clérigos com pessoas do sexo oposto são as constantes e sempre atuais denúncias de homossexualismo e de pedofilia praticados nos recônditos mais sagrados da instituição. Felizmente para mim, que fiz parte do seu rebanho quando pertencia ao 10º Batalhão da Polícia Militar, o padre Agostinho não se perverteu com pessoas do mesmo sexo seu, o que seria uma prática abominável. Assim como a minha Igreja já mudou e até se penitenciou, em razão da odiosa prática da Inquisição, que até há dois séculos atrás mandava queimar os seus condenados em fogueira ardente, está passando da hora de abolir, da sua legislação, a danosa exigência do celibato clerical.

O PROFESSOR

............Até a metade do século passado, só raramente se encontrava um professor com formação específica para lecionar em qualquer escola que ousasse ir além do antigo curso primário, correspondente hoje às quatro primeiras séries do ensino fundamental. A solução imediata para tal problema, quando não resolvido com os próprios professores “normalistas”, era recorrer aos profissionais de outras áreas, tais como advogados, engenheiros, médicos e padres, para ocuparem as cadeiras de professor, mesmo que não tivessem, para isso, a necessária e adequada formação didáticopedagógica. Quanto aos padres, levavam vantagem sobre outros profissionais, em razão de sua experiência em salas de aula dos seminários.

............Com a instalação do Colégio Tiradentes em Montes Claros no início de 1964, foi o padre Agostinho designado para o cargo de diretor substituto, considerando que o diretor titular, por lei específica, era o próprio comandante do Batalhão. Isso, todavia, não impediu que ele fosse designado diretor efetivo do Colégio, no período de 25-05-65 a 28-02-66, ao mesmo tempo em que ministrava aulas de Educação Moral e Cívica.

............Terminou aí a experiência do Capelão e do Professor José João Beckhauser, o padre Agostinho, junto ao 10º Batalhão e à Polícia Militar. A sua vida sofreu uma reviravolta impiedosa, quando teve de abandonar o sacerdócio, premido pelo terrível dilema de escolher entre o celibato, ou assumir uma vida conjugal que já florescia e torturava a intimidade já sofrida daquela criatura. Venceu a razão, mas a Igreja perdeu o seu sacerdote e, em conseqüência, a Polícia Militar perdeu o seu capelão e o Colégio Tiradentes o seu diretor e professor. Ganhou a família, que já se constituía de mulher e filha, que foi legitimada pelo casamento civil, realizado no cartório da cidade de Capitão Eneas em 29 de janeiro de 1969, perante as testemunhas Jacinto Teixeira da Silva, Nadir Landulfo Teixeira, Aderbal Murta de Almeida e Maria Conceição Mendonça da Silva. O casamento religioso somente foi realizado muito tempo depois, em 14 de setembro de 1977, por questões burocráticas da própria Igreja, quando o casal já comemorava o primeiro aniversário de sua quarta filha, Lílian. Foi celebrante do casamento Monsenhor Gustavo Ferreira da Silva, na presença de vários outros sacerdotes. A cerimônia aconteceu na residência dos cônjuges, transcorrendo com bastante discrição, por recomendação de D. José Alves Trindade, Bispo Diocesano.


Prof. Agostinho e sua esposa, Maria Honória, no dia do casamento religioso.
Pela ordem de idade, as quatro primeiras filhas do casal: Agostinha, Valquíria,
Consuelo e Lílian; a caçula, Telma, ainda não havia nascido.

EPÍLOGO

............Após a legalização da situação conjugal do ex-padre Agostinho, tanto na área cível como na religiosa, era de se esperar uma feliz retomada de vida em família. Mas a realidade, muitas vezes, deixa de ser generosa, para apresentar a sua face mais cruel. Dispensado da ordem clerical, onde laborara por mais de vinte e cinco anos, e excluído da Polícia Militar, onde exercera a capelania durante quase dez anos, o Professor José João Beckhauser, sem deixar de ser o “Padre Agostinho”, viuse desafiado para o início de uma nova profissão, aos cinqüenta e três anos de idade, como antigo professor de seminários e colégios diversos. Contava ele com vasta experiência no Magistério, mas “os tempos eram outros”, com o mercado de trabalho recebendo as primeiras turmas de professores formados na antiga Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras – FAFIL, hoje integrada à UNIMONTES. A competição, assim, ficou muito desigual, com os Ginásios e Colégios preferindo os professores mais novos e mais capacitados tecnicamente. Partiu o Professor Agostinho para a vizinha cidade de Capitão Eneas, a convite do seu Prefeito, para lecionar no Ginásio Eneas Mineiro de Souza. Tudo parecia caminhar bem, inclusive com a promoção de nosso personagem a Diretor daquele estabelecimento de ensino. Mas as feridas da alma do “velho” sacerdote não cicatrizaram, diante das dificuldades materiais para a manutenção da família em padrões de dignidade. Da Polícia Militar tinha sido excluído, a pedido, a partir do início do ano de 1966, por não mais reunir condições legais para ser capelão, sem qualquer parcela remuneratória de aposentadoria; da Diocese, por algum tempo, recebeu apenas uma pequena ajuda material, em espécie, para provisão de alimentos da família; do magistério, finalmente, é que não viria a paz financeira, pois que, até hoje, os abnegados trabalhadores do ensino ainda lutam para que a sua remuneração não fique abaixo do salário mínimo oficial do país. Era muita pressão, material e espiritual, para um “guerreiro” cansado, levando-o ao paroxismo dos até então contidos vícios do cigarro e da bebida alcoólica. O resto da história já ficou registrado no início deste pobre e despretensioso relato.


FIM DE ESTIO NO SERTÃO

Luiz de Paula Ferreira
Cadeira N. 19
Patrono: Caio Mário Lafetá

............Um cheiro bom que vem na brisa da serra está anunciando que estamos outra vez em setembro. O mês das tardes bonitas, de sol pálido. Setembro das queimadas, das tardes calmas de fim de estio. No sertão, as primeiras tardes da primavera têm um cheiro bom de inocência. Envolve o ar que se respira o agreste perfume das flores que engalanam as árvores desnudas para a festa das primeiras chuvas. A presença dessas grinaldas perfumadas representa algo que ao mesmo tempo encanta e surpreende. Parece que a terra seca, adivinhando as chuvaradas próximas, esbanja prodigamente as suas recônditas reservas de húmus na elaboração do milagre dessas primeiras flores. Dá gosto estar no campo nessa época. Há um sossego manso espalhado em tudo. Uma doce expectativa nos seres e nas cousas. Tudo espera pelas chuvas, até a altaneira serra que deseja lavar-se do fumo das queimadas e de novo cobrir-se com o vestido verde das folhagens jovens.

............Quando os raios do sol se fazem mansos, já vizinhos do ocaso, sente-se uma doçura infinita no ambiente expectante. Bandos de pássaros despedem-se do dia com a festa de seu variado canto. Andorinhas vadias, soltas no céu marchetado de rosa e bonina, cruzam-se ligeiras no ar, trocando entre si não sabemos que segredadas mensagens. Cigarras cantadoras orquestram o entardecer com a beleza triste de seu estridular sonoro e grave.

............E a tarde se esvai, saudada pelo mugido melancólico do gado de pastoreio. O homem, quase ausente na paisagem, é às vezes apenas adivinhado na poesia comovente de um aboio distante. Ou nas compassadas batidas de um machado que em alguma parte trabalha em tronco rijo.

............Com o cair do crepúsculo, vão-se calando, pouco a pouco, todos os rumores. E um quase silêncio envolve a natureza, quando sobre o horizonte longínquo a papa-ceia anuncia que vai nascer a noite estival.


ACOLHEDORA CIDADE

Luiz de Paula Ferreira
Cadeira N. 19
Patrono: Caio Mário Lafetá

............Cidades há, como certas mulheres, que possuem o dom de despertar amor à primeira vista. Montes Claros é uma dessas cidades privilegiadas. Sua fama corre longe. De cidade aprazível, de gente acolhedora. Cidade para se trabalhar, ganhar dinheiro, fazer amigos, viver em paz, aproveitar a vida.

............Os que vêm de fora, cedo aprendem a gostar da carne de sol, do pequi, do araticum. E encantam-se com a riqueza do folclore e com o profundo azul do vasto céu sertanejo, recamado de estrelas, em noites estivais.

............Sou descendente dos fundadores de Montes Claros mas não nasci aqui. Vim de fora. Sou personagem do êxodo rural. Mas meus pais, minha esposa e meus filhos são montes-clarenses de nascimento.

............Vim para Montes Claros com 9 anos de idade. Para aprender a ler, escrever e contar, como se dizia naquele tempo. Matriculeime no Grupo Escolar Gonçalves Chaves, no casarão da rua Cel. Celestino, único então existente. Ali recebi lições de sabedoria e carinho de uma plêiade de professoras admiráveis que ensinavam por verdadeira vocação. Recordo-me bem das professoras Lainha de Oliveira, Conceição Fernandes, Noeme Figueiredo, Mercês Prates, Helena Prates, Aurora Andrade, Eponina Pimenta, Augusta Valle e mestra Júlia, entre outras. E do diretor, professor Álvaro Prates, cidadão de inexcedíveis virtudes e educador dos mais competentes que já conheci. Sugiro aos nossos administradores lembrarem-se do nome dele quando forem criar uma nova escola estadual.

............Minha primeira profissão aqui foi a de engraxate, na rua Simeão Ribeiro, em frente a um bar onde hoje é a Lanchonete Cristal. Na ocasião eu ganhava também uns trocados mergulhando no Rio Pai João para apanhar intãs, uma pequena concha encontrada no fundo dos rios e que eu vendia na Fábrica de Botões de Cel. Antônio dos Anjos, pai do escritor Cyro dos Anjos. Nesse trabalho apanhei uma esquistossomose da qual só me curei 20 anos depois.

............Trabalhei ganhando salário mínimo em lojas e armazéns de cereais. Trabalhava durante o dia e estudava à noite. Foi decisiva em minha vida a formação em contabilidade. Foi como contador, trabalhando muito e economizando, que consegui montar minha própria empresa, com a venda da qual pude alimentar o sonho de trazer para Montes Claros a fábrica de tecidos mais moderna do país. Na ocasião eu afirmava que aquela fábrica pioneira iria dar começo à formação de um polo têxtil na Área Mineira da Sudene. Muitos não acreditaram no que eu dizia. Mas esse sonho também se realizou. Hoje estão ai 10 fábricas, sete aqui e três em Pirapora. Algumas delas com a mais moderna tecnologia existente no mundo. Continuo acreditando, como sempre acreditei, no futuro de Montes Claros. Não só pela sua condição de polo natural da região, mas principalmente porque o montes-clarense é trabalhador, inteligente e criativo.


JOSÉ AUGUSTO FREIRE

Maria Clara Lage Vieira
Cadeira N. 100
Patrono: Wan-Dick Dumont

............Um artigo de um antigo jornal de Bocaiuva, assinado por Toninho Versiani, coloca-o entre os ”bocaiuvenses que dignificaram o município”.

............É uma figura ímpar. As pessoas que o conheceram têm sempre uma palavra boa para falar sobre ele.

............Não o conheci, mas convivi e ainda convivo com sua filha Maria do Rosário–Rosarinha, para nós – e, se o ditado:”os filhos são o espelho dos pais” é verdadeiro, tenho a certeza de que estou diante da vida de uma pessoa simples, amiga, sincera, honesta, alegre, sempre disposta a ajudar.

............Pelas informações que tive sobre ele, o caráter da filha se assemelha ao seu.

............Nas cidades pequenas, as pessoas, principalmente as mais conhecidas e populares, têm um apelido e, se alguém pergunta informações pelo seu nome de batismo, ninguém sabe informar nada. Mas, se for citado o apelido, a coisa é diferente.

............José Augusto Freire era conhecido como “Zé Tinozinho”. Era filho de Manoel Freire da Fonseca e de Dona Maria das Mercês Caldeira. O pai se casara com ela em segundas núpcias. Ele nasceu em Bocaiuva, aos 14 de outubro de 1889.

............Foram seus irmãos: Carmina Augusta Freire, do primeiro casamento de seu pai, José Catolino e Joana Versiani, do segundo casamento.

............Desde cedo, mostrou seu interesse pelo bem-estar do povo e sua vontade de ajudar em qualquer situação.

............Exerceu várias atividades, das mais humildes às mais ilustres, com competência, responsabilidade, honestidade.

............Foi seleiro, comerciante e funcionário municipal e, em cada função, procurou ajudar as pessoas com quem lidava,tentando resolver os seus problemas, animando, conversando, aconselhando.

............Casou-se com Dona Maria Júlia Coutinho Freire, constituindo com ela uma família de sete filhos: Rosarinha, Maria das Mercês, Adauto, Lourdes, João, Marcos e Luiz.

............Foi esposo dedicado, pai amoroso, muito preocupado em dar uma boa educação e um bom exemplo aos filhos.

............Por muito tempo, foi Juiz de Paz do município, demonstrando nessa função que, na época, não era remunerada, toda a sua dedicação pelo povo de sua terra e a firme vontade de fazer dessa gente uma comunidade mais feliz.

............Resolvia os mais complicados casos, tanto na cidade como na zona rural. Emprestava aos casos que se lhe deparavam toda a sua elegância, calma, equilíbrio, ponderação e amizade.

............Era respeitado por suas atitudes e suas decisões eram sempre acatadas. Agia com tal serenidade e justiça que, sempre que faltava o Juiz de Direito no município, ele era nomeado para suprir a falta do magistrado titular.

............Percorrendo longas distâncias na zona rural, ficou conhecendo o município nos seus pormenores e, por onde passava, era conhecido e estimado e também sabia estimar e respeitar as pessoas do lugar.

............No seu afã de filantropia, foi um dos fundadores do Asilo São Vicente de Paula e da Liga Católica da Paróquia do Senhor do Bonfim.

............Zé Tinozinho faleceu em 1974, aos oitenta e cinco anos de uma vida íntegra, útil, exemplar.

............Seria bom que a posteridade conhecesse a existência de um cidadão como José Augusto Freire, para que os jovens pudessem se espelhar nos seus exemplos e cultivar os valores autênticos.

............O passado já não existe, é certo, mas a herança que dele recebemos, o que se construiu de bom nos tempos idos pode ajudar o nosso presente e o futuro para que, com boas idéias e atitudes, possamos construir um mundo melhor.

............Que seja conhecida de todos a figura de Zé Tinozinho, personalidade marcante na história de Bocaiuva e digno modelo para sua descendência e para toda a juventude.


DO DESEMBARGADOR VELLOSO AO
PROFESSOR ARTHUR VERSIANI VELLOSO

Maria da Glória Caxito Mameluque
Cadeira nº 40
Patrono: Georgino Jorge de Souza

............Desde que conheci meu marido, nos idos de 1959, ele sempre me falava com admiração e respeito do Dr.Arthur Versiani Velloso, que conheceu no Colégio Marconi, em Belo Horizonte e que tinha raízes fincadas em Montes Claros. Pesquisando, descobri que Dr. Arthur Versiani Velloso era o filho caçula do Desembargador Antônio Augusto Velloso, patrono da Cadeira N. 1 da Academia Montesclarense de Letras, que tenho a honra de ocupar. Nasceu o Desembargador na Vila de Montes Claros de Formigas, em 31 de outubro de 1856, filho do Cel. Gregório Velloso e Dona Joana Batista de Aguiar Godinho. Em 1870 foi para Diamantina a fim de fazer o Curso de Humanidades e depois para o Rio de Janeiro para continuar os estudos. Foi professor de Latim e filosofia e ainda estudante do 1º ano de Direito, coube-lhe colaborar na Tradução Literal das Obras de Horácio. Em 1880 casou-se com Dona Elisa Versiani, filha do Dr. Carlos Versiani, tendo onze filhos: Augusto, Carlos, Mário, Oscar, Gregório, Joana D´Arc, Gabriela, Maria Elisa, Helena, Zélia e ARTHUR VESIANI VELLOSO. Elegeu-se Deputado à Assembléia Provincial, para legislaturas de 1882 a 1884 e 1886 a 1889. Proclamada a República foi eleito Senador à Constituinte Mineira, mas renunciou ao mandato por ter sido nomeado Juiz de Direito da Comarca de Diamantina, em 1892 tendo sido promovido à Comarca de Ouro Preto, onde permaneceu por mais de 15 anos e dali removido para a Capital. Em 22 de agosto de 1919 foi promovido a Desembargador, cargo que ocupou até o seu falecimento, em 14 de fevereiro de 1924. Foi o pioneiro da Imprensa do Norte de Minas, fundando em Montes Claros o semanário CORREIO DO NORTE, cujo primeiro número circulou em 24 de fevereiro de 1884. Entre suas obras, destacam-se: Lições Cívicas, Manual Eleitoral, Coletâneas Jurídicas e outras, sendo autor da primeira Monografia Histórica, Estatística e Topográfica do Município de Montes Claros.

............A Rua Dr.Velloso é uma homenagem ao Desembargador Velloso, por sua grande importância na história de Montes Claros.

............Dr. Arthur Versiani Velloso nasceu em 1908 no município de Ouro Preto e faleceu em Belo Horizonte, em 1986. Professor de Filosofia e um dos fundadores da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras - atual Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas da UFMG. Formou-se em Direito e tornou-se doutor em Filosofia em 1949. Era catedrático de História da filosofia da UFMG e membro da Academia Mineira de Letras, ocupando a Cadeira de número 18 que tem como patrono Silva Alvarenga e fundador Estevam Oliveira. Ele foi a própria Filosofia nos anos em que empolgou centenas de estudantes para os estudos filosóficos nas suas aulas no Colégio Marconi e na Faculdade de Filosofia da UFMG. Era um kantista e como admirador de Emmanuel Kant viajou duas vezes à Alemanha para realizar em Koenisberg, com o corpo docente da Universidade, a famosa “stoa” kantiana ao túmulo do mestre alemão. Tal era sua admiração por aquele filósofo que mandou fazer, em Belo Horizonte, uma réplica em granito, da sua pedra tumular onde estão gravadas as imortais palavras com que é concluída a Crítica da Razão Prática: “Duas coisas enchem o meu espírito de admiração e respeito, sempre novos e crescentes, quanto mais sobre elas reflito: o céu estrelado sobre mim e a lei moral em mim.”

