FINS
DO IHGMC
Art. 2º - O IHGMC tem como finalidade a promoção
de estudos e a difusão de conhecimentos de história,
geografia e ciências afins, do município de Montes
Claros e da região Norte de Minas, assim como o fomento
da cultura, a defesa e a conservação do patrimônio
histórico, artístico e cultural.
APRESENTAÇÃO
............Estamos agora folheando
mais um volume da Revista do Instituto Histórico e Geográfico
de Montes Claros. Elas se fazem necessárias para que possamos
divulgar os nossos projetos que visam o conhecimento humano; o
resgate da memória histórica e a preservação
do patrimônio público e privado. Nota-se, contudo,
que não houve nenhuma mudança significativa no layout
gráfico de seu miolo e nem de sua capa. Mas, por outro
lado, o leitor certamente continuará a encontrar nesta
coletânea, uma série de pesquisas sobre a nossa terra,
a nossa gente e os nossos costumes, com textos repletos de gravuras
e ilustrações, os quais apresentam uma visão
geral de um passado glorioso e que merece maior atenção
dos geógrafos e historiadores do nosso Instituto.
............Portanto, recomendamos
todos os leitores para que leiam mais uma Revista do nosso Instituto
Histórico e Geográfico de Montes Claros. Pode-se
dizer que ela foi escrita com carinho extremoso e, em sendo assim,
é licito afirmar que não há, aqui, nenhuma
ambição científica ou filosófica por
parte de seus editores, porque é dever dos nossos ilustres
confrades a valorização da nossa história
com a divulgação de artigos que complementam os
fatos ainda poucos conhecidos. Não queremos com isso dizer
que tenhamos realizados plenamente a nossa tarefa de editor/historiador
e não o fizemos por uma simples razão: é
que estamos apenas iniciando os primeiros passos na busca da história
antiga de nossa terra.
............Pode e devem ter ocorridos
lapsos e senões durante a sua formatação.
Não creiamos que isso seja evitável quando se trata
de uma obra que abrange nada menos que três ciências
especializadas: a história, a geografia e a genealogia.
Neste caso seremos gratos ao leitor competente por qualquer correção
que se fizer necessária. Sendo assim, é chegado
o momento em que é preciso resgatar o passado do nosso
povo com o fito de por em evidência as nossas origens. O
presente apenas nos oferece a oportunidade de se fazer tudo isso.
Portanto, para tudo dizer com poucas palavras, que estamos concluindo
com honestidade e competência mais uma Revista do Instituto,
esperando que as próximas gerações possam
se sentir orgulhosos de tudo do que hoje produzimos.
............Finalmente devemos agradecer
a todos os confrades que nos ajudaram na confecção
desta empolgante Revista. Também queremos agradecer penhoradamente,
a comissão de revisão dos textos, que teve a gentileza
de rever todos os manuscritos com o máximo de esmero, objetivando
fazer da nossa Revista o melhor documentário histórico
e geográfico de Montes Claros e, também, do Norte
de Minas. Não devemos tampouco, esquecer de registrar aqui
o nosso reconhecimento de gratidão aos diretores da Millennium
por terem eles incumbidos, com um profissionalismo inquestionável,
do melhor propósito na publicação desta obra
e de outras tantas referentes ao nosso Instituto Histórico
e Geográfico. Em poucas palavras podemos dizer que esta
antologia trata-se de uma obra essencial, altamente instrutiva
e certamente de valor artisticamente incontestável para
todos nós.
Dário
Teixeira Cotrim
Presidente do IHGMC
Revista
do Instituto Histórico e Geográfico de
Montes Claros
Fundado em 27 de Dezembro de 2006
Destaque
do semestre
Uma
Justa Homenagem
............No dia 12 de setembro
de 2010, na cidade de Diamantina, data do nascimento do ex-presidente
Juscelino Kubitschek, o escritor Petrônio Braz, sócio
e secretário do Instituto Histórico e Geográfico
de Montes Claros, foi agraciado pelo Governo do Estado, com a
Medalha de Honra JK.
............A Medalha JK tem como
objetivo agraciar personalidades que se destacaram pela relevância
de seus serviços prestados à coletividade. Trata-se
de uma das condecorações mais importantes
do Estado, justamente por retratar a memória de um dos
mais notórios homens públicos do País. A
solenidade de entrega da Medalha JK aconteceu na Praça
que leva o nome do ex-presidente.
............O Conselho da Medalha,
responsável pela escolha dos homenageados, é formado
pelo presidente da Assembléia Legislativa do Estado, deputado
Alberto Pinto Coelho; pelo presidente do Tribunal de Justiça
de Minas Gerais, desembargador Cláudio Renato dos Santos
Costa; pelo secretário de Estado de Cultura, Washington
Tadeu Mello; pelo prefeito de Diamantina, Geraldo da Silva Macedo;
pelo presidente da Casa de Juscelino (Diamantina), Serafim Melo
Jardim; pelo presidente do Instituto JK, Aníbal Teixeira
de Souza; e pelo representante da família do ex-presidente
Juscelino Kubitschek, Carlos Murilo Felício dos Santos.
............Criada em 1995, a comenda
é dividida nas categorias Grande Medalha e Medalha de Honra.
Grande Mérito, para chefes do Executivo, Legislativo e
Judiciário, e Medalha de Honra, para outras autoridades
e personalidades. São destacadas personalidades e instituições
que contribuem para o desenvolvimento de Minas e do País.
............Além da Medalha
de Honra JK, o jurista, poeta e historiador Petrônio Braz
foi agraciado pelo Governo do Estado, em 2008 com a Medalha “Santos
Dumont”, grau prata, por indicação da Academia
Mineira de Letras; em 2009 com a Medalha “Matias Cardoso,
pelo Movimento Catrumano e, no mesmo ano, com a Medalha Comemorativa
dos Cem anos de fundação da Academia Mineira de
Letras.
Comissão Editorial
O
DIA DA CONSCIÊNCIA NEGRA
Amelina
Chaves
Cadeira N. 28
Patrono: Darcy Ribeiro
“Sou
negro, sim... Por que não?
Que culpa tenho eu de ter na pele a cor da escuridão”.
Poema premiado no concurso ZUMBI, em Salvador/BA.
............Em todas as histórias
da humanidade existem registros de fatos em que o homem comporta-se
como abutre do próprio homem. Ou chacal faminto, em outros
casos hienas, que devoram a presa sorrindo e sem a menor piedade.
Houve tantos monstros no decorrer da história que se torna
impossível enumerá-los. Cristo um pregador de leis,
queria apenas a igualdade para todas as nações.
Foi a maior vítima dos carrascos e torturadores de sua
época. Foi morto e crucificado. Qual o crime ele teria
cometido? Jamais foi citado, todos conhecem os nomes Adolfo Hitler,
Maquiavel, Marquês de Sade e mais uma infinidade deles espalhados
pelas páginas dos livros antigos.
............Fazendo uma retrospectiva
no tempo, chegamos ao Brasil numa época não muito
longe. Podemos ver os registros das páginas sangrentas,
onde mostra os momentos terríveis vividos por homens, mulheres
e crianças vítimas da escravidão. Os homensabutres
inventavam para os pobres negros desterrados de suas origens os
mais exóticos instrumentos de tortura, para promover o
sofrimento humano, entre eles: tronco, o ferro em brasa; o chicote
com bolas de ferro nas pontas, o pau de arara, a palmatória,
colar para o pescoço com guisos, corrente com bolas de
chumbo para os pés, e mais uma infinidade de criações
de mente diabólicas. Qual seria o crime cometido por esses
homens, que se aglomeravam nas senzalas como animais? O que existe
de mal na diferença da cor da pele, se todos são
filhos de Deus?!
............Enquanto a escravidão
era lucrativa e prazerosa para o sadismo de muitos, podemos notar
claramente que a única consciência existente era
a de explorar o trabalho escravo sem gastos.
............Muito tempo depois cria-se
a chamada CONSCIÊNCIA NEGRA. Consciência de que? De
que homens e mulheres foram explorados, humilhados nos tétricos
troncos, muitas vezes nus? Outros expulsos deixados à margem,
amontoados pelos cantos; analfabetos, sem empregos? Contudo, será
que ainda não a prenderam que todos nós somos iguais
perante a lei? E que o sol nasce para todos? Deus não discrimina
ninguém, nem criou os preconceitos. O primeiro a nos alienar
o homem de qualquer cor é ele mesmo, que não busca
o conhecimento, este que liberta e ensina caminhos diferente,
para viver com dignidade de todo cidadão brasileiro consciente
dos seus direitos e deveres. De uma forma ou de outra, somos todos
afro-descendentes. Devemos nos orgulhar da força da nossa
raça, esta que é parte da história de um
Brasil livre e generoso.
A
Igreja dos Morrinhos
Clarice Sarmento
Cadeira N. 31
Patrono: Dulce Sarmento
............De cima do pequeno outeiro,
a igrejinha do Senhor do Bonfim contempla a cidade e as mudanças
sofridas, ela própria também muito diferente da
primeira e minúscula capelinha, construída em 1886
por D. Germana Maria de Olinda, cujos ossos repousam em seu interior.
............Testemunhou o preenchimento
pouco planejado dos espaços vazios da colina e da cidade.
Viu romântico caminho de brita, ladeado de capim cor-de-rosa
e que serpenteava morro acima, ser ocupado por construções
e o acesso à igreja ser deslocado para a parte posterior
do morro.
............A história da
capelinha pode ser contada por ciclos.
............Embora inaugurada festivamente
em 14 de setembro de 1886 pelo padre Manoel Ribeiro Assunção,
ficou abandonada por 60 anos, durante os quais sofreu apenas uma
reforma em 1930, o que evitou a degradação total
de sua estrutura. Em 1946, quando da extensão dos trilhos
da rede ferroviária até Monte Azul, o engenheiro-chefe
encarregado dos trabalhos, atendendo solicitação
de senhoras rotarianas, promoveu uma restauração,reformando
o antigo cruzeiro e construindo um pedestal para o Cristo Redentor,
retirando-o da torre onde fora colocado na reforma de 1930.
............Meus pais mudaram para
a rua Melo Viana em 1944. Podiase contar nos dedos as escassas
casas, não só na rua como no bairro todo. Provenientes
da praça da matriz, acostumados à vizinhança
da igreja e suas celebrações logo se interessaram
pela igrejinha restaurada que continuava abandonada. Em 1947,
minha mãe Maria Guimarães e sua amiga Mariquita
Maia que, aliás, morava “lá em baixo”
na rua Dr. Veloso, puseram-se em campo para equipar a Igreja com
santos, móveis e bancos, toalhas, paramentos e demais objetos
litúrgicos necessários. Saiam todas as tardes, religiosamente,
de porta em porta, visitando casas comerciais e casas de amigos,
a pedir donativos. E foram comprando o necessário, mandando
vir de São Paulo aos poucos, à medida que o dinheiro
ia entrando. A partir daí começaram a pressionar
Padre Marcos Van In e Monsenhor Osmar de Morais Lima, este à
frente da diocese desde a morte do bispo D. Aristides Porto, pois
a capela precisava de um padre para os serviços religiosos.
............Por sorte, chega à
cidade, recém-ordenado pelo seminário de Jaú,
padre Humberto - Adherbal Murta de Almeida. (Naquele tempo usava-se
mudar o nome de batismo quando da ordenação). Dotado
de grande idealismo, inteligência e entusiasmo, o jovem
padre transformou a capelinha no centro religioso da cidade, para
onde se deslocava a população dos quatro cantos
dela, para participar das novenas e procissões, missas
e leilões. Fundou a Cruzada Eucarística de crianças,
o Corinho Santa Terezinha (depois dividido em três grupos
de 20 meninas - uniforme grená, verde e azul - e que cantava
em latim missas completas, ladainhas e Te Deuns, assim como a
Irmandade de Santa Terezinha para as mocinhas As festas do Senhor
do Bonfim, São Geraldo, São José e Santa
Terezinha eram precedidas de novenas finalizadas por procissões
iluminadas por velas e que serpenteavam pela encosta.
............No mês de maio,
depois do terço e ladainha cantada, havia coroações
todas as noites. Eu lá estava sempre, com meu camisolão
de cetim cor-de-rosa, guarnecido de casinhas-de-abelha e arminhos
de asas de penas de galinha, cantando no maior entusiasmo, muito
bem ensaiada por Clotilde Costa (Colo). Eu também fazia
parte do Corinho Grená. Ilda, filha de Neném Mangabeira,
nos acompanhava aos ensaios das quintas-feiras feitos, na maioria
das vezes, pelo seminarista Tiãozinho de D. Ana, hoje padre
Joaquim, na capelinha de Nossa Senhora Aparecida, ao lado da “Casa
dos Pobres” e do Seminário Premonstratense. Parece-me
daí o despertar do interesse que me levou, depois de anos
como pianista, a optar pelo canto coral e obter tantas alegrias
numa profissão que me realiza.
............A equipe de trabalho
na igreja era invejável e o braço direito de mamãe
e padre Humberto passou a ser Coló, sempre prestativa com
sua bondade e disposição. Os paroquianos adoravam
o dinamismo e idealismo do jovem sacerdote e, como escrevi certa
vez, desconfio de que muitos o confundiam com os santos do altar.
............Leonel Beirão
de Jesus era leiloeiro e gritava os lances no maior entusiasmo,
intercalando-os com momices, brincadeiras e inconveniências
verbais que divertiam a plateia e a criançada. Meu pai
era o escrivão; fazia a escrita das doações
e coletas e anotava os fiados para serem cobrados por “Seu
Santo”. Seu Vicente Ferreira Borges tocava o harmônio,
que tinha sido doado por Levi Pimenta.
............Foram cinco os anos de
ouro da capela, anos que, como aconteceu comigo e meus irmãos,
iluminaram nossa infância e alicerçaram nossa vida,
com exemplos de bondade, trabalho, amor e doação.
............Em 1953 Padre Murta foi
transferido para Monte Azul. O padre designado para substituí-lo
encontrou paroquianos frustrados, sem cooperação.
Nada foi como dantes e a igrejinha voltou ao abandono, só
retornando suas atividades com a designação do Padre
Inácio Terez, que promoveu aumento de sua área interna
e construiu o salão paroquial, onde hoje se reúnem
grupos de trabalhos como o dos Vicentinos e da Pastoral da Criança.
Logo depois foi restaurada sob o patrocínio da Copasa e
Sementes Tolentino.
............O pároco atual
celebra missas aos domingos, realiza casamentos e batizados. É
um novo ciclo que começou e o período 47-53 e seu
significado passou a ser guardado somente nas recordações
daqueles que dele fizeram parte. Para os demais, a igrejinha é
apenas um acidente geográfico na paisagem da cidade e sua
história, uma lembrança esquecida de um passado
distante.
Corinho Sta Terezinha - Na fila do meio, assentados,
da esquerda para a direita:
Ilda mangabeira, Clotilde Costa (Coló), Cleonice Sarmento
(Irmã Leila),
Maria Guimarães Sarmento,Pe. Murta, Clarice Sarmento, Seu
Vicente (tocava
o harmônio) Bia Nery.
AS
ESTRADAS DO TIJUCO A SALVADOR
Dário Teixeira Cotrim
Cadeira N. 93
Patrono: Simeão Ribeiro Pires
1. A ESTRADA REAL PELO NORTE DE MINAS
............A Estrada Real seria,
sem dúvida alguma, um projeto de real grandeza para o território
brasileiro, não fosse a falta do seu complemento para entender
que seja ela o fato mais significativo para a memória nacional.
Na verdade, faltam estudos mais acurados nos arquivos históricos
da cidade de Rio de Contas e de Caetité. Quer isso dizer
que o Instituto Geográfico e Histórico da Bahia
e o Arquivo Público da Bahia não podem ser desprezados
pelos pesquisadores. Hoje, quem acompanha o projeto existente
tem uma visão mediana do que se quer documentar: da cidade
de Parati (no Rio de Janeiro - Caminho Velho) e da cidade do Rio
de Janeiro - Caminho Novo – até a velha cidade de
Ouro Preto. Entretanto, num segundo momento, deste ponto até
a vila do Tijuco (Diamantina), trecho tem a denominação
de Caminho dos Diamantes.
............Até aí
tudo bem. Porém, o caminho mais importante para a remessa
dos malotes de diamantes foi a Estrada das Boiadas, ou Caminho
do São Francisco, aberta por uma ação espontânea
dospaulistas e complementada por Antônio Gonçalves
Figueira, com o desmatamento das inúmeras veredas margeando
o rio Jequitaí até as beiradas do rio São
Francisco. A vila de Montes Claros das Formigas era uma parada
obrigatória para o pouso das tropas, sempre na busca do
descanso necessário para o prosseguimento da viagem. A
Estrada Real é muito mais do que é apresentado pelo
senhor Eberhard Hans Aichinger. A Estrada Real se completa com
a participação do Norte de Minas e a Chapada Diamantina,
na Bahia. Em vista disso, há duas versões ainda
por serem estudadas sobre a nossa região: o Caminho do
São Francisco e o Caminho do Sertão. Ambos têm
início na cidade de Diamantina e se cruzam em Tranqueira
(ou Criolos do Paramirim) para depois seguirem até a cidade
de São Salvador.
............Mas, é muito triste
dizer que os governos baianos sempre foram negligentes na recuperação
da histórica Estrada Real do interior do Estado. É
por isso que o diretor geral do Instituto Estrada Real, em entrevista
com Cezar Félix, disse com certa arrogância que “a
Estrada Real é do povo de Minas Gerais”. Isso não
é verdade!
Ela é também do povo baiano.
Fazenda São Romão do Capitão
Mor Salvador Cardoso de Sá, onde funcionava
o 7º destacamento no distrito de Diamantina na Estrada Real
de Diamantina/
MG para Tranqueira/BA.
............Ora, o desbravador do
grande-sertão norte-mineiro foi o bandeirante Antônio
Gonçalves Figueira, que criou a fazenda Brejo Grande na
região do Vacaria. Por ali passava o Caminho do Sertão
com destino à fazenda de São Romão, que era
de propriedade do capitão-mor Salvador Cardoso de Sá
(falecido em 1755). No inicio do século dezoito, o referido
capitão-mor prestava serviços de fiscal no Destacamento
Número 07 do Distrito Diamantino, nas margens do rio Pardo.
Deste importante destacamento de fiscalização, o
Caminho do Sertão ainda passava pela Vila do Príncipe
de Santana de Caetité para, depois, cruzar com o Caminho
do São Francisco, em Tranqueira, na Chapada Diamantina
– Bahia. O Caminho do Sertão não foi de pouca
valia para a História do Brasil, assim como pensam alguns
historiadores paulistas. Não obstante a decadência
do ouro na região de Minas Novas, Grão Mogol e Serra
Nova (Rio Pardo de Minas) muitas tropas levavam as riquezas da
terra para a cidade de Salvador, e outras tantas traziam, dos
currais do rio das Rãs, o gado que era negociado no Curral
das Pedras, do fazendeiro João Costa, para a região
dos diamantes. Por tudo isso, o Caminho do Sertão é
um importante traçado real que deve ser recuperado para
completar os estudos sobre o ciclo do ouro em Minas Gerais e Bahia.
2.O CAMINHO REAL PELO SERTÃO BAIANO
............De Vila de Albuquerque
ou Vila Rica (Ouro Preto) para a cidade de São Salvador
(Salvador), o caminho que levava o “metal amarelo”
para a coroa portuguesa iniciava pelas margens do rio das Velhas
(antigo Rio das Abelhas), até a Barra do Guaicuí,
no rio São Francisco. A viagem deste ponto do rio até
a Biguara ou Malhada do Porto de Santa Cruz (Malhada) era tranqüila
e rápida, pois as corredeiras do rio tornavam-se motor
propulsor que impulsionava os diversos barcos carregados de pessoas
e animais rio abaixo. Até aqui a viagem era feita pelas
águas dos rios. Mas, daqui pra frente, as tropas de mulas
cargueiras enfrentavam as veredas sinuosas do sertão em
busca da Chapada Diamantina, com muitas dificuldades.
Igreja de Parateca, município de Malhada/BA.
Fazenda
Três Irmãos, município de Palmas de Montes
Alto, pouso utilizado
pelos tropeiros com destino a Chapada Diamantina/BA.
............De Malhada do Porto de
Santa Cruz o primeiro pouso era na fazenda do capitão Tomé
Nunes, onde a caravana-real ficava por pouco tempo. Na seqüência,
a fazenda Juazeiro, Venda e Boca da Caatinga até chegar
à fazenda Curralinho para um descanso maior e com muito
mais conforto. Desse ponto vai até a fazenda da Passagem,
da Barra, da fazenda do Mija-Fogo, Marreco, Bemse-vê e Campinas
para, então, chegar à Vila de Nossa Senhora Mãe
de Deus e dos Homens de Monte Alto (Palmas de Monte Alto),
............Na segunda etapa do caminhada,
a caravana-real levantava cabana ainda no escuro. Tinha à
frente o belíssimo bloco de pedras denominado de Três
Irmãos, onde a tropa repousava para um lauto café
da manhã. Era preciso enfrentar o sol escaldante da caatinga.
Por isso uma parada rápida em Paga Tempo com destino à
fazenda Capim da Raiz. A viagem prossegue por Boqueirão,
Boa Vista e Brejo com parada obrigatória na fazenda da
Gameleira. O movimento comercial ali em Gameleira já era
intenso, haja vista a presença de padres recolhidos no
Hospício por força de lei criada pelo Marquês
de Pombal, em 1760. Do Hospício passavase pela fazenda
Escadinha e chegava-se na Vila Nova do Príncipe e Santana
de Caetité (Caetité). Aqui termina a segunda etapa
da
viagem da caravana-real.
............A terceira etapa da caminhada
iniciava na Vila Nova do Príncipe e Santana de Caetité.
Desse ponto passava-se na fazenda Santa Bárbara, e daí,
numa estica longa até a fazenda Lagoa Grande, para o descanso
dos animais. Na sequência, a viagem tornava-se custosa,
tendo em vista os caminhos íngremes que eram enfrentados
pela caravana-real. Uma parada mais longa se fazia na fazenda
Lagoa do Timotheo depois de passar por Brejo Sujo, Quebradas e
Juazeiro. Em Lagoa do Timotheo já existia a Igreja de São
Timóteo que é considerada uma das mais velhas do
interior do Brasil, juntamente com a Igreja de Parateca (Pareiatécá)
e a outra em Morrinhos (Matias Cardoso). De Cacimbas, Salitre,
Cova de Mandioca até a fazenda do Tabuleiro havia uma trégua
para os animais, tendo em vista a abundância de água
e a
existência de melhores pastos. Todavia, desse ponto em diante
a viagem tornava-se angustiante e ao mesmo tempo gratificante.
Angustiante pela dificuldade de vencer os cerros íngremes
e as passagens dos grandes rios – Tabuleiro e Brumado –
até a Vila Velha (Livramento de Nossa Senhora) e, gratificante
por causa das belezas naturais que a região sempre oferecia
aos tropeiros em viagem. Certamente que a Chapada Diamantina é
uma das regiões mais bonitas de todo o território
brasileiro.
............Por fim, a subida da
Serra da Vila Velha até a vila de Minas do Rio de Contas
(Rio de Contas), no alto da Chapada Diamantina, onde termina a
terceira etapa da viagem com destino à cidade de São
Salvador.
Igreja de São Temoteo, pouso que ficava
entre Caetité e Tranqueira, na Chapada
Diamantina/BA.
MONTES
CLAROS
Memória, Devoção e Milagres
Fabiano
Lopes de Paula
Cadeira N. 66
Patrono: José Lopes de carvalho
“Se
não usarmos o milagre que Deus nos deu hoje, ele se perderá
–
porque não pode ser guardado ou utilizado amanhã.”
Paulo
Coelho
............O valor quase mágico
de uma fórmula de uma oração se encontra
no poder que a mente do suplicante confere aos seus dizeres. É
inútil procurar graças fora daquele campo de energia,
pois, sem uma alquimia de fórmulas, parece impossível
conseguir o que ele pede, simplesmente porque os fundamentos da
crença estão centrados no reconhecidamente coletivo.
Assim este responsório reflete uma concepção
coletiva de que a recompensa de uma graça recebida se encontra
na disponibilidade de invocar:
“Dizem quem busca milagres
Que os enfermos sara, Antônio,
Afugenta o erro, a morte,
Calamidades, demônio...”
(Responso de Santo Antônio. COUTINHO, 2006, p.71).
............Essa quadra, inicialmente,
apresenta conteúdo de oração feita pelo povo;
trata-se, dentre outros, de rezas, responsórios em linguagem
simples, envolvente e popular que abrangem um tipo de ex-voto.
Os ex-votos são importantes ingredientes para a religião,
a história, o patrimônio cultural e ricos de interesse
para o turismo.
............É da própria
essência da vida humana a necessidade de fazer usos de símbolos
ou signos para expressar idéias, angústias, temores,
teorias. O estudioso da cultura popular se atém a uma análise
impregnada de carga simbólica de cultura materializada
ou exteriorizada, que, após socializada, não é
encontrada apenas nas mentes individuais, mas passa a fazer parte
do coletivo.
............Para a interpretação
de tais fatos, a Semiologia fornece modelos teóricos vinculados
a linguagens por constituir-se em ciência que estuda os
signos e os símbolos, objetos-base para a compreensão
da iconografia e iconologia. Esses dois assuntos são pertinentes
a este texto, cujo objetivo é apontar questões sobre
ex-voto, numa abordagem de conteúdo e forma e como se manifestam
nas cidades. É importante percebê-los no nosso cotidiano.
............A Semiologia estuda os
signos passíveis de serem visualizados em suas infinitas
formas, com auxílio de estudos interdisciplinares, principalmente,
a linguagem. O estudioso de ex-voto deve, dentre outros, voltar
seu olhar para a sua questão sígnica e simbólica,
o que requer leituras de documentos-testemunhos, já que
essa ciência permite ler, desvendar os aspectos signológicos
dos objetos.
............Segundo Umberto Eco,
ex-votos significam ”imperfeições, indícios,
sinal manifesto a partir do qual se podem tirar conclusões
e similares a respeito de qualquer coisa latente (...). Qualquer
processo visual que reproduza concretos, como o desenho de um
animal para comunicar o objeto ou o conceito correspondente”
(ECO, 1977, p. 15-16).
............Dessa forma um objeto,
como um pé de cera ou de madeira(cura de uma doença),
uma casinha (sinal de imunidade a
um incêndio por exemplo), uma muleta (símbolo de
enfermidade ou desenfermidade, mecha de cabelo, fotografias, quadros
narrando a história de cura, pingentes esculpidos em metais
das partes afetadas) numa sala de milagres possibilitam leituras
polidimensionais, pois trata-se de objetos sígnicos entre
o crente e a divindade, passíveis de serem lidos e interpretados,
num universo sensorial.
............Segundo (BOURDIEU, 2004,
p.8-9), determinações materiais e simbólicas
possuem uma complexa relação de interdependência,
atuam sobre as estruturas sociais e psicológicas do agente,
em situações historicamente contextualizadas. Um
fato concretizado pela fala de alguém ou a visão
de um fato ilustrativo de uma cura, reproduz e perpetua uma prática
social. Para ele, “para pensar o social, é preciso
ser um pouco artista, um pouco ousado e, sobretudo, muito subversor”,
afinal a Sociologia é um esporte de combate, é uma
arma a favor do conhecimento, da tomada de consciência e
da transformação da ordem.
............Assim, uma ocorrência
de cunho sobrenatural é uma forma de subversão à
ordem natural das coisas, ao conhecimento científico, ou
seja, uma subversão cognitiva. Representa a manifestação
de uma cultura pertencente ao campo da consagração
dos bens simbólicos, do desconhecido, desvestida de poder
material que pode concretamente decidir. Acreditar em fatos sobrenaturais
não deixa de ser uma forma de dominação,
diferente da força física ou do poder pelo dinheiro,
mas pelo mágico, por um jogo de forças que operam
no psiquismo do agente, que desafia a ordem natural dos fatos,
por um mundo cósmico de rezas, de dizeres miraculosos,
de ideologias. Do sagrado (BOURDIEU, 2004).
............Esse acreditar no que
vem do misterioso se traduz em formas simbólicas, concretas,
numa tentativa de materializar todas as recompensas recebidas,
de tornar visível os efeitos da crença no sagrado.
Artistas, desprovidos de fé ou não, materializam
em obras de arte fatos sobrenaturais em nome de sua capacidade
criativa. Assim registram, em forma de pinturas, esculturas e
objetos, imagens de santos, capelas, representações
de milagres, figuras destinadas a pagamento como agradecimento
por uma graça recebida.
Esses trabalhos, muitas vezes, passam a constituir peças
de museu e nelas se concentra toda um história mística
de uma situação espaço-temporal, datada,
que envolve agentes, produção mental de uma realidade,
fórmulas de oração, aspirações,
fé, enfim toda uma alquimia social, inexplicável
materialmente e que produziu seus efeitos. Basta, portanto, levar
tudo isso em consideração, para verificar a verdade
nesse campo de fluidos positivos e verificar, também, que
dos trabalhos artísticos emana uma energia socioespiritual
(BOURDIEU, 2004).
............Para o Museólogo
José Cláudio Alves de Oliveira, professor do Departamento
de Museologia da Universidade Federal da Bahia (UFBA) e coordenador
do projeto Ex-votos do Brasil, “[...] os ex-votos [...]
são documentos. Exposições provocadas por
todo o tipo de pessoas: camponeses, trabalhadores, desempregados,
turistas, estudantes, ricos e pobres. Refletem a crença,
a fé e as atitudes do homem, da vida, da doença,
da morte, da ambição, da festa, de variados valores
sociais, políticos e econômicos. Ao manter (e atualizar)
a tradição, essas pessoas se espelham no costume
de ir a um ambiente do povo rezar e fazer a desobriga” (OLIVEIRA,
2009, p.31).
............Todo esse acervo do ex-votos,
fornecido pelos “crentes”, passa a constituir o patrimônio
cultural de uma região, de um povo, de uma nação.
De acordo com (CHOAY, 2001), os ex-votos podem ser explicados,
tendo-se como base as estruturas familiares, econômicas
e jurídicas de uma sociedade estável, cujos efeitos
são atemporais e sem fronteiras.
............É dentro dessa
requalificação que se insere o adjetivo patrimônio
cultural, termo emergente, o qual está relacionado ao legado
que recebemos do passado no presente e transmitimos às
futuras gerações. O patrimônio é um
acervo de vida e inspiração, ponto de referência
para a identidade de um grupo, de um povo, de uma nação.
(UNESCO, 2007)1.
............No milagre se insere
a figura do “duplo”: de um lado, o mágico que
liberta o milagrado; de outro, as cargas maléficas que
aprisionam.
O beneficiador ou o milagreiro é deposto em lugar de destaque
e o agraciado, não importa a sua identificação
e, sim, a fixação do essencial, fortalecido pelas
velas votivas, ofertas de flores, esmolas para manutenção
dos cultos. Dessa forma, os agraciados passaram a freqüentar
as salas de milagres e nas adjacências surgiram comércios
como fomento do ex-voto, medalhas, garrafas de água benta
ou de fonte milagrosa, flores que tocaram a imagem e os famosos
riscadores de milagres.
............O catolicismo chegou
ao Brasil por intermédio dos portugueses que trouxeram
a religião voltada para o culto aos santos e divindades.
A construção de ermidas aqui era impregnada de confiança
em devoções e não com a prática de
culto a Deus em primeiro plano. Essa tradição propagou-se
entre os fiéis e deu origem a cultos organizados, o que
induziu os crentes à construção de santuários,
como os que temos hoje (SILVA, 1981).
............A “sala dos milagres”
do Santuário de Aparecida do Norte, por exemplo, lembra,
de imediato, a idéia de promessas, de graças recebidas
e de todo um psiquismo de fé, de esperança e de
força que move multidões e favorece o aumento da
busca pelo espiritual, por aquilo que se encontra além
da concretude. Os elementos que comprovam os milagres e as graças
recebidas são demonstrações de que o transcendental
tem um papel decisivo na vida das pessoas e as move não
só pela busca, mas também pela gratidão que
se manifesta em pagamentos e solicitações por meio
de objetos.