............Sobre ele escreveu o Professor e Doutor Antônio Ribeiro de Almeida Júnior:

............“Tive a honra de ter Mestre Velloso na minha banca de Doutoramento, quando em 1973 defendi minha tese de Psicologia Social. Sua argüição, como não poderia deixar de ser, foi inteligente e crítica. Mas Mestre Velloso foi, sobretudo, um personagem. Onde encontrá-lo? Nas aulas de Filosofia? Nas conversas despreocupadas na Livraria Agir, seja com algum aluno ou com Pedro Aleixo ou Milton Campos; ou nas páginas do ‘Amanuense Belmiro’, consagrado romance de Cyro dos Anjos onde ele é retratado como Silviano, o filósofo de um grupo de rapazes que discute na bucólica Belo Horizonte dos anos 30 os problemas da vida? Sua pessoa sempre foi multifacetada e como lhe assentava bem a divisa que Descartes adotara: “Je me caché – Eu me oculto”. Quem ia visitá-lo na Rua dos Aymorés, ao lado da Igreja da Boa Viagem deparava logo na ante-sala, com um grande retrato de René Descartes que sorria enigmaticamente para o visitante. Hoje, desejo nestas memórias, exercitando o coração e a razão, deixar registrada como era a sua relação com os seus alunos nos anos 50. Este testemunho é necessário, porque nossa época é marcada pelo quase total desaparecimento do Mestre para em seu lugar surgir apenas o professor, o técnico e o especialista. Se Marcel Proust mastigava sua ‘madaleine’ para recuperar o seu tempo perdido eu demoro, nesta tarde de verão do ano 2001, os meus olhos sobre alguns dos livros com que fui presenteado pela sua generosidade. Lá está a sua tradução de ‘Da necessidade metafísica do Homem’, de Schopenhauer, a ‘Histoire de La Philosophie Moderne’ de Roger Verneaux e de E. Kant o ‘La Religion dans les limites de La simple Raison’. Todos traziam, em letras garrafais, uma gentil dedicatória, como esta: ‘Para Antônio Ribeiro de Almeida, mais esta recordação do Prof. Velloso, em julho de 1959’. Era com prazer que ele presenteava os estudantes daquela classe de Filosofia com os livros que importava da França. Mas conheci Mestre Velloso quando ainda fazia o antigo curso Científico. Foi num Curso de Férias que ministrou, no início de 1952, no Instituto de Educação. Eu havia chegado a Belo Horizonte para tentar a vida, estudar e fazer o Exército. Enquanto procurava um emprego, resolvi aproveitar a parte da manhã para fazer aquele curso que vira anunciado num jornal. Da minha pensão de estudante pobre, em plena Avenida Amazonas, quase esquina com a Praça 7, caminhava ao longo da Afonso Pena aspirando o doce aroma que vinha do Parque naquelas belas manhãs, então belorizontinas. O Instituto de Educação, imponente em suas colunas dóricas, foi para mim o que deve ter sido a ágora de Atenas para os amigos de Sócrates. Ali entrava experimentando grande felicidade e na expectativa que os problemas do sentido da vida, da verdade, do bem e do mal, estavam encontrando um encaminhamento. Era preciso chegar antes das sete horas. A sala estava sempre lotada e os melhores lugares eram disputados pelos alunos. No fundo, ocupando quase toda a mesa com o seu corpo gigantesco, Mestre Velloso impunha uma presença muito forte que nunca mais percebi em outros professores. O que logo se destacava era sua vasta cabeleira, algo desorganizada, revolta e a voz poderosa. A eloqüência com que ministrava suas lições ia num crescendo para terminar num clímax que a todos encantava. Os seus olhos quase não eram vistos. Grossas lentes, marrons
ou verdes, os ocultavam da nossa curiosidade. No rosto moreno, a boca e os lábios compunham uma máscara indecifrável. Nas palavras deixava transparecer uma ironia apenas sugerida. Assim procedendo ele nos fazia participar de um diálogo fantástico e nos fazia crer que éramos mais inteligentes e cultos do que realmente éramos. O tempo corria célere e o final da aula chegava para o desgosto de todos nós. O Mestre nos fizera conviver, quase como familiares, com Sócrates ou Platão ou Aristóteles e despertara em nós toda antipatia do mundo pelas Xantipas que não entendiam a missão do filósofo. O real, o que era afinal? Belo Horizonte era Belo Horizonte ou Belo Horizonte era Atenas? E com os passos medidos, olhos cheios do azul, eu voltava, sem pressa, para o meu dia a dia. À noite, no quarto acanhado que compartilhava com um camelô, abria, cioso, o meu Leonel Franca e tentava, pelo estudo, recuperar e fixar o que fora ensinado naquele dia. Mas como o estudo era árido. A informação objetiva, segura e fria de Franca não substituía todo o deslumbramento que Mestre Velloso havia criado em mim com sua exposição. Ali, no Instituto de Educação, bem antes de terminar o meu curso científico, resolvi abraçar a Filosofia Queria participar daquele grupo de homens que vieram ao mundo para tentar compreender o sentido da Vida e do Universo, e aos quais não seduzia a busca de riquezas, do poder ou viver para satisfazer suas paixões. A filosofia seria o meu penacho. Dois anos depois entrei, finalmente, no curso de Filosofia para ser aluno de Mestre Velloso. Nas aulas pude então perceber todo o espírito, toda a ironia, ora sutil ou sardônica, com que Mestre Velloso flagelava os apedeutas e aqueles que traiam o espírito do ‘clerc’. Não era por acaso que um dos seus textos e leitura obrigatória era o Le Trahison dês Clercs, de Julien Benda. Suas aulas eram dadas, preferencialmente, aos sábados, toda tarde. Lá pelas 18 horas saíamos, a seu convite, bebericar um chope no Alpino, numa situação descontraída e livre onde ele nos colocava informado da política universitária e de acontecimentos culturais de repercussão mundial. Sentia-me, como outros colegas, como pagens daquela confraria cujos cavaleiros já sagrados pelo estudo e dedicação ao Mestre eram Morse Belém Teixeira, da Sociologia; Amaro Xisto de Queiroz, da História e Luis Bicalho, filósofo e comunista histórico.

............Como outros alunos seus, o Mestre obrigou-me a estudar uma língua estrangeira. Desejava que dominasse o alemão para ler Kant no original. Não passei, contudo, do francês, das leituras de Descartes, Montaigne e Sartre. A leitura do Discours de Descartes, na edição comentada de Adam Tannery, era obrigatória. Seus artigos eram publicados pela revista Kriterion, que existe até hoje, e que foi no Brasil, durante muitos anos, a única revista de Filosofia publicada com regularidade. Era comum que nos mandasse procurar o Teobaldo, secretário da revista,que já fora instruído para nos dar um exemplar de Kriterion sem nada cobrar. Tudo isto acontecia numa Belo Horizonte que vivia um período de grande agitação cultural e ideológica. A capital de Minas Gerais deixava de ser provinciana e ganhava em cosmopolitismo. Foi a época da criação do Teatro Universitário com o diretor italiano Giustino Marzano; da Ação Católica e da influência de Jacques Maritain sobre os pensadores católicos, e dos comunistas do partidão que exibiam no restaurante universitário os alfinetes ‘made in URSS’ com a foice e o martelo. Do lado da Literatura surgia a estrela de Heitor Martins que fez traduções de Boris Pasternack, o grande dissidente russo. Curiosamente era uma época de aberturas, de diálogo, do Julião com suas Ligas Camponesas. Um comunista que se prezava conhecia bem o seu Marx, Lênin e Stálin e sem nenhuma arrogância procurava converter seus colegas universitários para o Partido. Mestre Velloso tudo isto acompanhava à distância. Hoje, penso que ele talvez cultivasse aquele ‘pathos da distância’ de que nos fala Nietzsche. Nunca, contudo, nenhum professor foi mais próximo de nós. Acredito que dele herdei um grande e desinteressado amor à Cultura e à Filosofia. Herdei, finalmente, um espírito livre que só pode nascer da crítica. Como sua enfermidade foi longa e penosa, a morte veio como uma libertação. Sei que finalmente, na sua ironia, ele poderia me pedir um fantástico diálogo post mortem que eu sacrificasse por ele um galo a Esculápio (Ver o sentido deste pedido em Platão, Phedon, Ed.G.Budé). Minha fé católica me impõe o suave dever da oração e uma visita ao seu túmulo. Por tudo isto é que, a partir de agora, belo Horizonte estará insistentemente sussurrando aos meus ouvidos: “Por que não vais a Belo Horizonte? Volta lá”

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(Texto do Professor Dr. Antônio Ribeiro de Almeida, Jornalista e escritor de São José do Rio Preto, SP. Doutor em Psicologia Social, FFCLRP-USP, disponível em HTTP://ribalmeida33.wordpress.com/2010/05/06/).
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“OS BARES NUNCA FECHAM”

Maria Luiza Silveira Teles
Cadeira N. 42
Patrono: Geraldo Tito da Silveira

“Se chegue, tristeza
Se sente comigo
Aqui, nesta mesa de bar
Beba do meu copo
Me dê o seu ombro
Que é para eu chorar
Chorar de tristeza
Tristeza de amar”

Vinícius de Moraes

............Bares existem em qualquer lugar do planeta. Alguns luxuosos, cheios de beleza e arte, outros modestos, e mesmo “copos sujos”. Neles, de qualquer forma, em grupo ou sós, celebra-se a Vida, afogam-se as mágoas, as tristezas, a saudade, um amor não correspondido, brinda-se aos que se foram... Alguns enquanto bebem escrevem poemas nos guardanapos, viajando por seu interior e contemplando e registrando o que ali acontece.

............Karla Celene Campos, poetisa de boa cepa, já visitou um bocado deles. Do Brejo das Almas, com seus bares tão peculiares, assim como os de Montes Claros – em especial a extinta e saudosa “Cachaçaria do Durães”, nosso ponto de encontro dominical – os bares da Estrada Real, Diamantina, São Gonçalo, Milho Verde, etc. até os de Espanha e Portugal.

............E nesta sua jornada, em estado de deslumbramento com a vida e as gentes, ela vai fazendo suas anotações em guardanapos. E destas anotações nasceu uma grande, fascinante e bem estruturada obra: “Os Bares nunca Fecham...”. Amo Karla. Não apenas porque é minha prima, mas, acima de tudo, por sua grandeza, com um riquíssimo universo interior, a encarnação da Alegria, do Entusiasmo, da Paixão.

............Amo as pessoas que vivem com paixão, sempre repito isto. Aquelas que se entregam intensamente, que saboreiam cada minuto como se fosse o último. Pessoas que só sabem ver a Beleza da vida, de braços e coração abertos. Pessoas que desconhecem a inveja, sentimento menor que toma conta daqueles que não têm asas.

............Sem dúvida alguma, e sei que todos haverão de concordar comigo, Karla é uma grande estrela. Quando ela nos mira, seus olhos brilham. Ela está sempre em estado de deslumbramento, aquele estado de êxtase que confessa Fernando Pessoa gostaria de estar, “como se acabara de nascer”. Ela é poeta, contadora de “causos”, filósofa, bailarina, atriz. Deus a fez completa, em minha visão. E, além do talento, Ele lhe deu um companheiro de verdade e filhos maravilhosos.

............Tudo que ela faz o faz com beleza e consistência. Sua formação intelectual é sólida. Assim, ela pode navegar, corajosamente, por todos os mares, que jamais perderá o rumo. Ela sabe que sempre haverá um cais à sua espera, com um bar pelas cercanias, onde, sozinha ou em grupo, levantará o copo, brindando à vida, o amor, a saudade, a amizade e a todos os artistas de todas as épocas e lugares.

............Ela sempre busca o néctar das melhores flores. Desta forma, em tudo que escreve percebemos o universo de múltiplos olhares, autores que a marcaram em toda a sua trajetória.

............Karla ama os livros, assim como eu. Vivemos mergulhadas neles e amamos sentir-lhes a textura, a tessitura, o cheiro de coisa antiga e guardada ou o de tinta fresca. Entristeço-me muito quando alguém me diz que não lê porque tem preguiça de fazê-lo. Sinto piedade destes. Nunca haverão de “navegar por mares nunca dantes navegados” e seu universo será sempre restrito. Aliás, Carlos Ruiz Zafón, autor espanhol de uma das melhores obras que já tive o privilégio de ler, “A Sombra do Vento”, comenta, com muita propriedade: “ (...) a arte de ler está morrendo muito aos poucos, (...) é um ritual íntimo, (...) um livro é um espelho e só podemos encontrar nele o que carregamos dentro de nós (...), colocamos nossa mente e alma na leitura, e (...) esses bens estão cada dia mais escassos”. A verdade é que as pessoas não leem porque são pobres interiormente.

............Nélida Pinõn, orgulho de nossa literatura, a primeira mulher a presidir a Academia Brasileira de Letras, confessou à Revista Isto É que “considera empobrecido nosso cenário cultural pela massificação e pela deficiente formação educacional do brasileiro. (...) É um país onde a leitura é uma raridade”. Quem não lê, pouco tem a oferecer em termos literários. Como emocionar e alavancar o leitor se não se faz uma única reflexão? Karla, entretanto, com sua riqueza interior, nos move e comove. Mesmo quando escreve prosa ela não abandona o seu estilo poético, com suas figuras de linguagem. Vejamos: “ o negror de um céu órfão de estrelas”, “a imensidão oceânica se ofereceu sem pudor”, “o sol fingia que era verão”, “ mastigou a maciez de cada sílaba, bebeu a doçura do conjunto de suas letras, aspirou o perfume que parecia saltar do nome soletrado”, “a chuva executava um balé enlouquecido”, “sei o cheiro do tempo que passa, da página que é virada, da vida que se vai”... “Desavergonhadamente, sem ao menos um fiapo de nuvem a ocultar a sua nudez, sem nenhum pudor, a Lua se entregava feminina aos olhares e aos telhados, exageradamente, artisticamente, platonicamente - acessível aos olhos e aos corações, deixando, entretanto, em cada boca, o gosto acre-doce dos amores impossíveis, de amores que não estão ao alcance das mãos”. E por aí ela vai nos encantando.

............Durante toda a narrativa ela também filosofa e vê o aspecto social e político da nossa era. Mergulhemos, mais uma vez, em suas palavras: “Comum aos mortais é a dor de viver. Algumas pessoas, no entanto, tomam providências para que a convivência com tal dor não se transforme num vazio existencial inútil.”; “A mocidade e os mistérios. O futuro incógnito, o presente de prazeres e angústias. Um tesão enorme pela vida e ao mesmo tempo um grande medo dela...”; “Inversão de valores. Pobreza espiritual. Pobreza nas conversas. Papos desinteressantes. Pobreza musical. Repararam no tipo de música que faz sucesso hoje? Música?!

............Um tecnologismo desumano se apodera do deslumbrado e despreparado humano, que não está sabendo como lidar com isso. O que seria uma forma de facilitar a vida, garantir o tempo para o ócio e o prazer tornou-se mecanismo exigente que só faz roubar mais o nosso tempo. Tanta pressa, pressa tanta pra quê, se já não há tempo para o bom-humor?

............Aquecimento global, violência generalizada, falta de espiritualidade, planeta doente... “Ano 2008: John, a utopia acabou”.

............Karla é gente e se mostra sem pudor. Ela grita, ela sangra, ela ama, ela nos coloca um punhal no peito enquanto navegamos pela beleza de seus mares, assim como ela fala da poesia de Elthomar Santoro: “A poesia de Santoro é feita para sangrar, incomodar, doer; para nos libertar das mediocridades e mesmices (...)”. Ela se identifica com o poeta porque ela, também, por sua vez, faz o mesmo conosco.

............Ah, a beleza da viagem que nos descreve, o estado de encantamento e fome em que nos põe!... Cada vez a gente tem sede de mais e mais... Não queremos que a leitura termine! É tudo muito intenso! É brasa, é carne, é gelo, é lágrima, é riso...

............Karla, com sua literatura, assim como Miriam Carvalho e alguns tantos montesclarenses, nos dá orgulho da terra! Ela sempre será lembrada por seus registros cheios de encanto. Sua prosa e seus versos serão eternos, assim como daqueles que, pela vida afora, souberam nos tocar, emocionar e ajudar no processo de crescimento, no salto quântico. Ainda falando sobre ela, posso usar suas próprias palavras para mostrar a sua beleza e o esmero de sua obra, quando ela descreve o artista e o sertão: “o artista sabe que, se não há como deter o tempo, pelo menos é possível fazer com que a página virada não se perca no branco da falta de formas, da falta de cores, da falta de almas. Sabe que, através da arte, a vida não se esvai.

............Misturando formas, cores e almas, o artista pinta o cenário. Teima em insistir na vegetação que insiste em vida, mesmo se chuva não há, mesmo se ajuda não vem.

............Faz surgir o marrom, o cinza, a terra e a poeira na cerca de madeira, no adobe e no sapé. Faz surgir a serra azul, a terra vermelha e a fé na pequenez do homem que conta com a grandeza de Deus pra levar a vida. Pra continuar a lida. Pra abençoar os seus.

............Como quem faz poema. Como quem faz canção. Compõe cenário que deixa vazar a vida dos homens de vida vazia, dos homens de luz e barro que compõem este cerrado. Que lutam pela existência, que vivem de brisa e de insistência; de resistência e sertão”.

............Eu, também, Karla, ao ler esta sua mais nova obra, “preciso da mudez de bocas caladas pra poder agasalhar na alma todas estas sensações”. Você sempre será plena e por isso alcançará a plenitude em seus versos, em seus gestos, em palavras e canções.

............Você ainda está no verão da vida e terá muito caminho pela frente, muitos registros a serem feitos por sua pena e seu rico coração. Já eu, termino o outono e antevejo o inverno... Entretanto, meu coração desconhece esta realidade e sempre haverá de
sentir que é primavera... Você tem razão, “bares têm alma, têm personalidade”. E num desses bares quaisquer de nossas vidas, estarei sempre a esperar por você para brindarmos a primavera eterna de nossas almas, aos amores perdidos, à saudade teimosa, à vida sem razão, mas, também, em sua eterna beleza.

............Em seu “Os Bares nunca fecham...” você nos lembra da efemeridade de tudo e, de maneira belíssima, chama o poeta para atestar a verdade do que coloca:

“Que é a vida? Uma ilusão,
Uma sombra, uma ficção;
O maior bem é tristonho,
Porque toda a vida é sonho
E os sonhos, sonhos são.”

Calderón de la Barca

............Brindemos os sonhos e vamos vivê-los enquanto vida houver! E continuemos as nossas anotações...


INVENTARIANDO ITACAMBIRA

Marta Verônica Vasconcelos Leite1
Cadeira N. 17
Patrono: Auguste de Saint Hillaire

 

 

Resumo: Estudo sistemático da oferta turística da cidade de Itacambira, município norte-mineiro com um rico conjunto de recursos naturais, culturais e históricos, conhecidos desde o Brasil Colonial.

Palavras-chave: Itacambira, Turismo, Patrimônio Cultural, Preservação, Recursos Naturais.

 

INTRODUÇÃO

............A cidade de Itacambira, situada no Vale do Jequitinhonha, Minas Gerais, é uma jóia colonial no alto da Serra Geral, encrustada entre várias nascentes de rios e uma vegetação de cerrado e campos rupestres de rara beleza.

............Distante 509 quilômetros de Belo Horizonte e 94 de Montes Claros, o município conta com população aproximada de 5.000 moradores, distribuídos na área urbana e zona rural. Encontra-se a 1.300 metros de altitude acima do nível do mar e apresenta clima tropical, com temperatura média anual de 18 graus centígrados2.

............Em Tupi-Guarani, língua de seus primeiros habitantes, Itacambira significa pedra pontuda que sai de dentro da mata fechada, numa referência à Serra de Santana, que desde remotas eras servia de guia para os viajantes que por lá passavam.

............Situada a oeste da cidade e ladeada por uma ampla e bela proteção natural, a serra recebeu a atual denominação devido a uma formação rochosa ali encontrada, a qual lembra uma silhueta feminina embalando uma criança. A visão de tal quadro é possível somente para aqueles vindos do norte, no sentido Botumirim/Itacambira.

............Mas a Serra de Santana, marco natural que confere a Itacambira sua denominação e destaque geográfico, não é a única boa surpresa reservada a seus visitantes. Há ali muito mais a ser desvendado, caminhos que nos contam um pouco da história não somente da cidade, mas de Minas Gerais e também do Brasil.

 

HISTÓRIA: BANDEIRAS E LENDAS

............Considerando que toda cidade possui um marco histórico inaugural de grande significado para o seu povo, em Itacambira não é difícil descobri-lo: trata-se da chegada à região da Bandeira de Fernão Dias Paes Leme, evento ainda hoje cercado por muita curiosidade e mistério.

............Márcio Leite3 no livro Paulistas e Mineiros – Plantadores de Cidades, registra: “é evidente a constatação de que faltou na leva de Fernão Dias um escrivão para anotar os fatos diários, as proezas e principalmente o roteiro.”

............Entretanto, não é total a escassez de registros que atestam a autenticidade da tradição oral que consagra o bandeirante como fundador da cidade. O documento que mais força tem na constatação da origem de Itacambira é uma carta do estudioso e primeiro bispo de Montes Claros, Dom João Antônio Pimenta, filho do Vale do Jequitinhonha e, portanto, também personagem dessa história.

............Dirigindo-se ao historiador Diogo de Vasconcelos, o religioso escreveu, em 1926:

Venho dar a Vossa Excelência uma notícia que será, por certo, muito agradável: a descoberta da prova real de ser Itacambira, como Vossa Excelência afirma com segurança na obra “História Antiga de Minas Gerais”, o local da mina de supostas esmeraldas descobertas por Antônio Dias Adorno e redescoberta, depois de perdida por muitos anos, por Fernão Dias Paes Leme, depois de heróicos sacrifícios4.

............Na seqüência do documento, o bispo descreve ter encontrado a cerca de cinco quilômetros do velho arraial a grande lagoa Vapabussu, formada pela união dos córregos Itacambirussu5 e Sujo. No momento em que escrevia, a lagoa encontra-se toda coberta por um lençol de areia e obstruída por grandes serviços de mineração, como se encontra até hoje.

............Apesar de se tratar de uma história bastante conhecida em todo o país, a saga de Fernão Dias Paes Leme, paulista que recebeu do Governo Português a incumbência de desbravar o Brasil em busca de índios e riquezas mineirais, merece um pequeno resumo6.

............O grande líder da bandeira teria saído de São Paulo em 1674 aos 67 anos de idade rumo ao sertão mineiro. Desde sua partida, habitava nele a esperança de encontrar a famosa Serra Resplandecente, que seria uma montanha de Esmeraldas.

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1-Professora Mestra da Universidade Estadual de Montes Claros e das Faculdades Integradas Pitágoras.
Trabalho realizado a partir de inventário turístico do Curso de Turismo e Hotelaria das Faculdades Integradas Pitágoras de Montes Claros.
2- Dados retirados do site: www.descubraminas.com.br em 05/10/2005.
3-Leite, M. in: Pires, 1979, p. 79.
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............A Bandeira avança de Sabará/MG à Barra do Guaicuí pelo Rio das Velhas e de lá, guiada por indígenas, chega ao Norte de Minas.

............Em determinado momento de sua trajetória, Fernão Dias, já velho e doente, é informado de que seu filho bastardo, José Dias Paes, pretendia substituí-lo à frente da comitiva, o que o levou a jurar que mataria aquele que ousasse lhe tirar o comando da Bandeira. O palco de tal episódio, situado à margem da estrada que leva a Itacambira, passou então a se chamar Juramento, hoje cidade.

............Seguindo viagem, finalmente encontram seu destino: a Serra Resplandecente, em cujos pés encontrava-se a Lagoa Vapabussu. Para os indígenas da época, não se tratava de uma simples lagoa, e sim da morada de Iara, a mãe d’água que com seus cabelos verdes dormia serenamente, não devendo ser por ninguém incomodada.

............Desafiando a lenda, Fernão Dias planejou fazer do local celeiro para as tropas, que deveriam continuar seu trajeto, sertão adentro. Além disso, recolheu as supostas esmeraldas e as enviou para análise em São Paulo. Entretanto, não chegou a saber de seu engano, morrendo pouco tempo depois de encontrar a Serra Resplandecente, com que tanto sonhara. Para os índios, as febres e os delírios advinham da ousadia de ter incomodado a deusa, mas pesquisas posteriores indicaram que a causa da morte foi mesmo a febre tifo, muito comum na região próxima à referida lagoa.

............Ainda outro mistério cerca sua morte: para alguns, ele teria sido enterrado na Barra do Guaicuí, onde existe inclusive um túmulo seu no cemitério. Mas, para outros, seu destino final teria sido o Mosteiro de São Bento em São Paulo, tendo sido conduzido pela mesma tropa que levava as supostas esmeraldas. De qualquer forma, o fato é que as pedras almejadas na verdade não passavam de turmalinas, pedra semi-preciosa quase sem valor à época.

............Além da importância da Bandeira de Fernão Dias, que fez deste local celeiro para suas tropas, vale acrescentar como o povoado de Itacambira efetivamente surgiu. Novamente, uma lenda vem preencher as lacunas da História. Segundo os moradores, enquanto Fernão Dias ainda vivia, uma pequena imagem de Santo Antônio foi encontrada sobre uma árvore. Por se tratar do santo de sua devoção, considerado por ele seu protetor, a imagem foi levada para as margens da Lagoa Vapabussu, onde seria construída a Igreja e o vilarejo que serviria de celeiro para a bandeira.

............Entretanto, todas as noites a imagem “fugia”, sendo reencontrada no dia seguinte no local de sua primeira aparição. Em face de tal “insistência”, o bandeirante aceitou trocar as proximidades da lagoa pela colina escolhida pelo santo, onde foi construída a Matriz, em torno da qual cresceu o povoado, hoje cidade de Itacambira. Lendas como esta do “Santo Fujão”, são recorrentes em vários locais do Brasil, como no caso da Padroeira Nossa Senhora Aparecida em São Paulo.

AS FESTAS: ENTRE A RENOVAÇÃO E A CONTINUIDADE

............Para compreendermos o processo de formação da comunidade de Itacambira, que se encontra cercada por fragmentos de História e muitos mitos e lendas, fomos buscar subsídio nos escritos de Halbwachs7, para quem a memória coletiva de uma comunidade apóia-se em momentos de origem que gradualmente vão se transformando em mitos, os quais, por sua vez, têm que ser periodicamente atualizados através de ritos.

............Assim, explica-se não só a constante referência dos moradores à figura de Fernão Dias, tomado por todos como fundador da cidade, como também a centralidade das festas em homenagem a Santo Antônio no calendário local.

............Com relação aos demais eventos culturais realizados na cidade e nos distritos, em que se destacam as Festas Juninas de São João e São Pedro e a Festa do Divino Espírito Santo, todos são diretamente ligados à interseção entre a fé cristã e os cultos pagãos
em louvor à colheita.

Segundo Funari8:

O cristianismo incorporou nos festejos em homenagem a santos alguns rituais da época clássica, na adaptação de alguns símbolos como a água, fogo e referências à fertilidade humana. O mês de junho era consagrado à deusa Juno e no seu transcorrer eram celebradas festas. Tratava-se da divindade que representava a fidelidade, a maternidade e a fertilidade. Há, portanto, uma relação sincrética na absorção de tais festas pelo cristianismo nas coincidências da época [das festas da deusa e atuais festas juninas].

............Em Itacambira, as Festas Juninas chegaram pelas mãos dos bandeirantes e, não fugindo à regra, relacionam-se à colheita do milho, cereal básico na alimentação humana e dos animais.

............As festas na cidade seguem os mesmos rituais encontrados em todo o Brasil, como a confecção e levantamento do mastro com a bandeira do santo que se comemora, momento que é saudado com um belo espetáculo pirotécnico.

............Outro importante ritual é o da confecção da fogueira, erguida na praça em frente à Igreja Matriz e que serve tanto para iluminar quanto para aquecer, já que a região apresenta baixas temperaturas nessa época do ano. Em torno da fogueira há música, dança e comidas típicas9 regionais, contribuindo para o sucesso do maior evento da cidade e arredores.

............Nesta época, é comum a celebração de casamentos e batizados dos habitantes, o que contribui para que a festa continue sendo um marco tanto de renovação da vida, como nos tempos do culto da deusa Juno, quanto de recordação da herança legada pelos bandeirantes.

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7-Halbwachs, 2004.
8-Funari, 2002.
9-Nessas festas, prevalecem os pratos feitos com derivados de milho, mandioca, batata doce e amendoim. A cachaça é a bebida preferida que, mistura com gengibre, canela e limão e aquecida, recebe o nome de quentão.

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A SERRA RESPLANDECENTE E SEUS TESOUROS

............Ainda capaz de ofuscar os olhos dos turistas com seu brilho, a Serra Resplandecente é hoje conjunto paisagístico tombado pelo município. Brilho que, atualmente, deve-se apenas aos cristais e à malacacheta, mineral fartamente encontrado no local.

............A famosa Lagoa Vapabussu que repousava a seus pés encontra-se no momento totalmente assoreada, necessitando de atenção urgente, que poderia se expressar em um bom projeto para transformá-la em atração turística digna de seu passado.

............O conjunto paisagístico é ainda berço do manancial hídrico que abastece a cidade e que também agrega em si qualidades suficientes para ser transformado em produto turístico.

............As potencialidades apresentadas acima são apenas pequena parte da imensa beleza de outros tantos atrativos, como a Pedra da Ursa, as alagoas, o mirante e os ricos sítios arqueológicos com pinturas rupestres cadastradas pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN) no ano de 1998.

............São cinco os sítios registrados: o Abrigo da Serra do Macuco; o Abrigo da Tuituberaba e mais três painéis rupestres espalhados na encosta da Serra Resplandecente. Sua história ainda está por ser desvendada, especialmente porque guardam em si indícios de que sua ocupação é muito anterior ao que indicam as atuais pesquisas.

A CIDADE: ARQUITETURA E SURPRESAS

............Segundo Kevin Lynch10 , no livro A Imagem da Cidade:

............Uma cidade é uma organização mutável e polivalente, um espaço com muitas funções, erguido por muitas mãos num período de tempo relativamente rápido. Cada cidade tem uma os indícios visuais de seu passado explicam grande parte de suas características.

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10Lynch, 1997.
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............Itacambira repete esse padrão de cidade. Na praça central localiza-se o seu principal patrimônio cultural: a Matriz de Santo Antônio, templo no estilo neoromânico que completará 300 anos em 2007.

............Tombada pelo Instituto Estadual do Patrimônio Histórico e Artístico de Minas Gerais (IEPHA), a Igreja revela em seu interior um altar mor com características únicas, compondo um conjunto não encontrado em nenhum outro lugar. Seu estilo é mourisco, com detalhes em treliças formando um grande trono. Observa-se também a presença de aspectos chinesices, o que tem intrigado os especialistas, uma vez que, até hoje, não é possível saber se tal trabalho foi realizado por um artesão da Bandeira de Fernão Dias, ou se é de responsabilidade de alguma ordem religiosa que se estabeleceu no local ao longo dos séculos XVIII e XIX.

............A imagem do padroeiro Santo Antônio, em estilo Barroco e possivelmente de origem portuguesa, é rara e não passou por repintura. O santo se apresenta vestido como soldado, tendo em uma das mãos um livro aberto sobre o qual encontra-se um pequeno menino Jesus de pé. Essa imagem do menino Jesus que compõe a peça foi arrancada por algum devoto, sendo posteriormente devolvida anonimamente.

............Outras imagens adornam o altar, algumas de valor histórico como o pequeno Santo Antônio, já citado, que teria sido o responsável pela atual localização da cidade. Há ainda imagens, em estilo rústico, confeccionadas em madeira possivelmente por artesãos autóctones e imagens neoclássicas, essas repintadas sem a devida atenção a suas características originais.

............Como muitas cidades coloniais mineiras, Itacambira teve no comércio do ouro e pedras preciosas sua principal força econômica e foi se formando do lento ajustamento de formas e forças, numa composição de plano visual modesto arquitetonicamente, porém em local privilegiado pela natureza, encravada como um presépio nas encostas da Serra Geral.

............Além da bela Matriz de Santo Antônio, poucos casarões coloniais foram preservados, pois a maioria das residências passou por reformas que não seguiram critérios técnicos, resultando em grande prejuízo para o entorno da Igreja.

............Ainda assim, Itacambira tem na Praça de Santo Antônio seu principal espaço de referência, pois ali encontram-se, além da Matriz, a Prefeitura e a maior parte do comércio, especialmente na parte posterior do templo, com bares, pensões, lojas e jardins. Todos esses elementos compõem um cenário típico, mas inconfundível, sendo também o local de lazer da população nos finais de semana e nas datas reservadas às festas religiosas.

............Outra riqueza que ainda carece de estudos que propiciem a sua justa valorização é o Centro Administrativo da Coroa Portuguesa, ali instalado no século XVIII. Itacambira fazia parte do caminho real hoje chamado Estrada Real do Norte, rota que inicialmente era responsável pelo escoamento da mineração nortemineira via contrabando e que, justamente por isso, passou posteriormente a ser controlada pela Coroa.11 Segundo relatos dos moradores, 45 dragões da Coroa residiam em quartel ali instalado, do qual atualmente se encontra apenas a base da grande edificação, no centro da cidade.

............Com relação ao traçado urbano, o que se pode acrescentar é que apenas dois bairros vieram a se somar, o que faz o conjunto arquitetônico ser praticamente idêntico desde o século XVIII.

TURISMO: NOVOS HORIZONTES E PROMESSAS

............O Turismo desponta neste início de século como uma nova necessidade, caracterizada pela predominância de atividades de serviços e pela busca incessante da natureza com o objetivo de fugir do estresse urbano.

............Segundo a Organização Mundial do Trabalho, o turismo nos grandes centros vem passando por considerável queda, o que indica a valorização e expansão de formas alternativas, como o turismo em pequenas cidades.
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11-Para uma descrição detalhada da história e características da Estrada Real do Norte, vide Leite, 2004.
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Segundo Adyr Balastreri Rodrigues12:

A concepção de estratégias de desenvolvimento local pelo turismo encontra-se no nível de micro-regiões, de pequenos territórios, de cidades pequenas e médias ou mesmo de vilas e povoados onde são fortemente sentidas as mediocridades de condições de vida, trazidas no êxodo e na pobreza. As pequenas cidades que apresentam um potencial turístico estão começando a observar um movimento contrário ao que existia no século XX. Onde se via grande êxodo da população em busca de melhoria de vida, hoje a população volta a investir nas suas cidades de origem, pois já se percebeu que a melhoria das condições de renda estão voltadas para as pequenas cidades.

............Se os turistas estão procurando a tranqüilidade e a paz, o resgate desses antigos valores poderá encontrar no Norte de Minas e no Vale do Jequitinhonha condições ideais para novos destinos turísticos, o que possibilitará desmistificar o discurso da pobreza e do assistencialismo na região.