............Assim os ex-votos se
confirmam por meio de uma série de elementos representativos
das mais diferentes formas de agradecer e de esperar. Constituem
uma verdadeira profusão de mensagens linguísticas,
iconográficas, fotográficas, bibliográficas,
que semiologicamente se pode definir a que ciência esse
material poderá servir de estudo e como interpretá-lo
como significado cultural, porque cada objeto oferece não
uma leitura unívoca, mas uma leitura plurissignificativa.
Os ex-votos formam um círculo que nunca completam sua trajetória:
são promessas cumpridas e a serem cumpridas, são
fés que se renovam a cada novo pedido e a cada novo atendimento,
são depoimentos que expressam verdades ou mentiras; o amor
ou o ódio; a arte ou o grotesco; o sagrado ou o profano;
o útil ou o desprezível. Tudo possui um valor simbólico
diferente para cada um ((SILVA, 1981).
............O termo ex-voto é
uma abreviação latina que significa “o voto
realizado”. Refere-se a pinturas, estatuetas e a variados
objetos ou edifícios doados às divindades como forma
de agradecimento por um pedido atendido. São manifestações
artísticoreligiosas ligadas diretamente a artes religiosas
e populares, constituindo centro de interesse e de pesquisa aos
historiadores da arte e da cultura, arqueólogos e antropólogos.
As motivações do presente votivo se manifestam em
favor da proteção contra catástrofes naturais,
cura de doenças, recuperação em virtude de
sofrimentos amorosos, acidentes e dificuldades financeiras, dentre
outros. O voto feito aos deuses, por sua vez, também adquire
formas muito diversas: placa, maquete ou pintura descrevendo os
motivos da promessa, ou pequenas réplicas (de barro, madeira
ou cera) das partes do corpo afetadas por moléstias (perna,
cabeça, mão, coração, etc.), chamadas
por alguns de “ex-votos anatômicos”. Há
também “ex-votos marinhos”, principalmente
oriundos de regiões litorâneas, que, em forma de
barcos, são colocados em locais públicos - capelas
ou sala de milagres. Tudo isso representa uma troca com o divino.
É uma prática que se manifesta, artística
e ritualmente, em todas as épocas e culturas (OLIVEIRA,
2009. http://www.revistamuseu.com.br).
............Quanto à origem
do ex-votos, algumas fontes localizam-na entre os fenícios.
Já aparecerm manifestações nas religiões
précristãs e pré-islâmicas da Ásia
Menor, norte da África, e povos mediterrâneos, da
Europa ocidental e central. Encontram-se, também, formas
comparáveis ou idênticas em tradições
recentes e populares da Índia, Tibet, China e Japão.
Essa tradição se dissemina nas Américas do
Sul e Central, entre a colonização portuguesa e
espanhola, e as missões católicas romanas. Na Idade
Média, o ex-voto constitui hábito da nobreza, que
encomenda os objetos votivos - em geral pinturas - a artistas
conhecidos. “Até o século XVI,
o ex-voto pintado se mantém preferencialmente relacionado
às classes mais abastadas; e, a partir desse período,
as imagens votivas se disseminam pelo mundo ocidental, aparecendo
cada vez mais em imagens populares.2”
............Para (SCARANO, 2004),
a locução latina ex-voto, em seu sentido amplo,
significa o pagamento de algo pela graça recebida. Isso
quer dizer que, diante de uma situação de perigo
vencido, há uma manifestação de gratidão
e, consequentemente, de agradecimento. Ex-voto traduz uma idéia
de eterno agradecimento de algo que já ocorreu, mas seus
efeitos, em forma de milagre, partem do individual ou de um pequeno
grupo e atingem o coletivo e se prolongam pela eternidade.
............Essa autora diz, ainda,
que essa idéia de milagre ou de manifestação
do poder de Deus, ou seja, da vitória sobre o mal está
contida nos Evangelhos, não só no de Lucas, mas
de todos os outros evangelistas. Neles há a manifestação
de dois mundos antagônicos, da luta contra o Bem e o Mal
que são separados por intervenção de Cristo,
separando dois mundos, como se fosse no juízo final. Os
ex-votos significam, aos olhos dos humanos, uma forma de dominar
ou controlar o mal. Trata-se de designação erudita
na qual se enquadram os Milagres e Promessas dos crentes, daí
seu interesse antropológico. O ex-voto, quase sempre, é
passível de ser integrado em outros contextos, como museus,
coleções particulares, galerias de arte, residências
e esse fato torna o objeto fonte de informações,
para o qual contribuem o conhecimento e a sensibilidade de vários
especialistas.
............“Voto e ex-voto
são práticas universais cujas raízes se perdem
na faixa do tempo em que magia e religião ainda não
se distinguiam no enquadramento da práxis do misticismo.
Constituem manifestações paralitúrgicas de
relacionamento com a divindade (ou seus agentes). O voto caracteriza-se
como ato propiciatório anterior à graça ou
mercê desejada (...) Ex-voto é, portanto, uma prática
desobrigatória posterior à graça alcançada,
como testemunho
público, (...) não só da força milagreira
da divindade (ou seus agentes), mas também da gratidão
do milagrado (SILVA, 1981).
............Em 1938, o escritor modernista,
Mário de Andrade, então diretor do Departamento
de Cultura de São Paulo, empreendeu a realização
de importante pesquisa de campo com o objetivo de documentar a
música popular nordestina. A nascente Diretoria de Patrimônio
Histórico e Artístico (IPHAN) realizou, paralelamente,
trabalhos no sentido de levantar arquiteturas e costumes regionais.
Entre eles se encontrava Luís Saia, um dos integrantes
da diretoria, que encontrou, na cidade de Meirim, próxima
à cachoeira de Paulo Afonso, numa capela, pertencente a
núcleos remanescentes indígenas, uma cabeça
de madeira, que atribuiu ter pertencido a alguma imagem de roca3.
Visitou Tacaratu, Itabaiana, Areia e Alagoa Grande e, nos cruzeiros,
encontrou objetos representativos de Milagres. Essa primeira leva
de Milagre foi levada à Discoteca Pública Municipal
de São Paulo e constituiu junto a outras peças o
primeiro conjunto de documentação popular e regional
(SILVA, 1981).
............O ex-voto é amplamente
realizado até hoje, em todo o mundo. No Brasil, trata-se
de uma tradição que remonta ao século XVIII
e ao ex-voto pintado do convento de Santo Antônio de Igaraçu,
em Pernambuco, procedente da antiga igreja de São Cosme
e Damião, 1729. Nele se encontra relatada a epidemia da
peste que atinge o Estado em 1685, e que não teria alcançado
a cidade em razão da promessa feita pela população.
Em Salvador, no mosteiro de São Bento, encontra-se a pintura
de 1745, que representa a figura daquele beneficiado pelo milagre,
Agostinho Pereira da Silva, que teria escapado de ladrões
em razão da promessa feita a Nossa Senhora dos Remédios.
No Museu do Estado de Pernambuco, é possível ver
três painéis, datados de 1709, representando as batalhas
dos montes Guararapes e das Tabocas, e o apelo feito a Nossa Senhora
dos Prazeres. Ex-votos esculpidos em madeira se fazem presentes
em diversos Estados do Nordeste brasileiro, principalmente Piauí,
Ceará e Rio Grande do Norte (idem).
___________________________
3 - Imagem destinada a receber vestimentas. Tronco
e braços repousam em
armação de madeira em forma de cone.
___________________________________
............Na Bahia, no interior
de uma caverna, num penedo, junto ao rio S. Francisco, tem-se
a Capela de Bom Jesus da Lapa que reúne fiéis tanto
da Bahia quanto do norte de Minas. Em Minas Gerais, existem várias
capelas votivas do século XVIII, dentre as quais se destacam:
O Santuário de Bom Jesus de Matosinhos em Congonhas e a
Capela de Nossa Senhora do Ó em Sabará.
............A intenção
do ex-voto é a de trazer o céu à terra: isso
significa que o homem, em sua pequenez e insignificância,
diante dos males e angústias que o assolam, faz seu pedido
por intermédio de um santo que o leva a Deus, que é
o autor dos milagres, mas o personagem principal é o santo,
porque dele depende a aceitação do pedido. A fé,
mais do que outro merecimento, é que faz acontecer o milagre,
a concessão do pedido, mesmo que o suplicante seja o maior
pecador do mundo.
............Alguns santos são
conhecidos por curarem determinados males ou por resolverem determinadas
situações. Como exemplos, dentre muitos outros,
temos S. Brás, protetor da garganta, capaz de curar seus
males; S. Roque, livra os crentes da peste,
São Bento protege contra bichos peçonhentos e Santa
Luzia é protetora dos olhos, São Gonçalo
do Amarante, protetor das moças solteiras. Outros, inicialmente,
específicos de certas classes sociais, como no caso de
São Benedito, Nossa Senhora do Rosário e Santa Efigênia,
santos dos escravos, mas oragos, como quaisquer outros, que atendem
indistintamente a toda as classes sociais.
............Esta música narra
um episódio em que força da crença vem o
socorro provocado pela fé. Certamente, o fato pode não
ter acontecido e não se sabe se em Montes Claros de Minas
ou Montes Claros de Goiás. Não importa. Essa oralidade
e essa cultura popular é que fortalece as crendices.
O
GRANDE MILAGRE
(Mococa e Moraci)
Lá perto de Montes Claros na fazenda do Simão.
Alí existe uma estátua com um chicote na mão.
Dizem que há muitos anos no tempo da ecravidão.
Existia um fazendeiro que fazia prisioneira,
As famílias do sertão.
O homem e seus capangas matavam sem piedade.
Quem tentasse uma fuga da fazenda Soledade.
O povo morria a míngua com uma esperança em vão.
Quem reclamasse apanhava o seu chicote estalava,
Na maior judiação.
Um velho já bem cansado cuidava de seu netinho.
Fazia oração chorando pra salvar o menininho.
Ao ver a criança pedir vovô não me deixe morrer.
Sai co’o menino doente pediu na fazenda urgente,
Ajude meu neto a viver.
O carrasco olhou o velho que ajoelhado ao chão.
Nos braços o seu netinho implorava compaixão.
Mais na hora o fazendeiro foi em cima do velhinho.
Que ao levantar o chicote o velho sentiu a morte,
E abraçou-se ao netinho.
O menino amedrontado chamou sua mãe querida.
Proteja vovô lhe peço: Ó Senhora Aparecida.
O milagre aconteceu foi uma grande explosão.
O fazendeiro malvado alí ele foi tranformado,
Numa estátua e chicote na mão.
“COMO
NO CÉU.”
............As questões que
afetam os suplicantes são as do cotidiano. Por vezes, no
imaginário popular, adquire-se uma intimidade com o sagrado,
o céu e a terra são próximos e este caminho
é uma certeza., Buscamos numa informação
oral presenciada por Virginia de Paula, onde a oração
Pai Nosso é assim rezado “Asso na Terra e como no
Céu”. Este pequeno recorte demonstra que no
imaginário popular transitamos em dois mundos, o paraiso
celeste, que nos recompensa pelos nossos feitos e o mundo terreno,
onde nos sujeitamos às privações cotidianas
e nos preparamos para um estágio celestial posterior. O
tipo de linguagem usada não importa, para o santo invocado
a fórmula não interfere na graça a ser concedida,
o que conta é a força da fé e a convicção
do atendimento.
............O Pe. Simão de
Vasconcelos, autor da “Crônica da Companhia de Jesus
no Estado do Brasil”, narrou um milagre ocorrido, durante
uma viagem de José de Anchieta que, por intercessão
da Virgem, cuja festa se celebraria no dia seguinte, salvou-se
de ondas furiosas e ventos, mantendo a Virgem firme em suas mãos
a quem implorara proteção para os náufragos.
Com essa bagagem cultural dos colonos lusos, chegou ao Brasil
o catolicismo tradicional ou popular, “trazendo em seu bojo
o trato intimista com a divindade e santos”.
............Renato Teixeira, na composição
musical “Romaria”, narra de forma simples, numa linguagem
que traduz os anseios dos crentes, o motivo da romaria em busca
de Nossa Senhora Aparecida: luz e paz para sua vida, tudo isso
pelo fato de ouvir de outros os poderes da Virgem, sinal de que
a fé se propaga pela força do pensamento positivo
e de boca em boca:
“(...)
Sou caipira,
Pirapora NossaSenhora de Aparecida
Ilumina a mina escura e funda
O trem da minha vida
O meu pai foi peão, minha mãe solidão
Meus irmãos perderam-se na vida
Em busca de aventuras
Descasei, joguei, investi, desisti
Se há sorte eu não sei, nunca vi
Me disseram porém que eu viesse aqui
Pra pedir de romaria e prece
Paz nos desaventos
Como eu não sei rezar, só queria mostrar
Meu olhar, meu olhar, meu olhar.”
............A necessidade de contato
direto com o divino, de cultuar o mito da imortalidade, se manifesta
nessa cantiga que retrata os anseios do humano em ter melhor sorte,
saúde perfeita, paz para si mesmo e para os seus. Sua forma
de agradar se manifesta em sua fé e, em outras palavras,
em seu olhar, como diz a cantiga.
............São famosas as
romarias que se realizam pelo Brasil. Esses dizeres mantêm
um pacto do mito com o orante: a recompensa e a salvação:
............“Vocês que
vêm de suas terras distantes do Sul de Alagoas e Pernambuco,
dos Brejos da Paraíba, das praias do Rio Grande do Norte
e deste Estado, ou dos longínquos sertões do Piauí,
Maranhão e Bahia, sofrendo privações, a fome,
a sede, o sol e as intempéries dos longos caminhos, tudo
por amor a visitar Nossa Senhora das Dores e o padre Velho do
Juazeiro, fiquem certos de que a mãe de Deus recompensará
a todos. E quanto a mim, não acreditem no que propalam
dizendo. E nem o Satanás, nem os homens do Satanás
têm o poder para me tirar desta cidade, a qual só
deixarei quando completar a salvação de vocês
todos” (Pe. Cícero Romão Batista, citado por
Dinis M., 1935:34)4.
............Nessa fala, pode-se notar
que a promessa de Pe. Cícero feita ao povo fomenta a perenidade
da salvação eterna.
............Na freguesia de Quintela,
Portugal, no alto da serra, fica o Santuário de Nossa Senhora
da Lapa. Suas origens datam do século XVI e a romaria mais
importante em sua honra é realizada todos os anos, no dia
15 de agosto. É famoso o milagre de Nossa Senhora da Lapa
em favor da pastorinha Joana, muda de nascença, que um
dia, ao caminhar “pelos montes e rochas da Serra da Lapa,
encontrou uma imagem da Virgem, guardou-a e apegouse com tamanho
carinho a ela que nunca ia a lado nenhum sem ela. Num dia de inverno,
Joana rezava junto da imagem quando, sem se aperceber do motivo,
a sua mãe, irritada, pegou na imagem e arremessou-a para
o fogo. Nesse momento aconteceram dois
milagres, a menina muda de nascença gritou: ‘Ó,
minha mãe! Que fez a minha mãe?! Quer queimar a
Senhora da Lapa?!’ e nesse mesmo instante o fogo afastou-se
da imagem como se a estivesse a proteger.5”
___________________________________________
4 - http://redalyc.Uaemex.mx/pdf.
5 - http://www.geocaching.com/see/seek/cache_detailsaspx?gid
___________________________________________
............No Brasil, Nossa Senhora
da Lapa é padroeira da diocese de Araçuaí,
MG. Sua festa é considerada o maior evento religioso da
região. Todos os anos, a fé consegue reunir milhares
de fiéis naquele local.
............São muitos outros
os centros de peregrinação no Brasil a que acorrem
os romeiros: Nossa Senhora de Nazaré, em Belém do
Pará; São Francisco de Canindé, na cidade
do mesmo nome, no Ceará; Senhor do Bonfim em Salvador e
Bom Jesus da Lapa também na Bahia, Nossa Senhora de Aparecida
e Bom Jesus de Pirapora, ambos em São Paulo. Os romeiros
conseguem chegar a esses lugares a pé, de bicicleta, a
cavalo, em pau de arara, de charrete, em carro-de-bois, moto,
ônibus, caminhão. Alguns equilibram pedras na cabeça,
vão descalços, sobem imensas escadas de joelhos,
outros arrastam cruzes, não medem, enfim, sacrifícios,
tudo para pagar uma promessa, implorar uma graça, ou agradecer
um pedido atendido.
............Em Goiás temos:
Santuário do Divino Pai Eterno e Nossa Senhora do Muquém,
grandes centros de peregrinação.
ROSÁRIO
............Em Minas Gerais, festa
de Rosário no Serro; de São Sebastião em
Campo Azul; de Nossa Senhora do Rosário dos Homens Pretos,
em Chapada do Norte; de São Geraldo Magela em Curvelo;
de Nossa Senhora da Piedade em Caeté; de Bom Jesus do Matosinhos,
em Congonhas, Nossa Senhora da Abadia, no Triângulo Mineiro.
............Assim o ex-voto conta
com dupla face: ao mesmo tempo que se trata de um costume arcaico,
é atual e altamente importante na vida
das pessoas que, pela fé, cultuam os santos e os consideram
porta de entrada para a recepção das graças
suplicadas. Para o milagrado, quanto mais remota é a história
de uma intercessão divina, mais favorece o incremento da
fé e mais atual se torna a vinculação entre
o devoto e o santo invocado.
............Esse assunto, pela sua
dimensão, é matéria de interesse aos estudos
sociais, artísticos, antropológicos, religiosos
em que há um misto de fé, devoção
popular, costumes regionais, que atravessam os tempos, porque
o universo da crença se liga a necessidades inseparáveis:
à necessidade do produto e das práticas como testemunho
dos resultados obtidos.
MONTES
CLAROS: FÉ, RELIGIOSIDADE,
DEVOÇÃO E SEUS EX-VOTOS
............Região do sertão
norte-mineiro, como a maioria das cidades mineiras, tem seus ex-votos
incorporados à atual cidade, como sinal de fé, humildade
e gratidão.
............Montes Claros não
surgiu por acaso, mas das raízes da fé; teve seu
inicio num ato votivo. Em 18 de junho de 1769, o casal José
Lopes de Carvalho, que doou uma gleba, onde se construiu uma nova
capela, cujos oragos seriam Nossa Senhora da Conceição
e São José. A licença para a nova construção
foi requerida ao Visitador-Geral do Sertão Alto e Minas
Novas do Arassuahy, também Juiz de Justificações
e Dispensas, o Reverendíssimo Senhor Doutor Silvestre da
Silva Carvalho. A antiga fora erigida por Gonçalves Figueira.
Dessa gleba concretizou-se um patrimônio de culto da fé,
de pedidos, súplicas e agradecimentos. Local de deposição
de seus ex-votos e de encontro do crente com os seus santos intercessores.
............Nesse caldeamento de
religiosidade e terreno de uma légua de largura, por légua
e meia de comprimento, surgiu a Montes Claros, que hoje conhecemos.
Abençoada em seu viver pelos seus padroeiros e pelo labor
de seu povo; persistente e fiel a seusprincípios.
A maior cidade do norte mineiro, poderia ser dito no ufanismo
do montesclarense, em crença, em esperança, em canções
de louvor, já que a religiosidade se solidificou em suas
bases.
............Essa vila emergente torna-se
cidade no ano de 1857. A então Vila de Formigas passa a
ser sede de paróquia, tornando modesta a pequena capela
erigida por Lopes de Carvalho. A partir dessa data, não
foram medidos esforços na construção de um
templo maior. Essa construção, concluída
em 1880, mobilizou a comunidade de Formigas, agora cidade de Montes
Claros, mas, ao se acenderem as luzes das velas nessa nova igreja,
a fé de seu povo já se encontrava arraigada desde
os primórdios da cidade e o que ocorre é o recrudescimento
da crença e o aparecimento de novas, num círculo
cujas pontas são entrelaçadas pela chama sagrada
da fé.
............Essa igreja atendeu aos
fiéis e arregimentou a religiosidade do povo até
os anos 40 do século XX, quando teve início a construção
do templo que aí está, cujo término se deu
na década seguinte. A comunidade de Montes Claros, motivada
pela boa vontade e gratuidade, desejou erigir um templo que pudesse
abrigar os fiéis, já mais numerosos, com seus anseios,
dúvidas e devoção e o fez. Esse feito, uma
vez mais, demonstra a força de mobilização
da comunidade.
............Famílias, numa
relação de comunhão entre si, revezavamse
no fazer do processo histórico-social, cultural e religioso
da cidade, na construção dos altares e na doação
de imagens e alfaias. A família Lopes, seguindo uma tradição
herdada desde o Alferes Lopes de Carvalho, incumbiu-se do altar-
mor. Os custos da construção foram cobertos por
donativos dos descendentes do alferes. É possível
que ainda existam as placas em cada altar referenciando as famílias
beneméritas.
............Movimentos similares
nesta construção de espaços consagrados devem
ser aqui assinalados. Segundo Hermes de Paula, em sua obra Montes
Claros, sua Gente e seus Costumes, o Santuário do Bom Jesus
foi erigido pela benemerência de alguns cidadãos
montesclarenses, liderados pelo Sr. Milimias Alves Teixeira, que
inicialmente ergueram a Capela da Cruz das Almas, manifestação
devocional muito presente em Portugal, porém aqui, em Minas
Gerais, em número bem pequeno. Diversas famílias
tiveram participação nessa iniciativa, como Sebastião
Petronilho, Olegário Miranda, Antonio Ferreira e sua mãe
D. Guilhermina. Antonio Zuba ofereceu uma imagem de Nossa Senhora
Aparecida em 1922 e D. Miquita Soares Costa introduziu as imagens
do Sagrado Coração de Jesus, do Bom Jesus e fez,
inclusive, um trono para a Sagrada Família. Colaboram,
ainda, as famílias João Campos, Antônio Vieira
e Francisco Peres Durães. O templo reconstruído
levou o nome de Santuário de Bom Jesus.
............Outra iniciativa de mérito
e manifestação de crença na força
divina é o conjunto religioso erigido por Pedro Xavier
de Mendonça no bairro Santos Reis. Foi edificada, em terrenos
de sua propriedade, a capela de Santos Reis, tendo ao lado uma
gruta artificial onde se encontra exposto um presépio permanente.
Este santuário tem um caráter singular por concentrar
os foliões da festa de Reis, celebrados nos finais de anos
até o dia 6 de janeiro. Tornou-se um local de manifestação
e de identidade das festas de Reis e das pastorinhas. Exerce um
papel fundamental na perpetuação das festas religiosas
e do folclore da cidade. Por si só este local merece uma
atenção especial quanto à preservação
do lugar para a continuidade das celebrações. Pedro
Mendonça, entusiasta e conhecedor da importância
da conservação da cultura, cuidou para que as festas
de Reis, nem das Pastorinhas desaparecessem do cenário
de Montes Claros. Manteve, por muitos anos, grupos de foliões
e pastorinhas, além de escrever peças teatrais.
CUMPRIMENTO
DE EX-VOTOS
............A igreja dos Morrinhos
é um ex- voto. D. Germana Maria de Olinda abriu uma subscrição
para angariar esmolas para a construção de uma capela,
que foi inaugurada dois anos após, em 1886
e sobrevive até os nossos dias. A invocação
é de Nosso Senhor do Bonfim, cuja imagem foi ofertada por
Antonio Augusto Veloso. Essa capela chamou-se inicialmente de
Capela de Santa Cruz (PAULA, 1957.
............O caráter votivo
da capela perdurou por gerações seguintes. Ainda,
segundo Paula, em 1930, Dr. Marciano Alves Maurício, para
o pagamento de uma promessa, fez nela obras reparadoras, destituindo-a
da singeleza peculiar de um projeto despretensioso, mas harmônico,
de autoria do engenheiro Frances Dr Caillaud. A destituição
de suas telhas de bica por telhas francesas e a colocação
de uma estátua do Cristo Redentor em uma de suas torres,
descaracterizaram-na. Intervenção não do
agrado da população. Paula ainda complementa a história
da capela. Em 1946, damas rotarianas solicitaram ao engenheiro
Demóstenes Rockert, responsável pela rede ferroviária,
a volta da capela ao seu estilo arquitetônico original.
As obras foram conduzidas por Abelard Câmara, e, em pouco
mais de um ano, a igreja voltara a sua feição normal.
O Cristo Redentor fora colocado ao lado do templo. O cruzeiro,
que ali se encontrava, em 1883, por obra dos Missionários,
foi remodelado por Zino Oliva com todos os martírios de
Cristo.
............O Sr Levi Pimenta, em
agradecimento a uma graça alcançada, contemplado
por uma sorte grande na loteria federal, doou um harmônio
à igreja. Uma vez mais, outros elementos votivos foram
agregados à capela. A idéia do imaginário
do milagre tende a se socializar cada vez mais, sai do individual
e atinge o coletivo. Certamente outras capelas foram edificadas,
motivadas pelo pagamento de promessas.
DEVOÇÃO
E RECIPROCIDADE
............Variadas são as
formas de comprometimento, da promessa e de como saldar esta dívida.
Tudo depende da cultura de cada um e do modo de encarar a aflição
decorrente do problema. O ato
de cumprir, da forma como o prometido, estabelece o fim de um
acordo tácito, a obrigação do fazer. A oferenda
pode ser tanto algo construído como a materialização
do próprio sacrifício. Não importa o que
seja, o que vale é a satisfação do cumprimento
do voto, numa relação de pedido e oferta. Pode ser
tanto uma igreja construída às expensas do fiel
ou de sua incumbência de mediar ou angariar fundos para
o almejado.
............Era comum também
a aquisição, seja por compra imediata ou encomenda,
de esculturas ou de quadros com a representação
da graça alcançada, cenas materializadas por um
artista, que, em algumas regiões do Brasil, são
conhecidos como riscadores de milagres.
............A fotografia muito auxiliou,
favorecendo a instantânea reprodutibilidade de um ato de
fé, pela possibilidade de comprovação do
pagamento da promessa. Retratos em frente aos templos ou nas barracas
dos fotógrafos serviam não só como lembrança,
mas como um ex-voto, a quitação do compromisso e,
ao mesmo tempo, de propaganda do trabalho realizado pelo profissional,
comércio necessário, como forma de possibilidade
de concretização de uma graça.
............Cassimiro Xavier de Mendonça
e sua esposa, Josefina Teixeira de Carvalho, com muita antecedência
preparavam a romaria para Bom Jesus da Lapa, na Bahia. Os teréns
ajeitados, as mulas arriadas com as bruacas cheias de mantimentos,
cuidados pelo cozinheiro da tropa. Os bentinhos bem cuidados para
serem depositados na sala de milagres. A viagem durava por volta
de trinta curtos dias. Sem nenhuma pressa, pousavam nos belos
lugares dos “gerais encontrados”, poderia ser à
beira de um rio, numa sombra de uma gameleira, ou numa casa de
moradores. O arrieiro desmontava a tropa, o cozinheiro no inicio
da tarde iniciava o “de comer”, para ser apreciado
às 4 ou 5 da tarde. Esse ritual fazia parte da romaria
e consistia no principal alimento, ou seja, o elemento propiciatório
para a chegada final – momento de emoção pelo
cumprimento da promessa.
............Em outros tempos, em
meados da década de 60, participamos de uma romaria a Bom
Jesus da Lapa. Organizada por Vitalina Lopes que, fervorosamente,
levou seus filhos e netos para pagamento de uma promessa em família.
Levou junto objetos, fotos e outras encomendas como “pagas”
de promessas de vizinhos e amigos.
............Há, ainda, oferendas
que materializam a trajetória do ritual, a resignação
e a humildade. Acontece, principalmente, quando se promete cortar
os cabelos junto ao altar depois de um determinado tempo de privação.
Hermes de Paula teve seus cabelos trançados cortados junto
ao altar de Bom Jesus da Lapa. O mesmo aconteceu com Luiz de Paula,
que por promessa de sua mãe cultivou por muitos anos longas
madeixas.
............Em Montes Claros acontece
um outro tipo de pagamento de promessa, muito comum. Pode-se chamar
até de ex voto efêmero, pois a resignação
do sacrifício termina com o patrocínio ou participação
nas festas de agosto. Festeiros cumprem o prometido aos santos
como integrante direto, ou seja, como patrocinador, dançante
ou mesmo colocando os filhos no cortejo imperial, do Divino, São
Benedito ou Nossa Senhora do Rosário. Nas décadas
primeiras do século XX, por muitos anos, a festa se concentrou
na “rua de Baixo”, pois as famílias ali residentes,
incluindo a numerosa Lopes, que fazia sucessivas promessas e,
por esse motivo, sempre havia crianças dessa família
participando dos três reinados. Parte dessa devoção
talvez se devesse às relações de amizade
e convivência com os promotores da festa de São Benedito,
Maria e Antonio de Custodinha, que, pela sua descendência
de escravos, mantêm através de sua geração
a festa.
............Existem, também,
outros ex-votos, iniciativas de promessas particulares que foram
incorporadas ao acervo dos templos religiosos. Na Matriz Nossa
Senhora e São José, há uma Nossa Senhora
do Carmo, que foi adquirida por Joana Xavier de Mendonça,
em pagamento de promessa. Ela foi levada a pé ao templo
por Joana e pelo seu sobrinho, Cassimiro de Paula Ferreira, na
década de 40, do século XX. Joaquina de Paula, irmã
de Joana, católica, cumpriu
o prometido dotando o templo de dois anjos tocheiros que se encontram
no altar principal da igreja Matriz. Essa mesma senhora, em agradecimento,
doou, como pagamento de promessa e de ação de graças,
uma imagem de Santa Terezinha que se encontrava na recepção
do hospital Santa Terezinha.
............Os donativos, quase sempre
sinais de ex-votos, partem de significados pessoais e cumprem
o seu papel. Na Matriz existia uma imagem do Menino Jesus que,
a cada promessa alcançada por sua intercesssão,
ganhava uma nova vestimenta. Esse hábito
de adornar os santos é muito comum nas igrejas brasileiras,
e principalmente nas mineiras. Sua origem remonta ao imaginário
religioso europeu. Muitas das imagens eram adornadas com joias,
roupas e repinturas em pagamento de promessas. No Brasil temos
exemplos dessa fé inabalável até mutilações
de imagens, cujas partes só eram devolvidas após
o recebimento da graça..
............A antiga igreja do Rosário
exerce um papel de congregar elementos votivos e práticas
religiosas e folclóricas. Mesmo após sua demolição,
o local onde foi edificado o novo templo, rescende lembrança
de uma história vinculada àquele pedaço de
cidade, tornou-se sagrado, sendo nos dias de hoje um lugar vital
para a manutenção das festas de agosto.
............Pela sua grandiosidade,
por suas tradições, pela cultura que encerra em
suas igrejas, construções e, sobretudo, pelo magnetismo
da fé transmitido pelos objetos, imagens, pelas manifestações
de ex-votos e por tudo que incutiu em nós, seus filhos
montesclarenses, é um dever rememorar seus benfeitores
e seus feitos, pois a grandiosidade de Montes Claros canta em
nós, a vida inteira, em todo o nosso ser.
REFERÊNCIAS
BOURDIEU, Pierre. A produção da Crença:
contribuição para uma economia dos bens simbólicos.
São Paulo: Zouk, 2004.
CHOAY, Françoise. A alegoria do patrimônio.
São Paulo:.UNESP, 2001
COUTINHO, Maria Luiza. O vale dos pirilampos.
Belo Horizonte: O Lutador, 2006.
ECO, Umberto. O signo. Lisboa: Progresso, 1977.
OLIVEIRA, José Cláudio Alves de. Forma
e conteúdo. Revista de História da Biblioteca
Nacional. Ano 4, nº 41, fev. 2009, p. 30-31.2009, p.31.
Disponível em: >http://www.revistamuseu.com. br <
Acesso em 29 out. 2010.
PAULA, Hermes Augusto. Montes Claros, sua
história, sua gente, seus costumes. Rio de Janeiro,
1957.
SCARANO, Julita. Fé e milagre: ex-votos
pintados em madeira: séculos XVIII e XIX. São
Paulo: Universidade de Sâo Paulo, 2004.
SILVA, Maria Augusta Machado da. Ex-votos e orantes
no Brasil. Rio de janeiro: Museu Histórico Nacional,
1981.
Valladares, Clarivaldo do Prado. Os riscadores de milagres.
Rio de Janeiro: Vida Doméstica Ltda. 1967.
A
ARTE DE KONSTANTIN CHRISTOFF
Felicidade
Patrocínio
Cadeira N. 20
Patrono: Camilo Prates
............Na obra de Konstantin
Christoff vamos encontrar aquilo que se define por “ grande
arte, ”originada no paradoxo da criação de
um artista, ao mesmo tempo médico e filósofo, que
queria ser apenas um marinheiro. Sua obra retrata bem a posição
atual do artista que faz duas artes, uma para as galerias, para
vender, na reverência inevitável ao capitalismo,
paralelo a arte filosófica, museológica, que instiga
e provoca o espectador exigindo reflexão. É uma
arte que “faz ver” não só a si própria,
mas ao mundo que a originou.
............Konstantin Cristoff,
o pintor búlgaro montes-clarense, queria ser apenas um
marinheiro. Disse-o muitas vezes a mim, em diálogos substanciosos
e agradáveis, que temos tido ao longo da nossa amizade.
No entanto, dotado de genialidade não conseguiu fugir aos
apelos do talento artístico. A capacidade intuitiva e seu
especial entendimento do mundo, levaram-no à uma vasta
obra. E assim, de maneira singular retorna ao marinheiro que sempre
quis ser, consumando o seu sonho. Só que os mares navegados
são outros. Ao adotar o sertão para viver, sua navegação
se voltará para as paisagens do cerrado e para os oceanos
infindáveis da
alma humana, ambos, registrados, nas telas grandiosas do seu “diário
de bordo.”
............Observando e refletindo
a obra desse pintor, que às vezes se faz filósofo,
ratificamos uma proposição que há muito defendemos,
a de que Arte e Filosofia são a mesma coisa, o que uma
diz a outra mostra. Nota-se que a obra de arte se constitui no
trânsito entre pensamento, imaginação e os
fenômenos da realidade exterior, e os seus agentes, à
semelhança dos filósofos destacamse pelas problematizações
de questões vitais para a humanidade. Nestes aspectos Konstantin
marca de maneira feliz a nossa contemporaneidade. Que o digam
os seus monumentais quadros da Auto-retratologia, da Via-Sacra,
Viagem à América e Pecados Capitais, obras de grande
beleza e ousada concepção, que registram e criticam
de forma universal o homem pós-moderno. O homem que, indiferente
à ética e desconhecido de si mesmo, vai-se fazendo
cada vez mais produto do capitalismo exacerbado, do bombardeio
incessante da mídia e da subsunção irrefletiva
à tecnologia e consumismo.
DADOS DA SUA VIDA
............Nascido em Strajitza,
Bulgária, a 18 de junho de 1923, Konstantin Raelf Christoff
entrou pelo sertão norte-mineiro quando ainda era menino,
10 anos de idade, acompanhando a mãe, Russa Christova,
e o irmão mais velho, Rayo. Vinham ao encontro do pai,
Christo Raelf Christoff, anarquista militante que por motivos
de segurança necessitara se ausentar da terra pátria.
Com o reencontro da família búlgara em solo sertanejo,
é Montes Claros que passa por bem-vinda mudança
de hábitos alimentares. Isso porque, percebendo que as
hortaliças na cidade restringiam-se a tomatinhos siltres,
maxixes, abóboras, couve e quiabo, Christo e sua família,
investem no cultivo de hortas de onde começam a sair cenouras,
rabanetes, beterrabas, nabos, berinjelas, pimentões, tomates
gigantescos para a época, os quais comercializavam nas
feiras do desaparecido Mercado Velho. Observa-se que os Christoff
não tardaram a superar as diferenças entre eslavos
e latinos,
Bulgária e Brasil, e Christo Raelf, pai de Konstantin,
que tanto cativava os montes-clarenses com suas maneiras polidas,
hoje dá o seu nome ao principal mercado da cidade.
............A partir daí e
ainda criança, Konstantin inicia a sua odisséia.
Havendo chegado com o curso primário concluido, concilia
as diferenças curriculares e faz o curso de Admissão
no Ginásio Municipal de Montes Claros, classificando-se
sempre em primeiro lugar. O jovem que desde criança gostava
de desenhar integra-se ao grupo de escoteiros e em 1940 faz uma
excursão ao sul do país durante a qual produz um
diário de viagem todo ilustrado. Pouco depois, muda-se
com os pais para Belo Horizonte e em 1945 ingressa na Faculdade
de Medicina da UFMG, o que não o impede de continuar dedicando-se
ao desenho. Nesse período, faz ilustrações
para trabalhos científicos publicados em livros e revistas,
além de caricaturas voltadas ao humor para jornais.
............Na capital mineira, conhece
o grande pintor e modernizador das artes mineiras Alberto da Veiga
Guignard, de quem se torna amigo. Guignard pinta retratos de Konstantin.
Visita o 1a Salão de Arte Moderna de Belo Horizonte, transplantado
de São Paulo no governo de Juscelino Kubitschek que assim
incentivava uma modernização na arte mineira. Essa
exposição constava de obras de Tarsila do Amaral,
Anita Malfati, Goeldi, Segall, Portinari, Guignard, entre outros
luminares do Modernismo brasileiro. A mostra provoca grande impacto
em Konstantin, que retorna à ela, repetidas vezes. Embora
ainda não tivesse inteira compreensão do significado
daquelas pinturas inovadoras, o seu interesse pela arte aumentou
a partir de então. Nesse período, lê muito
e de tudo: livros sobre arte, clássicos da literatura universal.
Ao ler Marx, Engels e outros pensadores revolucionários,
tornou-se comunista e assim permaneceu durante o tempo da universidade.
Sonhou a igualdade, com a radical divisão dos bens. Em
1948, tendo concluído o curso de Medicina, retorna a Montes
Claros e passa a residir no próprio local de trabalho,
ou seja, na Santa Casa de Misericórdia, então o
único hospital da cidade. Como cirurgião expedito,
realiza de duas a três cirurgias por dia, o que era muito
para as condições tecnológicas da época.
Torna-se chefe do setor cirúrgico da Santa Casa, cargo
que exerceria por mais de quatro décadas, e passa a ser
um dos cirurgiões mais requisitados do Norte de Minas.
............Apresenta trabalhos científicos
em congressos e escreve artigos para revistas especializadas.
Extirpa, de muitos pacientes, os incômodos papos no pescoço
(bócio) causados por carência de iodo no organismo.
Acompanhando a evolução da medicina, experimenta
a área estética, fazendo-se também cirurgião
plástico, o primeiro de Montes Claros. Sobre o seu exercício
na medicina confessa ter partido mais de um envolvimento do que
de vocação. Formara-se nesta área, antes
de tudo para não contrariar os pais que fizeram estardalhaço
quando manifestou o desejo de ser marinheiro. Mas, observamos
que, nem por isso fez pouco caso da profissão. Antes, curvou-se
amorosamente ao atendimento do ser humano, na situação
de maior fragilidade, a doença, conquistando respeito e
fazendo fama como cirurgião. É certo que a pintura
tardou a acontecer em sua vida, por causa desse seu êxito
médico.
............Konstantin já
despertava as atenções pelo exotismo de sua aparência
e originalidade dos modos. Usava os cabelos compridos, fumava
cachimbo sofisticado, passeava com um grande cão de feições
estrangeiras e passava ao volante de um garboso Buik. Era, na
descrição do escritor Wanderlino Arruda: “Rapagão
louro, de cabelos compridos sem ser demais, barba européia
ariana, olhos claros, perfil de um possível marinheiro
viking”.
............Desde sempre Konstantin
se sentiu atraído pelo desenho de humor, acompanhava obsessivamente
o trabalho de Vão Gogo, Millôr Fernandes, Carlos
Estevão, Borjalo, Ziraldo, Jaguar, Fortuna e Claudius.
Desenhava histórias em quadrinhos, fazia fotografias de
nus artísticos e também ensaiava seus próprios
desenhos de humor. Sua atenção estava sempre ligada
aos fatos relacionados à arte e cultura principalmente
da sua terra Montes Claros, onde se fez grande colaborador, autor
e co-autor de iniciativas destas áreas. Por exemplo, a
criação de Salões de Arte, criação
de revistas impressas, criação de feiras de arte.
............Em 1952, mesmo ano em
que perde seu único irmão, o engenheiro Rayo Christoff,
vítima de desastre de avião, Konstantin conhece
o baiano-montesclarense Godofredo Guedes, pintor de tendência
acadêmica e músico que tocava clarineta no melhor
cabaré da cidade. O contato com o novo amigo, e a apreciação
de suas telas, levam-no a reviver o fascínio pelas artes.
Demonstra desejo de pintar e experimenta pincéis e tintas
sob a orientação técnica de Godofredo, de
quem ouve que “pintura é coisa séria e difícil,
exigindo muita paciência e obstinação”.
............Crescentemente aficionado
por imagens, Konstantin adquire uma máquina fotográfica
e passa a registrar os flagrantes que o seu olhar de artista capta.
A descoberta da nova estética leva-o a se interessar pela
beleza do prosaico. Fotografa doentes em enfermarias, prostitutas
e outros personagens e cenas menos visadas pelos fotógrafos.
O trabalho que realiza fará dele destaque em salões
de fotografia.
............Em 1955 já está
casado com Yêdde Ribeiro. Apaixonara-se pela moça
bonita de modos finos e discretos que, inclinada à espiritualidade,
por pouco não se tornara noviça. A partir de então,
além da grande amiga e companheira de toda a vida, nela
terá o sustentáculo moral e a preceptora de apurada
sensibilidade artística que, com muito jeito o incentivará
na pintura. Juntos tem 3 filhos; Rayo, Andrey e Igor.
A
EXPLOSÃO DA ARTE DE KONSTANTIN
............A partir da década
de setenta, não conseguindo mais conter o seu talento de
pintor Konstantin oferece tempo e espaço à expressão
artística. A excelência do seu trabalho, de imediato
lhe abrirá as portas das mais importantes galerias do país
e será alvo da atenção da crítica
especializada que o consagrará. O intelectual e artista
montes-clarense, Georgino Junior, assim se exprimiu: “Konstantin
influenciou como nenhum outro a minha geração e
as artes montes-clarenses e acho, sinceramente, que muitos de
nós apenas reproduzimos as lições que dele
aprendemos.”
............Após muitas participações
e alguns prêmios na década de 1970, em 1982, Konstantin,
na maturidade do seu exercício artístico, não
consegue mais separar a sua obra artística das suas experiências,
de suas concepções ideológicas e filosóficas.
A partir de então começa a demonstrar que a arte
além de servir aos olhos e a emoção, deverá
também servir a mente. É o que se deduz diante das
séries polêmicas iniciadas com a Auto-Retratologia,
onde o artista se joga na tela para usufruir de mais espaço
para a provocação e continua assim na Via Sacra
e séries seguintes. A partir da Auto-retratologia, Konstantin,
de sujeito passa também a objeto de uma extensa série
de mais de 40 quadros que reafirmam a maestria de sua arte e que,
reflexiva, confirma ser o homem, o seu principal tema.
............Sabe-se que todo artista
está de uma forma ou de outra em sua obra, visto que esta
se constitui na medida de sua relação eumundo. Konstantin,
leva isso ao extremo, jogando-se de corpo inteiro na tela e expressando
tudo o que lhe passa pela cabeça, aquilo “que convém
e o que não convém”. Ora como figurante, ora
como espectador. Misturado aos demais personagens do quadro emociona-se,
levanta questões, faz interrogações para
saber quem ele próprio é. E mais: desnuda-se contando
intimidades domésticas, apontando paradoxos nas práticas
de dogmas religiosos, faz política e também filosofa.
Exibida a partir de 1984 em diversas cidades do Brasil, na Galeria
do Banerj no Rio de Janeiro, no Paço das Artes em São
Paulo, no Foyer do Teatro Nacional em Brasília, na grande
galeria do Palácio das Artes em Belo Horizonte, no Museu
de Arte de Santa Catarina em Florianópolis, no Centro de
Extensão Cultural Hermes de Paula de Montes Claros, a série
alcança grande repercussão, com a crítica
especializada se manifestando de modo favorável. Nos estados
por onde circulam, suas pinturas tornam-se capas de importantes
revistas e matéria de extensas reportagens ilustradas em
jornais de circulação nacional. Famosos, seus auto-retratos
já percorreram quase todo o país e hoje reluzem
nas paredes de colecionadores exigentes.
............Em 1989 apropria-se da
Via-Sacra, o caminho da cruz percorrido por Cristo e numa singular
interpretação rompe com a forma
tradicional de representação da mesma. Esta série
trabalhada em telas gigantescas, recebia os últimos retoques
quando foi apresentada a um público de artistas montes-clarenses,
entre os quais me integrei, e aos alunos da Escola de Arte Guignard,
que se deslocaram de Belo Horizonte em grupo liderado pelo crítico
e historiador da arte Pierre Santos. Ela começará
a percorrer as galerias do país somente a partir de 1997,
sendo exposta primeiramente no MAM - Museu de Arte Moderna do
Rio de Janeiro (era a primeira vez que um pintor mineiro fazia
exposição individual ali), onde artistas e intelectuais
compareceram em grande número. Foi apresentada a seguir
na grande galeria de arte da Telemig, em Belo Horizonte. Em Abril
de 1998, a Associação dos Artistas Plásticos
de Montes Claros promove a sua exibição no Shopping
Center da cidade e muitos são os que a vêem, surpresos
e impactados pelo seu caráter grandioso e polêmico
e pelo sentido novo que empresta às cenas sagradas. Depois,
a nova série, “Viagem à América”,
onde tece inteligente critica aos Estados Unidos, após
uma viagem àquele país. Acompanhamos a produção
desta série e depois a vimos numa espetacular montagem
na grande galeria do Palácio das Artes de Belo Horizonte.
A seguir Konstantin pinta a série, Pecados Capitais.
............Essas telas monumentais
são uma continuação à provocação
iniciada com os auto-retratos. Nelas, Konstantin faz citações,
usa técnicas mistas, tintas acrílicas, metálicas,
recorta, cola e pinta fotos de personalidades famosas, recria
imagens da mídia, apropria-se da obra de Bosch, Dürer,
Picasso, Bruegel, El Greco, Aleijadinho e discute pictóricamente
as dificuldades de relacionamento e convivência entre os
homens. Em sua execução, Konstantin não se
deixa cercear pelos padrões de beleza comumente aceitos.
Para ele, a magia é não se prender a convenções,
é deixar rolar a síntese intuitiva que pede abertura
de expressão. Aos olhos de Wanderlino Arruda, “Konstantin
é um revolucionário, um iconoclasta, nada de detalhismo,
nada de cores obedientes, traço rápido, um quase
simplismo, brincalhão, às vezes puxado para a caricatura”.
Para Darcy Ribeiro, o seu conterrâneo montesclarense, é
dotado de “duplo talento de primoroso desenhista e de
colorista refinado, desenha com facilidade e a inocência
de uma criança, sua marca distintiva como pintor é
o expressionismo sempre dramático. Tão angustiante
que chega a fazer-se caricatural para comunicar sua visão
trágica do mundo”.
“ARTE
LEVE”
............Já a outra face
da sua arte a qual classifica de “bonitinha” e que
é feita para agradar e assim facilitar as vendas, já
que sobreviver é preciso, é direcionada às
galerias comerciais, visando atender à procura por quadros
aptos a decorar as paredes das residências e outros espaços.
O capital que gera é investido na pesquisa e elaboração
da arte em que o artista expressa de maneira ousada e livre o
seu olhar crítico sobre a sociedade. Essa arte mais comercial,
com temáticas mais decorativas, constitui-se de pintura
leve e sua figuração gira em torno de marinhas luminosas,
de flores reais ou imaginadas, de corpos com anatomias especiais,
preferencialmente de mulheres que o artista recria como se pintasse
as crianças que elas foram, mas com formas adultas nas
quais o erotismo imanente dilui-se nos rostos inocentes. Konstantin
quase sempre pinta as mulheres nuas, justificando ser o nu, eterno,
mais honesto e expressivo, portanto mais estético. Brincando,
diz pintá-las em quantidade, uma após outra, até
começarem a ter pneumonia. Aí então retorna
às flores, campos, cerrados e marinhas, utilizando a tinta
acrílica e o PVA.
............Bela e poética
esta face da sua obra, oferece prazer ao apreciador que exige
beleza. Caracteriza-se por um colorido de cores puras, na maioria
quentes e bem combinadas entre si, deixando nos olhos de quem
a contempla uma sensação de luminosidade tropical.
Diríamos que também nela, se bem que de forma atenuada,
está presente a marca expressionista que permeia a outra
vertente desse pintor.
............Konstantin se interessou
também pela escultura. Presenteou Montes Claros com a escultura
existente na praça Honorato Alves, justo em frente à
Santa Casa, onde exerceu a medicina. Há algum tempo modelou
na argila cabeças humanas deformadas que, atendendo ao
seu pedido, tivemos o prazer de queimar para se tornarem cerâmicas.
KONSTANTIN
“ATEU” PROCURA UMA FÉ RELIGIOSA
............Durante minha convivência
com Konstantin, uma sua particularidade pessoal deixa-me intrigada.
Refiro-me à sua angústia existencial ocasionada
pela falta do que ele próprio define como “fé
religiosa” e à sua busca incessante, no que conta
com o apoio extremoso da sua companheira Yêdde, pessoa visivelmente
espiritualizada. Percebe-se nele um desejo enorme de possuir uma
fé contrita nas divindades religiosas constituídas,
mas ao mesmo tempo uma absoluta impossibilidade dessa crença,
devido às suas elocubrações de pensador racionalista.
............Esse búlgaro-montesclarense,
naturalizado brasileiro percorre uma longa caminhada em busca
da fé. Pede-a, facilita-a, mas ela não vem. Sofre,
já que vive em um mundo de conceituações,
de crenças, de dinâmica e metafísica cristãs.
Suas origens são cristãs, tendo na infância
vivida na Bulgária, pertencido à Igreja Cristã
Ortodoxa. Na memória ainda conserva imagens daquelas liturgias
“muito solenes”. Revela que libertou-se com facilidade
de muitos conceitos radicais que trouxera da pátria distante,
no processo de aculturação na nova pátria,
inclusive conceitos relativos ao Bem e ao Mal. No entanto o ambiente
que o acolheu em Montes Claros era também propício
à prática cristã.
............O conflito com as divindades
e busca de fundamentação lógica para a relação
entre o homem e Deus levam-no a pintar um quadro que me impressionou
pela beleza. A tela, imensa, é em sua quase totalidade
ocupada por um céu infinito e deslumbrante, que definiríamos
como sendo um céu visto por marinheiro em alto mar. No
azul que descreveríamos como “absoluto”, entre
dezenas de estrelas, vemos a constelação de Escorpião
e embaixo, à direita, num diminuto espaço de terra
à beira do oceano, dois escorpiões olhando para
o alto e o maior deles, apontando para a constelação
diz, para o menor: “Papá do Céu”. Percebe-se
aí que Konstantin sugere a projeção que o
homem faz da sua imagem com relação ao desconhecido
e misterioso divino. Contradizendo a sua falta de fé, observo
que poucos se dedicaram com tanto empenho à reflexão
sobre os dogmas e preceitos da Igreja católica. Konstantin
conhece a Bíblia, a Filosofia cristã e empresta
a sua inteligência a essa reflexão. Por isso nos
arriscamos dizer que, no seu campo de expressão, Konstantin
extrapola a condição de ateu e passa à condição
de legítimo fiel .
............Grande parte dos seus
temas, sairão das páginas do Novo e Antigo Testamentos:
a Via-Sacra, as Santas Ceias, as exposições inteiras
de santos, parte da Auto-retratologia composta com figurações
de anjos, Evas, Jonas e a baleia, os diversos enfoques de conteúdo
bíblico, Cristos, São Franciscos, os Pecados Capitais
e mais.
............Alem do mais foi fiel
companheiro das freiras da Santa Casa, por mais de quatro décadas,
as quais confessa grande admiração. É de
textos religiosos que retira e trabalha conceitos que considera
essenciais à harmonia, à boa convivência humana,
à paz aqui na terra. Por exemplo: a omissão, a traição,
a indiferença ao sofrimento alheio, a violência,
a justiça, o pecado, o Bem e o Mal. Sua pintura provoca
reflexões. E sua forma crítica valoriza a inteligência
do espectador, não impondo aceitação de verdades
de formas ingênuas, mas despertando e questionando, sugerindo
que religião se vive e se constrói nas relações,
no respeito e no amor ao outro e na atuação no mundo.
Em sua pintura ele veste Jesus Cristo com calça jeans,
tênis e camiseta como na moda contemporânea, utiliza
recortes de revistas, fotos de personagens históricas,
figuras da mídia. Brinca com a cor e a luz. Vê-se
claro que sua inventividade é sensível aos sopros
da modernidade. O seu gesto pictórico dessacraliza conceitos,
autoridades civis e religiosas e sua leitura crua da realidade
humana derruba mitos, por isso gera polêmica. No entanto,
como bem observa a crítica, esse expressionismo não
provém de uma consciência desditosa, sendo antes
fruto da verdadeira vocação de expressar denunciando.
Trata-se de uma arte profundamente ligada aos estímulos
do meio social e, por isso, impensável fora dela.
MANIFESTO
AOS CARTUNISTAS
............No “Manifesto aos
Cartunistas”, que escreveu ao mesmo tempo em que pintava
a série Viagem à América, Konstantin defende
uma reformulação na pintura brasileira e até
mesmo na mundial. Conclama os humoristas gráficos a se
apropriarem da pintura, substituindo os seus modestos instrumentos
pelas telas, pincéis e tintas multicores. O conteúdo
deverá permanecer, mas sua expressão deverá
ser atravessada pela crítica bem-humorada ou mesmo radical,
priorizando os fatos sociais.
............O pintor alega no manifesto
que a pintura perdeu seu rumo, restando aos cartunistas, geralmente
grandes desenhistas, o espaço artístico em crise.
Diz ele na página 9: “Todos os motivos e temas
cansaram porque os pintores nunca se lembraram de que o humor
é a fonte inesgotável de inspirações,
assim como da ironia, da crítica, da irreverência
e outros sentimentos mais complexos e sutis, profundamente humanos,
intemporais, eternos e universais!”.
CONCLUINDO
............O pintor Konstantin é
hoje conhecido e admirado em museus e galerias do Brasil e exterior.
Apesar de toda a ascensão, não é uma ilha,
é pessoa acessível e sensível. Gosta do verde,
que curte na fazenda e no seu grande jardim de árvores
incomuns. Tem a facilidade da palavra e gosta de falar.
............Confessa não ser
capaz de explicar nitidamente tudo o que faz, mesmo assim se sente
feliz na exclusiva dedicação à arte, e gosta
de exercitar a capacidade interpretativa do expectador, desafiando
a decifração dos seus símbolos.
............Hoje está com
87 anos de idade. Enquanto vai se recuperando de um AVC que silenciou
a sua voz, faz passeios na sua rica biblioteca, onde muito leu,
em seu imenso atelier, onde muito produziu e no jardim de grandes
árvores da sua casa, sob os olhos cuidadosos da sua querida
Yedde e da cidade que o ama como filho especial.
Foto: Itaumary Teles
REFERÊNCIAS
BIBLIOGRÁFICAS
SANTOS,
Pierre. Konstantin Auto-retratos. Projeto gráfico e
arte final QSP - Quantum Satis Propaganda S/C Ltda. Impressão
e encadernação: Laborgraf Artes Gráficoas
S.ª Apoio Cultural: Byk Química e Farmacêutica
Ltda 1987.
SACRAMENTO, Enock.Coordenação Editorial. Via
Sacra Konstantin. Livro Catálogo. (QSP) projeto Gráfico
Enock Sacramento, Flávia da Matta e Patricia Fernandes.
MAM - Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro. 1997.
Depoimentos de críticos de arte brasileiros como: Sálvio
de Oliveira, Maristela Tristão. Flávio Aquino
de Carmo Arantes em folders de exposições do
artista e jornais.
Diálogos do artista com a autora, efetuados em datas
diferentes; gravados e anotados.
Jornal Noticias - Montes Claros - 25/26/Abril/98 - pág.
7.
Jornal Noticias - Montes Claros - 17/18/Abril/98 - pág.
4.
Artigos sobre o artista escritos por intelectuais montes-clarenses
e publicados em jornais e revistas de Montes Claros.
UMA
RUA DE ONTEM E HOJE
Geralda
Magela de Sena Almeida e Sousa
Cadeira N. 34
Patrono: Eva Bárbara Teixeira de Carvalho
............Numa sala de espera aguardo
ser atendida pelo meu ginecologista. A sala está cheia
de pessoas que, como eu, aguardam a vez. Leio um livro, enquanto
meu nome não é chamado.
............Súbito, começo
a ouvir sons de violão, risos e de vozes, alegres, conversando
animadamente.
............Olho ao redor e percebo
algo estranho. As pessoas que aguardavam comigo não estão
mais ali.
............A sala está cheia
de jovens alegres que se movimentam, falam alto, riem, cantam
felizes.
............De momento em momento
chega mais alguém e a sala é sacudida em ondas de
animação. O canto para por instantes, o movimento
se diversifica e gritos, risos de boas vindas se destacam.
............Olho ao redor, mais uma
vez, sem entender completamente o que se passa. Estou numa festa
de aniversário e não num consultório médico.
............Vim consultar meu ginecologista
e me perdi, certamente.
............Encontro-me, sim, na
casa de Zenilda Gomes, filha do senhor Gentil Gomes, minha querida
amiga e colega desde o tempo do primário. É noite
e comemoramos seu aniversário. A turma do Colégio
Imaculada, do “Lairô”, da Tabatoriba comandam
o agito e enchem o ambiente com o barulho e a alegria característica
dos tempos de juventude.
............O som de vozes, acompanhadas
pelo violão, faz fundo ou solo, alternadamente, na festa
que aqui se desenrola.
............Olho em frente, à
minha direta, e vejo sentada, a Josefina Pereira, Lúcia
Teixeira, Neusinha Dias, Maria Luisa (de D. Angélica baiana),
Mercês Madureira, Alda Viana, Aparecida Costa, Miriam Milo,
Magna Félix,Carmem Lúcia Tupinambá, Marta
Brasil, Carmo Alvanir, Joelita Noronha, Valda Ataíde, Aparecida
Pinto, Elizabeth Renault, Rachel Peres, Eliana Almeida e Mércia
Pereira, em pequenos grupos, conversando animadamente.
............À minha esquerda,
num canto, Zilda Gomes, irmã de Zenilda, e a Ismar Aquino,
ao violão, comandam a música e os cantadores. Conceição
Tolentino, Glória Fagundes, Lúcia Idalina, Teresinha
Massière, Iole e Isabel Nunes enchem a sala com suas lindas
vozes: “mar ô mar... mar que vai e vem... mar
ô mar... nunca traz meu bem...”, “Não
se esqueça meu amor, que quem mais te amou foi eu... ...
e num sonho para dois, viveremos a cantar ... a a a a cantar o
amor, Diana...”, “e que tudo mais vá pro inferno...”.
Uma paradinha para acertos e olhares e recomeçam: “zum...
zum ... zum... lá no meio do mar....como pode o peixe vivo,
viver fora d’água fria...” e todos os
presentes, em coro, batendo palmas, também cantam. Uma
alegria só!
............De tempos em tempos as
irmãs da aniversariante fazem um movimento gostoso pelo
ambiente. Surgem com pratos variados contendo pastéis “pipocas”,
brotinhos (aqueles deliciosos petiscos feitos com rodelas de queijo,
salsicha e azeitona espetados no palito), empadas, canapés
que a todos monopolizam no prazer da degustação.
Lado a lado acompanham coloridos copos com os esperados “ponches”,
mistura de groselha, água e pedacinhos de maçã
ou abacaxi. Para as mais avançadas, os coquetéis
com suco de pêssego e guaraná, levemente alcoolizados.
Algumas colegas aventuram-se em bebericar cuba-libres, especialidades
preparadas para os rapazes.
............De repente, num sussurro,
um alerta. A música faz uma parada rápida e recomeça.
Os olhares se voltam, disfarçadamente, para a porta de
entrada. Surgem o Márcio Milo, Mimi Didier, Agnaldo Drumond,
Waldir Aguiar, Márcio Figueiredo, Márcio Milo, Lazinho
e Edvar Pereira. “Frisson” geral! Na sala, um movimento,
dissimuladamente feliz. O ar é de festa, de esperança
e juventude.
............Em meio ao burburinho
ouço chamar, não sei por que, num tom formal, o
meu nome.
............Olho para uma porta no
fundo da sala e vejo surgir uma pessoa, diferente daquele grupo,
que se dirige a mim. Foco a atenção: é a
assistente do médico.
............Sem entender, volto o
olhar para o resto da sala. Vejo pessoas desconhecidas. Lembro-me,
de repente, que são as mesmas que aguardavam comigo a hora
de serem atendidas.
............Num relance, percebo
que viajei no tempo.
............Experiência maravilhosa,
um navegar pelas lembranças! Emoções revividas!
............A vida, e o tempo que
ela encerra, está sobreposta em faixas, ocultadas no passado.
Um inexplicável cair dos véus, que normalmente as
recobre, trouxe-me este fantástico presente ao presente.
Ao sair, não me contive. Do lado de fora o mesmo endereço
de ontem e hoje: Rua D. João Pimenta, 230.
PARABÉNS,
JORNALISTA
OSWALDO ANTUNES!
Haroldo
Lívio de Oliveira
Cadeira N. 82
Patrono: Nelson Viana
............Parabéns por tudo
que tem feito na vida, por tudo que escreveu até agora,
pela prosa escorreita e pela poesia que reluta em mostrar, apesar
dos elogios recebidos de Alphonsus de Guimaraens Filho. Principalmente
parabéns por estar alcançando hoje, 21 de outubro
de 2009, em pleno gozo de saúde e de bem com o mundo, a
idade bíblica de 85 anos, dos quais mais de 60 dedicados
a uma das mais completas carreiras no jornalismo, que pode colocá-lo
em pé de igualdade com os nomes mais conhecidos e festejados
da imprensa brasileira.
............Não há
nenhum excesso neste comentário sobre a trajetória
profissional de um jornalista que fez sua caminhada num jornal
do interior, O Jornal de Montes Claros, deixando de atuar nos
órgãos do eixo Rio de Janeiro e São Paulo,
onde se consagra a carreira e para onde vão os jovens que
ambicionam o sucesso e a fama. Você se contentou com a reputação
adquirida na imprensa de Belo Horizonte, na cobertura política,
em período de efervescência nacional, após
a redemocratização, na década de 1940, e
tomou a decisão de retornar às origens sertanejas,
no
momento em que deveria ter se transferido com armas e bagagens
para a metrópole. Foi este o rumo tomado por seus colegas
de redação, Otto Lara Resende, Paulo Mendes Campos,
Hélio Pellegrino, Fernando Sabino, Alphonsus Filho e tantos
que tomaram o trem Vera Cruz e foram brilhar no Rio.
............Dá para acreditar
no destino. Bandeira fala da “vida que poderia ter sido
e que não foi.”, que não é o seu caso,
conforme relata em seu livro de memórias. Aconteceu que
foi flechado por Cupido e trocou o sucesso pela felicidade. Apaixonado
por uma beldade loura, mandou o jornal às favas, tendo
decidido casar e abrir uma banca de advocacia em Montes Claros.
Queria apenas ser feliz e acertou na escolha de seu par, dona
Inilta, sua companheira da vida inteira e musa inspiradora. Juntos,
trabalhando lado a lado, comungando os mesmos pensamentos, constituíram
bela família de que muito se orgulham. Realmente, foi melhor
do que ter ido para o Rio...
Oswaldo Antunes
............A advocacia durou pouco,
e o jornalista teve uma recaída. Comprou o jornal, que
circulou de 1951 a 1990, funcionando como um baluarte na defesa
das reivindicações mais destacadas da comunidade.