............A conscientização do valor desse patrimônio histórico cultural será essencial para que o mau uso das potencialidades não provoque danos irreversíveis ao patrimônio e também à população, como está ocorrendo em santuários como a Serra do Cipó e a cidade de Brotas / SP.

Segundo Maria Cristina Rocha Simão13:

Os núcleos urbanos possuidores de patrimônio cultural edificado, protegidos ou não pela União, pelo Estado ou pelo próprio município, carecem, ainda, de agregarem ao seu próprio imaginário e às visões externas a eles, um dado que parece ser fundamental para a promoção de sua vitalidade e dinâmica: é preciso enxergá-los como cidades, organismos dinâmicos, complexos e diversos, que agregam valores materiais e simbólicos.

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12-Rodrigues, 1997.
13 -Simão, 2001.
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............É preciso responsabilidade, já que o patrimônio, como dito, não é apenas material, mas, antes de tudo, faz parte da vida das pessoas, sendo não só seu passado, mas especialmente seu futuro.

............Especificadamente em Itacambira, em termos de turismo, quase tudo ainda está por ser feito, mas o primordial é que se faça um projeto de educação patrimonial e ambiental para que, antes de mais nada, a população local esteja preparada para um turismo sustentável.

............Entende-se que a relevância de tal projeto vincula-se às suas inúmeras vantagens sócio-econômicas e culturais, que poderão contribuir em muito para a melhoria da qualidade de vida de uma gente simples e hospitaleira, que hoje sobrevive de pequenas lavouras e criação de gado, além das aposentadorias e recursos repassados por programas sociais do governo.

............Sugerimos então o trabalho de base junto às escolas em todos os níveis, em especial, com a promoção de eventos que facilitem a conscientização da população. Além disso, seriam interessantes programas de incentivo à conservação das edificações.

............E, por fim, como o turismo é importante aliado na geração de novos empregos, é preciso que a mão de obra seja treinada, dos guias aos donos de hospedagens, uma vez que a qualidade do atendimento não é somente um diferencial, mas também o princípio e o fim dessa atividade.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

............O desenvolvimento da imagem de uma cidade é um processo interativo entre observador e coisa observada, sendo possível reforçar a imagem tanto através de artifícios simbólicos quanto, no caso de Itacambira, com sua farta história do período colonial, à qual vêm se somar tradições e lendas da rica herança indígena e negra, igualmente forte e presente.

............Tal reaprendizado diário de quem vive ou visita essa cidade se faz em seu entorno. Existe um diagrama simbólico que forma uma unidade chamada Itacambira, como se fosse um conjunto de enigmas que se encontram nas pinturas rupestres, nos caminhos que esses humanos foram abrindo de um sítio a outro, no universo mitológico ainda presente no linguajar do sertanejo, nas Bandeiras paulistas e seus inúmeros desdobramentos realizados a partir desse lugar e, na seqüência, no domínio dos coronéis ainda hoje presente de certa forma nas falas interrompidas, nos olhares cúmplices e nas atitudes.

Esses são indicadores da ampla teia que vai se ajustando à realidade. Os esforços empreendidos para adequar Itacambira à possibilidade de se tornar uma cidade turística vão muito além da elaboração de um inventário de atrativos naturais e culturais. A transformação necessária passa por um programa educacional específico e pela implementação de políticas públicas voltadas para o setor que levará a população local ao reconhecimento de seu próprio tesouro.


BIBLIOGRAFIA

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CORIOLANO, Luzia N. M. Teixeira. Turismo e Desenvolvimento Local. Fortaleza: UEC, 2002.

DUARTE, Simone Viana. FURTADO, Maria Sueli V. Manual para elaboração de Monografias e Pesquisas.3 ed. Montes Claros: Ed. Unimontes, 2003.

ENCICLOPÉDIA Delta Universal. Vol. 5. Rio de Janeiro: Delta, s.d.

FUNARI, Pedro Paulo. Turismo e Patrimônio Cultural. São Paulo: Contexto, 2002.

HALBWACHS, Maurice. A Memória Coletiva. São Paulo: Vértice, 2004.

LEITE, Marta Vaerônica Vasconcelos. Estrada Real do Norte: roteiros turísticos e desenvolvimento regional. Revista Caminhos da História, v. 9, n.1, 2004 p. 147-160.

LYNCH, Kevin. A Imagem da Cidade. São Pàulo: Martins Fontes, 1997.

PIRES, Simeão Ribeiro. Raízes de Minas. Belo Horizonte: Minas Gráfica, 1979.

RODRIGUES, Adyir Balastreri. Turismo, modernidade, globalização. São Paulo: Hucitec, 1997.

SANTOS, Márcio. As Estradas Reais. Belo Horizonte: Estrada Real, 2001.

SILVEIRA, Marcos Aurélio T. Turismo, Políticas de Ordenamento Territorial e Desenvolvimento Regional. 2002. Tese (Doutorado em Turismo) Universidade Estadual de São Paulo, São Paulo.

SIMÃO, Maria Cristina Rocha.Preservação do Patrimônio Cultural em Cidades. Belo Horizonte: Autêntica, 2001.

URRI, Jonh. O Olhar do Turista: Lazer e Viagens nas Sociedades Contemporâneas. São Paulo: Estúdio Nobel – SESC, 1996.


 

Saudação

Miriam Carvalho
Cadeira N. 88
Patrono: Plínio Ribeiro dos Santos

............A envolver a figura de Maria das Mercês Paixão Guedes há uma auréola de admiração que a história de sua vida bem justifica. Natural de Bocaiúva, MG, filha de José Ladislau da Paixão e Maria do Amparo Figueiredo Paixão, casada com Ivan de Souza Guedes, empresário, mãe de quatro filhos, Leonardo, Lyntton, Luciano e Leandro, quatro noras, Jaqueline, Silvia Maria, Adângela e Raquel, avó de Maria Izabel, Esther, Lucas, Júlia, Lara e Daniel, Mercês é sempre uma história de amor muito bonita na qual se detecta linhas melódicas trêmulas ou torrenciais, de um espírito inquieto que sabe escutar o galope certeiro dos dias como quem salta as roxas barreiras da aurora. Formada em direito pela Faculdade do Norte de Minas, Montes Claros, em 1969, desde cedo , Mercês, mulher culta, serena, capaz de fazer frente a qualquer emergência, vem recebendo títulos honoríficos e menções honrosas pelo seu desempenho em algumas associações como, por exemplo, Presidente da Associação Amigas da Cultura, biênio 96/98, Presidente da Associação das Damas da Caridade, biênio 87/88. Com certificados em Língua Francesa, e Curso de História da Arte, e Arte Contemporânea, e com outros cursos na área específica, e Atua lização em Direito, ela demonstra o seu interesse universal pela educação, recebendo convites para se apresentar em público e para colaborar em revistas, além da publicação do livro Magnificat, em parceria com Milene Coutinho Maurício. Uma mulher profundamente espiritual, cheia de glorioso entusiasmo pelas obras sociais da Arquidiocese de Montes Claros, e pelas entidades sócio-culturais e das letras como a Academia Montesclarense de Letras. Palpita nela a veia da sabedoria filosófica, descoberta através da observação da própria vida quando transformada em arte, pois esta permite criar uma verdade maior do que a própria realidade. A manifestação da fé se faz em sua vida com mais intensidade durante as horas de repouso, após as suas ocupações diárias na Minas Brasil, quando se entrega ao silêncio do Pai Eterno em sua Capela, estrategicamente localizada dentro do apartamento onde mora. Nenhum toque do mundo exterior, nesse momento, causa-lhe perturbação, pois agora o tempo é invicto e jamais se comparará com o burburinho da terra. De onde provém essa radiação de fé? Das intervenções divinas? Dos seus louvores permanentes à Virgem Santíssima? De sua natureza benevolente, ou do seu poder de conquistar amigos, com seu salto magistral ao reino dos corações, ávidos de seu bem querer? Há uma resposta plausível encontrada nas palavras do Eclesiástico: “Concentra teus pensamentos nos preceitos de Deus, sê assíduo à meditação de seus mandamentos. Ele próprio te dará um coração, ser-te-á concedida a sabedoria que desejas.’’ É por isso, Querida Amiga, que a sabedoria pousa em sua vida de um modo peculiar, traçando entre a terra e o céu, entre a brisa e o vento forte, entre as escarpas e as colinas, uma espécie de teofania ou aparição, pois o mundo se revela em nós em suas dobras e abismos, segundo Rubens Alves. Isso significa que em nosso dia-a-dia até o sagrado pode tirar os próprios véus e aparecer, embora esteja acima de todas as coisas visíveis. As suas experiências com o sagrado, o amor à família, aos amigos, ao trabalho, e a sua inclinação às páginas do evangelho, tudo isto aumenta-lhe a sua inspiração e lhe dá um caudal de fervor religioso como suprema oferta de uma alma que traz a beleza tranqüila da maturidade. Neste sentido, as palavras de San Juan de La Cruz, considerado o poeta de Deus vem com muita propriedade: Vejamos a sua colocação poética sobre o engrandecimento de uma alma:

“Quem poderá dizer
até onde engrandece Deus uma alma
quando se digna agradar-se dela?
Não há quem o possa sequer imaginar;
porque, enfim, é como Deus que o faz,
para mostrar quem é.’’

............E não haverá na alma de nossa Amiga um derramamento do engrandecimento de Deus?

............Todos que conhecem a nossa “Caríssima Amiga’’, acabam conhecendo também uma vida atenta à vibração de cristalinos sinos mágicos no limite onde um novo real se inaugura. Não é um engrandecimento manter um convívio em cortesias, cuidados e providências? Pois bem, falemos como quer o poeta Drummond: Mercês não é lugar comum, é pura essência, igual a nós todos, porém guardando gestos diferentes, a fina parte da lucidez no sonho de Ivan Guedes.

............Portanto, nesta noite, ultrapassando as barreiras do comum, a Academia Montesclarense de Letras, sob a presidência da professora Yvonne de Oliveira Silveira, recolhe e grava: Mercês, sensível benemérita desta Academia, assim como foi um dia a Zenília Paixão, na Academia Municipalista de Letras de Minas Gerais. Zenília, que tocou o coração de Mercês com os sentimentos de mãe, desbastando e aparelhando esta fina palavra, no imaginário mítico e poético dos sonhos da amada filha. Com certeza, Zenília deve estar celebrando a vida não à guisa de luto, mas de alegria, pois com os finos fios de nossa passagem no tempo é que se tece o amor. Entre Mercês e Zenília tudo se iluminou, por isso saudemos a mãe, perenemente em flor, e a filha que, a seu tempo e a seu modo, traz no coração a mesma cor.

Muito obrigada

Montes Claros, 28 de junho de 2010

Miriam Carvalho


A Arquidiocese centenária e o
Concílio Vaticano II

Padre Antônio Alvimar Souza
Cadeira N. 3
Patrono: Antônio Augusto Teixeira

Resumo: Neste ano do Centenário da Arquidiocese de Montes Claros, não podemos deixar de destacar o papel e a importância da Igreja Católica no Sertão de Minas Gerais. O Concílio Vaticano II representou um marco para as transformações e conquista de uma nova mentalidade no Norte de Minas Gerais.

............O Concílio Vaticano II representou uma forte renovação na vida espiritual da Igreja no Norte de Minas Gerais. As profundas mudanças vinham se fazendo desde os anos 50. Lembra-nos Azzi que “uma característica da Igreja nos anos 50 é, sem dúvida, a abertura para o aspecto social”1 Tal atitude não reflete a opinião apenas de um grupo de cristãos, mas de diversos grupos no interior da igreja. A igreja se junta à euforia desenvolvimentista reforçando a opinião de políticos em torno de questões que visavam os problemas sociais. Na verdade entende Azzi que

“a meta do episcopado continua sendo a colaboração efetiva entre Igreja e Estado. A Hierarquia católica colabora com o poder político na obtenção de metas específicas, e ao mesmo tempo recebe em troca o apoio necessário do governo para agir com liberdade na esfera eclesiástica”.2

............Os assuntos básicos do período em questão são os problemas socioeconômicos, os mesmos começam a fazer parte da vida do episcopado brasileiro que estreita sua colaboração com o poder político instituído.3 O episcopado começa a se pronunciar e a “debater os problemas de ordem social suscitados pela seca, pelo pauperismo e pelo baixo nível da população” do nordeste e das áreas atingidas pela seca como é o caso do norte de Minas Gerais que se situa do polígono das secas, isto é, na área mineira assistida pelos programas da extinta Sudene.3

............Os bispos talvez não estivessem tão preocupados com a questão propriamente social, mas com a tentativa de frear a entrada das idéias comunistas em suas dioceses. As idéias comunistas apresentavam um perigo para a continuidade da religião. Sendo assim, parte do episcopado declara-se do “lado dos trabalhadores, preocupados principalmente em defendê-los contra ideologias subversivas da ordem social”.4

............Neste contexto se insere Dom José Alves Trindade, bispo de Montes Claros em seus encontros com Dom Helder Câmara e os bispos do nordeste, para discutir problemas comuns que atingiam os municípios que faziam parte da área mineira da Sudene. Montes Claros se insere nesta vasta região marcada pelas dificuldades da própria natureza. Lembra-nos Ferreira que

“alguém disse em Belo Horizonte, e o dito se espalhou, que Minas Gerais só contava até o paralelo 18, na altura do Município de Curvelo. O que havia daí para cima era inviável para o progresso. Era a terra dos chamados “baianos cansados\.”5
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1 - Azzi, Riolando. A Neocristandade: Um projeto Restaurador. P. 142.
2 - Idem, p.146.
3 - Idem, p.146.
4 - Idem,p.152.
5 - FERREIRA, L.P. Aspectos do Desenvolvimento de Montes Claros. Belo
Horizonte, Imprensa Oficial, 1975. p.10.
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............A Sudene foi criada, em 1959 (lei. 3692), seu espaço de atuação foi definido como o Nordeste e a Área Mineira do Polígono das Secas. Os incentivos da Sudene criaram a base para o desenvolvimento regional. Destaca Oliveira que

“no item infra-estrutura, o que melhor caracterizava o Norte de Minas, na década de sessenta, é a quase inexistência de um sistema rodoviário pavimentado e de um adequado sistema de energia elétrica. Isto não implicava inexistência total de infra-estrutura, o que não seria concebível, mas que a existente era insuficiente para atrair novos projetos industriais.”6

............O que se percebe na Área Mineira da Sudene é que o modelo implementado não recebe a crítica de nenhum setor da sociedade no momento de sua implantação. Sendo assim, percebe-se a consolidação de um modelo “de desenvolvimento excludente e concentrador, operando favoravelmente em prol das iniqüidades socioeconômicas, pessoais e regionais.”7 Faltava uma leitura crítica do processo que se instalava e que solidificava em sua própria inconsistência. Lembra-nos Oliveira que

“O Governo Mineiro não estava particularmente interessado no processo de desenvolvimento da Área Mineira da SUDENE, ou qualquer outra região do Estado em particular. Esta ausência de preocupação regional reforçou então as áreas e setores mais desenvolvidos, promovendo e reforçando a concentração espacial e setorial da economia mineira.”8

............O que percebemos, é que o desenvolvimento pensado pela SUDENE não levou em consideração a vocação local do homem sertanejo. O desenvolvimento arquitetado pelas elites políticas vinha trazendo para o Norte de Minas Gerais inúmeras indústrias que acabaram fechando anos depois. O fechamento das várias indústrias instaladas no período aponta para dois motivos fundamentais. Em primeiro lugar merece consideração a distância do grande eixo Rio/São Paulo.9 Um segundo motivo seria a falta de incentivos estatais. A distância dos grandes centros encarecia o transporte dos produtos, onerando a produção. O segundo fator se insere na lógica e atitude do investidor que estava na área Mineira da SUDENE. Tornou-se freqüente que depois do término do período de carência e isenção de impostos que as indústrias instaladas fechavam suas portas e voltavam para os grandes centros. Os acordos fixados com as indústrias garantiam desde a doação de terreno, investimento em infra-estrutura e isenção fiscal por um período de dez anos.

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6 - OLIVEIRA, Marcos Fábio Martins de. O Processo de Formação e
Desenvolvimento de Montes Claros e da Área Mineira da SUDENE .In.
Oliveira, Marcos Fábio Martis de. Formação Social e Econômica de Minas.
Unimontes:Montes Claros,2000. p.47.
7 - Idem. P.94
8 - Idem, p.95.

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............O fechamento das diversas indústrias na cidade de Montes Claros agravou os problemas sociais da região. Segundo dados do IBGE, Montes Claros na década de 1960 concentrava uma população estimada de 105.982. Já na década de 1970 a população sobe para 116.486. Na década de 1980 a população atinge o marco de 177.308. Na década de 1990, 250.062 saltando para 342.589 em 2005. Na perspectiva de Oliveira “Montes Claros realiza sua transposição demográfica, tornando-se município com população predominantemente urbana.”10

............A nova fisionomia que despontava não foi acompanhada pela igreja local que na sua timidez não foi capaz de acompanhar o desenvolvimento da região. A Igreja que ajuda a construir o novo projeto para a região perde a percepção do crescimento regional e continuou com sua atuação pastoral voltada para os problemas internos da instituição. Por um lado encontramos Dom José Alves Trindade à frente das questões emergentes da região. Por outro lado, visualiza-se um distanciamento dos reais problemas das pessoas no sertão das minas gerais. Lembra-nos Azzi que

“ durante essa etapa, o episcopado brasileiro acompanha o ritmo da própria Santa Sé, que estabelece alianças com os regimes autoritários da Itália, Alemanha, Espanha e Portugal. Tanto no Brasil como na Europa as doutrinas liberais, enfatizando o espírito democrático, são denunciados pela Igreja como o caminho para o anarquismo e o caos nacional e internacional.”11

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9 - Segundo dados do Guia Quatro Rodas, Montes Claros localiza-se a 418 Km de Belo Horizonte, 1002 Km de São Paulo, 850 do Rio de Janeiro, 1122 de Salvador e 694 de Brasília- DF.
10 - OLIVEIRA, Marcos Fábio Martins de. O Processo de Formação e Desenvolvimento de Montes Claros e da Área Mineira da SUDENE .In. Oliveira, Marcos Fábio Martis de. Formação Social e Econômica de Minas. Unimontes:Montes Claros,2000. p.60.
11 - Azzi, Riolando. A Neocristandade: Um projeto Restaurador. P.161.
12 - AGOSTINI, Frei Nilo. Evangelização Na Igreja do Brasil ( A vitalidade pós-Vaticano II). Revista Vida Pastoral, Ano XXXII, Nº158, São Paulo:Paulinas,1991. p13.