Nas grandes crises, abria as baterias e fustigava as autoridades
competentes buscando soluções para as necessidades
prementes, como ocorreu na década de 1950, com a falta
de luz.A campanha cívica que desaguou na candidatura única
de Antonio Lafetá Rebello para a prefeitura, em 1966, e
mudou os rumos da história política e administrativa
de Montes Claros, abrindo um novo ciclo de desenvolvimento econômico
e social, foi concebida e gestada de sua pena flamejante.Houve
outras campanhas memoráveis, merecendo destaque a moralização
do tribunal do júri, que fez de Montes Claros uma cidade
finalmente civilizada. Anteriormente, nossos jurados, submetidos
ao domínio dos caciques políticos, absolviam até
cangaceiro, como aconteceu em 1930, no julgamento do famigerado
Rotílio Manduca, com muitas mortes nas costas e merecedor
da pena máxima.
............O jornalista corajoso,
que não teme cara feia, que caminha em cima da fumaça,
realizou esta obra desafiando forças poderosas, até
sucumbir com o fechamento do jornal, para não interromper
a tradição de independência e dignidade conquistada
em quatro décadas de circulação.
Obituário
Necésio
(Velloso) de Moraes
Haroldo
Lívio de Oliveira
Cadeira N. 82
Patrono: Nelson Viana
............Montes Claros e Pedra
Azul acabam de sofrer uma perda irreparável com o passamento
de um de seus maiores filhos. Ele conseguiu o feito até
então inédito de ser filho mado e amoroso de duas
cidades. ´E´ isto mesmo, dupla maternidade, embora
pareça aberração, fenômeno teratológico,
porém muito fácil de explicar a quem não
o conheceu de perto.Tive o privilégio de com ele conviver
por cerca de cinqüenta anos. Lembro-me de que cheguei a ele
pela mão de Waldyr Senna Batista, de quem tinha sido colega
de trabalho e já fazia parte de seu círculo de relações
sociais, que admitia novos membros com certa parcimônia.
Necésio tratava a todos com lhaneza e respeito e gozava
de geral simpatia, mas a roda de amigos para o bate-papo tinha
número reduzido.
............Voltando ao assunto das
terras-mães, ele nasceu mesmo foi em Pedra Azul, que antes
fora Fortaleza e Boca da Caatinga, no ano de 1922, do qual se
gabava de ter sido o ano do Centenário da Independência
do Brasil e da realização da Semana de Arte Moderna,
em São Paulo, de incomparável importância
histórica. Seu pai, coletor de rendas, dos Moraes da Bahia,
e sua mãe,
da família Velloso, afazendada no município de Grão-Mogol,
proporcionaram-lhe a infância feliz junto com os irmãos.
Ele se orgulhava de ser pedrazulense e jamais esqueceu a terra
que o viu nascer.
............Surgida a necessidade
de ampliar os estudos, mudou-se para Montes Claros, aos 16 anos,
em 1938, a fim de trabalhar no Armazém 13, de seu primo
Armênio Velloso, e estudar contabilidade no Instituto Norte-Mineiro
de Educação, sob a regência do Dr. João
Luiz de Almeida. Foi aí que se tornou montes-clarense de
coração e bebeu na mesma fonte onde Ubaldino Assis,
Luiz de Paula, Herculino Miranda e outros jovens daquele tempo
haviam matado a sede de sabedoria e ilustração.
Necésio de Morais
............Diplomado perito-contador,
não demorou em granjear a justa reputação
de ser um dos mais escrupulosos e idôneos profissionais
da classe contábil. Trabalhou sempre com o maior apuro,
com muita cautela e rigor, reunindo o zelo do guarda-livros e
o conhecimento sólido do contador. Em sua ascensão,
deixou o nome gravado em letras de ouro por onde passou, na Agência
Ford, na fábrica de cimento Matsulfur, na CODEVASF, sempre
reconhecido como exemplo de competência e probidade.
............Fora da contabilidade,
ele também brilhou, sendo apontado como homem culto, lido
e corrido, de conhecimento enciclopédico, que pontificava
e era muito apreciado em suas agradáveis palestras. Era
considerado o maior conhecedor vivo da história desta cidade,
que muito amava e exaltava. Constantemente, era solicitado para
desvendar mistérios de nosso passado, e o fazia baseado
em leituras antigas ou em conversas que tivera com fontes fidedignas.
Tinha cuidado com o que dizia. Nunca caluniou, nunca difamou,
nem injuriou.
............Sofreu assédios
para se casar, mas atravessou a vida invicto, sem ser levado aos
pés do altar. Arrependeu-se de não ter se casado
com uma bela morena, que foi sua namorada há cinqüenta
anos. Mas ela fumava e abusava no trajar... Poderiam estar, hoje,
rodeados de filhos e netos, quem sabe até bisnetos.
............Deus fecha uma janela
e abre outra, concedendo-lhe a graça de ser pai de Cristina,
a menina de seus olhos, dona de seu velho coração
e herdeira universal, que fez dele o mais ditoso dos pais. Há
poucos meses, já recluso na cadeira de rodas, confiou-a
aos cuidados do esposo, em belíssima cerimônia nupcial,
no Santuário de Bom Jesus, a capelinha das almas, em ambiente
romântico. Sentiu-se que aquele ato para ele teve o mesmo
significado do fechamento de um balancete, em que todas as contas
se acham conferidas e comprovadas.Rubricou tudo e deu por cumprida
sua missão. Ele faleceu no dia 22 de agosto passado, quando
a cidade que tanto amou e honrou estava em festa, louvando o Espírito
Santo, São Benedito e Nossa Senhora do Rosário.
Café
Galo reinaugurado com festa
Itamaury
Teles de Oliveira
Cadeira N. 84
Patrono: Newton Prates
............Que o coração
da cidade é o centro, todo mundo sabe. Mas onde esse coração
pulsa, normalmente, poucos sabem. Exceto em Montes Claros, onde
é voz corrente que o Café Galo é o ponto
nevrálgico do pulsar da cidade.
............O Café Galo, para
usar terminologia consentânea, é um “poleiro”
de reduzidas imensões, onde cidadãos, de variados
níveis sociais, democraticamente se encontram e se confraternizam,
em ambiente amistoso e cordial, para saberem das últimas,
em absoluta primeira mão, e para discutirem os mais variados
assuntos da atualidade. Ali se reúnem, diariamente, com
exceção dos domingos, jornalistas, escritores, poetas,
vendedores de loteria, corretores de imóveis, arquitetos,
engenheiros, médicos, políticos e variada e disforme
fauna de interessados nas novidades quotidianas...
............Como no Café Nice
belo-horizontino ou na Boca Maldita curitibana, o Café
Galo é passagem obrigatória de políticos
e celebridades do meio artístico que circulam pela cidade
e ali se deixam fotografar, para se “eternizarem”
em suas paredes. Com efeito, podem ser vistas no local fotografias
do presidente Lula e do vice José de Alencar, do governador
Aécio Neves, dos exgovernadores Tancredo Neves, Itamar
Franco, Aureliano Chaves, Francelino Pereira e Eduardo Azeredo,
do ator global Jackson Antunes, dos comediantes Chico Anísio
e Tiririca, e muitos outros. Paulo Maluf, quando candidato a presidência
da República, ensaiou lá comparecer, mas manifestantes
irados o fizeram demover da idéia, quando já descia
do carro na porta do Café...
............Dentre os frequentadores
mais tradicionais, pontificam no Café Galo os escritores
Haroldo Lívio, Petrônio Braz, Dário Cotrim,
Ronaldo José de Almeida e Augusto José Vieira Neto
– o Bala Doce; os jornalistas Jorge Silveira, Felipe Gabrich,
Luís Carlos Peré Novaes, Theodomiro Paulino, Arthur
Leite, José Maria Costa, Oswaldo Antunes e Élton
Jackson; o administrador Marco Paulo Furtado, os arquitetos Geraldo
David Alcântara e Luiz Cláudio Cascão; o músico
e performer Tico Lopes, os bancários Nonato Versiani, Euler
Lino Campos, Florival Cardoso, Denart Dávila e José
Batista; o engenheiro Ítalo Teles, os aposentados Fernando
Lívio, Márcio Milo, Dudu Guimarães, Ruy Pinto,
Danilo Macêdo, o “operário padrão”
Massarico e, última e não menos importante, Zezinha
da Loteria, uma das poucas representantes do sexo dito frágil
a frequentar o espaço...
............Além disso, no
seu entorno pululam vetustos membros de confrarias diversas, tais
como da insólita AUCHAPAMOC – Associação
dos Usuários de Chapéus Panamás de Montes
Claros, da Sociedade dos Poetas Quase Mortos e, ultimamente, têm
aparecido com frequência e relativa quantidade, assentados
nos bancos de madeira, circunspectos usuários de bengala,
com ares de cidadãos londrinos. São quase uma dezena,
capitaneados pelo decano e carismático Recenvindo Silva,
um nonagenário salinense que reside faz tempo em Montes
Claros.
............Neste ano, o famoso Café
Galo montes-clarense completou 53 anos de existência, funcionando
no mesmo lugar, na esquina das ruas Governador Valadares e Simeão
Ribeiro, no denominado Quarteirão do Povo. Ganhou roupa
nova, presente de empresas locais, que assumiram o ônus
da sua reforma, a partir de apelo feito por Theodomiro Paulino,
o mais influente colunista social da cidade e frequentador assíduo
do “point”. A reinauguração, no dia
4 de julho, reuniu centenas de freqüentadores, que lotaram
o já concorrido Quarteirão do Povo, envergando camisetas
alusivas à data.
............O Café Galo foi
inaugurado em 1957, por Augusto Alves, que justificava o nome
do estabelecimento com o humor próprio dos baianos de Urandi,
dizendo que “se o galo sobrevive é porque come milho”,
talvez numa alusão à impureza dos cafés de
então, sempre “batizados” com o alimento do
galináceo.
O proprietário do Café Galo, Jadir
Rodrigues,
contempla um mascote do seu famoso café. (Foto: Itamaury
Teles)
............Mas há outras
histórias para a origem do nome. Jadir Rodrigues, o atual
proprietário há 23 anos, sucedendo ao “seu”
Augusto, diz ser o nome uma referência a uma ave que acorda
cedo, como o Café Galo, que abre as portas às 6
da manhã, para servir cafezinho a seus clientes. Todavia,
a versão mais criativa para o nome escolhido é de
autoria do antigo proprietário do imóvel, o pranteado
historiador Hermes de Paula. Como reservara apenas 12 metros quadrados
de sua antiga clínica médica para um ponto comercial,
vaticinou dizendo que ali bem que poderia funcionar um café,
mas, pela exigüidade de suas dimensões, as pessoas
teriam que comer em pé e rapidamente, feito um galo
– numa chistosa expressão com duplo sentido...
............O assunto é controvertido
e vem povoando, nos últimos dias, as conversas no lugar.
Mas ali ninguém se preocupa em concluir nada, o que importa
são as acaloradas discussões, onde todos falam e,
na maioria das vezes, ninguém tem razão...
............A reinauguração
do Café Galo é fator de importância capital
para a preservação da memória da cidade,
por tratar-se do último reduto onde a chama da tradição
ainda é mantida acesa, principalmente quando já
se apagaram a do Café do Zim Bolão, a da Churrascaria
Espeto de Ouro – do inesquecível Zé Amorim
– e, mais recentemente, a da Sorveteria Cristal, que se
transformou em prosaica pastelaria...
............Por isso, vida longa
ao Café Galo é o que todos desejam.
Festa
de Agosto
João Valle Maurício
Patrono da Cadeira N. 59
............A “Festa de Agosto”
é uma mistura de religião com danças populares
tradicionais em nossa cidade realizadas em regozijo e honra a
São Benedito, Nossa Senhora e o Divino Espírito
Santo.
............Tomam parte os congados
ou catopês, os marujos, os caboclinhos e a cavalhada.
............Os “Catopês”,
como denominamos aqui, evocam origens africanas. São quase
todos pretos. Os “Caboclinhos” representam nossos
índios. Os “Marujos” figuram os portugueses
colonizadores. A “Cavalhada” recorda as lutas entre
mouros e cristãos, pela posse da terra santa, nas cruzadas.
Cada um deles, em particular, tem colorido interessantíssimo
justificando uma descrição completa.
............Aqui abordaremos apenas,
em traços rápidos, com muita saudade, o conjunto
da festa em torno da Igrejinha do Rosário que agora, -
velha e enfraquecida, está sendo demolida. Chega o seu
fim, como nós chegaremos um dia.
............Sol de agosto! Quente
de rachar! O chão, em brasa, é coberto
por um colchão de poeira fina e amarela. No céu,
nem um
fiapo de nuvem. Na igrejinha pequena e majestosa, no meio do largo,
aglutina-se a população.
............Barracas, mesinhas e
tendas esparramadas por todos os cantos, vendem doces, biscoitos,
garapas, amendoins, gergelins e outras comilanças. Não
vendem cachaça. Apesar da alegria, existe respeito.
............Sá Dade, negra
velha, de saia rodada, mascando um naco de fumo, fiscaliza o tabuleiro
com os deliciosos pés-de-moleque e pastéis. Os níqueis
são colhidos numa latinha de pó de arroz “Lady”.
............Na ponta dos mastros
de pindaíba, ladeando o cruzeiro, as bandeiras permanecem
paradas, nesta época do ano até o vento é
sufocado pelo mormaço.
............Acocorados à beira
dos muros, à sombra, junto às casas de Sá
Aninha Pinto, dona Nazinha Pimenta e dona Vidinha, mulheres e
crianças descansam e conversam. Um garotinho pançudo,
com a camisa, debaixo dos braços, “faz serviço”
com naturalidade e tranquilidade. Pela porta da sacristia entram
e saem aflitas as “filhas de Maria”, na arrumação
dos altares, toalhas e paramentos do Padre Marcos. Lá dentro
dona Augusta Valle, com voz cansada pela asma crônica, vai
dando ordens. D. Eponina Pimenta é também grande
autoridade, além de filha de Maria, é sobrinha do
Bispo D. João.
............As outras moças
repartem o tempo entre rezas e namoros, passeiam aos bandos, de
braços dados, rodeando a Igreja. Os rapazes frajolas refletem
luz de espelhinhos redondos nos olhos das escolhidas, trava-se
um duelo de luz, no qual ambos são vencidos pela flecha
de cupido. Sai namoro e às vezes, casamento. Seu Tonico
Maia, aquele do chapelão de abas largas que é o
delegado, é o pai do Imperador (O menino Lauro Azevedo
Maia). Em sua casa, no largo da Matriz, nas palavras de Mané
das Moças, o festeiro mais oferecido da cidade, está
um farturão besta. Panelões enormes, caldeirões
gigantescos, latas de querosene jacaré cheios tutu,
farofa, arroz de tropeiro, doces de leite e de casca de laranjas,
são esvaziados constantemente. Todo mundo come e come muito.
É questão de honra para o dono da casa que todos
fiquem satisfeitos.
............No rumo da rua de baixo.
Sobem os foguetes de rabo, pipocando no céu limpo. É
um reinado que vem subindo para a Igrejinha do Rosário.
............Dentro em pouco, ouve-se
o dobrado da banda “Euterpe”. Ronca surdo o marcante
com a clarineta de Tonico de Naná e Adail Sarmento, ajudados
pelo bombardino do Zé do Ó. Augustão, maestro,
cheio de alegria e glória, está magnífico,
seu narigão vermelho faz contraste com o boné azul
e os botões amarelos do uniforme, vem subindo pela rua
Dr. Veloso. Muito mais gente corre à esquina do seu Basílio
para assistir ao desfile. É um dos pontos alto da festa.
............Na frente, montado em
belos animais com peitorais cheios de guizos e selas enfeitadas,
vem os reis da cavalhada. Imponência de majestades, com
coroas e espadas. Logo atrás, dentro de um quadrado, conduzido
pelo povo, está o Imperador. É um garotinho, todo
de vermelho, muito chique, com o cetro na mão e uma longa
capa levada por duas meninas.
............A seguir, estão
os dois ternos, é o nome do grupo de “catopês”.
Zé da Custodinha é o chefe, com um beição
enorme, balançando a cada pulo, vai repicando a caixa de
couro e cantando:
- Ei! Vamos levar a coroa do Imperador...
............Os outros respondem o
mesmo, em voz mais fina e mais alta. Tem na cabeça um capacete
que mais parece um enorme espanador, contornando de vários
espelhos e miçangas coloridas, pendem atrás longas
fitas de seda que esvoaçam com a dança. De roupa
branca e pés no chão. Os demais têm menos
adornos e no final, estão os negrinhos, saltitantes, já
roucos e com as veias do pescoço salientes. Entre os dois
ternos, um menino “branquelo” sacudindo o pandeiro
em cumprimento a uma promessa a São Benedito.
............Os caboclinhos cheios
de ritmo e graça vestidos de saiotes enfeitados de penas
de cocar, pintados de urucum, munidos de arcos e flechas, marcam
a cadência. São comandados pelo “cacicão”
e fiscalizados pelo “papai-vovô” e “mamãe-vovó”.
A marujada dentro de uma dita barca, provida de rodas e envolvida
por um pano ralo, tem no comando os “capitães”
Chico Testa e Joãozinho Fogueteiro.
............Numa cantiga dolente
entoam:
- Moça mineira, chega na janela
- Venha ver marujo, que já vai pra guerra...
............Em grupo compenetrado
estão as princesas e príncipes do reinado, cada
qual acompanhado da madrinha, que leva um chapéu de sol.
............Sá Maria Batoca,
a princesa mais velha e mais prosa, tem um vestido azul, a fita
da irmandade e uma avantajada bolsa de couro amarelo. É
a corte acompanhando o Imperador para a sagração.
Chegam à pracinha que já é pequena para os
que lá estão. O sino solitário cumpre sua
missão, continuam os meninos assoprando os tições
e mandando para o céu os foguetes de rabo. De quando em
vez, cai uma taquara ainda quente na gaforinha de uma crioula
dengosa e sapeca-lhe a nuca. Ela dá uns gritinhos, mas
não larga o reinado.
............A Igreja está
um presépio de bonita. Os santos que são donos da
festa também dela se aproveitam, ganham flores e arrumações.
As velas iluminam fartamente todo o templo.
............São Benedito,
pretinho, está no seu grande dia. Nossa Senhora, com sorriso
tranquilo recebe agradecida as homenagens, também o Divino,
numa bandeira prateada, aguarda a chegada do cortejo.
............Chegou o cortejo.
............José da Custodinha,
ao penetrar no templo, arranca do seu peito forte, cheio de fé
e respeito, o canto de saudação.
“Deus te salve, Casa Santa,
Onde Deus fez a morada.
Onde mora o cálice bento
E a hóstia consagrada...”.
............Todos vão se aproximando
do altar. Prestam as reverências, recebem as benções
e em evoluções sempre de cabeça baixa, recuando,
cedem lugar aos demais.
............O Imperador fica assentado
num trono ao lado do altar acompanhando o cerimonial.
............À noite realiza-se
o levantamento do mastro do Divino. Enorme fogueira é acesa.
De novo a “Euterpe” executa seus deliciosos dobrados.
Iluminam o céu as girândolas e foguetes do Marciano
Fogueteiro.
............Terminou a Festa de Agosto,
deixando o cansaço e muitas saudades para os participantes.
............Hoje termina a velha
e querida Igrejinha do Rosário
............Deus te salve Casa Santa!
COISAS
DO PASSADO II
Juvenal Caldeira Durães
Cadeira N. 81
Patrono: Nathércio França
............Nós somos afetados
pelo saudosismo, independentemente de nossa vontade. Todavia,
há quem nos aconselhe evitar lembranças passadas,
sob o argumento de que elas só servem para ocupar espaços
em nossa mente, atrapalhando a criação de idéias
novas e úteis ao nosso desenvolvimento pessoal. Mas, como
é agradável, nos momentos de silêncio e tranqüilidade,
a gente recordar as passagens da infância, da adolescência,
do tempo de estudante, do começo da vida profissional e
dos acontecimentos daquelas doces e amargas aventuras!
............Naquelas épocas
do nosso passado, as cidades interioranas eram pacatas, alegres
com festejos familiares, religiosos e folclóricos. Chovia
muito, o povo afortunado vivia na abundância com a produção
do campo e com os recursos da época. Outros, porém,
viviam no infortúnio, sem proteção do estado
e com dificuldades para manter a família. Era uma época
de desigualdade acentuada, de riqueza e pobreza.
............A segurança era
mantida pelo bom senso da comunidade, que raramente recorria a
intervenção policial para resolver as desavenças
na vizinhança. A polícia era temida pela arbitrariedade
e violência, portanto evitada. A justiça era coisa
de ricos. Pobre não tinha acesso a esse tipo de benefício.
Os litígios eram quase sempre resolvidos e apaziguados,
por intermediações de anciões da família
e de vizinhos. A população vivia tranqüila,
sem violência e sem medo. A não ser quando contrariava
algum coronel da região.
............A Saúde era precária
e fora do alcance da população de menos recursos.
Lembro-me de nossos vizinhos: Manoel Dias, rapaz alto, alegre
e simpático, morreu com uma infecção causada
por um espinho de pau-preto no pé. Aurelino, ainda na mocidade,
morreu acamado e sem saber a origem da doença que o vitimou.
Osvaldo, em plena adolescência, com os olhos amarelados,
talvez uma hepatite, morreu depois de longo tempo prostrado numa
cama sem assistência médica. Era comum o enfermo
acamar-se e esperar a morte ou o restabelecimento com o repouso
e remédios caseiros ou farmacêuticos, conhecidos
como jalapa, sene, bicabornato de sódio, maná, biotônico
fontoura, capivarol, injeção 914 e os manipulados.
Muitos deles de pouco valor terapêutico e já desaparecidos
das farmácias. Usavam-se também, beberagens de ervas
de quintais e de plantas do cerrado. Às vezes, recorriam
também aos curandeiros e às benzedeiras com seus
poderes sobrenaturais. Com essas práticas rudimentares,
muita gente morria com sofrimentos dolorosos e prolongados, na
vã esperança de cura.
............Apesar dessas atribulações,
a solidariedade entre parentes e amigos era habitual na redondeza,
a fim de consolar os enfermos e familiares, quando não
se tratava de doenças contagiosas, como a tuberculose,
lepra, varíola e outras. O preconceito era forte e com
razão, pois afetado, o contagiado ficava sujeito ao sofrimento,
sem esperança de cura e à espera da morte. Naquela
época não existiam recursos para curar tais doenças.
............Os médicos não
tinham condições de diagnosticar seus pacientes
com exatidão. Não era costume pedir exames e faltavamlhes
recursos e instrumentos de precisão para as avaliações.
Geralmente,
o doutor mantinha curto diálogo com o paciente, o que lhe
bastava para prescrever os medicamentos da época e fazerlhe
algumas recomendações rotineiras.
............No caso da parturiente,
os parentes e vizinhos assumiam os procedimentos e riscos do parto
que sempre dava certo, porém, poderiam resultar em morte
da mãe (morte de parto) ou em “mal de sete dias”
vitimando a criança, o que deveria ser infestação
de tétano, proveniente da falta de higiene na operação
da parteira leiga.
............O parto era feito na
própria casa, onde a convalescente ficava confinada durante
quarenta dias, usando algodão nos ouvidos, pano cobrindo
a cabeça, meias compridas, embrulhada com pesado cobertor,
com janelas fechadas, dietas rigorosas, silêncio e sendo
alimentada com pirão de frangos, criados com essa finalidade.
Tudo atendendo recomendações daqueles que se diziam
mais experientes e que temiam uma recaída ou “quebra
de resguardo” da parturiente. Uma infecção
era, quase sempre, fatal. Naquela época não havia
antibiótico. O repouso e a dieta eram importantes e imprescindíveis
no restabelecimento do doente.
............Hoje, a medicina está
especializada e aparelhada com recursos modernos e apropriados
para amenizar ou curar os males da época. E, ainda, preparada
para prestar atendimento a todas as faixas sociais, com modalidades
diversas. Para alguns, com pesados ônus; para outros, através
de planos de saúde e para a classe pobre, o SUS, instituído
pelo governo federal, sem obrigações e custos para
o paciente. No entanto, ouvimos queixas e descontentamento geral
contra as instituições de saúde e de seus
serviços prestados à população, às
vezes, por desconhecer um passado, que muitos saudosistas gostariam
de reviver em nossos dias.
............A Educação
não era diferente. Os filhos de pessoas menos favorecidas,
geralmente, não recebiam ensino dos poderes públicos.
Às vezes, alguns conseguiam matrículas nas raras
escolas do governo, porém, elementares e sem as devidas
estruturas. As instalações eram rústicas
e as professoras leigas, de pouco conhecimento e faziam, quando
necessário, uso da palmatória.
............O aluno era, geralmente,
matriculado na escola aos sete anos de idade e só saía
do primeiro ano, depois de aprender divisão de sílabas
das palavras, soletrar corretamente, escrever textos comuns, decorar
a tabuada, ler livros simples e manuscritos de caligrafias diversas
e complicadas. Lembro-me ainda de alguns livros usados no curso
primário, como: Violeta, Zezé e Elza.
............Os alunos de melhor poder
aquisitivo estudavam em escolas melhores, mantidas e ministradas,
geralmente, por religiosos e pessoas consideradas ilustres e eruditas,
porém sem os devidos conhecimentos pedagógicos.
Outros procuravam lugares evoluídos e colégios famosos
para seus estudos. Os alunos saíam do ensino básico
e ingressavam, sem vestibular, nas universidades de renome. As
faculdades ficavam nos grandes centros e eram caras. Os bacharéis
eram chamados de doutor.
............Na zona rural, as escolas
eram rústicas e particulares, mantidas pela vizinhança,
sem assistência e controle das entidades governamentais.
Todavia, de vez em quando, aparecia por lá um servidor
público, montando um cavalo e na função de
inspetor com a incumbência de fiscalizar a escola. As professoras
eram leigas e com conhecimentos elementares reduzidos, porém,
esforçadas, dedicadas e rigorosas. Os alunos eram obedientes,
responsáveis e ansiosos para aprender o pouco que as abnegadas
professoras tinham para ensinar.
............O ensino acompanhou a
evolução dos tempos e tomou rumo a uma fase áurea,
com o aprimoramento docente e o desenvolvimento discente, resultando
numa pluralidade de conhecimentos que se estenderam para os bairros,
periferias e distritos.
............Nos últimos anos,
surge uma avalanche de informações benéficas
e maléficas com o advento da TV, da internet e de outras
inovações, proporcionando grandes recursos e benefícios
à sociedade,
quando bem usadas na vida prática e com fins educativos
ou, abalando o sistema educativo, a moral e o controle da autoridade,
quando mal usada. Esses mecanismos dominantes despertaram a liberdades
exageradas e sem limites na juventude, gerando desrespeito e danos
incalculáveis para os costumes, para a aprendizagem e para
educação, apesar do aperfeiçoamento de professores
e de estruturas adequadas e modernas dos educandários.
............Os costumes também
acompanharam a evolução do tempo, deixando para
trás coisas que viriam ferir a dignidade e direitos humanos
em nossos dias.
............As mulheres eram essencialmente
domésticas. Viviam em função exclusiva da
casa, de seus maridos, dos filhos e vestiam roupas discretas.
Raramente, participavam das decisões de seus esposos e
não freqüentavam meios sociais. Não saíam
só e nem trabalhavam fora de seu lar. Eram vigiadas e condenadas
por quaisquer atos suspeitos. Muitas sofriam abusos de seus maridos
e não podiam livrar de seus grilhões. Porém,
outras eram valorizadas como pessoas pelos cônjuges, pelas
famílias, pela sociedade e até chamadas de rainha
do lar.
............O casamento era coisa
séria. A virgindade da mulher era condição
necessária para o matrimônio. A fidelidade era infalível.
A separação, rara e quando acontecia, a mulher retornava
à casa dos pais e se afastava do convívio social,
para evitar ciúmes das outras mulheres. Muitas, não
suportando o confinamento do lar, procuravam viver relegadas à
zona boêmia, para sempre.
............Se houvesse caso de defloramento,
o rapaz ficava na obrigação de casar imediatamente,
sob pena de morte ou de desaparecer da região para sempre
e a moça, relegada à rua das amarguras.
............Hoje, a mulher alcançou
uma condição de independência que lhe traz
contentamento incontido e estampado na face. Não deixa
de ser motivo de júbilo, conquista de liberdade e combate
aos preconceitos. Todavia, nada é de graça e tudo
tem o seu preço. Seus afazeres do lar extrapolaram, alcançando
as diversas áreas de atividades profissionais e sociais,
trazendo-lhes, às vezes, cansaço, desarmonia conjugal,
impossibilidade de cumprimento das obrigações domésticas
e de acompanhamento da educação dos filhos.
............O caráter era
um dever do cidadão. As pessoas eram sérias e honestas
e um passo em falso era o suficiente para torná-las desacreditadas
e repudiadas pela sociedade.
............O serviço comum
era fácil, como nos dias atuais, porém temporários
e sem seguridade. O serviço público era para poucos.
Os profissionais qualificados eram raros e serviam, geralmente,
às classes predominantes. Porém, ninguém
se preocupava com empregos. Não usava concurso público
ou privado. Era regra geral viver sem preocupações,
ambições e concorrências. O importante era
o sossego e tranqüilidade.
............Na década de trinta
existiam as indústrias de fiação do Cel.
Luiz Pires e a dos Paculdinos e não me lembro de outras.
A cidade só começou crescer no setor industrial
na década de cinqüenta, com a criação
e expansão da SUDENE.
............O comércio era
mais ativo com os comerciantes tradicionais: Benedito Gomes, Manoel
Higino, Deraldo Calixto de Carvalho, seu irmão Antônio
Calixto de Carvalho, José de Araújo e outros.
Farmácias: de Mário Veloso e de Juca de Chichico
e médicos: Dr. Mário Botelho, Dr. Alpheu de Quadros
Gonçalves, Dr.Pedro Santos e outros que vieram mais tarde.
Prefeitos: Dr. Santos, Dr. Barroca, Dr. Alpheu de Quadros Gonçalves,
mais tarde, Dr. Simeão Ribeiro Pires, Dr. Pedro Santos,
Dr. Moacir Lopes e outros que lhes seguiram.
Clubes: Clube Montes Claros, Clube dos Bancários, Boate
da Praça de Esportes e posteriormente o suntuoso e moderno
Automóvel Clube.
Campestres:
Tínhamos os clubes nos municípios vizinhos:
Clube Pentáurea (Bocaiúva ) e depois Clube Lagoa
da Barra (Francisco Sá).
Folclore: Os catopês ou dançantes que representavam
os africanos; os caboclinhos, os índios; os marujos, portugueses.
E a cavalhada, mouros (vestidos de vermelho) e Cristãos
(vestidos de azul). Eu torcia pelo azul nas competições,
mesmo sem saber as origens e os significados daqueles grupos.
Além disso, tínhamos o carnaval e o futebol: Montes
Claros Clube, o União Operária, Padre Osmar. Mais
tarde, o Ateneu, o Cassimiro de Abreu, o Ferroviário, o
Tiradentes e o Ipê.
............Banda de Música
Euterpe, vestia de amarelo (onde fui trombonista na década
de quarenta) e a da União Operária, usava uniforme
verde.
............A religião dominante
era a Católica, ministrada, geralmente, por padres estrangeiros
(Pe. Marcos e Pe. Lucas e outros) rigorosos para com seus fiéis.
A Semana Santa era de orações e de devoção
e os preceitos religiosos eram cumpridos com rigor e muita fé.
Às vezes ouvíamos falar da Igreja Batista, rara
no nosso meio.
............A zona rural era densamente
habitada, produtiva e alegre. Ali, os casamentos verificavam sempre
entre parentes e vizinhos, intermediados, quase sempre, pelos
genitores. Os filhos, depois de casados, construíam suas
moradas nas terras dos pais ou nos arredores. A vegetação
exuberante e densa, de árvores frondosas e com moradas
de abelhas nos seus galhos, dominava na região. As madeiras
comuns serviam para as cozinhas, como lenhas. As “de lei”,
mais famosas eram o cedro, a aroeira, o jatobá de vazante,
o jacarandá, o pau-d’arco (ipê), o pau-preto,
o jequitibá e outras, que serviam para as construções
de móveis, de fazendas e de moradias. Havia, também,
grande variedade de animais selvagens, pássaros canoros
e exóticos, que povoavam as matas fechadas e de árvores
altaneiras. Os mais mansos cantavam com tonalidades diversas e
sonoras nas ramagens e copas das árvores frutíferas
dos quintais. Nas lagoas, as aves aquáticas e de plumagens
matizadas
deslizavam sobre águas transparentes, ameaçando
os peixes incautos e emaranhados na vegetação do
fundo dos lagos. Os rios corriam com águas cristalinas
e com peixes nadando nos remansos calmos ou passando apressadamente
pelas correntezas impetuosas. Tudo era muito lindo naqueles tempos
saudosos. Era uma época sadia, alegre e indelével.
Hoje, são coisas do passado, devastadas ou poluídas,
não pelos animais irracionais, mas pelos que se dizem racionais.
PADRE
AGOSTINHO,
A SAGA DE UM SACERDOTE
Lázaro Francisco Sena
Cadeira N. 55
Patrono: João Luiz de Almeida
O
RESGATE
............Noite de inauguração
no Colégio Tiradentes da Polícia Militar. Estava
concluída a construção do belo auditório
com capacidade para 524 pessoas assentadas confortavelmente na
plateia, com vista garantida para o palco dos acontecimentos.
Nome escolhido para o espaço: “Auditório Padre
Agostinho”, uma sugestão do coronel Lázaro
Francisco Sena, a pedido do então diretor, professor Milton
Lopes da Silva.
............Aquele ato singelo, embora
carregado de emoções, na noite de 19 de dezembro
de 1997, veio resgatar a memória de um grande idealista
e realizador, o professor José João Beckhauser,
mais conhecido como Padre Agostinho, falecido a 28 de maio de
1980, aos sessenta e sete anos de idade, nesta cidade de Montes
Claros, além de elevar a autoestima da viúva Maria
Honória Rodrigues Ramos e das cinco filhas do casal, Agostinha,
Valquíria, Consuelo, Lílian e Telma, todas com o
prenome Maria e o sobrenome Ramos Beckhauser, até então
abaladas pelo desditoso
falecimento do chefe da família. Foi como se a alegria
renascesse naquela casa, pelo reconhecimento público do
valor e da honra de um bravo lutador que ficou ferido na estrada
das intolerâncias humanas.
............O sofrimento e a humilhação
a que se submeteram o padre Agostinho e sua família podem
ser resumidos em memorável crônica do padre Aderbal
Murta, publicada em O Jornal de Montes Claros, edição
de 08-11-81, da qual ousamos transcrever três trechos. O
primeiro relata a sua reação ao lhe ser sugerido
pelo companheiro que deixasse de fumar, em razão da sua
deplorável situação de saúde: “Eu
quero morrer! Quero me libertar desta vida desgraçada em
que tudo deu errado. Dême o cigarro, eu preciso fumar, fumar
muito, muito mesmo, para morrer depressa! Quero morrer, gritou
desvairado, quero morrer, Murta, morreeer!” O segundo trecho
trata de sua reação inversa quando, na recepção
do hospital, recebeu um beijo comovido da atendente, sua ex-aluna
do Colégio Tiradentes, que o cronista denominou O Beijo
da Ressurreição: “Murta – gritou chorando
e rindo de emoção – eu quero viver! Chame
o médico, eu quero viver! A vida é uma sinfonia
de amor, que ecoa na eternidade, quando alguém nos ama.”
O terceiro trecho é o triste epílogo da crônica
e da vida de nosso personagem: “Mesmo assim, um mês
depois, o cemitério de Montes Claros abriu suas portas
para um novo hóspede, e o corpo do Padre Agostinho, Cura
da Catedral de Montes Claros, do Professor Agostinho, Diretor
do Colégio Tiradentes, do Capitão Agostinho, Capelão
da Polícia Militar de Minas Gerais, desceu numa cova escura
e humilde, sem batina, sem alunos, sem farda, sem salva de tiros,
sem as continências de praxe. De uma arvorezinha ao lado,
cheia de lagartas, a corneta agourenta e desafinada de um pardal
arrepiado e triste executou, na hora, o toque de silêncio;
e a sinfonia de amor a que Agostinho se referira começou
a niná-lo baixinho no silêncio da eternidade.”
Inauguração
do “Auditório Padre Agostinho”.
Prof. Milton Lopes da Silva, Diretor do Colégio Tiradentes;
Da. Maria Honória Rodrigues Ramos, viúva do homenageado;
Ana Carolina Beckhauser Farias, primeira neta do casal.
AS
ORIGENS
............JOSÉ JOÃO
BECKHAUSER nasceu a 13 de abril de 1913, na cidade de Tubarão-SC,
filho de João Carlos Beckhauser e Maria Selhorst, descendentes
de imigrantes alemães que vieram para o Brasil no ano de
1862 e se estabeleceram naquele Estado de Santa Catarina. Consta
que, até os oito anos de idade, só falava a língua
alemã, aprendida com sua família, vindo a aprender
o português somente quando entrou para a escola. Era o quinto
filho do casal, de um total de treze irmãos, sendo seis
homens e sete mulheres. O fato de ter sido o primeiro filho homem
foi determinante para seu ingresso no seminário, aos treze
anos de idade, por imposição de seus pais, para
não fugir ao costume das famílias tradicionais daquela
época, que tudo faziam pela ordenação de
um padre entre os seus descendentes.
O seminarista José João Beckhauser,
com seus pais e os doze irmãos, em
frente à sua residência, em Tubarão-SC.
O
SACERDOTE
............A ordenação
de José João Beckhauser como sacerdote verificou-se
a 19 de maio de 1940, na própria cidade onde nasceu. A
partir dessa data adotou o nome Padre Agostinho, em homenagem
ao seu padrinho espiritual, o santo do mesmo nome. Logo a seguir,
foi nomeado Cooperador em Formiga-MG, até o ano de 1942,
quando foi nomeado Cooperador e Missionário em Brusque-SC.
A primeira designação como Vigário foi para
a cidade de São Bento do Sul-SC, entre os anos de 1943
e 1944. Consta ainda que foi o fundador da “Casa de Castro”,
no estado do Paraná, em 1944, mesmo ano em que foi designado
Cooperador em Jabaquara-SP. A vinda para o estado de Minas Gerais
aconteceu em 1945, quando foi designado Vigário da cidade
de Lavras, tendo ali permanecido até 1947. Entre os anos
de 1947 e l949, foi nomeado Reitor em Nepomuceno e Três
Pontas, no sul de Minas. Finalmente, a partir de 03 de maio de
1950, foi designado para a Diocese de Montes Claros. Aqui exerceu,
inicialmente, funções junto ao Colégio Diocesano
Nossa Senhora Aparecida, tais como Vice-Diretor, Capelão,
Diretor Administrativo e Diretor Geral. Exerceu outras funções
na Diocese, também em algumas cidades vizinhas, como Janaúba,
Grão Mogol e Claro dos Poções, antes de ser
nomeado Cura (Vigário) da Catedral, a partir de janeiro
de 1955. Foi nessa função, certamente das mais destacadas
dentro da Diocese, que as suas qualidades de grande orador se
manifestaram ao público, em sermões que, segundo
a voz do povo, faziam tremer a majestosa Catedral.
Padre Agostinho discursa na Catedral, ao lado de
Dom José Alves Trindade,
Bispo Diocesano, em solenidade com a presença de várias
autoridades.
O
CAPELÃO MILITAR
............Com a instalação
do 10º Batalhão da Polícia Militar em Montes
Claros a 28 de julho de 1956, nas proximidades da Catedral, o
“vigário” daquela igreja, o padre Agostinho,
era sempre solicitado para os serviços de assistência
religiosa junto ao quartel, surgindo aí uma identificação
de princípios comportamentais entre o futuro pastor e o
seu rebanho. Em conseqüência, já em 01-06-58,
foi incluído no Batalhão como Sacerdote, na condição
de “encostado”, ou seja, “recruta”, para
efeito de remuneração. Sua situação
funcional foi legalizada a partir de 29-03-60, quando foi nomeado
Capelão da Polícia Militar, por ato do Governador
do Estado, com a côngrua correspondente aos vencimentos
de 1º Tenente. Foi empossado oficialmente a 03-05-60.
Revista do Instituto Histórico e Geográfico
de Montes Claros 94 Padre Agostinho, Capelão do 10º
Batalhão, em seu gabinete de trabalho.
............A adaptação
do padre Agostinho aos rigores da disciplina militar aconteceu
de forma espontânea, em razão da sua própria
formação cultural, como descendente de tradicional
família alemã, afeita aos mais severos mandamentos
religiosos. Em termos de hierarquia e disciplina, a Corporação
mais recebeu dele do que talvez lhe tenha emprestado, tal foi
a coincidência de princípios e atitudes cultivados
por ambas as partes. Era como se, há muito tempo, o pastor
conhecesse as suas ovelhas e essas, ao mesmo tempo, reconhecessem
a sua voz.
............Na rotina da caserna,
embora fosse “provocado” constantemente pelos mais
íntimos de seus pares, sobre a sua condição
de celibatário, privado pois, pela própria Igreja,
da prática de quaisquer atividades sexuais, respondia dignamente
que a própria natureza cuidava de resolver tal situação,
fazendo descarregar o seu organismo enquanto dormia, através
das chamadas “poluções” noturnas. Entre
risadas e cacoetes, a turma fingia que acreditava, deixando o
“pobre” capelão ainda mais vermelho do que
já era determinado pela própria etnia.
............Um dos grandes momentos
vividos pelo padre Agostinho nas fileiras da Polícia Militar,
já promovido a capitão, certamente
foi a sua integração à tropa do 10º
Batalhão designada para se deslocar até Brasília-DF,
durante o movimento revolucionário de 1964, que tinha como
objetivo impedir a “comunização” do
governo brasileiro nos moldes da Cuba de então, dominada
e manipulada pela extinta União Soviética, já,
naquela época, tiranizada pelo renitente ditador Fidel
Castro. A missão da tropa incluía, se necessário
fosse, a deposição do presidente da República,
João Belchior Marques Goulart, ou simplesmente Jango, que
se mostrava vacilante e até mesmo simpático aos
movimentos anarco-sindicalistas, através dos quais os comunistas
pretendiam conquistar o poder. O padre Agostinho, como cristão
e católico combativo, encontrou naquele movimento a oportunidade
de repelir as ideias do comunismo ateu, que ameaçavam dominar
a consciência do povo brasileiro. Em Brasília, o
Batalhão permaneceu por um mês, ocupando pontos estratégicos,
principalmente na região de Taguatinga, só regressando
a Montes Claros após a eleição de um novo
presidente da República pelo colégio eleitoral formado
pelos deputados e senadores ocupantes das cadeiras da Câmara
e do Senado federais. Pelo sistema de eleição indireta,
ainda hoje em vigor em várias nações do mundo
civilizado, foi sufragado o nome do marechal Humberto de Alencar
Castelo Branco, como primeiro presidente do novo regime implantado
pelo movimento revolucionário.
Oficiais do 10° Batalhão, sob o comando
do Cel Georgino Jorge de Souza, em
frente à Catedral de Brasília-DF, em abril de 1964.
Padre Agostinho é o último
à direita, de pé, em uniforme de campanha.
O
CELIBATO
............Nenhuma outra norma instituída
pela própria Igreja, sem qualquer apoio no evangelho cristão,
provoca conseqüências mais danosas do que o celibato
clerical em vigor no catolicismo romano. Atividades sexuais são
inerentes aos seres humanos, como a todo reino animal, até
mesmo como processo obrigatório para perpetuação
da vida. Entre os irracionais, a natureza instintiva regula os
procedimentos. Entre os humanos, contudo, premiados por Deus com
o livre arbítrio, carecem de normatização.
Isso, todavia, não autoriza eliminá-las, mas sim
orientá-las dentro de um padrão de conduta compatível
com a vida em comunidade.
............A Igreja de Cristo, ao
longo de seus dois mil anos de evangelização, encontrou
dificuldades de toda ordem para cumprir a sua missão. Não
foi diferente à época do papa Gregório VII
que, entre tantas reformas necessárias, teve a infelicidade
de proibir, sob pena de excomunhão, os sacerdotes de se
casarem, no ano de 1074. Com os cismas posteriores acontecidos
dentro da própria Igreja, restou quase que exclusivamente
ao catolicismo romano perpetuar tal proibição. Aí
os problemas estavam apenas começando. É defensável
que o celibato clerical seja uma opção pessoal,
mas jamais uma imposição. Arrebanhar jovens no despertar
da sexualidade e acreditar que essa torrente possa ser contida
é mais do que temerário, é insensato. Nem
mil anos de experiência malsucedida conseguiram convencer
a alta hierarquia da Igreja Católica Romana, a minha religião
de professada fé, das inconveniências e da ineficácia
do regime celibatário imposto aos seus sacerdotes. Pior
do que a incontinência sexual dos clérigos com pessoas
do sexo oposto são as constantes e sempre atuais denúncias
de homossexualismo e de pedofilia praticados nos recônditos
mais sagrados da instituição. Felizmente para mim,
que fiz parte do seu rebanho quando pertencia ao 10º Batalhão
da Polícia Militar, o padre Agostinho não se perverteu
com pessoas do mesmo sexo seu, o que seria uma prática
abominável. Assim como a minha Igreja já mudou e
até se penitenciou, em razão da odiosa prática
da Inquisição, que até há dois séculos
atrás mandava queimar os seus condenados em fogueira ardente,
está passando da hora de abolir, da sua legislação,
a danosa exigência do celibato clerical.
O
PROFESSOR
............Até a metade do
século passado, só raramente se encontrava um professor
com formação específica para lecionar em
qualquer escola que ousasse ir além do antigo curso primário,
correspondente hoje às quatro primeiras séries do
ensino fundamental. A solução imediata para tal
problema, quando não resolvido com os próprios professores
“normalistas”, era recorrer aos profissionais de outras
áreas, tais como advogados, engenheiros, médicos
e padres, para ocuparem as cadeiras de professor, mesmo que não
tivessem, para isso, a necessária e adequada formação
didáticopedagógica. Quanto aos padres, levavam vantagem
sobre outros profissionais, em razão de sua experiência
em salas de aula dos seminários.
............Com a instalação
do Colégio Tiradentes em Montes Claros no início
de 1964, foi o padre Agostinho designado para o cargo de diretor
substituto, considerando que o diretor titular, por lei específica,
era o próprio comandante do Batalhão. Isso, todavia,
não impediu que ele fosse designado diretor efetivo do
Colégio, no período de 25-05-65 a 28-02-66, ao mesmo
tempo em que ministrava aulas de Educação Moral
e Cívica.
............Terminou aí a
experiência do Capelão e do Professor José
João Beckhauser, o padre Agostinho, junto ao 10º Batalhão
e à Polícia Militar. A sua vida sofreu uma reviravolta
impiedosa, quando teve de abandonar o sacerdócio, premido
pelo terrível dilema de escolher entre o celibato, ou assumir
uma vida conjugal que já florescia e torturava a intimidade
já sofrida daquela criatura. Venceu a razão, mas
a Igreja perdeu o seu sacerdote e, em conseqüência,
a Polícia Militar perdeu o seu capelão e o Colégio
Tiradentes o seu diretor e professor. Ganhou a família,
que já se constituía de mulher e filha, que foi
legitimada pelo casamento civil,
realizado no cartório da cidade de Capitão Eneas
em 29 de janeiro de 1969, perante as testemunhas Jacinto Teixeira
da Silva, Nadir Landulfo Teixeira, Aderbal Murta de Almeida e
Maria Conceição Mendonça da Silva. O casamento
religioso somente foi realizado muito tempo depois, em 14 de setembro
de 1977, por questões burocráticas da própria
Igreja, quando o casal já comemorava o primeiro aniversário
de sua quarta filha, Lílian. Foi celebrante do casamento
Monsenhor Gustavo Ferreira da Silva, na presença de vários
outros sacerdotes. A cerimônia aconteceu na residência
dos cônjuges, transcorrendo com bastante discrição,
por recomendação de D. José Alves Trindade,
Bispo Diocesano.
Prof. Agostinho e sua esposa, Maria Honória,
no dia do casamento religioso.
Pela ordem de idade, as quatro primeiras filhas do casal: Agostinha,
Valquíria,
Consuelo e Lílian; a caçula, Telma, ainda não
havia nascido.
EPÍLOGO
............Após a legalização
da situação conjugal do ex-padre Agostinho, tanto
na área cível como na religiosa, era de se esperar
uma feliz retomada de vida em família. Mas a realidade,
muitas vezes, deixa de ser generosa, para apresentar a sua face
mais cruel. Dispensado da ordem clerical, onde laborara por mais
de vinte e cinco anos, e excluído da Polícia Militar,
onde exercera a capelania durante quase dez anos, o Professor
José João Beckhauser, sem deixar de ser o “Padre
Agostinho”, viuse desafiado para o início de uma
nova profissão, aos cinqüenta e três anos de
idade, como antigo professor de seminários e colégios
diversos. Contava ele com vasta experiência no Magistério,
mas “os tempos eram outros”, com o mercado de trabalho
recebendo as primeiras turmas de professores formados na antiga
Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras – FAFIL,
hoje integrada à UNIMONTES. A competição,
assim, ficou muito desigual, com os Ginásios e Colégios
preferindo os professores mais novos e mais capacitados tecnicamente.
Partiu o Professor Agostinho para a vizinha cidade de Capitão
Eneas, a convite do seu Prefeito, para lecionar no Ginásio
Eneas Mineiro de Souza. Tudo parecia caminhar bem, inclusive com
a promoção de nosso personagem a Diretor daquele
estabelecimento de ensino. Mas as feridas da alma do “velho”
sacerdote não cicatrizaram, diante das dificuldades materiais
para a manutenção da família em padrões
de dignidade. Da Polícia Militar tinha sido excluído,
a pedido, a partir do início do ano de 1966, por não
mais reunir condições legais para ser capelão,
sem qualquer parcela remuneratória de aposentadoria; da
Diocese, por algum tempo, recebeu apenas uma pequena ajuda material,
em espécie, para provisão de alimentos da família;
do magistério, finalmente, é que não viria
a paz financeira, pois que, até hoje, os abnegados trabalhadores
do ensino ainda lutam para que a sua remuneração
não fique abaixo do salário mínimo oficial
do país. Era muita pressão, material e espiritual,
para um “guerreiro” cansado, levando-o ao paroxismo
dos até então contidos vícios do cigarro
e da bebida alcoólica. O resto da história já
ficou registrado no início deste pobre e despretensioso
relato.
FIM
DE ESTIO NO SERTÃO
Luiz
de Paula Ferreira
Cadeira N. 19
Patrono: Caio Mário Lafetá
............Um cheiro bom que vem
na brisa da serra está anunciando que estamos outra vez
em setembro. O mês das tardes bonitas, de sol pálido.
Setembro das queimadas, das tardes calmas de fim de estio. No
sertão, as primeiras tardes da primavera têm um cheiro
bom de inocência. Envolve o ar que se respira o agreste
perfume das flores que engalanam as árvores desnudas para
a festa das primeiras chuvas. A presença dessas grinaldas
perfumadas representa algo que ao mesmo tempo encanta e surpreende.
Parece que a terra seca, adivinhando as chuvaradas próximas,
esbanja prodigamente as suas recônditas reservas de húmus
na elaboração do milagre dessas primeiras flores.
Dá gosto estar no campo nessa época. Há um
sossego manso espalhado em tudo. Uma doce expectativa nos seres
e nas cousas. Tudo espera pelas chuvas, até a altaneira
serra que deseja lavar-se do fumo das queimadas e de novo cobrir-se
com o vestido verde das folhagens jovens.
............Quando os raios do sol
se fazem mansos, já vizinhos do ocaso, sente-se uma doçura
infinita no ambiente expectante. Bandos de pássaros despedem-se
do dia com a festa de seu variado canto. Andorinhas vadias, soltas
no céu marchetado de rosa e bonina, cruzam-se ligeiras
no ar, trocando entre si não sabemos que segredadas mensagens.
Cigarras cantadoras orquestram o entardecer com a beleza triste
de seu estridular sonoro e grave.
............E a tarde se esvai, saudada
pelo mugido melancólico do gado de pastoreio. O homem,
quase ausente na paisagem, é às vezes apenas adivinhado
na poesia comovente de um aboio distante. Ou nas compassadas batidas
de um machado que em alguma parte trabalha em tronco rijo.
............Com o cair do crepúsculo,
vão-se calando, pouco a pouco, todos os rumores. E um quase
silêncio envolve a natureza, quando sobre o horizonte longínquo
a papa-ceia anuncia que vai nascer a noite estival.
ACOLHEDORA
CIDADE
Luiz
de Paula Ferreira
Cadeira N. 19
Patrono: Caio Mário Lafetá
............Cidades há, como
certas mulheres, que possuem o dom de despertar amor à
primeira vista. Montes Claros é uma dessas cidades privilegiadas.
Sua fama corre longe. De cidade aprazível, de gente acolhedora.
Cidade para se trabalhar, ganhar dinheiro, fazer amigos, viver
em paz, aproveitar a vida.
............Os que vêm de fora,
cedo aprendem a gostar da carne de sol, do pequi, do araticum.
E encantam-se com a riqueza do folclore e com o profundo azul
do vasto céu sertanejo, recamado de estrelas, em noites
estivais.
............Sou descendente dos fundadores
de Montes Claros mas não nasci aqui. Vim de fora. Sou personagem
do êxodo rural. Mas meus pais, minha esposa e meus filhos
são montes-clarenses de nascimento.
............Vim para Montes Claros
com 9 anos de idade. Para aprender a ler, escrever e contar, como
se dizia naquele tempo. Matriculeime no Grupo Escolar Gonçalves
Chaves, no casarão da rua Cel. Celestino, único
então existente. Ali recebi lições de sabedoria
e carinho
de uma plêiade de professoras admiráveis que ensinavam
por verdadeira vocação. Recordo-me bem das professoras
Lainha de Oliveira, Conceição Fernandes, Noeme Figueiredo,
Mercês Prates, Helena Prates, Aurora Andrade, Eponina Pimenta,
Augusta Valle e mestra Júlia, entre outras. E do diretor,
professor Álvaro Prates, cidadão de inexcedíveis
virtudes e educador dos mais competentes que já conheci.
Sugiro aos nossos administradores lembrarem-se do nome dele quando
forem criar uma nova escola estadual.
............Minha primeira profissão
aqui foi a de engraxate, na rua Simeão Ribeiro, em frente
a um bar onde hoje é a Lanchonete Cristal. Na ocasião
eu ganhava também uns trocados mergulhando no Rio Pai João
para apanhar intãs, uma pequena concha encontrada no fundo
dos rios e que eu vendia na Fábrica de Botões de
Cel. Antônio dos Anjos, pai do escritor Cyro dos Anjos.
Nesse trabalho apanhei uma esquistossomose da qual só me
curei 20 anos depois.
............Trabalhei ganhando salário
mínimo em lojas e armazéns de cereais. Trabalhava
durante o dia e estudava à noite. Foi decisiva em minha
vida a formação em contabilidade. Foi como contador,
trabalhando muito e economizando, que consegui montar minha própria
empresa, com a venda da qual pude alimentar o sonho de trazer
para Montes Claros a fábrica de tecidos mais moderna do
país. Na ocasião eu afirmava que aquela fábrica
pioneira iria dar começo à formação
de um polo têxtil na Área Mineira da Sudene. Muitos
não acreditaram no que eu dizia. Mas esse sonho também
se realizou. Hoje estão ai 10 fábricas, sete aqui
e três em Pirapora. Algumas delas com a mais moderna tecnologia
existente no mundo. Continuo acreditando, como sempre acreditei,
no futuro de Montes Claros. Não só pela sua condição
de polo natural da região, mas principalmente porque o
montes-clarense é trabalhador, inteligente e criativo.
JOSÉ
AUGUSTO FREIRE
Maria
Clara Lage Vieira
Cadeira N. 100
Patrono: Wan-Dick Dumont
............Um artigo de um antigo
jornal de Bocaiuva, assinado por Toninho Versiani, coloca-o entre
os ”bocaiuvenses que dignificaram o município”.
............É uma figura ímpar.
As pessoas que o conheceram têm sempre uma palavra boa para
falar sobre ele.
............Não o conheci,
mas convivi e ainda convivo com sua filha Maria do Rosário–Rosarinha,
para nós – e, se o ditado:”os filhos são
o espelho dos pais” é verdadeiro, tenho a certeza
de que estou diante da vida de uma pessoa simples, amiga, sincera,
honesta, alegre, sempre disposta a ajudar.
............Pelas informações
que tive sobre ele, o caráter da filha se assemelha ao
seu.
............Nas cidades pequenas,
as pessoas, principalmente as mais conhecidas e populares, têm
um apelido e, se alguém pergunta informações
pelo seu nome de batismo, ninguém sabe informar nada. Mas,
se for citado o apelido, a coisa é diferente.
............José Augusto Freire
era conhecido como “Zé Tinozinho”. Era filho
de Manoel Freire da Fonseca e de Dona Maria das Mercês Caldeira.
O pai se casara com ela em segundas núpcias. Ele nasceu
em Bocaiuva, aos 14 de outubro de 1889.
............Foram seus irmãos:
Carmina Augusta Freire, do primeiro casamento de seu pai, José
Catolino e Joana Versiani, do segundo casamento.
............Desde cedo, mostrou seu
interesse pelo bem-estar do povo e sua vontade de ajudar em qualquer
situação.
............Exerceu várias
atividades, das mais humildes às mais ilustres, com competência,
responsabilidade, honestidade.
............Foi seleiro, comerciante
e funcionário municipal e, em cada função,
procurou ajudar as pessoas com quem lidava,tentando resolver os
seus problemas, animando, conversando, aconselhando.
............Casou-se com Dona Maria
Júlia Coutinho Freire, constituindo com ela uma família
de sete filhos: Rosarinha, Maria das Mercês, Adauto, Lourdes,
João, Marcos e Luiz.
............Foi esposo dedicado,
pai amoroso, muito preocupado em dar uma boa educação
e um bom exemplo aos filhos.
............Por muito tempo, foi
Juiz de Paz do município, demonstrando nessa função
que, na época, não era remunerada, toda a sua dedicação
pelo povo de sua terra e a firme vontade de fazer dessa gente
uma comunidade mais feliz.
............Resolvia os mais complicados
casos, tanto na cidade como na zona rural. Emprestava aos casos
que se lhe deparavam toda a sua elegância, calma, equilíbrio,
ponderação e amizade.
............Era respeitado por suas
atitudes e suas decisões eram sempre acatadas. Agia com
tal serenidade e justiça que, sempre que faltava o Juiz
de Direito no município, ele era nomeado para suprir a
falta do magistrado titular.
............Percorrendo longas distâncias
na zona rural, ficou conhecendo o município nos seus pormenores
e, por onde passava, era conhecido e estimado e também
sabia estimar e respeitar as pessoas do lugar.
............No seu afã de
filantropia, foi um dos fundadores do Asilo São Vicente
de Paula e da Liga Católica da Paróquia do Senhor
do Bonfim.
............Zé Tinozinho faleceu
em 1974, aos oitenta e cinco anos de uma vida íntegra,
útil, exemplar.
............Seria bom que a posteridade
conhecesse a existência de um cidadão como José
Augusto Freire, para que os jovens pudessem se espelhar nos seus
exemplos e cultivar os valores autênticos.
............O passado já não
existe, é certo, mas a herança que dele recebemos,
o que se construiu de bom nos tempos idos pode ajudar o nosso
presente e o futuro para que, com boas idéias e atitudes,
possamos construir um mundo melhor.
............Que seja conhecida de
todos a figura de Zé Tinozinho, personalidade marcante
na história de Bocaiuva e digno modelo para sua descendência
e para toda a juventude.
DO
DESEMBARGADOR VELLOSO AO
PROFESSOR ARTHUR VERSIANI VELLOSO
Maria da Glória Caxito Mameluque
Cadeira nº 40
Patrono: Georgino Jorge de Souza
............Desde que conheci meu
marido, nos idos de 1959, ele sempre me falava com admiração
e respeito do Dr.Arthur Versiani Velloso, que conheceu no Colégio
Marconi, em Belo Horizonte e que tinha raízes fincadas
em Montes Claros. Pesquisando, descobri que Dr. Arthur Versiani
Velloso era o filho caçula do Desembargador Antônio
Augusto Velloso, patrono da Cadeira N. 1 da Academia Montesclarense
de Letras, que tenho a honra de ocupar. Nasceu o Desembargador
na Vila de Montes Claros de Formigas, em 31 de outubro de 1856,
filho do Cel. Gregório Velloso e Dona Joana Batista de
Aguiar Godinho. Em 1870 foi para Diamantina a fim de fazer o Curso
de Humanidades e depois para o Rio de Janeiro para continuar os
estudos. Foi professor de Latim e filosofia e ainda estudante
do 1º ano de Direito, coube-lhe colaborar na Tradução
Literal das Obras de Horácio. Em 1880 casou-se com Dona
Elisa Versiani, filha do Dr. Carlos Versiani, tendo onze filhos:
Augusto, Carlos, Mário, Oscar, Gregório, Joana D´Arc,
Gabriela, Maria Elisa, Helena, Zélia e ARTHUR VESIANI VELLOSO.
Elegeu-se Deputado à Assembléia Provincial, para
legislaturas de 1882 a 1884 e 1886 a
1889. Proclamada a República foi eleito Senador à
Constituinte Mineira, mas renunciou ao mandato por ter sido nomeado
Juiz de Direito da Comarca de Diamantina, em 1892 tendo sido promovido
à Comarca de Ouro Preto, onde permaneceu por mais de 15
anos e dali removido para a Capital. Em 22 de agosto de 1919 foi
promovido a Desembargador, cargo que ocupou até o seu falecimento,
em 14 de fevereiro de 1924. Foi o pioneiro da Imprensa do Norte
de Minas, fundando em Montes Claros o semanário CORREIO
DO NORTE, cujo primeiro número circulou em 24 de fevereiro
de 1884. Entre suas obras, destacam-se: Lições Cívicas,
Manual Eleitoral, Coletâneas Jurídicas e outras,
sendo autor da primeira Monografia Histórica, Estatística
e Topográfica do Município de Montes Claros.
............A Rua Dr.Velloso é
uma homenagem ao Desembargador Velloso, por sua grande importância
na história de Montes Claros.
............Dr. Arthur Versiani Velloso
nasceu em 1908 no município de Ouro Preto e faleceu em
Belo Horizonte, em 1986. Professor de Filosofia e um dos fundadores
da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras - atual Faculdade
de Filosofia e Ciências Humanas da UFMG. Formou-se em Direito
e tornou-se doutor em Filosofia em 1949. Era catedrático
de História da filosofia da UFMG e membro da Academia Mineira
de Letras, ocupando a Cadeira de número 18 que tem como
patrono Silva Alvarenga e fundador Estevam Oliveira. Ele foi a
própria Filosofia nos anos em que empolgou centenas de
estudantes para os estudos filosóficos nas suas aulas no
Colégio Marconi e na Faculdade de Filosofia da UFMG. Era
um kantista e como admirador de Emmanuel Kant viajou duas vezes
à Alemanha para realizar em Koenisberg, com o corpo docente
da Universidade, a famosa “stoa” kantiana ao túmulo
do mestre alemão. Tal era sua admiração por
aquele filósofo que mandou fazer, em Belo Horizonte, uma
réplica em granito, da sua pedra tumular onde estão
gravadas as imortais palavras com que é concluída
a Crítica da Razão Prática: “Duas coisas
enchem o meu espírito de admiração e respeito,
sempre novos e crescentes,
quanto mais sobre elas reflito: o céu estrelado sobre mim
e a lei moral em mim.”
............Sobre ele escreveu o
Professor e Doutor Antônio Ribeiro de Almeida Júnior:
............“Tive a honra de
ter Mestre Velloso na minha banca de Doutoramento, quando em 1973
defendi minha tese de Psicologia Social. Sua argüição,
como não poderia deixar de ser, foi inteligente e crítica.