............As questões sociais são vistas dentro de uma ótica que beneficia a própria instituição. As camadas populares não fazem parte deste momento da história da igreja local que ignora os mesmos, isto é, vendo nestes apenas assistidos em suas penúrias. Azzi considera tal preocupação dentro de uma perspectiva “liberal reformista”. Tal perspectiva contribuirá para a consolidação das idéias que tomarão força no período pós-conciliar no episcopado de Dom José Alves Trindade.

............Diferente da análise crítica de Azzi, consideremos, também, os indicadores de Agostini a respeito do período mencionado. Ao analisar a Igreja do Brasil no período que antecede o Vaticano II, o mesmo estabelece três marcos balizadores para a compreensão da atmosfera que permitirá o Concílio tomar lugar no Brasil. O primeiro ponto importante é “a intensificação da co-responsabilidade episcopal, ou seja, a tomada de posição dos bispos diante das situações e problemas comuns às diferentes regiões e ao país.”12 A situação de pobreza identificava a todos que sucumbiam sob regimes autoritários e negadores da vida humana. A história do povo brasileiro, é marcada por lutas que traziam ideais de emancipação do julgo dominador de diversas espécies. Marcam nossa história as lutas indígenas e camponesas. Os ideais de liberdade que brotam dos quilombos e as lutas por terra neste imenso Brasil.

............O segundo aspecto indicado é “o surgimento de um grande número de associações e movimentos leigos na caminhada pré-conciliar”.13 A Ação Católica tem papel muito importante nesse momento da história da Igreja. A constatação da efetiva participação dos leigos nas tarefas da igreja é posteriormente registrado por ocasião da Conferência de Medellín ( 1968) quando o texto oficial reconhece a necessidade de integrar ,valorizar e reconhecer o papel do leigo na vida eclesial. Os bispos reunidos em Medellín se propunham a

“rever a dimensão apostólica da presença do leigo no atual processo de transformação de nosso continente. Para uma revisão mais completa devem ser levadas em conta anteriores considerações feitas por esta Conferência Episcopal, relativas ao compromisso dos leigos nos campos da Justiça e da Paz, da Família e Demografia, juventude e outras.”14


............A igreja já não mais conseguia ficar em seu interior sem ouvir o clamor dos seus fiéis que engajavam nas grandes lutas por um continente mais justo. Martina considera que os católicos foram lentos para despertar para os problemas sociais. Na perspectiva do historiador da igreja “pode-se afirmar que os católicos, com exceções mais numerosas do que se pensa, somente com certa demora tomaram consciência da questão social”.15 Não podemos esquecer que por séculos a Igreja exortou os fiéis para resignação, paciência e a aceitação da pobreza. A ação da Igreja ficou restrita apenas ao campo assistencialista e caritativo. Sendo assim, durante muito tempo foi vista como subversiva a busca dos seus direitos por parte dos trabalhadores. A ação eclesial sustentava uma esfera paternalista de proteção e intimidação dos trabalhadores que deveriam ser bons cristãos e colaborar com seus patrões.

............A presença dos leigos na Igreja não foi tão importante, pois afinal estes sempre estiveram na sobra da hierarquia. Nunca tiveram autonomia para decidir seus próprios interesses dentro da Igreja. Há uma forte contradição quando os documentos eclesiais indicam para uma maior participação do leigo na igreja, quando por outro lado os vigia e tutela seus passos.

............Parecia ser difícil para a Igreja controlar o avanço das questões sociais em mundo tão dinâmico e que passava por um processo acelerado de transformações. O operariado organizavase em seus sindicatos e os movimentos revolucionários eclodiam pela Europa. As vozes de Marx e Engels inflamavam o universo dos trabalhadores. Não restava com certeza à Igreja, senão, o medo de perder os trabalhadores para as ideias marxistas. Assim sendo, investe nos Círculos de trabalhadores Cristãos com o objetivo de dar uma orientação social cristã ao movimento sindicalista brasileiro.16

............O intento parece não ter dado certo, pois se de um lado os círculos operários tentavam tornar dóceis o operariado, do outro lado, a ação católica empurrava grande parte do laicato para a consciência crítica e o despertava para as lutas revolucionárias. Entende Agostini que “a Igreja foi integrando progressivamente o ‘ social’ primeiro, e o ‘ político’ em seguida, na sua ação pastoral e evangelizadora”.17

............ O terceiro elemento elencado por Agostini é a presença de bispos ligados à Ação Católica defendendo questões sociais, econômicas e preocupados com os direitos humanos. Ao contrário de Azzi que manifesta uma postura crítica diante da aproximação Igreja e Governo, Agostini faz uma leitura positiva entendendo que a articulação do episcopado contemplava não interesses pessoais, mas os interesse dos mais pobres de suas dioceses. Destaca que

“ os bispos do Nordeste reuniram-se em Campina Grande, PB ( de 20 a 24 de maio de 1956) para elaborar um plano de desenvolvimento dessa região, em colaboração com o governo de Juscelino Kubitschek, batizado de ‘ operação Nordeste’. A CNBB deu o seu imediato apoio, resultando na criação da SUDENE”.18

............A Igreja de Montes Claros, presente no norte de Minas Gerais, não distancia muito dos problemas da Igreja do Brasil. Em primeiro lugar sugere aproximações tais como: A intensificação da co-responsabilidade episcopal diante dos problemas da região, o surgimento de associações e movimentos leigos e a presença de um bispo ligado às questões sociais.

............Quanto ao primeiro elemento da tipologia indicada, podemos indicar no norte de Minas Gerais a figura de um bispo preocupado com as questões sociais de sua região e de seu país. Preocupações que o fizera sair do palácio episcopal em várias ocasiões para as reuniões no Nordeste ou em Brasília, para entregar reivindicações do povo do Norte de Minas Gerais. Por sua vez, entendemos que o conceito de pobreza indicado por Dom José não tem uma conotação política, mas espiritual. Ao tratar a questão, entende o mesmo que “a Igreja acredita que deve a fé ordenar toda vida do homem e todas as suas atividades, também as que se referem à ordem política”.19

............Entende Dom José Alves Trindade que a Igreja ainda deve ser ouvida e considerada nas questões pertinentes à ordem política. Não poderemos considerá-lo conservador, pois nunca se juntou a um grupo específico ou se colocou ao lado de tendências declaradas no interior da igreja. Com seu comportamento interiorano, dedicou seus dias na residência episcopal lendo revistas, jornais, livros e informativos. Celebrando suas missas matinais e cumprindo seus compromissos de episcopo. Escrevia uma crônica dominical e redigia seus sermões em seus cadernos particulares.

_________________________
13 - Idem. P.13.
14 - Conclusões da Conferência de Medellín,1968 Trinta anos depois, Medellín é ainda atual? São Paulo: Paulinas, 1998. p.147.
15 - MARTINA, G. História da Igreja. De Lutero a Nossos Dias. IV – A era contemporânea. São Paulo: Loyola,1997. p.35.
16 - Cf. Manual do Circulo Operário. P. 21. O Circulo Operário foi criado na Alemanha em 1846 pelo Pe. Kolping.
17 - AGOSTINI, Frei Nilo. Evangelização Na Igreja do Brasil ( A vitalidade pós-Vaticano II). Revista Vida Pastoral, Ano XXXII, Nº158, São Paulo:Paulinas,1991. p13
18 - Idem. P.13.
19 - TRINDADE, José Alves. O Cristão e a Política. Jornal de Montes Claros, 01/12/1985. p.03.
_________________________

............Nesta caminhada do centenário rejubilamos com o caminho percorrido pela igreja particular de Montes Claros. Lembramos a saudosa memória da criação desta porção do povo de Deus fincada no Sertão de Minas Gerais. De memória sublime entoamos um canto por tantas conquistas pastorais e espirituais desde o anúncio de Pio X através da Bula Postulat Sane em 1910. O caminho percorrido continua a estimular valentes guerreiros e arautos da fé que continuam semeando no chão firme das montanhas de Minas a perene semente de fé.


BIBLIOGRAFIA

ABREU, Capistrano de. Capítulos de História Colonial (1500 – 1800). São Paulo: Itatiaia, 2000.

AGUADO, Juventino de Castro. O acaso da Utopia e o Despertar do Carisma: vivências na Igreja católica em Ribeirão Preto (1967-1988). Dep/História, São Paulo, 1997.

ARRUDA, Maria A. do Nascimento. Mitologia da mineiridade: o imaginário mineiro na vida política e cultual do Brasil. São Paulo: Brasiliense, 1999.

AZZI, Riolando. O Catolicismo popular no Brasil. Petrópolis: Vozes, 1978.

1987.

BENEDETT, Luiz Roberto. Templo, Praça, Coração (articulação do campo religioso católico). Tese Doutorado, USP, 1988.

BENEDETTI, Luiz Roberto. Igreja, Difícil Busca de Identidade. Revista Vida Pastoral,Setembro/Outubro, N.112, ano XXIV, 1983.

DIAS, Fernando Correia. A imagem de Minas: ensaio de sociologia regional. Belo Horizonte, 1971.

DUBY, Georges. História da vida privada - Da Europa Feudal à Renascença. Trad. Maria Lúcia Machado. São Paulo: Cia. das Letras, 1990.

ELIADE, Mircea. O sagrado e o profano. A essência das Religiões. Trad. Rogério Fernandes. São Paulo: Martins Fontes, 1992.

GALEANO, Eduardo. As veias abertas da América Latina. Trad. Galeno de Freitas. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1989.

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LIBÂNIO, João Batista. A Volta à Grande Disciplina. São Paulo: Loyola, 1983.

LUSTOSA, Oscar de Fiqueiredo. Fundamentalismo: Uma Gestão Autoritária do Sagrado. Revista Vida Pastoral, Ano XXXV, N. 176, Maio/Junho,1994.

MATOS, Henrique Cristiano José. Caminhando Pela História da Igreja. Editora Lutador, Belo Horizonte,1996.

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MELO E SOUZA, Laura de.O diabo e a terra de Santa Cruz. São Paulo: Cia. das


LARGO DA MATRIZ
MINHA PRAÇA TÃO QUERIDA

Palmyra Santos Oliveira
Cadeira N. 64
Patrono: José Gomes de Oliveira

............Quando criança, em épocas de cavalhadas, no mês de agosto, sempre com vestido novo, ia com minha mãe ver as disputas entre os reis mouro e cristão, que queriam ficar com uma linda princesa.

............Em fortes e garbosos cavalos, e portando compridas lanças, os “monarcas” tentavam tirar uma argolinha presa em um arame, no meio do largo da Matriz. Aquele que conseguisse retirar a argola metálica a oferecia a algum comerciante endinheirado, que normalmente retribuía o gesto de apreço com uma nota de vinte ou de cinqüenta mil réis.

............O cavaleiro voltava satisfeito com a nota amarrada em uma das fitas presas à lança. E assim continuava a disputa, sempre vencida pelo rei cristão, que recebia como recompensa a linda princesa, para desposá-la.

............Os cavaleiros cristãos vestiam-se de azul e os mouros de vermelho.

............Nessa época, eu ia sempre com minha amiga Ninha à casa de sua avó, Sá Cristina Câmara. De lá, íamos à igreja da Matriz, para atentar as mulheres que vinham rezar. Com alfinetes de mola, prendíamos as saias de duas mulheres que se ajoelhavam juntas. Quando uma se levantava, a saia da outra subia, mostrando suas pernas e causando-lhe vergonha. Enquanto isso, de longe, nós dobrávamos de tanto rir. Estripulias de crianças...

............Tempos depois, sempre passava nessa Praça, quando ia às aulas na Escola Normal, cujo diretor na época, Sr. José Raimundo Neto, com simpatia e civismo, cativava-nos a todos com seus discursos de moral, quando nos reunia para alguma repreensão por faltas cometidas por alunos.


Praça da Matriz - Montes Claros/MG

............Essa Praça também era caminho para a igreja Matriz de Nossa Senhora e São José, cujos terços, no mês de maio, eram muito freqüentados por aqueles que apreciavam as coroações da imagem de Nossa Senhora, por crianças vestidas de anjo.

............Nessas reminiscências, lembro-me agora dos moradores das casas que circundavam a Praça: Dr. Marcianinho Maurício, Sr. Hildebrando Mendes, Sr. Bispo D. João Pimenta (já no leito de morte), D. Aristides de Araújo Porto, Dr. José Tomaz de Oliveira, Sr. Raul Chaves, Sr. Jair de Oliveira, Sr. Marciano Fogueteiro, Sra. Aninha Braga, “as esdrúxulas” (assim nós, alunos da EscolaNormal, chamávamos as professoras de música, que moravam no início da rua Simeão Ribeiro, não sei bem o porquê), Antônio Veloso dos Anjos (onde é hoje o prédio dos Correios), Dr. Nelson Washington Vianna, Sá Cristina de Andrade Câmara, com seus filhos Lília Câmara (professora de Português), Zeca, Leônidas, Maria e, por último, Dr. Crispim Felicíssimo.

............Ao lado da casa do Dr. José Thomaz ficava a residência do Dr. José Barbosa Neto e de sua esposa, Dona Olga Prates, pais de Ameinha e de Terezinha Beatriz, minhas queridas amiguinhas, embora fossem mais novas que eu.

............Quando o sr. Francisco Telles de Menezes, por questões políticas, saiu de Tremedal (hoje Monte Azul) e veio para Montes Claros, foi acolhido por Dona Olga. Sua esposa, Dona Zinha Telles, deu a luz na estrada ao seu primogênito Almir, e foi cuidada com todo o carinho por Dona Olga.

............Nessa época, o Dr. Juca Barbosa, dentista formado em Belo Horizonte, foi nomeado tabelião do Cartório do 3º. Ofício, pelo Governador Melo Viana. Numa noite chuvosa, sua pequena filha Beatriz praticamente nem dormiu, com medo que forte ventania derrubasse a palmeira que ficava na praça, em frente à sua casa. No dia seguinte, pela manhã, ela foi à Prefeitura e, quase chorando, pediu ao prefeito Athos Braga para cortar a palmeira. Ele atendeu a criança e mandou cortar a palmeira, que já se apresentava atacada por brocas. Mesmo assim, sofreu a revolta da população. Até poesia fizeram lamentando o corte da bela palmeira.


Praça da Matriz - Montes Claros/MG.

............Já em 1940, a Praça da Matriz era onde se faziam o “footing”, encontro de namorados etc.


Praça da Matriz - Montes Claros/MG.


Praça da Matriz - Montes Claros/MG.

............Bem no centro dessa Praça havia um coreto, onde a banda Euterpe Montes-clarense sempre tocava os seus dobrados, tendo como músicos, dentre outros, o meu tio Ulisses Pereira e o Sr. Augustão Teixeira.

............E a Matriz se sobressaía com seus terços e seus leilões em véspera de festas.

............Geralmente, no domingo que se seguia ao leilão, havia a procissão que passava pela Rua Dr. Veloso, seguia até a Rua D. Pedro II, virava à esquerda até a Rua Bocaiúva (a Rua Dr. Santos, hoje), descia até a Praça do Mercado, virava à esquerda, na Rua 15 de Novembro (hoje, Presidente Vargas), descia a Rua Simeão Ribeiro até o ponto inicial, a Praça da Matriz.

............A procissão terminava com um sermão do Padre Marcos Van In, que era o vigário naquela época, e o povo se dispersava pela Montes Claros de noites mal iluminadas. A energia ainda provinha da Usina do Cedro, que pertencia ao Cel. Luiz Pires.


A imprensa em Montes Claros

Petrônio Braz
Cadeira nº18
Patrono: Brasiliano Braz

" Meus filhos terão computadores sim, mas antes terão livros” (Bill Gates).

............Mas não é de livro que quero falar, quero falar da imprensa como a designação coletiva dos veículos de comunicação.

............A imprensa, nascida pós Gutenberg, tem exercido fundamental influência na vida de todos os povos.

............Abrir e ler um jornal, ouvir os noticiários pelo rádio ou ligar a televisão e receber as notícias de todo o mundo, relacionadas a fatos que acabam de acontecer, tornaram-se procedimentos rotineiros na vida das pessoas. Por trás de todo noticiário escrito, falado ou televisionado existe um exército de pessoas, os jornalistas que editaram os jornais nas madrugadas, os repórteres que coletaram os fatos, os locutores que transmitem as notícias. A imprensa livre, feita por homens livres, é o maior veículo de formação de opiniões, de condução das massas. Elege e derruba governos. Difunde e fixa ideias.

............No Brasil, a imprensa nasceu com a Gazeta do Rio de Janeiro, em 10 de setembro de 1808, seis meses após o desembarque da Família Real portuguesa no Rio de Janeiro, ocorrido em 7 de março do mesmo ano. Com edições que circulavam duas vezes por semana (quartas e sábados), funcionou até 1822, ano da independência do Brasil. Embora fosse um periódico oficial, suas páginas relatam uma parcela considerável dos fatos que compõem a história do Império luso-brasileiro, no período do reinado de D. João VI.