Mas Mestre Velloso foi, sobretudo, um personagem. Onde encontrá-lo?
Nas aulas de Filosofia? Nas conversas despreocupadas na Livraria
Agir, seja com algum aluno ou com Pedro Aleixo ou Milton Campos;
ou nas páginas do ‘Amanuense Belmiro’, consagrado
romance de Cyro dos Anjos onde ele é retratado como Silviano,
o filósofo de um grupo de rapazes que discute na bucólica
Belo Horizonte dos anos 30 os problemas da vida? Sua pessoa sempre
foi multifacetada e como lhe assentava bem a divisa que Descartes
adotara: “Je me caché – Eu me oculto”.
Quem ia visitá-lo na Rua dos Aymorés, ao lado da
Igreja da Boa Viagem deparava logo na ante-sala, com um grande
retrato de René Descartes que sorria enigmaticamente para
o visitante. Hoje, desejo nestas memórias, exercitando
o coração e a razão, deixar registrada como
era a sua relação com os seus alunos nos anos 50.
Este testemunho é necessário, porque nossa época
é marcada pelo quase total desaparecimento do Mestre para
em seu lugar surgir apenas o professor, o técnico e o especialista.
Se Marcel Proust mastigava sua ‘madaleine’ para recuperar
o seu tempo perdido eu demoro, nesta tarde de verão do
ano 2001, os meus olhos sobre alguns dos livros com que fui presenteado
pela sua generosidade. Lá está a sua tradução
de ‘Da necessidade metafísica do Homem’, de
Schopenhauer, a ‘Histoire de La Philosophie Moderne’
de Roger Verneaux e de E. Kant o ‘La Religion dans les limites
de La simple Raison’. Todos traziam, em letras garrafais,
uma gentil dedicatória, como esta: ‘Para Antônio
Ribeiro de Almeida, mais esta recordação do Prof.
Velloso, em julho de 1959’. Era com prazer que ele presenteava
os estudantes daquela classe de Filosofia com os livros que importava
da França.
Mas conheci Mestre Velloso quando ainda fazia o antigo curso Científico.
Foi num Curso de Férias que ministrou, no início
de 1952, no Instituto de Educação. Eu havia chegado
a Belo Horizonte para tentar a vida, estudar e fazer o Exército.
Enquanto procurava um emprego, resolvi aproveitar a parte da manhã
para fazer aquele curso que vira anunciado num jornal. Da minha
pensão de estudante pobre, em plena Avenida Amazonas, quase
esquina com a Praça 7, caminhava ao longo da Afonso Pena
aspirando o doce aroma que vinha do Parque naquelas belas manhãs,
então belorizontinas. O Instituto de Educação,
imponente em suas colunas dóricas, foi para mim o que deve
ter sido a ágora de Atenas para os amigos de Sócrates.
Ali entrava experimentando grande felicidade e na expectativa
que os problemas do sentido da vida, da verdade, do bem e do mal,
estavam encontrando um encaminhamento. Era preciso chegar antes
das sete horas. A sala estava sempre lotada e os melhores lugares
eram disputados pelos alunos. No fundo, ocupando quase toda a
mesa com o seu corpo gigantesco, Mestre Velloso impunha uma presença
muito forte que nunca mais percebi em outros professores. O que
logo se destacava era sua vasta cabeleira, algo desorganizada,
revolta e a voz poderosa. A eloqüência com que ministrava
suas lições ia num crescendo para terminar num clímax
que a todos encantava. Os seus olhos quase não eram vistos.
Grossas lentes, marrons
ou verdes, os ocultavam da nossa curiosidade. No rosto moreno,
a boca e os lábios compunham uma máscara indecifrável.
Nas palavras deixava transparecer uma ironia apenas sugerida.
Assim procedendo ele nos fazia participar de um diálogo
fantástico e nos fazia crer que éramos mais inteligentes
e cultos do que realmente éramos. O tempo corria célere
e o final da aula chegava para o desgosto de todos nós.
O Mestre nos fizera conviver, quase como familiares, com Sócrates
ou Platão ou Aristóteles e despertara em nós
toda antipatia do mundo pelas Xantipas que não entendiam
a missão do filósofo. O real, o que era afinal?
Belo Horizonte era Belo Horizonte ou Belo Horizonte era Atenas?
E com os passos medidos, olhos cheios do azul, eu voltava, sem
pressa, para o meu dia a dia. À noite, no quarto acanhado
que compartilhava com um camelô, abria, cioso, o meu Leonel
Franca e tentava, pelo estudo, recuperar e fixar o que fora ensinado
naquele dia. Mas como o estudo era árido. A informação
objetiva, segura e fria de Franca não substituía
todo o deslumbramento que Mestre Velloso havia criado em mim com
sua exposição. Ali, no Instituto de Educação,
bem antes de terminar o meu curso científico, resolvi abraçar
a Filosofia Queria participar daquele grupo de homens que vieram
ao mundo para tentar compreender o sentido da Vida e do Universo,
e aos quais não seduzia a busca de riquezas, do poder ou
viver para satisfazer suas paixões. A filosofia seria o
meu penacho. Dois anos depois entrei, finalmente, no curso de
Filosofia para ser aluno de Mestre Velloso. Nas aulas pude então
perceber todo o espírito, toda a ironia, ora sutil ou sardônica,
com que Mestre Velloso flagelava os apedeutas e aqueles que traiam
o espírito do ‘clerc’. Não era por acaso
que um dos seus textos e leitura obrigatória era o Le Trahison
dês Clercs, de Julien Benda. Suas aulas eram dadas, preferencialmente,
aos sábados, toda tarde. Lá pelas 18 horas saíamos,
a seu convite, bebericar um chope no Alpino, numa situação
descontraída e livre onde ele nos colocava informado da
política universitária e de acontecimentos culturais
de repercussão mundial. Sentia-me, como outros colegas,
como pagens daquela confraria cujos cavaleiros já sagrados
pelo estudo e dedicação ao Mestre eram Morse Belém
Teixeira, da Sociologia; Amaro Xisto de Queiroz, da História
e Luis Bicalho, filósofo e comunista histórico.
............Como outros alunos seus,
o Mestre obrigou-me a estudar uma língua estrangeira. Desejava
que dominasse o alemão para ler Kant no original. Não
passei, contudo, do francês, das leituras de Descartes,
Montaigne e Sartre. A leitura do Discours de Descartes, na edição
comentada de Adam Tannery, era obrigatória. Seus artigos
eram publicados pela revista Kriterion, que existe até
hoje, e que foi no Brasil, durante muitos anos, a única
revista de Filosofia publicada com regularidade. Era comum que
nos mandasse procurar o Teobaldo, secretário da revista,que
já fora instruído para nos dar um exemplar de Kriterion
sem nada cobrar. Tudo isto acontecia numa Belo Horizonte que vivia
um período
de grande agitação cultural e ideológica.
A capital de Minas Gerais deixava de ser provinciana e ganhava
em cosmopolitismo. Foi a época da criação
do Teatro Universitário com o diretor italiano Giustino
Marzano; da Ação Católica e da influência
de Jacques Maritain sobre os pensadores católicos, e dos
comunistas do partidão que exibiam no restaurante universitário
os alfinetes ‘made in URSS’ com a foice e o martelo.
Do lado da Literatura surgia a estrela de Heitor Martins que fez
traduções de Boris Pasternack, o grande dissidente
russo. Curiosamente era uma época de aberturas, de diálogo,
do Julião com suas Ligas Camponesas. Um comunista que se
prezava conhecia bem o seu Marx, Lênin e Stálin e
sem nenhuma arrogância procurava converter seus colegas
universitários para o Partido. Mestre Velloso tudo isto
acompanhava à distância. Hoje, penso que ele talvez
cultivasse aquele ‘pathos da distância’ de que
nos fala Nietzsche. Nunca, contudo, nenhum professor foi mais
próximo de nós. Acredito que dele herdei um grande
e desinteressado amor à Cultura e à Filosofia. Herdei,
finalmente, um espírito livre que só pode nascer
da crítica. Como sua enfermidade foi longa e penosa, a
morte veio como uma libertação. Sei que finalmente,
na sua ironia, ele poderia me pedir um fantástico diálogo
post mortem que eu sacrificasse por ele um galo a Esculápio
(Ver o sentido deste pedido em Platão, Phedon, Ed.G.Budé).
Minha fé católica me impõe o suave dever
da oração e uma visita ao seu túmulo. Por
tudo isto é que, a partir de agora, belo Horizonte estará
insistentemente sussurrando aos meus ouvidos: “Por que não
vais a Belo Horizonte? Volta lá”
_____________________________
(Texto
do Professor Dr. Antônio Ribeiro de Almeida, Jornalista
e escritor de São José do Rio Preto, SP. Doutor
em Psicologia Social, FFCLRP-USP, disponível em HTTP://ribalmeida33.wordpress.com/2010/05/06/).
______________________________________
“OS
BARES NUNCA FECHAM”
Maria
Luiza Silveira Teles
Cadeira N. 42
Patrono: Geraldo Tito da Silveira
“Se
chegue, tristeza
Se sente comigo
Aqui, nesta mesa de bar
Beba do meu copo
Me dê o seu ombro
Que é para eu chorar
Chorar de tristeza
Tristeza de amar”
Vinícius
de Moraes
............Bares existem em qualquer
lugar do planeta. Alguns luxuosos, cheios de beleza e arte, outros
modestos, e mesmo “copos sujos”. Neles, de qualquer
forma, em grupo ou sós, celebra-se a Vida, afogam-se as
mágoas, as tristezas, a saudade, um amor não correspondido,
brinda-se aos que se foram... Alguns enquanto bebem escrevem poemas
nos guardanapos, viajando por seu interior e contemplando e registrando
o que ali acontece.
............Karla Celene Campos,
poetisa de boa cepa, já visitou um bocado deles. Do Brejo
das Almas, com seus bares tão peculiares, assim como os
de Montes Claros – em especial a extinta e saudosa “Cachaçaria
do Durães”, nosso ponto de encontro dominical –
os bares da Estrada Real, Diamantina, São Gonçalo,
Milho Verde, etc. até os de Espanha e Portugal.
............E nesta sua jornada,
em estado de deslumbramento com a vida e as gentes, ela vai fazendo
suas anotações em guardanapos. E destas anotações
nasceu uma grande, fascinante e bem estruturada obra: “Os
Bares nunca Fecham...”. Amo Karla. Não apenas porque
é minha prima, mas, acima de tudo, por sua grandeza, com
um riquíssimo universo interior, a encarnação
da Alegria, do Entusiasmo, da Paixão.
............Amo as pessoas que vivem
com paixão, sempre repito isto. Aquelas que se entregam
intensamente, que saboreiam cada minuto como se fosse o último.
Pessoas que só sabem ver a Beleza da vida, de braços
e coração abertos. Pessoas que desconhecem a inveja,
sentimento menor que toma conta daqueles que não têm
asas.
............Sem dúvida alguma,
e sei que todos haverão de concordar comigo, Karla é
uma grande estrela. Quando ela nos mira, seus olhos brilham. Ela
está sempre em estado de deslumbramento, aquele estado
de êxtase que confessa Fernando Pessoa gostaria de estar,
“como se acabara de nascer”. Ela é poeta, contadora
de “causos”, filósofa, bailarina, atriz. Deus
a fez completa, em minha visão. E, além do talento,
Ele lhe deu um companheiro de verdade e filhos maravilhosos.
............Tudo que ela faz o faz
com beleza e consistência. Sua formação intelectual
é sólida. Assim, ela pode navegar, corajosamente,
por todos os mares, que jamais perderá o rumo. Ela sabe
que sempre haverá um cais à sua espera, com um bar
pelas cercanias, onde, sozinha ou em grupo, levantará o
copo, brindando à vida, o amor, a saudade, a amizade e
a todos os artistas de todas as épocas e lugares.
............Ela sempre busca o néctar
das melhores flores. Desta forma, em tudo que escreve percebemos
o universo de múltiplos olhares, autores que a marcaram
em toda a sua trajetória.
............Karla ama os livros,
assim como eu. Vivemos mergulhadas neles e amamos sentir-lhes
a textura, a tessitura, o cheiro de coisa antiga e guardada ou
o de tinta fresca. Entristeço-me muito quando alguém
me diz que não lê porque tem preguiça de fazê-lo.
Sinto piedade destes. Nunca haverão de “navegar por
mares nunca dantes navegados” e seu universo será
sempre restrito. Aliás, Carlos Ruiz Zafón, autor
espanhol de uma das melhores obras que já tive o privilégio
de ler, “A Sombra do Vento”, comenta, com muita propriedade:
“ (...) a arte de ler está morrendo muito aos poucos,
(...) é um ritual íntimo, (...) um livro é
um espelho e só podemos encontrar nele o que carregamos
dentro de nós (...), colocamos nossa mente e alma na leitura,
e (...) esses bens estão cada dia mais escassos”.
A verdade é que as pessoas não leem porque são
pobres interiormente.
............Nélida Pinõn,
orgulho de nossa literatura, a primeira mulher a presidir a Academia
Brasileira de Letras, confessou à Revista Isto É
que “considera empobrecido nosso cenário cultural
pela massificação e pela deficiente formação
educacional do brasileiro. (...) É um país onde
a leitura é uma raridade”. Quem não lê,
pouco tem a oferecer em termos literários. Como emocionar
e alavancar o leitor se não se faz uma única reflexão?
Karla, entretanto, com sua riqueza interior, nos move e comove.
Mesmo quando escreve prosa ela não abandona o seu estilo
poético, com suas figuras de linguagem. Vejamos: “
o negror de um céu órfão de estrelas”,
“a imensidão oceânica se ofereceu sem pudor”,
“o sol fingia que era verão”, “ mastigou
a maciez de cada sílaba, bebeu a doçura do conjunto
de suas letras, aspirou o perfume que parecia saltar do nome soletrado”,
“a chuva executava um balé enlouquecido”, “sei
o cheiro do tempo que passa, da página que é virada,
da vida que se vai”... “Desavergonhadamente, sem ao
menos um fiapo de nuvem a ocultar a sua nudez, sem nenhum pudor,
a Lua se entregava feminina aos olhares e aos telhados, exageradamente,
artisticamente, platonicamente - acessível aos olhos e
aos corações, deixando, entretanto, em cada boca,
o gosto acre-doce dos amores impossíveis, de amores que
não estão ao alcance das mãos”. E por
aí ela vai nos encantando.
............Durante toda a narrativa
ela também filosofa e vê o aspecto social e político
da nossa era. Mergulhemos, mais uma vez, em suas palavras: “Comum
aos mortais é a dor de viver. Algumas pessoas, no entanto,
tomam providências para que a convivência com tal
dor não se transforme num vazio existencial inútil.”;
“A mocidade e os mistérios. O futuro incógnito,
o presente de prazeres e angústias. Um tesão enorme
pela vida e ao mesmo tempo um grande medo dela...”; “Inversão
de valores. Pobreza espiritual. Pobreza nas conversas. Papos desinteressantes.
Pobreza musical. Repararam no tipo de música que faz sucesso
hoje? Música?!
............Um tecnologismo desumano
se apodera do deslumbrado e despreparado humano, que não
está sabendo como lidar com isso. O que seria uma forma
de facilitar a vida, garantir o tempo para o ócio e o prazer
tornou-se mecanismo exigente que só faz roubar mais o nosso
tempo. Tanta pressa, pressa tanta pra quê, se já
não há tempo para o bom-humor?
............Aquecimento global, violência
generalizada, falta de espiritualidade, planeta doente... “Ano
2008: John, a utopia acabou”.
............Karla é gente
e se mostra sem pudor. Ela grita, ela sangra, ela ama, ela nos
coloca um punhal no peito enquanto navegamos pela beleza de seus
mares, assim como ela fala da poesia de Elthomar Santoro: “A
poesia de Santoro é feita para sangrar, incomodar, doer;
para nos libertar das mediocridades e mesmices (...)”. Ela
se identifica com o poeta porque ela, também, por sua vez,
faz o mesmo conosco.
............Ah, a beleza da viagem
que nos descreve, o estado de encantamento e fome em que nos põe!...
Cada vez a gente tem sede de mais e mais... Não queremos
que a leitura termine! É tudo muito intenso! É brasa,
é carne, é gelo, é lágrima, é
riso...
............Karla, com sua literatura,
assim como Miriam Carvalho e alguns tantos montesclarenses, nos
dá orgulho da terra! Ela sempre será lembrada por
seus registros cheios de encanto. Sua prosa e seus versos serão
eternos, assim como daqueles que, pela vida afora, souberam nos
tocar, emocionar e ajudar no processo de crescimento, no salto
quântico. Ainda falando sobre ela, posso usar suas próprias
palavras para mostrar a sua beleza e o esmero de sua obra, quando
ela descreve o artista e o sertão: “o artista sabe
que, se não há como deter o tempo, pelo menos é
possível fazer com que a página virada não
se perca no branco da falta de formas, da falta de cores, da falta
de almas. Sabe que, através da arte, a vida não
se esvai.
............Misturando formas, cores
e almas, o artista pinta o cenário. Teima em insistir na
vegetação que insiste em vida, mesmo se chuva não
há, mesmo se ajuda não vem.
............Faz surgir o marrom,
o cinza, a terra e a poeira na cerca de madeira, no adobe e no
sapé. Faz surgir a serra azul, a terra vermelha e a fé
na pequenez do homem que conta com a grandeza de Deus pra levar
a vida. Pra continuar a lida. Pra abençoar os seus.
............Como quem faz poema.
Como quem faz canção. Compõe cenário
que deixa vazar a vida dos homens de vida vazia, dos homens de
luz e barro que compõem este cerrado. Que lutam pela existência,
que vivem de brisa e de insistência; de resistência
e sertão”.
............Eu, também, Karla,
ao ler esta sua mais nova obra, “preciso da mudez de bocas
caladas pra poder agasalhar na alma todas estas sensações”.
Você sempre será plena e por isso alcançará
a plenitude em seus versos, em seus gestos, em palavras e canções.
............Você ainda está
no verão da vida e terá muito caminho pela frente,
muitos registros a serem feitos por sua pena e seu rico coração.
Já eu, termino o outono e antevejo o inverno... Entretanto,
meu coração desconhece esta realidade e sempre haverá
de
sentir que é primavera... Você tem razão,
“bares têm alma, têm personalidade”. E
num desses bares quaisquer de nossas vidas, estarei sempre a esperar
por você para brindarmos a primavera eterna de nossas almas,
aos amores perdidos, à saudade teimosa, à vida sem
razão, mas, também, em sua eterna beleza.
............Em seu “Os Bares
nunca fecham...” você nos lembra da efemeridade de
tudo e, de maneira belíssima, chama o poeta para atestar
a verdade do que coloca:
“Que é a vida? Uma ilusão,
Uma sombra, uma ficção;
O maior bem é tristonho,
Porque toda a vida é sonho
E os sonhos, sonhos são.”
Calderón de la Barca
............Brindemos os sonhos e
vamos vivê-los enquanto vida houver! E continuemos as nossas
anotações...
INVENTARIANDO
ITACAMBIRA
Marta
Verônica Vasconcelos Leite1
Cadeira N. 17
Patrono: Auguste de Saint Hillaire
Resumo:
Estudo sistemático da oferta turística
da cidade de Itacambira, município norte-mineiro com um
rico conjunto de recursos naturais, culturais e históricos,
conhecidos desde o Brasil Colonial.
Palavras-chave: Itacambira, Turismo, Patrimônio
Cultural, Preservação, Recursos Naturais.
INTRODUÇÃO
............A cidade de Itacambira,
situada no Vale do Jequitinhonha, Minas Gerais, é uma jóia
colonial no alto da Serra Geral, encrustada entre várias
nascentes de rios e uma vegetação de cerrado e campos
rupestres de rara beleza.
............Distante 509 quilômetros
de Belo Horizonte e 94 de Montes Claros, o município conta
com população aproximada de 5.000 moradores, distribuídos
na área urbana e zona rural. Encontra-se a 1.300 metros
de altitude acima do nível do mar e apresenta clima tropical,
com temperatura média anual de 18 graus centígrados2.
............Em Tupi-Guarani, língua
de seus primeiros habitantes, Itacambira significa pedra pontuda
que sai de dentro da mata fechada, numa referência à
Serra de Santana, que desde remotas eras servia de guia para os
viajantes que por lá passavam.
............Situada a oeste da cidade
e ladeada por uma ampla e bela proteção natural,
a serra recebeu a atual denominação devido a uma
formação rochosa ali encontrada, a qual lembra uma
silhueta feminina embalando uma criança. A visão
de tal quadro é possível somente para aqueles vindos
do norte, no sentido Botumirim/Itacambira.
............Mas a Serra de Santana,
marco natural que confere a Itacambira sua denominação
e destaque geográfico, não é a única
boa surpresa reservada a seus visitantes. Há ali muito
mais a ser desvendado, caminhos que nos contam um pouco da história
não somente da cidade, mas de Minas Gerais e também
do Brasil.
HISTÓRIA: BANDEIRAS E LENDAS
............Considerando que toda
cidade possui um marco histórico inaugural de grande significado
para o seu povo, em Itacambira não é difícil
descobri-lo: trata-se da chegada à região da Bandeira
de Fernão Dias Paes Leme, evento ainda hoje cercado por
muita curiosidade e mistério.
............Márcio Leite3
no livro Paulistas e Mineiros – Plantadores de Cidades,
registra: “é evidente a constatação
de que faltou na leva de Fernão Dias um escrivão
para anotar os fatos diários, as proezas e principalmente
o roteiro.”
............Entretanto, não
é total a escassez de registros que atestam a autenticidade
da tradição oral que consagra o bandeirante como
fundador da cidade. O documento que mais força tem na constatação
da origem de Itacambira é uma carta do estudioso e primeiro
bispo de Montes Claros, Dom João Antônio Pimenta,
filho do Vale do Jequitinhonha e, portanto, também personagem
dessa história.
............Dirigindo-se ao historiador
Diogo de Vasconcelos, o religioso escreveu, em 1926:
Venho dar a Vossa Excelência uma notícia
que será, por certo, muito agradável: a descoberta
da prova real de ser Itacambira, como Vossa Excelência
afirma com segurança na obra “História
Antiga de Minas Gerais”, o local da mina de supostas
esmeraldas descobertas por Antônio Dias Adorno e redescoberta,
depois de perdida por muitos anos, por Fernão Dias
Paes Leme, depois de heróicos sacrifícios4.
............Na seqüência
do documento, o bispo descreve ter encontrado a cerca de cinco
quilômetros do velho arraial a grande lagoa Vapabussu, formada
pela união dos córregos Itacambirussu5
e Sujo. No momento em que escrevia, a lagoa encontra-se toda coberta
por um lençol de areia e obstruída por grandes serviços
de mineração, como se encontra até hoje.
............Apesar de se tratar de
uma história bastante conhecida em todo o país,
a saga de Fernão Dias Paes Leme, paulista que recebeu do
Governo Português a incumbência de desbravar o Brasil
em busca de índios e riquezas mineirais, merece um pequeno
resumo6.
............O grande líder
da bandeira teria saído de São Paulo em 1674 aos
67 anos de idade rumo ao sertão mineiro. Desde sua partida,
habitava nele a esperança de encontrar a famosa Serra Resplandecente,
que seria uma montanha de Esmeraldas.
____________________________________
1-Professora
Mestra da Universidade Estadual de Montes Claros e das Faculdades
Integradas Pitágoras.
Trabalho realizado a partir de inventário turístico
do Curso de Turismo e Hotelaria das Faculdades Integradas Pitágoras
de Montes Claros.
2- Dados retirados do site: www.descubraminas.com.br em 05/10/2005.
3-Leite, M. in: Pires, 1979, p. 79.
____________________________________
............A Bandeira avança
de Sabará/MG à Barra do Guaicuí pelo Rio
das Velhas e de lá, guiada por indígenas, chega
ao Norte de Minas.
............Em determinado momento
de sua trajetória, Fernão Dias, já velho
e doente, é informado de que seu filho bastardo, José
Dias Paes, pretendia substituí-lo à frente da comitiva,
o que o levou a jurar que mataria aquele que ousasse lhe tirar
o comando da Bandeira. O palco de tal episódio, situado
à margem da estrada que leva a Itacambira, passou então
a se chamar Juramento, hoje cidade.
............Seguindo viagem, finalmente
encontram seu destino: a Serra Resplandecente, em cujos pés
encontrava-se a Lagoa Vapabussu. Para os indígenas da época,
não se tratava de uma simples lagoa, e sim da morada de
Iara, a mãe d’água que com seus cabelos verdes
dormia serenamente, não devendo ser por ninguém
incomodada.
............Desafiando a lenda, Fernão
Dias planejou fazer do local celeiro para as tropas, que deveriam
continuar seu trajeto, sertão adentro. Além disso,
recolheu as supostas esmeraldas e as enviou para análise
em São Paulo. Entretanto, não chegou a saber de
seu engano, morrendo pouco tempo depois de encontrar a Serra Resplandecente,
com que tanto sonhara. Para os índios, as febres e os delírios
advinham da ousadia de ter incomodado a deusa, mas pesquisas posteriores
indicaram que a causa da morte foi mesmo a febre tifo, muito comum
na região próxima à referida lagoa.
............Ainda outro mistério
cerca sua morte: para alguns, ele teria sido enterrado na Barra
do Guaicuí, onde existe inclusive um túmulo seu
no cemitério. Mas, para outros, seu destino final teria
sido o Mosteiro de São Bento em São Paulo, tendo
sido conduzido pela mesma tropa que levava as supostas esmeraldas.
De qualquer forma, o fato é que as pedras almejadas na
verdade não passavam de turmalinas, pedra semi-preciosa
quase sem valor à época.
............Além da importância
da Bandeira de Fernão Dias, que fez deste local celeiro
para suas tropas, vale acrescentar como o povoado
de Itacambira efetivamente surgiu. Novamente, uma lenda vem preencher
as lacunas da História. Segundo os moradores, enquanto
Fernão Dias ainda vivia, uma pequena imagem de Santo Antônio
foi encontrada sobre uma árvore. Por se tratar do santo
de sua devoção, considerado por ele seu protetor,
a imagem foi levada para as margens da Lagoa Vapabussu, onde seria
construída a Igreja e o vilarejo que serviria de celeiro
para a bandeira.
............Entretanto, todas as
noites a imagem “fugia”, sendo reencontrada no dia
seguinte no local de sua primeira aparição. Em face
de tal “insistência”, o bandeirante aceitou
trocar as proximidades da lagoa pela colina escolhida pelo santo,
onde foi construída a Matriz, em torno da qual cresceu
o povoado, hoje cidade de Itacambira. Lendas como esta do “Santo
Fujão”, são recorrentes em vários locais
do Brasil, como no caso da Padroeira Nossa Senhora Aparecida em
São Paulo.
AS FESTAS: ENTRE A RENOVAÇÃO E A CONTINUIDADE
............Para compreendermos o
processo de formação da comunidade de Itacambira,
que se encontra cercada por fragmentos de História e muitos
mitos e lendas, fomos buscar subsídio nos escritos de Halbwachs7,
para quem a memória coletiva de uma comunidade apóia-se
em momentos de origem que gradualmente vão se transformando
em mitos, os quais, por sua vez, têm que ser periodicamente
atualizados através de ritos.
............Assim, explica-se não
só a constante referência dos moradores à
figura de Fernão Dias, tomado por todos como fundador da
cidade, como também a centralidade das festas em homenagem
a Santo Antônio no calendário local.
............Com relação
aos demais eventos culturais realizados na cidade e nos distritos,
em que se destacam as Festas Juninas de São João
e São Pedro e a Festa do Divino Espírito Santo,
todos são diretamente ligados à interseção
entre a fé cristã e os cultos pagãos
em louvor à colheita.
Segundo
Funari8:
O cristianismo incorporou nos festejos em homenagem a
santos alguns rituais da época clássica, na
adaptação de alguns símbolos como a água,
fogo e referências à fertilidade humana. O mês
de junho era consagrado à deusa Juno e no seu transcorrer
eram celebradas festas. Tratava-se da divindade que representava
a fidelidade, a maternidade e a fertilidade. Há, portanto,
uma relação sincrética na absorção
de tais festas pelo cristianismo nas coincidências da
época [das festas da deusa e atuais festas juninas].
............Em Itacambira, as Festas
Juninas chegaram pelas mãos dos bandeirantes e, não
fugindo à regra, relacionam-se à colheita do milho,
cereal básico na alimentação humana e dos
animais.
............As festas na cidade seguem
os mesmos rituais encontrados em todo o Brasil, como a confecção
e levantamento do mastro com a bandeira do santo que se comemora,
momento que é saudado com um belo espetáculo pirotécnico.
............Outro importante ritual
é o da confecção da fogueira, erguida na
praça em frente à Igreja Matriz e que serve tanto
para iluminar quanto para aquecer, já que a região
apresenta baixas temperaturas nessa época do ano. Em torno
da fogueira há música, dança e comidas típicas9
regionais, contribuindo para o sucesso do maior evento da cidade
e arredores.
............Nesta época, é
comum a celebração de casamentos e batizados dos
habitantes, o que contribui para que a festa continue sendo um
marco tanto de renovação da vida, como nos tempos
do culto da deusa Juno, quanto de recordação da
herança legada pelos bandeirantes.
________________________________
7-Halbwachs,
2004.
8-Funari, 2002.
9-Nessas festas, prevalecem os pratos feitos com derivados de
milho, mandioca, batata doce e amendoim. A cachaça é
a bebida preferida que, mistura com gengibre, canela e limão
e aquecida, recebe o nome de quentão.
___________________________________________
A
SERRA RESPLANDECENTE E SEUS TESOUROS
............Ainda capaz de ofuscar
os olhos dos turistas com seu brilho, a Serra Resplandecente é
hoje conjunto paisagístico tombado pelo município.
Brilho que, atualmente, deve-se apenas aos cristais e à
malacacheta, mineral fartamente encontrado no local.
............A famosa Lagoa Vapabussu
que repousava a seus pés encontra-se no momento totalmente
assoreada, necessitando de atenção urgente, que
poderia se expressar em um bom projeto para transformá-la
em atração turística digna de seu passado.
............O conjunto paisagístico
é ainda berço do manancial hídrico que abastece
a cidade e que também agrega em si qualidades suficientes
para ser transformado em produto turístico.
............As potencialidades apresentadas
acima são apenas pequena parte da imensa beleza de outros
tantos atrativos, como a Pedra da Ursa, as alagoas, o mirante
e os ricos sítios arqueológicos com pinturas rupestres
cadastradas pelo Instituto do Patrimônio Histórico
e Artístico Nacional (IPHAN) no ano de 1998.
............São cinco os sítios
registrados: o Abrigo da Serra do Macuco; o Abrigo da Tuituberaba
e mais três painéis rupestres espalhados na encosta
da Serra Resplandecente. Sua história ainda está
por ser desvendada, especialmente porque guardam em si indícios
de que sua ocupação é muito anterior ao que
indicam as atuais pesquisas.
A CIDADE: ARQUITETURA E SURPRESAS
............Segundo Kevin Lynch10
, no livro A Imagem da Cidade:
............Uma cidade é uma
organização mutável e polivalente, um espaço
com muitas funções, erguido por muitas mãos
num período de tempo relativamente rápido. Cada
cidade tem uma os indícios visuais de seu passado explicam
grande parte de suas características.
__________________________
10Lynch, 1997.
__________________________
............Itacambira repete esse
padrão de cidade. Na praça central localiza-se o
seu principal patrimônio cultural: a Matriz de Santo Antônio,
templo no estilo neoromânico que completará 300 anos
em 2007.
............Tombada pelo Instituto
Estadual do Patrimônio Histórico e Artístico
de Minas Gerais (IEPHA), a Igreja revela em seu interior um altar
mor com características únicas, compondo um conjunto
não encontrado em nenhum outro lugar. Seu estilo é
mourisco, com detalhes em treliças formando um grande trono.
Observa-se também a presença de aspectos chinesices,
o que tem intrigado os especialistas, uma vez que, até
hoje, não é possível saber se tal trabalho
foi realizado por um artesão da Bandeira de Fernão
Dias, ou se é de responsabilidade de alguma ordem religiosa
que se estabeleceu no local ao longo dos séculos XVIII
e XIX.
............A imagem do padroeiro
Santo Antônio, em estilo Barroco e possivelmente de origem
portuguesa, é rara e não passou por repintura. O
santo se apresenta vestido como soldado, tendo em uma das mãos
um livro aberto sobre o qual encontra-se um pequeno menino Jesus
de pé. Essa imagem do menino Jesus que compõe a
peça foi arrancada por algum devoto, sendo posteriormente
devolvida anonimamente.
............Outras imagens adornam
o altar, algumas de valor histórico como o pequeno Santo
Antônio, já citado, que teria sido o responsável
pela atual localização da cidade. Há ainda
imagens, em estilo rústico, confeccionadas em madeira possivelmente
por artesãos autóctones e imagens neoclássicas,
essas repintadas sem a devida atenção a suas características
originais.
............Como muitas cidades coloniais
mineiras, Itacambira teve no comércio do ouro e pedras
preciosas sua principal força econômica e foi se
formando do lento ajustamento de formas e forças, numa
composição de plano visual modesto arquitetonicamente,
porém em local privilegiado pela natureza, encravada como
um presépio nas encostas da Serra Geral.
............Além da bela Matriz
de Santo Antônio, poucos casarões coloniais foram
preservados, pois a maioria das residências passou por reformas
que não seguiram critérios técnicos, resultando
em grande prejuízo para o entorno da Igreja.
............Ainda assim, Itacambira
tem na Praça de Santo Antônio seu principal espaço
de referência, pois ali encontram-se, além da Matriz,
a Prefeitura e a maior parte do comércio, especialmente
na parte posterior do templo, com bares, pensões, lojas
e jardins. Todos esses elementos compõem um cenário
típico, mas inconfundível, sendo também o
local de lazer da população nos finais de semana
e nas datas reservadas às festas religiosas.
............Outra riqueza que ainda
carece de estudos que propiciem a sua justa valorização
é o Centro Administrativo da Coroa Portuguesa, ali instalado
no século XVIII. Itacambira fazia parte do caminho real
hoje chamado Estrada Real do Norte, rota que inicialmente era
responsável pelo escoamento da mineração
nortemineira via contrabando e que, justamente por isso, passou
posteriormente a ser controlada pela Coroa.11 Segundo relatos
dos moradores, 45 dragões da Coroa residiam em quartel
ali instalado, do qual atualmente se encontra apenas a base da
grande edificação, no centro da cidade.
............Com relação
ao traçado urbano, o que se pode acrescentar é que
apenas dois bairros vieram a se somar, o que faz o conjunto arquitetônico
ser praticamente idêntico desde o século XVIII.
TURISMO: NOVOS HORIZONTES E PROMESSAS
............O Turismo desponta neste
início de século como uma nova necessidade, caracterizada
pela predominância de atividades de serviços e pela
busca incessante da natureza com o objetivo de fugir do estresse
urbano.
............Segundo a Organização
Mundial do Trabalho, o turismo nos grandes centros vem passando
por considerável queda, o que indica a valorização
e expansão de formas alternativas, como o turismo em pequenas
cidades.
______________________________
11-Para
uma descrição detalhada da história e características
da Estrada Real do Norte, vide Leite, 2004.
________________________________________
Segundo
Adyr Balastreri Rodrigues12:
A concepção de estratégias de desenvolvimento
local pelo turismo encontra-se no nível de micro-regiões,
de pequenos territórios, de cidades pequenas e médias
ou mesmo de vilas e povoados onde são fortemente sentidas
as mediocridades de condições de vida, trazidas
no êxodo e na pobreza. As pequenas cidades que apresentam
um potencial turístico estão começando
a observar um movimento contrário ao que existia no
século XX. Onde se via grande êxodo da população
em busca de melhoria de vida, hoje a população
volta a investir nas suas cidades de origem, pois já
se percebeu que a melhoria das condições de
renda estão voltadas para as pequenas cidades.
............Se os turistas estão
procurando a tranqüilidade e a paz, o resgate desses antigos
valores poderá encontrar no Norte de Minas e no Vale do
Jequitinhonha condições ideais para novos destinos
turísticos, o que possibilitará desmistificar o
discurso da pobreza e do assistencialismo na região.
............A conscientização
do valor desse patrimônio histórico cultural será
essencial para que o mau uso das potencialidades não provoque
danos irreversíveis ao patrimônio e também
à população, como está ocorrendo em
santuários como a Serra do Cipó e a cidade de Brotas
/ SP.
Segundo Maria Cristina Rocha Simão13:
Os núcleos urbanos possuidores de patrimônio
cultural edificado, protegidos ou não pela União,
pelo Estado ou pelo próprio município, carecem,
ainda, de agregarem ao seu próprio imaginário
e às visões externas a eles, um dado que parece
ser fundamental para a promoção de sua vitalidade
e dinâmica: é preciso enxergá-los como
cidades, organismos dinâmicos, complexos e diversos,
que agregam valores materiais e simbólicos.
____________________________________
12-Rodrigues,
1997.
13 -Simão, 2001.
____________________________________
............É preciso responsabilidade,
já que o patrimônio, como dito, não é
apenas material, mas, antes de tudo, faz parte da vida das pessoas,
sendo não só seu passado, mas especialmente seu
futuro.
............Especificadamente em
Itacambira, em termos de turismo, quase tudo ainda está
por ser feito, mas o primordial é que se faça um
projeto de educação patrimonial e ambiental para
que, antes de mais nada, a população local esteja
preparada para um turismo sustentável.
............Entende-se que a relevância
de tal projeto vincula-se às suas inúmeras vantagens
sócio-econômicas e culturais, que poderão
contribuir em muito para a melhoria da qualidade de vida de uma
gente simples e hospitaleira, que hoje sobrevive de pequenas lavouras
e criação de gado, além das aposentadorias
e recursos repassados por programas sociais do governo.
............Sugerimos então
o trabalho de base junto às escolas em todos os níveis,
em especial, com a promoção de eventos que facilitem
a conscientização da população. Além
disso, seriam interessantes programas de incentivo à conservação
das edificações.
............E, por fim, como o turismo
é importante aliado na geração de novos empregos,
é preciso que a mão de obra seja treinada, dos guias
aos donos de hospedagens, uma vez que a qualidade do atendimento
não é somente um diferencial, mas também
o princípio e o fim dessa atividade.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
............O desenvolvimento da
imagem de uma cidade é um processo interativo entre observador
e coisa observada, sendo possível reforçar a imagem
tanto através de artifícios simbólicos quanto,
no caso de Itacambira, com sua farta história do período
colonial, à qual vêm se somar tradições
e lendas da rica herança indígena e negra, igualmente
forte e presente.
............Tal reaprendizado diário
de quem vive ou visita essa cidade se faz em seu entorno. Existe
um diagrama simbólico que forma uma unidade chamada Itacambira,
como se fosse um conjunto de enigmas que se encontram nas pinturas
rupestres, nos caminhos que esses humanos foram abrindo de um
sítio a outro, no universo mitológico ainda presente
no linguajar do sertanejo, nas Bandeiras paulistas e seus inúmeros
desdobramentos realizados a partir desse lugar e, na seqüência,
no domínio dos coronéis ainda hoje presente de certa
forma nas falas interrompidas, nos olhares cúmplices e
nas atitudes.
Esses são indicadores da ampla teia que vai se ajustando
à realidade. Os esforços empreendidos para adequar
Itacambira à possibilidade de se tornar uma cidade turística
vão muito além da elaboração de um
inventário de atrativos naturais e culturais. A transformação
necessária passa por um programa educacional específico
e pela implementação de políticas públicas
voltadas para o setor que levará a população
local ao reconhecimento de seu próprio tesouro.
BIBLIOGRAFIA
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Sphan / Fundação Nacional Pró-Memória,
1980.
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Autêntica, 2001.
URRI, Jonh. O Olhar do Turista: Lazer e Viagens nas Sociedades
Contemporâneas. São Paulo: Estúdio
Nobel – SESC,
1996.
Saudação
Miriam Carvalho
Cadeira N. 88
Patrono: Plínio Ribeiro dos Santos
............A envolver a figura de
Maria das Mercês Paixão Guedes há uma auréola
de admiração que a história de sua vida bem
justifica. Natural de Bocaiúva, MG, filha de José
Ladislau da Paixão e Maria do Amparo Figueiredo Paixão,
casada com Ivan de Souza Guedes, empresário, mãe
de quatro filhos, Leonardo, Lyntton, Luciano e Leandro, quatro
noras, Jaqueline, Silvia Maria, Adângela e Raquel, avó
de Maria Izabel, Esther, Lucas, Júlia, Lara e Daniel, Mercês
é sempre uma história de amor muito bonita na qual
se detecta linhas melódicas trêmulas ou torrenciais,
de um espírito inquieto que sabe escutar o galope certeiro
dos dias como quem salta as roxas barreiras da aurora. Formada
em direito pela Faculdade do Norte de Minas, Montes Claros, em
1969, desde cedo , Mercês, mulher culta, serena, capaz de
fazer frente a qualquer emergência, vem recebendo títulos
honoríficos e menções honrosas pelo seu desempenho
em algumas associações como, por exemplo, Presidente
da Associação Amigas da Cultura, biênio 96/98,
Presidente da Associação das Damas da Caridade,
biênio 87/88. Com certificados em Língua Francesa,
e Curso de História da Arte, e Arte Contemporânea,
e com outros cursos na área específica, e Atua lização
em Direito, ela demonstra o seu interesse universal pela educação,
recebendo convites para se apresentar em público e para
colaborar em revistas, além da publicação
do livro Magnificat, em parceria com Milene Coutinho Maurício.
Uma mulher profundamente espiritual, cheia de glorioso entusiasmo
pelas obras sociais da Arquidiocese de Montes Claros, e pelas
entidades sócio-culturais e das letras como a Academia
Montesclarense de Letras. Palpita nela a veia da sabedoria filosófica,
descoberta através da observação da própria
vida quando transformada em arte, pois esta permite criar uma
verdade maior do que a própria realidade. A manifestação
da fé se faz em sua vida com mais intensidade durante as
horas de repouso, após as suas ocupações
diárias na Minas Brasil, quando se entrega ao silêncio
do Pai Eterno em sua Capela, estrategicamente localizada dentro
do apartamento onde mora. Nenhum toque do mundo exterior, nesse
momento, causa-lhe perturbação, pois agora o tempo
é invicto e jamais se comparará com o burburinho
da terra. De onde provém essa radiação de
fé? Das intervenções divinas? Dos seus louvores
permanentes à Virgem Santíssima? De sua natureza
benevolente, ou do seu poder de conquistar amigos, com seu salto
magistral ao reino dos corações, ávidos de
seu bem querer? Há uma resposta plausível encontrada
nas palavras do Eclesiástico: “Concentra teus pensamentos
nos preceitos de Deus, sê assíduo à meditação
de seus mandamentos. Ele próprio te dará um coração,
ser-te-á concedida a sabedoria que desejas.’’
É por isso, Querida Amiga, que a sabedoria pousa em sua
vida de um modo peculiar, traçando entre a terra e o céu,
entre a brisa e o vento forte, entre as escarpas e as colinas,
uma espécie de teofania ou aparição, pois
o mundo se revela em nós em suas dobras e abismos, segundo
Rubens Alves. Isso significa que em nosso dia-a-dia até
o sagrado pode tirar os próprios véus e aparecer,
embora esteja acima de todas as coisas visíveis. As suas
experiências com o sagrado, o amor à família,
aos amigos, ao trabalho, e a sua inclinação às
páginas do evangelho, tudo isto aumenta-lhe a sua inspiração
e lhe dá um caudal de fervor religioso como suprema oferta
de uma alma que traz a beleza tranqüila da maturidade. Neste
sentido, as palavras de San Juan de La Cruz, considerado o poeta
de Deus vem com muita propriedade: Vejamos a sua colocação
poética sobre o engrandecimento de uma alma:
“Quem
poderá dizer
até onde engrandece Deus uma alma
quando se digna agradar-se dela?
Não há quem o possa sequer imaginar;
porque, enfim, é como Deus que o faz,
para mostrar quem é.’’
............E não haverá
na alma de nossa Amiga um derramamento do engrandecimento de Deus?
............Todos que conhecem a
nossa “Caríssima Amiga’’, acabam conhecendo
também uma vida atenta à vibração
de cristalinos sinos mágicos no limite onde um novo real
se inaugura. Não é um engrandecimento manter um
convívio em cortesias, cuidados e providências? Pois
bem, falemos como quer o poeta Drummond: Mercês não
é lugar comum, é pura essência, igual a nós
todos, porém guardando gestos diferentes, a fina parte
da lucidez no sonho de Ivan Guedes.
............Portanto, nesta noite,
ultrapassando as barreiras do comum, a Academia Montesclarense
de Letras, sob a presidência da professora Yvonne de Oliveira
Silveira, recolhe e grava: Mercês, sensível benemérita
desta Academia, assim como foi um dia a Zenília Paixão,
na Academia Municipalista de Letras de Minas Gerais. Zenília,
que tocou o coração de Mercês com os sentimentos
de mãe, desbastando e aparelhando esta fina palavra, no
imaginário mítico e poético dos sonhos da
amada filha. Com certeza, Zenília deve estar celebrando
a vida não à guisa de luto, mas de alegria, pois
com os finos fios de nossa passagem no tempo é que se tece
o amor. Entre Mercês e Zenília tudo se iluminou,
por isso saudemos a mãe, perenemente em flor, e a filha
que, a seu tempo e a seu modo, traz no coração a
mesma cor.
Muito obrigada
Montes Claros, 28 de junho de 2010
Miriam Carvalho
A
Arquidiocese centenária e o
Concílio Vaticano II
Padre
Antônio Alvimar Souza
Cadeira N. 3
Patrono: Antônio Augusto Teixeira
Resumo:
Neste ano do Centenário da Arquidiocese de Montes Claros,
não podemos deixar de destacar o papel e a importância
da Igreja Católica no Sertão de Minas Gerais. O
Concílio Vaticano II representou um marco para as transformações
e conquista de uma nova mentalidade no Norte de Minas Gerais.
............O Concílio Vaticano
II representou uma forte renovação na vida espiritual
da Igreja no Norte de Minas Gerais. As profundas mudanças
vinham se fazendo desde os anos 50. Lembra-nos Azzi que “uma
característica da Igreja nos anos 50 é, sem dúvida,
a abertura para o aspecto social”1 Tal atitude não
reflete a opinião apenas de um grupo de cristãos,
mas de diversos grupos no interior da igreja. A igreja se junta
à euforia desenvolvimentista reforçando a opinião
de políticos em torno de questões que visavam os
problemas sociais. Na verdade entende Azzi que
“a
meta do episcopado continua sendo a colaboração
efetiva entre Igreja e Estado. A Hierarquia católica
colabora com o poder político na obtenção
de metas específicas, e ao mesmo tempo recebe em troca
o apoio necessário do governo para agir com liberdade
na esfera eclesiástica”.2
............Os assuntos básicos
do período em questão são os problemas socioeconômicos,
os mesmos começam a fazer parte da vida do episcopado brasileiro
que estreita sua colaboração com o poder político
instituído.3 O episcopado começa
a se pronunciar e a “debater os problemas de ordem social
suscitados pela seca, pelo pauperismo e pelo baixo nível
da população” do nordeste e das áreas
atingidas pela seca como é o caso do norte de Minas Gerais
que se situa do polígono das secas, isto é, na área
mineira assistida pelos programas da extinta Sudene.3
............Os bispos talvez não
estivessem tão preocupados com a questão propriamente
social, mas com a tentativa de frear a entrada das idéias
comunistas em suas dioceses. As idéias comunistas apresentavam
um perigo para a continuidade da religião. Sendo assim,
parte do episcopado declara-se do “lado dos trabalhadores,
preocupados principalmente em defendê-los contra ideologias
subversivas da ordem social”.4
............Neste contexto se insere
Dom José Alves Trindade, bispo de Montes Claros em seus
encontros com Dom Helder Câmara e os bispos do nordeste,
para discutir problemas comuns que atingiam os municípios
que faziam parte da área mineira da Sudene. Montes Claros
se insere nesta vasta região marcada pelas dificuldades
da própria natureza. Lembra-nos Ferreira que
“alguém
disse em Belo Horizonte, e o dito se espalhou, que Minas Gerais
só contava até o paralelo 18, na altura do Município
de Curvelo. O que havia daí para cima era inviável
para o progresso. Era a terra dos chamados “baianos cansados\.”5
___________________________
1
- Azzi, Riolando. A Neocristandade: Um projeto Restaurador.
P. 142.
2 - Idem, p.146.
3 - Idem, p.146.
4 - Idem,p.152.
5 - FERREIRA, L.P. Aspectos do Desenvolvimento de Montes Claros.
Belo
Horizonte, Imprensa Oficial, 1975. p.10.
___________________________________
............A Sudene foi criada,
em 1959 (lei. 3692), seu espaço de atuação
foi definido como o Nordeste e a Área Mineira do Polígono
das Secas. Os incentivos da Sudene criaram a base para o desenvolvimento
regional. Destaca Oliveira que
“no item infra-estrutura, o que melhor caracterizava
o Norte de Minas, na década de sessenta, é a
quase inexistência de um sistema rodoviário pavimentado
e de um adequado sistema de energia elétrica. Isto
não implicava inexistência total de infra-estrutura,
o que não seria concebível, mas que a existente
era insuficiente para atrair novos projetos industriais.”6
............O que se percebe na Área
Mineira da Sudene é que o modelo implementado não
recebe a crítica de nenhum setor da sociedade no momento
de sua implantação. Sendo assim, percebe-se a consolidação
de um modelo “de desenvolvimento excludente e concentrador,
operando favoravelmente em prol das iniqüidades socioeconômicas,
pessoais e regionais.”7 Faltava uma leitura crítica
do processo que se instalava e que solidificava em sua própria
inconsistência. Lembra-nos Oliveira que
“O Governo Mineiro não estava particularmente
interessado no processo de desenvolvimento da Área
Mineira da SUDENE, ou qualquer outra região do Estado
em particular. Esta ausência de preocupação
regional reforçou então as áreas e setores
mais desenvolvidos, promovendo e reforçando a concentração
espacial e setorial da economia mineira.”8
............O que percebemos, é
que o desenvolvimento pensado pela SUDENE não levou em
consideração a vocação local do homem
sertanejo. O desenvolvimento arquitetado pelas elites políticas
vinha trazendo para o Norte de Minas Gerais inúmeras indústrias
que acabaram fechando anos depois. O fechamento das várias
indústrias instaladas no período aponta para dois
motivos fundamentais. Em primeiro lugar merece consideração
a distância do grande eixo Rio/São Paulo.9 Um segundo
motivo seria a falta de incentivos estatais. A distância
dos grandes centros encarecia o transporte dos produtos, onerando
a produção. O segundo fator se insere na lógica
e atitude do investidor que estava na área Mineira da SUDENE.
Tornou-se freqüente que depois do término do período
de carência e isenção de impostos que as indústrias
instaladas fechavam suas portas e voltavam para os grandes centros.
Os acordos fixados com as indústrias garantiam desde a
doação de terreno, investimento em infra-estrutura
e isenção fiscal por um período de dez anos.
_____________________________
6
- OLIVEIRA, Marcos Fábio Martins de. O Processo de Formação
e
Desenvolvimento de Montes Claros e da Área Mineira da
SUDENE .In.
Oliveira, Marcos Fábio Martis de. Formação
Social e Econômica de Minas.
Unimontes:Montes Claros,2000. p.47.
7 - Idem. P.94
8 - Idem, p.95.
___________________________
............O fechamento das diversas
indústrias na cidade de Montes Claros agravou os problemas
sociais da região. Segundo dados do IBGE, Montes Claros
na década de 1960 concentrava uma população
estimada de 105.982. Já na década de 1970 a população
sobe para 116.486. Na década de 1980 a população
atinge o marco de 177.308. Na década de 1990, 250.062 saltando
para 342.589 em 2005. Na perspectiva de Oliveira “Montes
Claros realiza sua transposição demográfica,
tornando-se município com população predominantemente
urbana.”10
............A nova fisionomia que
despontava não foi acompanhada pela igreja local que na
sua timidez não foi capaz de acompanhar o desenvolvimento
da região. A Igreja que ajuda a construir o novo projeto
para a região perde a percepção do crescimento
regional e continuou com sua atuação pastoral voltada
para os problemas internos da instituição. Por um
lado encontramos Dom José Alves Trindade à frente
das questões emergentes da região. Por outro lado,
visualiza-se um distanciamento dos reais problemas das pessoas
no sertão das minas gerais. Lembra-nos Azzi que
“
durante essa etapa, o episcopado brasileiro acompanha o ritmo
da própria Santa Sé, que estabelece alianças
com os regimes autoritários da Itália, Alemanha,
Espanha e Portugal. Tanto no Brasil como na Europa as doutrinas
liberais, enfatizando o espírito democrático,
são denunciados pela Igreja como o caminho para o anarquismo
e o caos nacional e internacional.”11
______________________________
9
- Segundo dados do Guia Quatro Rodas, Montes Claros localiza-se
a 418 Km de Belo Horizonte, 1002 Km de São Paulo, 850 do
Rio de Janeiro, 1122 de Salvador e 694 de Brasília- DF.
10 - OLIVEIRA, Marcos Fábio Martins de. O Processo de Formação
e Desenvolvimento de Montes Claros e da Área Mineira da
SUDENE .In. Oliveira, Marcos Fábio Martis de. Formação
Social e Econômica de Minas. Unimontes:Montes Claros,2000.
p.60.
11 - Azzi, Riolando. A Neocristandade: Um projeto Restaurador.
P.161.
12 - AGOSTINI, Frei Nilo. Evangelização Na Igreja
do Brasil ( A vitalidade pós-Vaticano II). Revista Vida
Pastoral, Ano XXXII, Nº158, São Paulo:Paulinas,1991.
p13.
............As questões sociais
são vistas dentro de uma ótica que beneficia a própria
instituição. As camadas populares não fazem
parte deste momento da história da igreja local que ignora
os mesmos, isto é, vendo nestes apenas assistidos em suas
penúrias. Azzi considera tal preocupação
dentro de uma perspectiva “liberal reformista”. Tal
perspectiva contribuirá para a consolidação
das idéias que tomarão força no período
pós-conciliar no episcopado de Dom José Alves Trindade.
............Diferente da análise
crítica de Azzi, consideremos, também, os indicadores
de Agostini a respeito do período mencionado. Ao analisar
a Igreja do Brasil no período que antecede o Vaticano II,
o mesmo estabelece três marcos balizadores para a compreensão
da atmosfera que permitirá o Concílio tomar lugar
no Brasil. O primeiro ponto importante é “a intensificação
da co-responsabilidade episcopal, ou seja, a tomada de posição
dos bispos diante das situações e problemas comuns
às diferentes regiões e ao país.”12
A situação de pobreza identificava a todos que sucumbiam
sob regimes autoritários e negadores da vida humana. A
história do povo brasileiro, é marcada por lutas
que traziam ideais de emancipação do julgo dominador
de diversas espécies. Marcam nossa história as lutas
indígenas e camponesas. Os ideais de liberdade que brotam
dos quilombos e as lutas por terra neste imenso Brasil.
............O segundo aspecto indicado
é “o surgimento de um grande número de associações
e movimentos leigos na caminhada pré-conciliar”.13
A Ação Católica tem papel muito importante
nesse momento da história da Igreja. A constatação
da efetiva participação dos leigos nas tarefas da
igreja é posteriormente registrado por ocasião da
Conferência de Medellín ( 1968) quando o texto oficial
reconhece a necessidade de integrar ,valorizar e reconhecer o
papel do leigo na vida eclesial. Os bispos reunidos em Medellín
se propunham a
“rever a dimensão apostólica da presença
do leigo no atual processo de transformação
de nosso continente. Para uma revisão mais completa
devem ser levadas em conta anteriores considerações
feitas por esta Conferência Episcopal, relativas ao
compromisso dos leigos nos campos da Justiça e da Paz,
da Família e Demografia, juventude e outras.”14
............A igreja já não
mais conseguia ficar em seu interior sem ouvir o clamor dos seus
fiéis que engajavam nas grandes lutas por um continente
mais justo. Martina considera que os católicos foram lentos
para despertar para os problemas sociais. Na perspectiva do historiador
da igreja “pode-se afirmar que os católicos,
com exceções mais numerosas do que se pensa, somente
com certa demora tomaram consciência da questão social”.15
Não podemos esquecer que por séculos a Igreja
exortou os fiéis para resignação, paciência
e a aceitação da pobreza. A ação da
Igreja ficou restrita apenas ao campo assistencialista e caritativo.
Sendo assim, durante muito tempo foi vista como subversiva a busca
dos seus direitos por parte dos trabalhadores. A ação
eclesial sustentava uma esfera paternalista de proteção
e intimidação dos trabalhadores que deveriam ser
bons cristãos e colaborar com seus patrões.
............A presença dos
leigos na Igreja não foi tão importante, pois afinal
estes sempre estiveram na sobra da hierarquia. Nunca tiveram autonomia
para decidir seus próprios interesses dentro da
Igreja. Há uma forte contradição quando os
documentos eclesiais indicam para uma maior participação
do leigo na igreja, quando por outro lado os vigia e tutela seus
passos.
............Parecia ser difícil
para a Igreja controlar o avanço das questões sociais
em mundo tão dinâmico e que passava por um processo
acelerado de transformações. O operariado organizavase
em seus sindicatos e os movimentos revolucionários eclodiam
pela Europa. As vozes de Marx e Engels inflamavam o universo dos
trabalhadores. Não restava com certeza à Igreja,
senão, o medo de perder os trabalhadores para as ideias
marxistas. Assim sendo, investe nos Círculos de trabalhadores
Cristãos com o objetivo de dar uma orientação
social cristã ao movimento sindicalista brasileiro.16
............O intento parece não
ter dado certo, pois se de um lado os círculos operários
tentavam tornar dóceis o operariado, do outro lado, a ação
católica empurrava grande parte do laicato para a consciência
crítica e o despertava para as lutas revolucionárias.
Entende Agostini que “a Igreja foi integrando progressivamente
o ‘ social’ primeiro, e o ‘ político’
em seguida, na sua ação pastoral e evangelizadora”.17
............ O terceiro elemento
elencado por Agostini é a presença de bispos ligados
à Ação Católica defendendo questões
sociais, econômicas e preocupados com os direitos humanos.
Ao contrário de Azzi que manifesta uma postura crítica
diante da aproximação Igreja e Governo, Agostini
faz uma leitura positiva entendendo que a articulação
do episcopado contemplava não interesses pessoais, mas
os interesse dos mais pobres de suas dioceses. Destaca que
“
os bispos do Nordeste reuniram-se em Campina Grande, PB (
de 20 a 24 de maio de 1956) para elaborar um plano de desenvolvimento
dessa região, em colaboração com o governo
de Juscelino Kubitschek, batizado de ‘ operação
Nordeste’. A CNBB deu o seu imediato apoio, resultando
na criação da SUDENE”.18
............A Igreja de Montes Claros,
presente no norte de Minas Gerais, não distancia muito
dos problemas da Igreja do Brasil. Em primeiro lugar sugere aproximações
tais como: A intensificação da co-responsabilidade
episcopal diante dos problemas da região, o surgimento
de associações e movimentos leigos e a presença
de um bispo ligado às questões sociais.
............Quanto ao primeiro elemento
da tipologia indicada, podemos indicar no norte de Minas Gerais
a figura de um bispo preocupado com as questões sociais
de sua região e de seu país. Preocupações
que o fizera sair do palácio episcopal em várias
ocasiões para as reuniões no Nordeste ou em Brasília,
para entregar reivindicações do povo do Norte de
Minas Gerais. Por sua vez, entendemos que o conceito de pobreza
indicado por Dom José não tem uma conotação
política, mas espiritual. Ao tratar a questão, entende
o mesmo que “a Igreja acredita que deve a fé
ordenar toda vida do homem e todas as suas atividades, também
as que se referem à ordem política”.19
............Entende Dom José
Alves Trindade que a Igreja ainda deve ser ouvida e considerada
nas questões pertinentes à ordem política.
Não poderemos considerá-lo conservador, pois nunca
se juntou a um grupo específico ou se colocou ao lado de
tendências declaradas no interior da igreja. Com seu comportamento
interiorano, dedicou seus dias na residência episcopal lendo
revistas, jornais, livros e informativos. Celebrando suas missas
matinais e cumprindo seus compromissos de episcopo. Escrevia uma
crônica dominical e redigia seus sermões em seus
cadernos particulares.
_________________________
13
- Idem. P.13.
14 - Conclusões da Conferência de Medellín,1968
Trinta anos depois, Medellín é ainda atual? São
Paulo: Paulinas, 1998. p.147.
15 - MARTINA, G. História da Igreja. De Lutero a Nossos
Dias. IV – A era contemporânea. São Paulo:
Loyola,1997. p.35.
16
- Cf. Manual do Circulo Operário. P. 21. O Circulo Operário
foi criado na Alemanha em 1846 pelo Pe. Kolping.
17 - AGOSTINI, Frei Nilo. Evangelização Na Igreja
do Brasil ( A vitalidade pós-Vaticano II). Revista Vida
Pastoral, Ano XXXII, Nº158, São Paulo:Paulinas,1991.
p13
18
- Idem. P.13.
19 - TRINDADE, José Alves. O Cristão e a Política.
Jornal de Montes Claros, 01/12/1985. p.03.
_________________________
............Nesta caminhada do centenário
rejubilamos com o caminho percorrido pela igreja particular de
Montes Claros. Lembramos a saudosa memória da criação
desta porção do povo de Deus fincada no Sertão
de Minas Gerais. De memória sublime entoamos um canto por
tantas conquistas pastorais e espirituais desde o anúncio
de Pio X através da Bula Postulat Sane em 1910. O caminho
percorrido continua a estimular valentes guerreiros e arautos
da fé que continuam semeando no chão firme das montanhas
de Minas a perene semente de fé.
BIBLIOGRAFIA
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(1500 – 1800). São Paulo: Itatiaia, 2000.
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MELO E SOUZA, Laura de.O diabo e a terra de Santa Cruz. São
Paulo: Cia. das
LARGO
DA MATRIZ
MINHA PRAÇA TÃO QUERIDA
Palmyra
Santos Oliveira
Cadeira N. 64
Patrono: José Gomes de Oliveira
............Quando criança,
em épocas de cavalhadas, no mês de agosto, sempre
com vestido novo, ia com minha mãe ver as disputas entre
os reis mouro e cristão, que queriam ficar com uma linda
princesa.
............Em fortes e garbosos
cavalos, e portando compridas lanças, os “monarcas”
tentavam tirar uma argolinha presa em um arame, no meio do largo
da Matriz. Aquele que conseguisse retirar a argola metálica
a oferecia a algum comerciante endinheirado, que normalmente retribuía
o gesto de apreço com uma nota de vinte ou de cinqüenta
mil réis.
............O cavaleiro voltava satisfeito
com a nota amarrada em uma das fitas presas à lança.
E assim continuava a disputa, sempre vencida pelo rei cristão,
que recebia como recompensa a linda princesa, para desposá-la.
............Os cavaleiros cristãos
vestiam-se de azul e os mouros de vermelho.
............Nessa época, eu
ia sempre com minha amiga Ninha à casa de sua avó,
Sá Cristina Câmara. De lá, íamos à
igreja da Matriz,
para atentar as mulheres que vinham rezar. Com alfinetes de mola,
prendíamos as saias de duas mulheres que se ajoelhavam
juntas. Quando uma se levantava, a saia da outra subia, mostrando
suas pernas e causando-lhe vergonha. Enquanto isso, de longe,
nós dobrávamos de tanto rir. Estripulias de crianças...
............Tempos depois, sempre
passava nessa Praça, quando ia às aulas na Escola
Normal, cujo diretor na época, Sr. José Raimundo
Neto, com simpatia e civismo, cativava-nos a todos com seus discursos
de moral, quando nos reunia para alguma repreensão por
faltas cometidas por alunos.