............Em Montes Claros, a imprensa começou a ter existência em 24 de fevereiro de 1884, com o primeiro número do semanário “Correio do Norte”. Inúmeros outros se seguiram, em elevado número. Ainda no mesmo século, podemos lembrar o quinzenário “A Lira” de Antônio Augusto Spyer, com a participação de Camilo Prates, Justino Teixeira Guimarães, o jornal oficial “Montes Claros”, criado por Honorato Alves, “O Operário” e “O Agricultor” de Euzébio Sarmento, e, por derradeiro, em 1899, “A Luta”, cujo objetivo foi lutar “contra o partidarismo extremista da politicagem perniciosa”.

............Não pode ser esquecido o jornal “O Civilista”, criado em 1916 e dirigido por Ciro dos Anjos. Também não pode sair da memória a participação ativa, na imprensa local, de Milton Prates, José Barbosa, João Chaves, José Correia Machado, Honor Sarmento, Eurípides Moreira, Antônio Marinho, Antônio Augusto Durães, José dos Santos Câmara, Ari de Oliveira, Onofre Lafetá, Mercês Prates, Juraci Prates, Geraldo Ferreira, Joaquim Nicodemos Santana, Armênio Veloso, Osias Profeta, João Souto, Ataliba Machado, Konstantin Cristoff, Lúcio Benquerer, Décio Gonçalves de Queiroz, Júlio César de Melo Franco, Enok Sarmento, Antônio Teixeira Chaves de Queiroga, entre tantos outros jornalistas anônimos.

............Marcaram época o “Jornal de Montes Claros”, fundado pelo capitão Enéas Mineiro de Souza, e adquirido depois pelo jornalista Oswaldo Antunes, que contou com a participação de Waldir Sena Batista, e o ”Diário de Montes Claros”, fundado em 1962, de Euler Lafetá. A Rádio ZYD-7 é inesquecível.

............O jornalista Luiz Ribeiro lembrou-me de Lazinho Pimenta, José Nardel, Ruy Hitler, Wanderlino Arruda, Magnus Medeiros, Elias Siufi, Paulo Braga, Sidney Cruz, Paulo César Almeida, Felipe Gabrich, Hélio Machado, Pedro Ricardo, Gelson Dias e Rosângela Silveira. Ele acrescentou os jornalistas Jorge Silveira e Américo Martins Filho, fundador do “Jornal do Norte”. O “Jornal de Notícias”, com Edgar Pereira, Luis Novaes, Angelina Antunes, Benedito Said, Sidney Cruz, José Luiz Rodrigues e outros; “A Gazeta Norte Mineira”, com Rafael Lopes Pereira, Hermano Constantino, Theodomiro Paulino, Giovanni Ribeiro, Jacinto Paulo Faustino Pereira, Valdemar Soares e outros e “O Norte de Minas”, com Reginauro Silva, Artur Leite, Aldeci Xavier e outros, integram, na atualidade, o conjunto de diários da imprensa local, de leitura obrigatória. Não sendo possível esquecer a Revista TEMPO.

............É destaque internacional o Mailing list do site de notícias www.montesclaros.com

............Fernando Pessoa em “Portugal entre Passado e Futuro” questiona: “Que pensa dos nossos escritores do momento, prosadores, poetas e dramaturgos?” E ele completa o questionamento: “Citar é ser injusto. Enumerar é esquecer. Não quero esquecer ninguém de quem me não lembre. Confio ao silêncio a injustiça. A ânsia de ser completo leva ao desespero de não o poder ser. Não citarei ninguém. Julgue-se citado quem se julgue com direito a sê-lo. Ressalvo assim todos. Lavo as mãos, como Pilatos; lavoas, porém, inutilmente ,porque é sempre inutilmente que se faz um gesto simplificador. Que sei eu do presente, salvo que ele é já o futuro? Quem são os meus contemporâneos? Só o futuro o poderá dizer. Coexiste comigo muita gente que vive comigo apenas porque dura comigo. Esses são apenas os meus conterrâneos no tempo; e eu não quero ser bairrista em matéria de imortalidade. Na dúvida, repito, não citarei ninguém”.

............Contrariando a lição de Fernando Pessoa, mas buscando relembrar a história da imprensa em Montes Claros, citei alguns nomes, mas faltaram muitos.

............Além dos nomes anteriormente citados, não podem ser esquecidos Miguel Vinícius Santos, Andréia Martins, Paulo Narciso, Fernando Zuba, Elton Jackson, Florival Santos, Adriano Souto (fundador da “Folha de Montes Claros”), José Maria Costa, Waldemar Brandão, Carlos Lindenberg Spínola, Paulo César Almeida, João Jorge, Dário Cotrim, Waldemiro Miranda, José Luiz Rodrigues (fundador do “Parnaso”), Ronaldo José de Almeida, Márcia (Yellow) Vieira, Jerusia Arruda.

............Itamaury Teles é um integrante da imprensa em Montes Claros desde os anos 70. Ele começou como repórter no “O Jornal de Montes Claros”, em 1971, aos 16 anos, e depois foi para o ‘Diário de Montes Claros”, de 1972 a 1974. Ele sempre colabora com os jornais locais, como o “Jornal do Norte”, “Jornal de Notícias”, “Gazeta Norte Mineira”, o “Minas ao Norte”, “O Norte de Minas”, na revista “Tempo”, entre outros órgãos da imprensa local. Como seus companheiros no “O Jornal de Montes Claros” e no “Diário de Montes Claros”, não faz mal repetir alguns, são destaques Osvaldo Antunes, Waldyr de Senna Batista, Alberto Senna Batista, Reginauro Silva, Péricles Suzart, Arthur Leite e Laércio Pimenta (Lazinho), Décio Gonçalves de Queiroz, Júlio de Melo Franco, Jorge Silveira, Felipe Gabrich, Arthur Leite, Délcio Costa, Manoel Oliveira Santos, Luiz Tadeu Leite, Luís Carlos Novaes, Theodomiro Paulino, Leonardo Campos e Haroldo Lívio.

............Na década de 80, Geraldo Machado - filho do jornalista Ataliba Machado (fundador da revista “Montes Claros em foco”) manteve em circulação a revista fundada pelo seu pai.

............Waldyr Senna e Haroldo Lívio, juntamente com Lúcio Benquerer Pereira, foram os principais redatores da revista Encontro, no início da década de 60. Ronaldo José de Almeida lembrou-me de Robson Costa, que iniciou aqui, na imprensa local, e chegou a redator de um grande jornal de São Paulo.

............Um destaque final para “A Gazeta do Norte”, para a Rádio Sociedade. Também marcaram época as revistas, “Montes Claros em Foco” e “Encontro”. Agora, temos a Revista “Liberdade”.


FRANCISCO GÊ ACAYABA DE MONTEZUMA

Roberto Carlos Morais Santiago
Cadeira nº 44
Patrono: Heloísa Veloso dos Anjos Sarmento

 

............Rio Pardo de Minas é o município mais antigo do Norte de Minas Gerais. Foi criado por decreto regencial no dia 3 de outubro de 1831, cujo imenso território de mais de 20 mil quilômetros quadrados foi desmembrado da Vila de Nossa Senhora do Bom Sucesso das Minas Novas de Araçuaí (atual município de Minas Novas).

............A instalação da 1ª. Câmara Municipal ocorreu no dia 24 de agosto de 1833, presidida pelo padre Carlos Pereira Freire Moura, passando a vila a existir de fato e direito.

............A origem de Rio Pardo de Minas remonta ao século XVII. Vindos da Bahia, desbravadores chegam à região. Uma fazenda de criação de gado surge na confluência dos rios Pardo e Preto. Em 1698 é transformada na Colônia Antônio Luiz dos Passos. Aventureiros na exploração de ouro e gado vão fixando nas imediações da Colônia, formando pequena aglomeração urbana. Logo é construída a capela de Nossa Senhora da Conceição. Em 1740, o povoado é elevado a paróquia e, em 1757, constrói-se a igreja matriz.

............O que pouca gente sabe é em que circunstância e quem foi o responsável pela criação da Vila de Rio Pardo. Pode-se afirmar que foi ao acaso, em razão da passagem de um baiano no então povoado em 1831, com o nome de Francisco Gê Acayaba de Montezuma. Procedente de Salvador e com destino ao Rio de Janeiro utilizara aquela rota para chegar ao destino.


Foi personagem importante no segundo reinado do Brasil e responsável pela
criação do primeiro município norte-mineiro em 1831, na primeira metade do
século XIX: Rio Pardo de Minas.

............Ao passar pelo povoado de Rio Pardo, ali ficou por alguns dias para descansar. Com isso teve algum contato com moradores do lugar, principalmente com Conrado Gomes da Silva, descendente do terceiro contratador de diamantes, Felisberto Caldeira Brant. Os moradores logo ficaram sabendo que aquele visitante era deputado e possuía alto prestígio junto à Alta Corte Regencial (1831-1840) no Rio de Janeiro.

............Agradecido pela boa recepção do povo local se colocou à disposição dos moradores para atender qualquer solicitação ao seu alcance.

............Localizado em um ponto distante do sertão norte-mineiro e sem qualquer tipo de influência política, os rio-pardenses vislumbraram naquele homem a possibilidade de pleitear na Corte a elevação do povoado à categoria de Vila (equivalente a município atualmente), uma antiga aspiração local. Este, comovido com a recepção e dos apelos e justificativas, principalmente do Conrado Gomes da Silva, se colocou à disposição para ser porta-voz junto à Corte.

............Francisco Montezuma nunca mais retornou àquele lugar. Mas cumpriu o prometido. Pouco tempo depois foi publicado decreto regencial elevando o povoado de Rio Pardo à categoria de Vila, no dia 13 de outubro de 1831. Conrado Gomes da Silva foi nomeado Tenente-Coronel da Guarda Nacional.

............Em gratidão, o povo de Rio Pardo rebatizou o nome do povoado de Água Quente para Montezuma. O lugar é muito famoso por suas fontes termais. Possui balneário de águas quentes naturais e constitui uma das principais fontes de renda da localidade. Mas quem foi o responsável pela criação da primeira vila do sertão norte-mineiro em 1831?

............Francisco Gê Acayaba de Montezuma nasceu em Salvador no dia 23 de março de 1794 com o nome de batismo de Francisco Gomes Brandão, filho do comerciante português Manoel Gomes Brandão e da mestiça brasileira Narcisa Teresa de Jesus Barreto.

............Ainda jovem, tentou a carreira militar, mas foi obstado pela família. Em 1816 foi estudar na tradicional Universidade de Coimbra – Portugal – onde se formou na Faculdade de Ciências Jurídicas e Filosóficas em 1821. Retornando para a Bahia, tornase defensor ardoroso da independência. Foi co-fundador do jornal O Constitucional em Salvador.

............Proclamada a Independência em 1822, abandona o nome de batismo, passando a se chamar Francisco Gê Acayaba de Montezuma, como forma de se opor ao colonialismo lusitano, incorporando ao próprio nome todos os elementos que formam a nação brasileira, além de homenagem ao imperador asteca Montezuma.

............Como prêmio por sua participação nas lutas pela independênica, o Imperador D. Pedro I concede a Francisco Montezuma o título de Barão de Cachoeira, que foi recusado, porém aceitou ser agraciado comendador da Imperial Ordem do Cruzeiro. Francisco Montezuma ingressa na política em 1823 e se elege deputado pela Bahia, indo para a Corte. Ali exerce ferrenha oposição ao Ministro da Guerra. É preso e exilado na França por oito anos.

............No seu retorno ao Brasil é eleito para a Assembléia Geral Constituinte de 1831. Torna-se o primeiro deputado brasileiro a levantar bandeira contra o tráfico negreiro, se colocando como um dos pioneiros do movimento abolicionista.

............Recebeu em 1834, com grandeza, o titulo de Visconde de Jequitinhonha. Em 1837 é nomeado Ministro da Justiça e dos Estrangeiros. Ocupou, ainda, o cargo de Ministro Plenipotenciário (diplomata) junto ao Império Britânico.

............Em 1850 foi nomeado Conselheiro de Estado, e em 1851 se elege Senador por seu estado natal, Bahia.

............Foi o fundador e primeiro presidente do Instituto dos Advogados do Brasil e um dos membros-fundadores do Instituto Histórico e Geográfico do Brasil.

............Recebeu o título de Visconde com Grandeza (Grande do Império) com o decreto imperial de 2 de dezembro de 1854. Foi ainda comendador da Ordem de Nossa Senhora da Conceição de Vila Viçosa. Foi, ainda, condecorado com a medalha da Guerra da Independência.

............Francisco Gê Acayaba de Montezuma teve lugar de destaque na história da Maçonaria do Brasil. Em 12 de março de 1829, então no exílio, recebe do Supremo Conselho dos Países


A Vila do Rio Pardo, criada em
1831, foi fator determinante na
formação territorial da região
norte-mineira nos séculos XIX e XX.

............Baixos – atual Bélgica – uma carta de autorização para instalar um Supremo Conselho do rito Escocês antigo e aceito no Brasil. De volta ao Brasil, Montezuma instala o Supremo Conselho, usando a autorização do Supremo Conselho da Bélgica, em 12 de novembro de 1832.

............Polêmico e contraditório, Francisco Gê Acayaba de Montezuma foi pessoa importante durante o segundo reinado de D. Pedro II. Faleceu no Rio de Janeiro no dia 15 de fevereiro de 1870, aos 76 anos. Definitivamente não foi uma pessoa comum.

............A sua breve passagem por Rio Pardo em 1831 foi um marco histórico da região norte-mineira e do Jequitinhonha no século XIX. O seu gesto foi marco inicial importante no processo de formação territorial do Norte de Minas e Jequitinhonha, possibilitando o surgimento de dezenas de novos municípios.


Igreja Matriz de Rio Pardo de Minas.


GENEALOGIA DE MUNICÍPIOS EMANCIPADOS DE
RIO PARDO DE MINAS (1831)


A - SALINAS (1880)

1. Pedra Azul (1912)

1.1 Medina (1938)

1.1.1 Comercinho (1948)
1.1.2 Itaobim (1962)

1.2 André Fernandes (1962)


2. Taiobeiras (1953)

2.1 Berizal (1995)
2.2 Curral de Dentro (1995)

3. Águas Vermelhas (1962)

3.1 Divisa Alegre (1997)

4. Rubelita (1962)

5. Fruta de Leite (1995)

6. Novorizonte (1995)

7. Santa Cruz de Salinas (1995)

B – MONTE AZUL (1878)

1. Espinosa (1901)
2. Mato Verde (1953)

C – SÃO JOÃO DO PARAÍSO (1943)

1. Ninheira (1995)

D – INDAIABIRA (1995)

E – MONTEZUMA (1993)

F – SANTO ANTÔNIO DO RETIRO (1995)

G – VARGEM GRANDE DO RIO PARDO (1995)


REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA

ÂNGELIS, Newton de. Efemérides Riopardenses. Salinas: R & S Arte Gráfica, 1998.

PIRES, Simeão Ribeiro. Raízes de Minas. Montes Claros, 1979.

__________. Serra Geral: Diamantes, Garimpeiros e Escravos.
Belo

Horizonte: Cuatiara, 2001.

REVISTA DO INSTITUTO HISTÓRICO E GEOGRÁFICO DE MINAS GERAIS,
1981, Vol. XVIII.


SITE: http://pt.wikipedia.org/wiki/Francisco_J%C3%AA_Acaiaba_de_Montezuma.


OURO E ESCRAVIDÃO EM MINAS GERAIS
Roberto Pinto da Fonseca
Cadeira N.92
Patrono: Sebastião Tupinambá

“De seu calmo esconderijo,
o ouro vem, dócil e ingênuo,
torna-se pó, folha, barra,
prestígio, poder , engenho...
é tão claro! – e turva tudo:
honra, amor e pensamento.”
Cecília Meireles
(Romanceiro da Inconfidência)

“São os filhos do deserto,
Onde a terra esposa a luz.
Onde voa em campos aberto
A tribo dos homens nus...
São os guerreiros ousados,
Que com os tigres mosqueados
Combatem na solidão...
Homens simples, fortes, bravos...
Hoje míseros escravos
Sem ar, sem luz, sem razão...”
Navio Negreiro
(Castro Alves)

............A descoberta de ouro em Minas Gerais, quase no final do século XVII, provocou um forte impacto na economia colonial portuguesa, gerando, sobretudo, um grande deslocamento populacional para o interior da colônia ainda pouco habitada, fenômeno jamais presenciado no Brasil colônia, o que, simultaneamente, reforça a estrutura escravista utilizada por Portugal.

............Portugal foi a nação pioneira no tráfico de escravos do continente africano. Suas atividades no comércio humano remontam ao século XV, mantendo o controle absoluto durante todo o decorrer do século XVI, quando se inicia a colonização das terras do Novo Mundo. A partir do século XVII, ingleses, franceses, holandeses, espanhóis e dinamarqueses passam a competir com os
portugueses no lucrativo e crescente comércio de escravos. O ponto alto do tráfico foi durante o século XVIII, para atender as crescentes demandas por trabalho cativo nas plantações de algodão nos Estados Unidos, açúcar no Caribe e a exploração de ouro em Minas. O século XIX representa a ruptura do comércio escravista, sobretudo em função de mudanças de modelos econômicos e campanhas abolicionistas.

............Calcula-se que foram vendidos 12,5 milhões de escravos para suprir os mercados de países europeus, a América e algumas regiões do Atlântico. Como os índices de mortalidades dos cativos nos navios negreiros durante as longas travessias oceânicas eram elevados, estima-se que 10,7 milhões de negros tenham chegado vivos a seus destinos. O Brasil foi a nação que mais recebeu escravos, aproximadamente 4,9 milhões. Os Estados Unidos da América, onde a escravidão gerou tantas sequelas, receberam em seu território um número em torno de 390 mil escravos.

............Um contexto pouco difundido, e até mesmo pouco estudado nesse gigantesco comércio de vidas, é que a participação dos próprios africanos no negócio foi fundamental. Os europeus cuidavam da organização do tráfico, financiavam, construíam feitorias ou postos para recebimentos dos cativos e forneciam navios para o transporte. A América recebia a maior parcela da mercadoria humana para movimentar a sua economia, e os próprios africanos decidiam quais, dentre as tribos de seu próprio continente, seriam comercializados.

............O comércio de escravos pelos próprios africanos em seu continente tem origem em tempos remotos. Africanos já negociavam, com romanos, muçulmanos e egípcios, homens de sua própria raça, normalmente de tribos inimigas, feitos prisioneiros em guerras tribais.

............Devido à grande diversidade cultural e étnica entre os povos africanos, eles não se viam como uma nação coesa. Eram sociedades bastante descentralizadas. Além disso, a escravidão era a única forma de propriedade privada aceita e legitimada pelos costumes locais. Os africnos empregavam o trabalho escravo, aceitavam a escravidão como natural, sobretudo como mão de obra na agricultura.

............Se para o europeu a terra simbolizava um dos maiores bens privados, para os africanos acontecia o contrário: ela pertencia a todos, era um bem comum das diversas tribos.

............Os europeus, conscientes dessa situação, souberam dela usufruir ao máximo - aspecto que não os redime do nefando comércio.

............Os africanos envolvidos no tráfico pouco ou quase nada lucravam. Os scravos vendidos eram comumente trocados por mercadorias de pouco valor comercial ou por artigos supérfluos: aguardente, fumo, tecidos, armas de fogo, etc.

............No litoral brasileiro, foram diversos os portos para o recebimento da ercadoria humana: São Luís do Maranhão, Belém do Pará, João Pessoa, Recife, Salvador, Campos, Macaé, Cabo Frio, Ilha Grande, São Sebastião, Santos, Paranaguá e Rio de Janeiro. Este, em especial, recebeu por volta de um milhão de escravos destinados principalmente a Minas Gerais.

............Entre as populações indígenas brasileiras, a escravidão também já era praticada antes da chegada dos portugueses. Prisioneiros das guerras tribais se tornavam escravos dos vencedores, e entre as tribos que praticavam a antropofagia, eram devorados nos rituais.

............Com a chegada dos portugueses, muitas tribos estabelecem alianças com os colonizadores e passam a trocar seus escravos por mercadorias, favorecendo os interesses comerciais portugueses. Os portugueses também se utilizavam da captura dos índios, mas devido a não adaptação ao trabalho forçado, sobretudo nas lavouras, a taxa de mortalidade era elevada. Outro aspecto é que a utilização da mão-de-obra indígena não gerava lucros para a metrópole, pois se tratava de um comércio interno e de pouco controle por Portugal.

............Quanto ao tráfico negreiro, proporcionava elevados lucros, pois era controlado por Portugal através de suas colônias africanas que forneciam farto material humano. Como a mão-de-obra escrava africana se adaptava melhor às condições de trabalho no Brasil, os lucros foram enormes. Ganhavam a metrópole, o traficante, o proprietário e até a Igreja Católica, que recebia uma porcentagem sobre o valor de cada escravo que era vendido no Brasil.

............A partir do século XVIII, a mineração passa a ser o suporte da economia colonial, baseada essencialmente no trabalho escravo. Com a crescente necessidade de mão-de-obra para a exploração do ouro e outros metais preciosos, o tráfico internacional de escravos se amplia.

............A população de negros e mulatos na Capitania das Minas Gerais torna-se maior que a dos homens brancos. No ano de l808, a população de Sabará era composta de 11.318 brancos, 30.976 negros e 34.071 mulatos, ou seja: 14,8 % de brancos e 85,2 % de negros e mulatos. Por volta de 1786, período em que já se preparava a Inconfidência Mineira, a população mineira era composta de 65 665 brancos, os pardos eram 100. 685 e os escravos formavam uma população em torno de l96.500 pessoas. A proporção de pardos e negros compunha 80% da população, mantendo-se inalterada até princípios do século XIX, de acordo com Spix e Martius. Esses fatores contribuíram para a formação das características da população mineira, mesmo após a crise da mineração a partir do último quartel do século XVIII.

............No período de 1700 a 1800, Minas Gerais produziu mais de 1/3 de todo o outro extraído no mundo entre 1500 e 1800. Foram extraídas 650 toneladas de ouro. Portugal lucrou em torno de 160 toneladas entre impostos e taxas diversas. Por sua vez, estima-se que o contrabando do rico metal tenha atingido a cifra de 300 toneladas.

............Com a queda da mineração, desenvolveram-se novas atividades econômicas, como a lavoura, a criação de gado e produção de aguardente, que passaram a contar ativamente com a mão-de-obra escrava, apesar de grande parte da população ainda insistir no extrativismo aurífero.

............No auge da mineração, era impensável o desvio de um escravo para outra atividade, mesmo sendo para a produção de alimentos - daí os graves problemas de falta de alimentos e de fome ocorridos no período.

............Para se ter uma percepção mais ampla da bancarrota na produção do ouro em Minas, a partir do ano de 1763 não mais se conseguia atingir o pagamento anual de 100 arrobas exigido pelo fisco português. De 1785 a 1794, em plena decadência, a produção total foi de 456 arrobas, uma média de 50,6 arrobas por ano. Mas Portugal continuou a exigir a totalidade dos tributos, sobretudo através da cobrança da Derrama, uma das justificativas da Inconfidência Mineira em 1789.

............Todos os ciclos econômicos brasileiros - açúcar, tabaco, ouro e café - estão incluídos no ciclo do comércio negreiro, ou seja, no período de 1550 a 1850. Sem a mão-de-obra escrava, esses períodos econômicos jamais seriam fomentados.

............Apesar de o trabalho escravo estar fortemente vinculado à atividade de extração de ouro e diamantes, com o passar dos anos, e sobretudo com o enfraquecimento das atividades mineradoras, muitos escravos passaram a exercer outras atividades e ofícios, ainda submetidos ao rigor do seu senhor ou feitor. Muitos cativos tornaram-se ourives, artesãos, trabalhadores no comércio, tropeiros, carregadores, pedreiros, ferreiros, músicos, etc. Isso possibilitou a muitos uma mobilidade econômica, permitindolhes posteriormente a compra da alforria.

............Basicamente dois tipos de pessoas ocupavam-se das atividades mineradoras, os escravos e os trabalhadores livres, denominados garimpeiros ou faiscadores. Os grandes proprietários de terras e donos de escravos, que formavam uma minoria da população, por sua vez, ficavam com o grosso da produção, cabendo aos garimpeiros, descontadas todas as taxas, o restante diminuto da produção. Essa equação econômica, em que pequena parte da população ficava com todos os lucros, estabelecerá um modelo econômico que permanecerá como um estigma nacional, que é a enorme concentração de renda.

............O Brasil foi uma das nações que mais tardiamente libertou os seus cativos, em 13 de maio de 1888. A Inglaterra aboliu a escravidão em suas colônias em 1807, apesar do grande lucro que obteve com o tráfico. Em 1776 ocorre a Independência dos Estados Unidos da América; em 1789, a Revolução Francesa. Com o advento da Revolução Industrial, a economia mundial cresce sob novos modelos de forças produtivas; a sociedade transformavase, o sistema colonial já apresentava rachaduras, e o escravismo se tornou um modelo improdutivo.

............No Brasil, a libertação dos escravos pouco ou quase nada alterou as condições de vida dos ex-escravos. Os negros continuaram a viver à margem da sociedade, em precárias condições sócio-econômicas, fator que pouco se modificaria pelas décadas seguintes.

............Tiradentes, o herói da Inconfidência, havia declarado ser as Minas Gerais um local de desgraças e depravações, “porque, tirando-se dele tanto ouro e diamantes, nada lhe ficava, e tudo saía para fora (sic), e os pobres filhos da América sempre famintos, e sem nada de seu”.

............O ouro de Minas ergueu palácios, catedrais, financiou os luxos das nobrezas europeias, era a Europa o seu destino, mas da África vieram os anônimos heróis.


EXUPÉRIO, O FERRADOR

Ruth Tupinambá Graça
Cadeira N. 96
Patrono: Tobias Leal Tupinambá

............Foi uma grande época, a do cavalo. Hoje ele é vendido por milhões de dólares nos grandes e sofisticados leilões e é o hobby dos ricos criadores.

............Mas antigamente, a história era outra. O conceito do cavalo era bem diferente e tinha um valor imprescindível, útil e necessário a todos. Um bom cavalo gozava de grande prestígio, era respeitado e cobiçado. Obediente uma vez amansado, relativamente barato e de grande serventia.

............Todo fazendeiro que se prezava possuía uma tropa bem tratada e até mesmo, os que moravam na cidade (os comerciantes), sustentavam aquele luxo, alugando pasto onde seus animais de estimação, principalmente um puro sangue (treinado para o cilhão da dona patroa) eram tratados com todo carinho, como ilustres pensionistas nas pastagens mais próximas dos compadres e amigos.

............Era com enorme satisfação que, aos domingos, aqueles fazendeiros de verdade – Nozinho Colares, Valeriano Lopes, João de Figueiredo, Altino Maciel, João Mendonça, Orfeu Froes, Elpídio da Rocha, Ilídio dos Reis, Levindo Dias, seu Dantas, Argemiro Machado, João Salgado, Zezé de Alfredo, Santos Braga, Antônio Lucrécio, Chiquinho Viriato e muitos outros – desfilavam pelas ruas da cidade, elegantemente montados e com muito orgulho, mostravam um bom marchador ou um esquipador, cria da sua fazenda, numa sela amazonas da melhor qualidade, arriatas de prata brilhando ao sol, pelegos de pele de carneiro para melhor conforto do cavaleiro.

............Aquele desfile de senhores sérios era um acontecimento importante, assistido e apreciado por um grande número de fazendeiros, criadores e curiosos, sendo uma boa oportunidade para fazer bons negócios e trocas.

............Os animais, com suas crinas bem tratadas e penteadas, ancas lisas bem delineadas, pêlo reluzente, pernas firmes e pescoços perfeitos, davam um show de boniteza, enquanto as patas bem ferradas tiravam faíscas naquele grosseiro calçamento das nossas ruas.

............Geralmente, o sábado era o dia escolhido para ferrar os animais, num ritual todo especial.

............Exupério Ferrador (conhecido por todos), que em época remota foi jagunço, atuando bravamente no tiroteio de 06/02/1930, por ocasião da visita do vice-presidente da República, doutor Fernando de Melo Viana à nossa cidade. Era o exímio ferrador, merecendo a total confiança dos fazendeiros.

............Com a mesma facilidade e competência com que manejava uma carabina, ele dominava o animal, por mais arisco que fosse, e cravava-lhe na anca o ferro fumegante com as iniciais do seu dono, e também calçava-lhe as ferraduras, ajustando os cravos com rapidez e competência incríveis.

............Ele sentia orgulho daquela profissão e tinha um jeito especial para trabalhar nas patas de um poldro de raça, um garanhão famoso ou uma égua de estimação. Era o preferido da cidade e ferrava para ninguém botar defeito. Muito minucioso, media cui dadosamente as ferraduras, adaptando-as aos melindrosos cascos e aquecia, ao mesmo tempo, o ferro com as iniciais, ao calor das labaredas numa fogueirinha, nos fundos do Mercado Municipal antigo, onde improvisava uma mini-oficina para aquele trabalho especial.

............Durante aquela operação, os donos dos animais assistiam atentamente, pois o cavalo era como se fosse gente, ou até mesmo um parente que submetesse, no momento, a uma melindrosa cirurgia.

............O Exupério, durante aquela função, torcia os enormes bigodes (que era seu orgulho), fazia mil piruetas, pegando e largando com agilidade as patas do animal, apertando os cravos nas ferraduras e, na hora de cobrar, arrancava o couro dos fazendeiros, que pagavam sem resmungar, pois com o Exupério, era pegar ou largar, não adiantava pixotear.

............O cavalo era indispensável ao Tropeiro e ao Cometa para o transporte de mercadorias; ao fazendeiro, para o serviço de campo e modo geral para as viagens.

............Foi uma época difícil, sem as rodovias e as ferrovias, em que o lombo do animal era o único transporte. Nossa cidade muito deve àqueles tropeiros que, durante séculos, supriram o nosso comércio com mercadorias trazidas de longe, enfrentando obstáculos e perigos sob um sol escaldante, poeira e calor, ou chuva, vento e frio, o tropeiro incansável seguia embrenhando-se nas matas e pacientemente arreava e desarreava os animais nas longínquas pousadas sem conforto. Durante as viagens, que duravam três a quatro meses, com o coração embalado pelo tilintar dos guizos da madrinha da tropa, espantando melancolia, o tropeiro sentia-se feliz e alegrava-se com o retorno a Montes Claros, rever a família, os amigos e matar a saudade e sentir novamente o carinho do lar, tantos meses privado.

............Esta luta durou anos e anos e hoje ninguém é capaz de avaliar quanto esses valentes tropeiros sofreram e o bem que nos fizeram.

............Mas a civilização chegou trazendo o automóvel para desbancar o cavalo. Ao invés das quatro patas, as quatro rodas passaram a dominar e em lugar das selas de couro para as viagens, existem hoje as confortáveis e luxuosas poltronas. O som melancólico dos guizos da madrinha da tropa e do trote compassado dos animais nas estradas desapareceu e os nossos ouvidos sofrem com o som estridente de buzinas e o chiar dos velozes pneus no asfalto.

............E a situação do cavalo é outra. Tratado especialmente em cocheiras luxuosas, deixa de ser o transporte de todos, todo dia e toda hora.

............Hoje existem os haras modernos com todo luxo e conforto, onde os animais têm uma alimentação balanceada, rica em vitaminas e proteínas, controladas por veterinários competentes e atendimento em clínicas especializadas.

............São transportados em carros especiais, estofados, com ar refrigerado e até música relax.

............São vendidos por milhões de dólares em leilões sofisticados que mais parece show da alta sociedade.

............A criação do cavalo de raça é hoje privilégio de alta classe. É um hobby dos grandes empresários e fazendeiros quatrocentões, que fumam cigarros e charutos finos, bebem uísque importado, possuem jatinho para não perderem tempo e, cheios de orgulho aguardam, tranquilamente, o sucesso e os lucros da sua criação famosa nos grandes leilões, nas importantes capitais.


Osmar Cunha

Wanderlino Arruda
Cadeira N. 33
Patrono: Enéas Mineira de Souza

............A lembrança mais antiga que tenho de Osmar Cunha é de Taiobeiras, ano de 1948, quando ele, estudante de contabilidade em São Paulo, veio passear por um período de férias. Sério e alegre ao mesmo tempo, mais novo do que a idade exigia, era a elegância em pessoa, com ternos e gravatas da última moda, tecidos caros, cortes perfeitos. A qualidade estava numa distância enorme para a de uso de qualquer outro vivente comum, inclusive a de seu irmão Dudu Cunha, que também sempre foi muito granfino. Ninguém vestia ou calçava como Osmar, porque, de São Paulo, ele sempre escolhia o melhor, uma vez que dinheiro e bom gosto nunca lhe foram problemas. Invejado por nós, pobres mortais de Taiobeiras? Não, não creio. Na verdade, Osmar Cunha era é respeitado, admirado, elevado a um patamar, algo assim como se fosse herdeiro do trono do Brasil. O melhor a quem de direito!

............Também não me lembro de Osmar namorador como Dudu, ou como qualquer outro de nós, mesmo os meninos, que normalmente tinham mais de um “Flirt”. Osmar era comedido, calmo, mais ligado às pessoas de idade, para conversas de assuntos mais importantes. Mesmo para uma cidadezinha culta como era Taiobeiras em 1949, quando se discutia literatura, acontecimentos mundiais, artes, esportes, concursos de misses, quando existia uma meia dúzia com algum domínio do inglês, Osmar ainda era considerado de padrão superior, principalmente por morar e estudar no centro da cidade de São Paulo, como filho de família rica. Mas, no meio de toda importância, Osmar fazia algumas concessões ao jogar futebol, nadar na barragem, jogar pôquer, danças, dar voltas em torno da feira de quiabo, ir à missa na antiga igreja perto de sua casa. Namorar, namorar, que era o esporte mais gostoso era só com a Laury, a moça mais culta e mais bonita, também viajada e lida como ele. Ou mais que ele!

............Não me lembro de Osmar político, candidato a prefeito de Taiobeiras, porque aí, eu já morava em Montes Claros. Talvez por uns dois passeios rápidos por lá, quando eu ia ver Olímpia e a minha família, tenho lembranças poucas, “flashes” dos acontecimentos, com um quadro mergulhado de paixões, a situação batendo duro, furtando escandalosamente para não perder o mando, não respeitando nem a elegância de Osmar. Lembro-me de Laury lutando com todas as forças, até pegando em armas, como um dia em que ela espantou uma multidão de adversários, fazendo todos correrem sob a mira de uma carabina. Mas de Osmar, não me lembro! Sua capacidade só diplomática, elevada, acima das efervescências maledicentes, não pôde lhe conduzir a vitória. Votos comprados, urnas fraudadas, todo tipo de astúcias e tramóias dos adversários tiraram a sua vez. Triste e desiludido mudou-se para Montes Claros. Secretamente, caladão, nunca cicatrizou a paixão da derrota. Com amargo sorriso era que falava da política de Taiobeiras. Acredito que esperava, se mais vivesse, dar um elegante troco àquela gente de sua terra.

............Em Montes Claros, sempre comerciante, ao lado de Dudu ou sozinho, Osmar talvez tenha sido o empresário mais amado e querido por seus clientes e fornecedores. Não sei e talvez ninguém saiba de alguém que não gostasse dele. As pessoas o adoravam e nele confiavam sem limitações. Nenhum documento valia mais que a palavra de Osmar. Nenhum prazo era tão rígido no comércio que ele não pudesse ceder em favor de um devedor mais apertado. Quantas vezes Dudu não ficou com o coração nas mãos diante da bondade de Osmar, sempre ajustando vencimentos, sempre ajudando alguém! Osmar era uma espécie de pai dos pobres e deserdados, que o digam os pequenos comerciantes de Montes Claros e de todas as cidades do Norte de Minas e Sul da Bahia. Até hoje vejo-os chorar de saudades!

............Osmar Cunha, elista, rotariano, marido, pai, irmão, companheiro e professor de muitos, nunca foi um homem comum, nem só um homem elegante. A estrela de ouro que, por nobreza, deixou no mundo, por muito tempo ainda brilhará e abrirará caminhos de luz, de amizade e de admiração!


O VOO DO ALBATROZ, O VOO DE ISAU

Wanderlino Arruda
Cadeira N. 33
Patrono: Enéas Mineira de Souza

“A cada dia que vivo, mais me convenço de que o desperdício da vida está no amor que não damos, nas forças que não usamos, na prudência egoísta que nada arrisca, e que, esquivando-se do sofrimento, perdemos também a felicidade.“

Carlos Drummond de Andrade

............Segundo Emmanuel, a vida seria muito chata se tudo nos fosse fácil e independente de nossos esforços. O que dá gosto pela vida é saber que soubemos vencer as adversidades para chegar à vitória, ao sucesso. O importante é ter consciência de cada momento que buscamos o alimento, a saúde, a boa disposição ao trabalho, o descanso merecido, o entender e ser entendido, o amar e ser amado. É por isso que dizemos em nossas preces ao nos levantar e ao prepararmo-nos para dormir: dá-nos hoje a tua proteção, dá-nos sempre, Senhor. Jamais nos esqueçamos que - no dizer de Tiago - a fé sem obras é morta. Qual o proveito em dizer que temos fé mas não temos obras? Preciso é fazermos sempre o melhor, porque Deus não trabalha exatamente em cima da nossa ansiedade, mas em cima do nosso merecimento. O que é nosso, o que a nós deve ser destinado acontece na hora certa! As coisas acontecem exatamente quando devem acontecer! Busquemos sempre a sintonia do Amor em nossas vidas, e tudo estará sempre nos devidos lugares. Sendo o trabalho lei da Natureza, cada qual de nós, seja de onde for, estará sempre construindo a própria vida, isto é, a vida que deseja. Em verdade, a nosso existência e as nossas experiências são a soma de tudo o que idealizamos e construímos. Toda melhoria que realizarmos é melhoria na estrada a que somos chamados a percorrer. Outra coisa: muito difícil vivermos bem se não aprendermos a conviver. A vida por fora de nós é a imagem daquilo que somos por dentro. Viver é a lei da natureza, mas a vida pessoal é a obra de cada um. Muitas coisas fazem parte de nós para nos defender do mundo externo, geradas pela nossa própria mão e pelo nosso próprio pensamento. Os orientais dizem: - Para você beber vinho numa taça cheia de chá é necessário primeiro jogar o chá fora para, então, beber o vinho. Ou seja, para aprendermos o novo é essencial deixarmos para trás o velho, visar e revisar valores, adaptarmo-nos a novas circunstâncias, a novos modos de ser, pensar e de agir.

............Depois de ler e reler O VOO DO ALBATROZ, candente relato existencial do amigo Isau Rodrigues de Oliveira, menino de Taiobeiras, homem de Montes Claros, Minas e Bahia, homem do Mundo, vejo realmente muito mais que uma biografia, bem mais que um texto confessional, tudo muito acima do colorir esforços e superações. Trabalho a quatro mãos - do próprio Isau e da escritora Cyntia Pinheiro - são quase cem páginas didáticopedagógicas de um verdadeiro self-made man, ator e diretor de uma vida no plano pessoal e profissional merecedora de todo o nosso respeito e máximo de admiração. História envolvente em todo o seu conteúdo, tenho certeza de que qualquer leitor a lerá em um só fôlego, tal a composição lógica e emocional, mais do que tudo humanamente colorida.

............A melhor forma de aprender ou ensinar é acima de tudo imprimir bons e significativos exemplos. E o exemplificar em nos sas vidas exige que dediquemos tempo e amor a todos os nossos sonhos e nossas atividades, sejam quais sejam os esforços e sacrifícios. O prof. Rubens Romanelli, pensador e poeta, quase um santo nas salas de aula da UFMG e nas reuniões do Evangelho, dizia-nos com lições do Mestre Jesus: “QUANDO te julgares incompreendido pelos que te circundam e vires que em torno a indiferença recrudesce, acerca-te de Mim: eu sou a LUZ, sob cujos raios se aclaram a pureza de tuas intenções e a nobreza de teus sentimentos; QUANDO se te extinguir o ânimo,as vicissitudes da vida e te achares na iminência de desfalecer, chama-Me: eu sou a força capaz de remover-te as pedras dos caminhos e sobrepor-te às adversidades do mundo; QUANDO te faltar a calma, nos momentos de maior aflição, e te julgares incapaz de conservar a serenidade de espírito, invoca-Me: eu sou a PACIÊNCIA que te faz vencer os transes mais dolorosos e triunfar nas situações mais difíceis; QUANDO, enfim, quiseres saber quem Sou, pergunta ao riacho que murmura e ao pássaro que canta, à flor que desabrocha e à estrela que cintila, ao moço que espera e ao velho que recorda. Eu sou a dinâmica da Vida e a harmonia da Natureza; chamo-me AMOR, o remédio para todos os males que te atormentam o espírito”. É por isso que, de manhã, todas as manhãs, apresento ao meigo Nazareno a minha oração e fico esperando...

............Para Isau, felicidade é sabedoria, esperança, vontade de ir, vontade de ficar, presente, passado e futuro. Para Isau, felicidade é confiança, fé e crença, trabalho e ação. Ele tem vivido tão intensamente, que tudo indica não ter pressa de ser feliz, porque sabe que a felicidade vem devagarinho, sem depender de saúde ou de poder, sem ser fruto de ostentação, de luxo ou de ambição. Para Isau, felicidade é desprendimento, amor ao trabalho, organização, subida nos degraus do progresso pessoal e coletivo. Sempre e sempre uma visão de conjunto, cumprimento de passos e percursos de uma caminhada regida pela vontade e pela determinação, resultado de uma ou de cem batalhas. Ele, um campeão, sabe que as vitórias são alimentadas pelo trabalho em equipe, porque a grande maravilha do amor é ser um divino contágio. Também não importa o que tiraram de nós, o que importa é o que nós vamos fazer com o que sobrou. Nunca podemos nos esquecer de que o sol que brilha, a nuvem que passa, o vento que ondula, a árvore que se ergue, a fonte que corre, o fruto que alimenta e a flor que perfuma, toda a riqueza das horas, tudo depende da proteção do Grande Arquiteto do Universo.

............Como cada um é o arquiteto do próprio destino e a vida é a soma de todas as escolhas, devemos saber que a honra é levantar-se a cada vez que se cai. Concluo este prefácio, pensando no carma positivo de Isau, para ele mesmo e para as pessoas próximas a ele, ou melhor, para todos nós os seus amigos.


IVAN DE SOUZA GUEDES

Wanderlino Arruda
Cadeira N. 33
Patrono: Enéas Mineira de Souza

............Louvemos as pessoas, em primeiro lugar, pelas obras com que beneficiam o tempo e o espaço e que beneficiam cada movimento do bom viver e da boa convivência. Consideremos, sobretudo, seus atos de fé, seus gestos de gentileza, sua atuação perante a família e os amigos. Consideremos, com o melhor da nossa consciência, os que vivem sempre para o progresso dentro e fora do trabalho. Benditos os que permitem a esperança, os que têm palavras de estímulo, os que são e que estão no caminho do bem e do socorro ao próximo.

............Bem-aventurados os que, mesmo nos gestos simples de cada dia, se tornam benfeitores, que têm a felicidade não como estação de chegada, mas como um modo de se movimentar para o futuro. Para estes, não existem cargas mais leves, mas sim ombros fortes e apropriados à tarefa de cada dia; não há ponto final no amor, porque o amor é vida e a felicidade é o melhor jeito de ser e de viver.

............Mesmo conhecendo com minúcias a vida do amigo e do meu mais considerado colega de escola, surpreendo-me com “IVAN DE SOUZA GUEDES, este grande brasileiro”, livro fruto das pesquisas e da lavra literária da historiadora Zoraide Guerra David, lente e foco ao mesmo tempo de uma vida cheia de grandeza, sincero retrato de corpo inteiro para o agora e para o sempre: Ivan e família – fundamento sólido; Ivan e Montes Claros, terra dadivosa; Ivan , o empresário; Ivan e a expansão da Minas Brasil; Ivan e sua inter-relação humana e comunitária; Ivan nas comemorações especiais e nas homenagens que tem recebido; Ivan, uma referência e o reconhecimento público.Tudo de vida e ação, tudo de fé e esforço, tudo certeza no valor do trabalho, e acima de tudo, uma confiante esperança de quem sabe o que quer e a que veio. O importante não é passar pela existência, é viver!

............Minha confreira Zoraide foi bastante feliz em todos os registros da biografia de Ivan, o filho do alfaiate baiano e intelectual Nino de Souza Guedes e de D. Maria do Carmo, bocaiuvense da melhor estirpe, excelente mãe de família e educadora; Ivan, o marido da doutora Mercês Paixão Guedes e pai dos jovens administradores Leonardo, Lyntton José, Luciano Frederico e Leandro Ivan, tudo gente do melhor que a vida de trabalho pode oferecer, uma verdadeira equipe. Em realidade, uma biografia fértil e bem apropriada diante da riqueza de informações bastante conhecidas, sempre presenciadas por amigos e clientes desde a antiga Farmácia São José, de Juca de Chichico, onde Ivan vendia remédios durante o dia e aplicava injeções durante a noite, parte por ser balconista, parte para ganhar mais uns trocados para ajudar a família e para pagar os estudos no Colégio Diocesano e no Instituto Norte Mineiro de Educação, escolas em que fizemos o segundo grau e concluímos o curso de Contabilidade. Sempre de pé, sempre olhos nos olhos, sempre se movimentando, Ivan nunca se negou a ouvir um cliente em necessidade de um conselho ou do aviamento de uma receita médica. Atendimento nota dez, o selo do sucesso!

............Como deixou claro Alberto Einstein em alguns escritos, “Não podemos viver felizes, se não formos justos, sensatos e bons; e não podemos ser justos, sensatos e bons sem sermos felizes”. “Evidentemente, nós existimos em primeiro lugar para as pessoas queridas, de cujo bem-estar depende a sua felicidade e a nossa; depois para todos os seres, nossos semelhantes, que não conhecemos pessoalmente, aos quais, entretanto, estamos ligados pelos laços da simpatia e fraternidade humana.” Se o amor não é eterno, eterna tem que ser a capacidade de amar. Para Cora Coralina, “Todos estamos matriculados na escola da vida, onde o mestre é o tempo”, pois como bem disse Benjamim Franklin “A melhor coisa que você pode dar ao inimigo é o seu perdão; ao adversário, sua tolerância; ao amigo, sua atenção; aos filhos, bons exemplos; ao pai, sua consideração; à mãe, comportamento que a faça sentir-se orgulhosa; a todas as pessoas, caridade; a você próprio, respeito.”

............Inteligente, empreendedoramente fértil, determinado, consciente no ser e no agir, Ivan nunca teve um dia sem proveito de aprendizagem e da realização do bem. Sempre ao lado de Mercês e, ultimamente, dos filhos, cresceu e multiplicou ao mesmo tempo em que Montes Claros progrediu em tamanho e em qualidade. Das pequenas drogarias das ruas D. Pedro II e Camilo Prates, fincou pé na Doutor Santos com Padre Augusto e, hoje, lidera o comércio farmacêutico no centro e praticamente em quase todos os bairros da cidade, cada ponto comercial com mais recursos e mais modernidade. Viajante internacional bom observador, soube, juntamente com Mercês, e mais tarde com os filhos, fazer todas as adaptações que o seu comércio permitia e o conforto da clientela podia exigir. O último feito foi a instalação de uma luxuosa perfumaria, que nada deve à praticidade e à beleza das encontradas nos modernos shoppings e nas lojas dute free dos melhores aeroportos do mundo. Progredir é qualificar-se para o presente e para o futuro.

............Bonita, admirável, material e espiritualmente encantadora a vida de Ivan, meu companheiro, meu amigo próximo em quase sessenta anos, seja na escola, seja na vida. Bem sei das quantas dificuldades teve que superar, do quanto teve que se esforçar, do quanto teve que aprender ao longo da vida. Agora, que Zoraide Guerra David grava em letras e imagens este portentoso registro, muito mais justiça será feita por quem o conhece no dia-a-dia ou por quem tiver notícia deste livro “IVAN DE SOUZA GUEDES, ESTE GRANDE BRASILEIRO”.

............Ivan e sua família têm todos os merecimentos. E que Deus os conserve sempre e sempre!


Mercês Paixão e Ivan Souza Guedes


BIBLIOTECA DO INSTITUTO HISTÓRICO E
GEOGRÁFICO DE MONTES CLAROS

LIVROS RECEBIDOS

• Cemitério das Loucas – Dário Teixeira Cotrim. Editora Cotrim Ltda. 2010.
• O Poeta das Evas - Biobibliografia de José Prudêncio de Macedo – Dário Teixeira Cotrim. Editora Cotrim Ltda. 2010.
• Caminho das Letras. Júlia Maria Lima Cotrim – Editora Millennum. Montes Claros – Minas Gerais. 2009.
• Montes Claros: Eterna Lembrança – Ruth Tupinambá Graça. Editora Cotrim Ltda. 2010.
• Rio São Francisco: Vapores e Vapozeiros – Domingos Diniz, Ivan Passos Bandeira da Mota e Mariângela Diniz. Pirapora - Minas Gerais. 2009.
• Urubu de Gravata. Itamaury Telles. Edição do autor. 2007.
• Noturno para o Sertão. Itamaury Telles. Edição do autor. 2006.
• Doce Prejuizo. Itamaury Telles. Editora O Lutador. Belo Horizonte. 2010.

REVISTAS RECEBIDAS

• Caminhos da História - oferecimento de Marcos Fábio M. Oliveira e Regina Célia Lima Caleiro. Unimontes – Montes Claros – Minas Gerais. 2010.
• Revista Liberdade. Número 11 de julho de 2010. Oferecimento de Noriel Cohen
• Revista Liberdade. Número 12 de setembro de 2010.Oferecimento de Noriel Cohen.
• Revista Integração. Oferecimento do confrade João Martins. Guanambi-BA.
• Revista Imagem. Vários números. Caetité-BA

CATALÁGO RECEBIDO

• Prêmio BNB de Jornalismo em Desenvolvimento Regional 2008. Oferecimento do confrade Reginauro Silva.


ÍNDICE


Diretoria do Instituto Histórico e Geográfico de Montes Claros - 3
Lista de Sócios Efetivos do IHGMC - 5
Homenagens - 8
Apresentação - 9
Uma Justa Homenagem - 13
Amelina Chaves
O dia da consciência negra - 15
Clarice Sarmento
A Igreja dos Morrinhos - 17
Dário Teixeira Cotrim
As estradas do Tijuco a Salvador - 21
Fabiano Lopes de Paula
Montes Claros - Memória, devoção e milagres - 27
Felicidade Patrocínio
A arte de Konstantin Christoff - 48
Geralda Magela de Sena Almeida e Sousa
Uma rua de ontem e hoje - 61
Haroldo Lívio de Oliveira
Parabéns, jornalista Oswaldo Antunes - 64
Haroldo Lívio de Oliveira
Necésio (Velloso) de Moraes - 67
Itamaury Telles de Oliveira
Café Galo reinaugurado com festa - 70
João Valle Maurício
Festa de agosto - 75
Juvenal Caldeira Durães
Coisas do Passado II - 80
Lázaro Francisco Sena
Padre Agostinho, a saga de um sacerdote - 88
Luiz de Paula Ferreira
Fim de estio no sertão - 100
Luiz de Paula Ferreira
Acolhedora cidade - 102
Maria Clara Lage Vieira
José Augusto Freire - 104
Maria da Glória Caxito Mameluque
Do desembargador Velloso ao professor Arthur Versiani Velloso - 108
Maria Luiza Silveira Telles
“Os bares nunca fecham” - 114
Marta Verônica Vasconcelos Leite
Inventariando Itacambira - 120
Miriam Carvalho
Saudação - 133
Padre Antônio Alvimar de Souza
A Arquidiocese centenária e o Concílio Vaticano II - 136
Palmyra Santos Oliveira
Largo da Matriz - minha praça tão querida - 146
Petrônio Braz
A imprensa em Montes Claros - 151
Roberto Carlos Morais Santiago
Francisco Gê Acayba de Montezuma - 155
Roberto Pinto da Fonseca
Ouro e escravidão em Minas Gerais - 163
Ruth Tupinambá Graça
Exupério, o ferrador - 170
Wanderlino Arruda
Osmar Cunha - 174
Wanderlino Arruda
O voo do Albatroz, o voo de Isau - 177
Wanderlino Arruda
Ivan de Souza Guedes - 181
Biblioteca do Instituto Histórico e Geográfico de Montes Claros - 185


Impresso na oficina da
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Rua Pires e Albuquerque, 173 - Centro
39.400-057 - Montes Claros - MG
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Telefax: (38) 3221-6790
_______________________________________________
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e Geográfico de Montes Claros,
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