Praça
da Matriz - Montes Claros/MG
............Essa Praça também
era caminho para a igreja Matriz de Nossa Senhora e São
José, cujos terços, no mês de maio, eram muito
freqüentados por aqueles que apreciavam as coroações
da imagem de Nossa Senhora, por crianças vestidas de anjo.
............Nessas reminiscências,
lembro-me agora dos moradores das casas que circundavam a Praça:
Dr. Marcianinho Maurício, Sr. Hildebrando Mendes, Sr. Bispo
D. João Pimenta (já no leito de morte), D. Aristides
de Araújo Porto, Dr. José Tomaz de Oliveira, Sr.
Raul Chaves, Sr. Jair de Oliveira, Sr. Marciano Fogueteiro, Sra.
Aninha Braga, “as esdrúxulas” (assim nós,
alunos da EscolaNormal,
chamávamos as professoras de música, que moravam
no início da rua Simeão Ribeiro, não sei
bem o porquê), Antônio Veloso dos Anjos (onde é
hoje o prédio dos Correios), Dr. Nelson Washington Vianna,
Sá Cristina de Andrade Câmara, com seus filhos Lília
Câmara (professora de Português), Zeca, Leônidas,
Maria e, por último, Dr. Crispim Felicíssimo.
............Ao lado da casa do Dr.
José Thomaz ficava a residência do Dr. José
Barbosa Neto e de sua esposa, Dona Olga Prates, pais de Ameinha
e de Terezinha Beatriz, minhas queridas amiguinhas, embora fossem
mais novas que eu.
............Quando o sr. Francisco
Telles de Menezes, por questões políticas, saiu
de Tremedal (hoje Monte Azul) e veio para Montes Claros, foi acolhido
por Dona Olga. Sua esposa, Dona Zinha Telles, deu a luz na estrada
ao seu primogênito Almir, e foi cuidada com todo o carinho
por Dona Olga.
............Nessa época, o
Dr. Juca Barbosa, dentista formado em Belo Horizonte, foi nomeado
tabelião do Cartório do 3º. Ofício,
pelo Governador Melo Viana. Numa noite chuvosa, sua pequena filha
Beatriz praticamente nem dormiu, com medo que forte ventania derrubasse
a palmeira que ficava na praça, em frente à sua
casa. No dia seguinte, pela manhã, ela foi à Prefeitura
e, quase chorando, pediu ao prefeito Athos Braga para cortar a
palmeira. Ele atendeu a criança e mandou cortar a palmeira,
que já se apresentava atacada por brocas. Mesmo assim,
sofreu a revolta da população. Até poesia
fizeram lamentando o corte da bela palmeira.
Praça da Matriz - Montes Claros/MG.
............Já em 1940, a
Praça da Matriz era onde se faziam o “footing”,
encontro de namorados etc.
Praça
da Matriz - Montes Claros/MG.
Praça
da Matriz - Montes Claros/MG.
............Bem no centro dessa Praça
havia um coreto, onde a banda Euterpe Montes-clarense sempre tocava
os seus dobrados, tendo como músicos, dentre outros, o
meu tio Ulisses Pereira e o Sr. Augustão Teixeira.
............E a Matriz se sobressaía
com seus terços e seus leilões em véspera
de festas.
............Geralmente, no domingo
que se seguia ao leilão, havia a procissão que passava
pela Rua Dr. Veloso, seguia até a Rua D. Pedro II, virava
à esquerda até a Rua Bocaiúva (a Rua Dr.
Santos, hoje), descia até a Praça do Mercado, virava
à esquerda, na Rua 15 de Novembro (hoje, Presidente Vargas),
descia a Rua Simeão Ribeiro até o ponto inicial,
a Praça da Matriz.
............A procissão terminava
com um sermão do Padre Marcos Van In, que era o vigário
naquela época, e o povo se dispersava pela Montes Claros
de noites mal iluminadas. A energia ainda provinha da Usina do
Cedro, que pertencia ao Cel. Luiz Pires.
A
imprensa em Montes Claros
Petrônio Braz
Cadeira nº18
Patrono: Brasiliano Braz
"
Meus filhos terão computadores sim, mas antes terão
livros” (Bill Gates).
............Mas não é
de livro que quero falar, quero falar da imprensa como a designação
coletiva dos veículos de comunicação.
............A imprensa, nascida pós
Gutenberg, tem exercido fundamental influência na vida de
todos os povos.
............Abrir e ler um jornal,
ouvir os noticiários pelo rádio ou ligar a televisão
e receber as notícias de todo o mundo, relacionadas a fatos
que acabam de acontecer, tornaram-se procedimentos rotineiros
na vida das pessoas. Por trás de todo noticiário
escrito, falado ou televisionado existe um exército de
pessoas, os jornalistas que editaram os jornais nas madrugadas,
os repórteres que coletaram os fatos, os locutores que
transmitem as notícias. A imprensa livre, feita por homens
livres, é o maior veículo de formação
de opiniões, de condução das massas. Elege
e derruba governos. Difunde e fixa ideias.
............No Brasil, a imprensa
nasceu com a Gazeta do Rio de Janeiro, em 10 de setembro de 1808,
seis meses após o desembarque da Família Real portuguesa
no Rio de Janeiro, ocorrido em 7 de março do mesmo ano.
Com edições que circulavam duas vezes por semana
(quartas e sábados), funcionou até 1822, ano da
independência do Brasil. Embora fosse um periódico
oficial, suas páginas relatam uma parcela considerável
dos fatos que compõem a história do Império
luso-brasileiro, no período do reinado de D. João
VI.
............Em Montes Claros, a imprensa
começou a ter existência em 24 de fevereiro de 1884,
com o primeiro número do semanário “Correio
do Norte”. Inúmeros outros se seguiram, em elevado
número. Ainda no mesmo século, podemos lembrar o
quinzenário “A Lira” de Antônio Augusto
Spyer, com a participação de Camilo Prates, Justino
Teixeira Guimarães, o jornal oficial “Montes Claros”,
criado por Honorato Alves, “O Operário” e “O
Agricultor” de Euzébio Sarmento, e, por derradeiro,
em 1899, “A Luta”, cujo objetivo foi lutar “contra
o partidarismo extremista da politicagem perniciosa”.
............Não pode ser esquecido
o jornal “O Civilista”, criado em 1916 e dirigido
por Ciro dos Anjos. Também não pode sair da memória
a participação ativa, na imprensa local, de Milton
Prates, José Barbosa, João Chaves, José Correia
Machado, Honor Sarmento, Eurípides Moreira, Antônio
Marinho, Antônio Augusto Durães, José dos
Santos Câmara, Ari de Oliveira, Onofre Lafetá, Mercês
Prates, Juraci Prates, Geraldo Ferreira, Joaquim Nicodemos Santana,
Armênio Veloso, Osias Profeta, João Souto, Ataliba
Machado, Konstantin Cristoff, Lúcio Benquerer, Décio
Gonçalves de Queiroz, Júlio César de Melo
Franco, Enok Sarmento, Antônio Teixeira Chaves de Queiroga,
entre tantos outros jornalistas anônimos.
............Marcaram época
o “Jornal de Montes Claros”, fundado pelo capitão
Enéas Mineiro de Souza, e adquirido depois pelo jornalista
Oswaldo Antunes, que contou com a participação de
Waldir Sena Batista, e o ”Diário de Montes Claros”,
fundado em 1962, de Euler Lafetá. A Rádio ZYD-7
é inesquecível.
............O jornalista Luiz Ribeiro
lembrou-me de Lazinho Pimenta, José Nardel, Ruy Hitler,
Wanderlino Arruda, Magnus Medeiros, Elias Siufi, Paulo Braga,
Sidney Cruz, Paulo César Almeida, Felipe Gabrich, Hélio
Machado, Pedro Ricardo, Gelson Dias e Rosângela Silveira.
Ele acrescentou os jornalistas Jorge Silveira e Américo
Martins Filho, fundador do “Jornal do Norte”. O “Jornal
de Notícias”, com Edgar Pereira, Luis Novaes, Angelina
Antunes, Benedito Said, Sidney Cruz, José Luiz Rodrigues
e outros; “A Gazeta Norte Mineira”, com Rafael Lopes
Pereira, Hermano Constantino, Theodomiro Paulino, Giovanni Ribeiro,
Jacinto Paulo Faustino Pereira, Valdemar Soares e outros e “O
Norte de Minas”, com Reginauro Silva, Artur Leite, Aldeci
Xavier e outros, integram, na atualidade, o conjunto de diários
da imprensa local, de leitura obrigatória. Não sendo
possível esquecer a Revista TEMPO.
............É destaque internacional
o Mailing list do site de notícias www.montesclaros.com
............Fernando Pessoa em “Portugal
entre Passado e Futuro” questiona: “Que pensa dos
nossos escritores do momento, prosadores, poetas e dramaturgos?”
E ele completa o questionamento: “Citar é ser injusto.
Enumerar é esquecer. Não quero esquecer ninguém
de quem me não lembre. Confio ao silêncio a injustiça.
A ânsia de ser completo leva ao desespero de não
o poder ser. Não citarei ninguém. Julgue-se citado
quem se julgue com direito a sê-lo. Ressalvo assim todos.
Lavo as mãos, como Pilatos; lavoas, porém, inutilmente
,porque é sempre inutilmente que se faz um gesto simplificador.
Que sei eu do presente, salvo que ele é já o futuro?
Quem são os meus contemporâneos? Só o futuro
o poderá dizer. Coexiste comigo muita gente que vive comigo
apenas porque dura comigo. Esses são apenas os meus conterrâneos
no tempo; e eu não quero ser bairrista em matéria
de imortalidade. Na dúvida, repito, não citarei
ninguém”.
............Contrariando a lição
de Fernando Pessoa, mas buscando relembrar a história da
imprensa em Montes Claros, citei alguns nomes, mas faltaram muitos.
............Além dos nomes
anteriormente citados, não podem ser esquecidos Miguel
Vinícius Santos, Andréia Martins, Paulo Narciso,
Fernando Zuba, Elton Jackson, Florival Santos, Adriano Souto (fundador
da “Folha de Montes Claros”), José Maria Costa,
Waldemar Brandão, Carlos Lindenberg Spínola, Paulo
César Almeida, João Jorge, Dário Cotrim,
Waldemiro Miranda, José Luiz Rodrigues (fundador do “Parnaso”),
Ronaldo José de Almeida, Márcia (Yellow) Vieira,
Jerusia Arruda.
............Itamaury Teles é
um integrante da imprensa em Montes Claros desde os anos 70. Ele
começou como repórter no “O Jornal de Montes
Claros”, em 1971, aos 16 anos, e depois foi para o ‘Diário
de Montes Claros”, de 1972 a 1974. Ele sempre colabora com
os jornais locais, como o “Jornal do Norte”, “Jornal
de Notícias”, “Gazeta Norte Mineira”,
o “Minas ao Norte”, “O Norte de Minas”,
na revista “Tempo”, entre outros órgãos
da imprensa local. Como seus companheiros no “O Jornal de
Montes Claros” e no “Diário de Montes Claros”,
não faz mal repetir alguns, são destaques Osvaldo
Antunes, Waldyr de Senna Batista, Alberto Senna Batista, Reginauro
Silva, Péricles Suzart, Arthur Leite e Laércio Pimenta
(Lazinho), Décio Gonçalves de Queiroz, Júlio
de Melo Franco, Jorge Silveira, Felipe Gabrich, Arthur Leite,
Délcio Costa, Manoel Oliveira Santos, Luiz Tadeu Leite,
Luís Carlos Novaes, Theodomiro Paulino, Leonardo Campos
e Haroldo Lívio.
............Na década de 80,
Geraldo Machado - filho do jornalista Ataliba Machado (fundador
da revista “Montes Claros em foco”) manteve em circulação
a revista fundada pelo seu pai.
............Waldyr Senna e Haroldo
Lívio, juntamente com Lúcio Benquerer Pereira, foram
os principais redatores da revista Encontro, no início
da década de 60. Ronaldo José de Almeida lembrou-me
de Robson Costa, que iniciou aqui, na imprensa local, e chegou
a redator de um grande jornal de São Paulo.
............Um destaque final para
“A Gazeta do Norte”, para a Rádio Sociedade.
Também marcaram época as revistas, “Montes
Claros em Foco” e “Encontro”. Agora, temos a
Revista “Liberdade”.
FRANCISCO
GÊ ACAYABA DE MONTEZUMA
Roberto Carlos Morais Santiago
Cadeira nº 44
Patrono: Heloísa Veloso dos Anjos Sarmento
............Rio Pardo de Minas é
o município mais antigo do Norte de Minas Gerais. Foi criado
por decreto regencial no dia 3 de outubro de 1831, cujo imenso
território de mais de 20 mil quilômetros quadrados
foi desmembrado da Vila de Nossa Senhora do Bom Sucesso das Minas
Novas de Araçuaí (atual município de Minas
Novas).
............A instalação
da 1ª. Câmara Municipal ocorreu no dia 24 de agosto
de 1833, presidida pelo padre Carlos Pereira Freire Moura, passando
a vila a existir de fato e direito.
............A origem de Rio Pardo
de Minas remonta ao século XVII. Vindos da Bahia, desbravadores
chegam à região. Uma fazenda de criação
de gado surge na confluência dos rios Pardo e Preto. Em
1698 é transformada na Colônia Antônio Luiz
dos Passos. Aventureiros na exploração de ouro e
gado vão fixando nas imediações da Colônia,
formando pequena aglomeração urbana. Logo é
construída a capela de Nossa Senhora da Conceição.
Em 1740, o povoado é elevado a paróquia e, em 1757,
constrói-se a igreja matriz.
............O que pouca gente sabe
é em que circunstância e quem foi o responsável
pela criação da Vila de Rio Pardo. Pode-se afirmar
que foi ao acaso, em razão da passagem de um baiano no
então povoado em 1831, com o nome de Francisco Gê
Acayaba de Montezuma. Procedente de Salvador e com destino ao
Rio de Janeiro utilizara aquela rota para chegar ao destino.
Foi personagem importante no segundo reinado do
Brasil e responsável pela
criação do primeiro município norte-mineiro
em 1831, na primeira metade do
século XIX: Rio Pardo de Minas.
............Ao passar pelo povoado
de Rio Pardo, ali ficou por alguns dias para descansar. Com isso
teve algum contato com moradores do lugar, principalmente com
Conrado Gomes da Silva, descendente do terceiro contratador de
diamantes, Felisberto Caldeira Brant. Os moradores logo ficaram
sabendo que aquele visitante era deputado e possuía alto
prestígio junto à Alta Corte Regencial (1831-1840)
no Rio de Janeiro.
............Agradecido pela boa recepção
do povo local se colocou à disposição dos
moradores para atender qualquer solicitação ao seu
alcance.
............Localizado em um ponto
distante do sertão norte-mineiro e sem qualquer tipo de
influência política, os rio-pardenses vislumbraram
naquele homem a possibilidade de pleitear na Corte a elevação
do povoado à categoria de Vila (equivalente a município
atualmente), uma antiga aspiração local. Este, comovido
com a recepção e dos apelos e justificativas, principalmente
do Conrado Gomes da Silva, se colocou à disposição
para ser porta-voz junto à Corte.
............Francisco Montezuma nunca
mais retornou àquele lugar. Mas cumpriu o prometido. Pouco
tempo depois foi publicado decreto regencial elevando o povoado
de Rio Pardo à categoria de Vila, no dia 13 de outubro
de 1831. Conrado Gomes da Silva foi nomeado Tenente-Coronel da
Guarda Nacional.
............Em gratidão, o
povo de Rio Pardo rebatizou o nome do povoado de Água Quente
para Montezuma. O lugar é muito famoso por suas fontes
termais. Possui balneário de águas quentes naturais
e constitui uma das principais fontes de renda da localidade.
Mas quem foi o responsável pela criação da
primeira vila do sertão norte-mineiro em 1831?
............Francisco Gê Acayaba
de Montezuma nasceu em Salvador no dia 23 de março de 1794
com o nome de batismo de Francisco Gomes Brandão, filho
do comerciante português Manoel Gomes Brandão e da
mestiça brasileira Narcisa Teresa de Jesus Barreto.
............Ainda jovem, tentou a
carreira militar, mas foi obstado pela família. Em 1816
foi estudar na tradicional Universidade de Coimbra – Portugal
– onde se formou na Faculdade de Ciências Jurídicas
e Filosóficas em 1821. Retornando para a Bahia, tornase
defensor ardoroso da independência. Foi co-fundador do jornal
O Constitucional em Salvador.
............Proclamada a Independência
em 1822, abandona o nome de batismo, passando a se chamar Francisco
Gê Acayaba de Montezuma, como forma de se opor ao colonialismo
lusitano, incorporando ao próprio nome todos os elementos
que formam a nação brasileira, além de homenagem
ao imperador asteca Montezuma.
............Como prêmio por
sua participação nas lutas pela independênica,
o Imperador D. Pedro I concede a Francisco Montezuma o título
de Barão de Cachoeira, que foi recusado, porém aceitou
ser agraciado comendador da Imperial Ordem do Cruzeiro. Francisco
Montezuma ingressa na política em 1823 e se elege deputado
pela Bahia, indo para a Corte. Ali exerce ferrenha oposição
ao Ministro da Guerra. É preso e exilado na França
por oito anos.
............No seu retorno ao Brasil
é eleito para a Assembléia Geral Constituinte de
1831. Torna-se o primeiro deputado brasileiro a levantar bandeira
contra o tráfico negreiro, se colocando como um dos pioneiros
do movimento abolicionista.
............Recebeu em 1834, com
grandeza, o titulo de Visconde de Jequitinhonha. Em 1837 é
nomeado Ministro da Justiça e dos Estrangeiros. Ocupou,
ainda, o cargo de Ministro Plenipotenciário (diplomata)
junto ao Império Britânico.
............Em 1850 foi nomeado Conselheiro
de Estado, e em 1851 se elege Senador por seu estado natal, Bahia.
............Foi o fundador e primeiro
presidente do Instituto dos Advogados do Brasil e um dos membros-fundadores
do Instituto Histórico e Geográfico do Brasil.
............Recebeu o título
de Visconde com Grandeza (Grande do Império) com o decreto
imperial de 2 de dezembro de 1854. Foi ainda comendador da Ordem
de Nossa Senhora da Conceição de Vila Viçosa.
Foi, ainda, condecorado com a medalha da Guerra da Independência.
............Francisco Gê Acayaba
de Montezuma teve lugar de destaque na história da Maçonaria
do Brasil. Em 12 de março de 1829, então no exílio,
recebe do Supremo Conselho dos Países
A
Vila do Rio Pardo, criada em
1831, foi fator determinante na
formação territorial da região
norte-mineira nos séculos XIX e XX.
............Baixos – atual
Bélgica – uma carta de autorização
para instalar um Supremo Conselho do rito Escocês antigo
e aceito no Brasil. De volta ao Brasil, Montezuma instala o Supremo
Conselho, usando a autorização do Supremo Conselho
da Bélgica, em 12 de novembro de 1832.
............Polêmico e contraditório,
Francisco Gê Acayaba de Montezuma foi pessoa importante
durante o segundo reinado de D. Pedro II. Faleceu no Rio de Janeiro
no dia 15 de fevereiro de 1870, aos 76 anos. Definitivamente não
foi uma pessoa comum.
............A sua breve passagem
por Rio Pardo em 1831 foi um marco histórico da região
norte-mineira e do Jequitinhonha no século XIX. O seu gesto
foi marco inicial importante no processo de formação
territorial do Norte de Minas e Jequitinhonha, possibilitando
o surgimento de dezenas de novos municípios.
Igreja
Matriz de Rio Pardo de Minas.
GENEALOGIA
DE MUNICÍPIOS EMANCIPADOS DE
RIO PARDO DE MINAS (1831)
A - SALINAS (1880)
1. Pedra Azul (1912)
1.1 Medina (1938)
1.1.1
Comercinho (1948)
1.1.2
Itaobim (1962)
1.2 André Fernandes (1962)
2. Taiobeiras (1953)
2.1 Berizal (1995)
2.2 Curral de Dentro (1995)
3. Águas Vermelhas (1962)
3.1 Divisa Alegre (1997)
4.
Rubelita (1962)
5. Fruta de Leite (1995)
6.
Novorizonte (1995)
7.
Santa Cruz de Salinas (1995)
B
– MONTE AZUL (1878)
1.
Espinosa (1901)
2. Mato Verde (1953)
C
– SÃO JOÃO DO PARAÍSO (1943)
1. Ninheira (1995)
D – INDAIABIRA (1995)
E – MONTEZUMA (1993)
F – SANTO ANTÔNIO DO RETIRO (1995)
G – VARGEM GRANDE DO RIO PARDO (1995)
REFERÊNCIA
BIBLIOGRÁFICA
ÂNGELIS, Newton de. Efemérides Riopardenses. Salinas:
R & S
Arte Gráfica, 1998.
PIRES, Simeão Ribeiro. Raízes de Minas. Montes
Claros, 1979.
__________. Serra Geral: Diamantes, Garimpeiros e Escravos.
Belo
Horizonte: Cuatiara, 2001.
REVISTA DO INSTITUTO HISTÓRICO E GEOGRÁFICO DE
MINAS GERAIS,
1981, Vol. XVIII.
SITE: http://pt.wikipedia.org/wiki/Francisco_J%C3%AA_Acaiaba_de_Montezuma.
OURO
E ESCRAVIDÃO EM MINAS GERAIS
Roberto Pinto da Fonseca
Cadeira N.92
Patrono: Sebastião Tupinambá
“De
seu calmo esconderijo,
o ouro vem, dócil e ingênuo,
torna-se pó, folha, barra,
prestígio, poder , engenho...
é tão claro! – e turva tudo:
honra, amor e pensamento.”
Cecília Meireles
(Romanceiro da Inconfidência)
“São
os filhos do deserto,
Onde a terra esposa a luz.
Onde voa em campos aberto
A tribo dos homens nus...
São os guerreiros ousados,
Que com os tigres mosqueados
Combatem na solidão...
Homens simples, fortes, bravos...
Hoje míseros escravos
Sem ar, sem luz, sem razão...”
Navio Negreiro
(Castro Alves)
............A descoberta de ouro
em Minas Gerais, quase no final do século XVII, provocou
um forte impacto na economia colonial portuguesa, gerando, sobretudo,
um grande deslocamento populacional para o interior da colônia
ainda pouco habitada, fenômeno jamais presenciado no Brasil
colônia, o que, simultaneamente, reforça a estrutura
escravista utilizada por Portugal.
............Portugal foi a nação
pioneira no tráfico de escravos do continente africano.
Suas atividades no comércio humano remontam ao século
XV, mantendo o controle absoluto durante todo o decorrer do século
XVI, quando se inicia a colonização das terras do
Novo Mundo. A partir do século XVII, ingleses, franceses,
holandeses, espanhóis e dinamarqueses passam a competir
com os
portugueses no lucrativo e crescente comércio de escravos.
O ponto alto do tráfico foi durante o século XVIII,
para atender as crescentes demandas por trabalho cativo nas plantações
de algodão nos Estados Unidos, açúcar no
Caribe e a exploração de ouro em Minas. O século
XIX representa a ruptura do comércio escravista, sobretudo
em função de mudanças de modelos econômicos
e campanhas abolicionistas.
............Calcula-se que foram
vendidos 12,5 milhões de escravos para suprir os mercados
de países europeus, a América e algumas regiões
do Atlântico. Como os índices de mortalidades dos
cativos nos navios negreiros durante as longas travessias oceânicas
eram elevados, estima-se que 10,7 milhões de negros tenham
chegado vivos a seus destinos. O Brasil foi a nação
que mais recebeu escravos, aproximadamente 4,9 milhões.
Os Estados Unidos da América, onde a escravidão
gerou tantas sequelas, receberam em seu território um número
em torno de 390 mil escravos.
............Um contexto pouco difundido,
e até mesmo pouco estudado nesse gigantesco comércio
de vidas, é que a participação dos próprios
africanos no negócio foi fundamental. Os europeus cuidavam
da organização do tráfico, financiavam, construíam
feitorias ou postos para recebimentos dos cativos e forneciam
navios para o transporte. A América recebia a maior parcela
da mercadoria humana para movimentar a sua economia, e os próprios
africanos decidiam quais, dentre as tribos de seu próprio
continente, seriam comercializados.
............O comércio de
escravos pelos próprios africanos em seu continente tem
origem em tempos remotos. Africanos já negociavam, com
romanos, muçulmanos e egípcios, homens de sua própria
raça, normalmente de tribos inimigas, feitos prisioneiros
em guerras tribais.
............Devido à grande
diversidade cultural e étnica entre os povos africanos,
eles não se viam como uma nação coesa. Eram
sociedades bastante descentralizadas. Além disso, a escravidão
era a única forma de propriedade privada aceita e legitimada
pelos costumes locais. Os africnos empregavam o trabalho escravo,
aceitavam a escravidão como natural, sobretudo como mão
de obra na agricultura.
............Se para o europeu a terra
simbolizava um dos maiores bens privados, para os africanos acontecia
o contrário: ela pertencia a todos, era um bem comum das
diversas tribos.
............Os europeus, conscientes
dessa situação, souberam dela usufruir ao máximo
- aspecto que não os redime do nefando comércio.
............Os africanos envolvidos
no tráfico pouco ou quase nada lucravam. Os scravos vendidos
eram comumente trocados por mercadorias de pouco valor comercial
ou por artigos supérfluos: aguardente, fumo, tecidos, armas
de fogo, etc.
............No litoral brasileiro,
foram diversos os portos para o recebimento da ercadoria humana:
São Luís do Maranhão, Belém do Pará,
João Pessoa, Recife, Salvador, Campos, Macaé, Cabo
Frio, Ilha Grande, São Sebastião, Santos, Paranaguá
e Rio de Janeiro. Este, em especial, recebeu por volta de um milhão
de escravos destinados principalmente a Minas Gerais.
............Entre as populações
indígenas brasileiras, a escravidão também
já era praticada antes da chegada dos portugueses. Prisioneiros
das guerras tribais se tornavam escravos dos vencedores, e entre
as tribos que praticavam a antropofagia, eram devorados nos rituais.
............Com a chegada dos portugueses,
muitas tribos estabelecem alianças com os colonizadores
e passam a trocar seus escravos por mercadorias, favorecendo os
interesses comerciais portugueses. Os portugueses também
se utilizavam da captura dos índios, mas devido a não
adaptação ao trabalho forçado, sobretudo
nas lavouras, a taxa de mortalidade era elevada. Outro aspecto
é que a utilização da mão-de-obra
indígena não gerava lucros para a metrópole,
pois se tratava de um comércio interno e de pouco controle
por Portugal.
............Quanto ao tráfico
negreiro, proporcionava elevados lucros, pois era controlado por
Portugal através de suas colônias africanas que forneciam
farto material humano. Como a mão-de-obra escrava africana
se adaptava melhor às condições de trabalho
no Brasil, os lucros foram enormes. Ganhavam a metrópole,
o traficante, o proprietário e até a Igreja Católica,
que recebia uma porcentagem
sobre o valor de cada escravo que era vendido no Brasil.
............A partir do século
XVIII, a mineração passa a ser o suporte da economia
colonial, baseada essencialmente no trabalho escravo. Com a crescente
necessidade de mão-de-obra para a exploração
do ouro e outros metais preciosos, o tráfico internacional
de escravos se amplia.
............A população
de negros e mulatos na Capitania das Minas Gerais torna-se maior
que a dos homens brancos. No ano de l808, a população
de Sabará era composta de 11.318 brancos, 30.976 negros
e 34.071 mulatos, ou seja: 14,8 % de brancos e 85,2 % de negros
e mulatos. Por volta de 1786, período em que já
se preparava a Inconfidência Mineira, a população
mineira era composta de 65 665 brancos, os pardos eram 100. 685
e os escravos formavam uma população em torno de
l96.500 pessoas. A proporção de pardos e negros
compunha 80% da população, mantendo-se inalterada
até princípios do século XIX, de acordo com
Spix e Martius. Esses fatores contribuíram para a formação
das características da população mineira,
mesmo após a crise da mineração a partir
do último quartel do século XVIII.
............No período de
1700 a 1800, Minas Gerais produziu mais de 1/3 de todo o outro
extraído no mundo entre 1500 e 1800. Foram extraídas
650 toneladas de ouro. Portugal lucrou em torno de 160 toneladas
entre impostos e taxas diversas. Por sua vez, estima-se que o
contrabando do rico metal tenha atingido a cifra de 300 toneladas.
............Com a queda da mineração,
desenvolveram-se novas atividades econômicas, como a lavoura,
a criação de gado e produção de aguardente,
que passaram a contar ativamente com a mão-de-obra escrava,
apesar de grande parte da população ainda insistir
no extrativismo aurífero.
............No auge da mineração,
era impensável o desvio de um escravo para outra atividade,
mesmo sendo para a produção de alimentos - daí
os graves problemas de falta de alimentos e de fome ocorridos
no período.
............Para se ter uma percepção
mais ampla da bancarrota na produção do ouro em
Minas, a partir do ano de 1763 não mais se conseguia atingir
o pagamento anual de 100 arrobas exigido pelo fisco português.
De 1785 a 1794, em plena decadência, a produção
total foi de 456 arrobas, uma média de 50,6 arrobas por
ano. Mas Portugal continuou a exigir a totalidade dos tributos,
sobretudo através da cobrança da Derrama, uma das
justificativas da Inconfidência Mineira em 1789.
............Todos os ciclos econômicos
brasileiros - açúcar, tabaco, ouro e café
- estão incluídos no ciclo do comércio negreiro,
ou seja, no período de 1550 a 1850. Sem a mão-de-obra
escrava, esses períodos econômicos jamais seriam
fomentados.
............Apesar de o trabalho
escravo estar fortemente vinculado à atividade de extração
de ouro e diamantes, com o passar dos anos, e sobretudo com o
enfraquecimento das atividades mineradoras, muitos escravos passaram
a exercer outras atividades e ofícios, ainda submetidos
ao rigor do seu senhor ou feitor. Muitos cativos tornaram-se ourives,
artesãos, trabalhadores no comércio, tropeiros,
carregadores, pedreiros, ferreiros, músicos, etc. Isso
possibilitou a muitos uma mobilidade econômica, permitindolhes
posteriormente a compra da alforria.
............Basicamente dois tipos
de pessoas ocupavam-se das atividades mineradoras, os escravos
e os trabalhadores livres, denominados garimpeiros ou faiscadores.
Os grandes proprietários de terras e donos de escravos,
que formavam uma minoria da população, por sua vez,
ficavam com o grosso da produção, cabendo aos garimpeiros,
descontadas todas as taxas, o restante diminuto da produção.
Essa equação econômica, em que pequena parte
da população ficava com todos os lucros, estabelecerá
um modelo econômico que permanecerá como um estigma
nacional, que é a enorme concentração de
renda.
............O Brasil foi uma das
nações que mais tardiamente libertou os seus cativos,
em 13 de maio de 1888. A Inglaterra aboliu a escravidão
em suas colônias em 1807, apesar do grande lucro que obteve
com o tráfico. Em 1776 ocorre a Independência dos
Estados Unidos da América; em 1789, a Revolução
Francesa. Com o advento da Revolução Industrial,
a economia mundial cresce sob novos modelos de forças produtivas;
a sociedade transformavase, o sistema colonial já apresentava
rachaduras, e o escravismo se tornou um modelo improdutivo.
............No Brasil, a libertação
dos escravos pouco ou quase nada alterou as condições
de vida dos ex-escravos. Os negros continuaram a viver à
margem da sociedade, em precárias condições
sócio-econômicas, fator que pouco se modificaria
pelas décadas seguintes.
............Tiradentes, o herói
da Inconfidência, havia declarado ser as Minas Gerais um
local de desgraças e depravações, “porque,
tirando-se dele tanto ouro e diamantes, nada lhe ficava, e tudo
saía para fora (sic), e os pobres filhos da América
sempre famintos, e sem nada de seu”.
............O ouro de Minas ergueu
palácios, catedrais, financiou os luxos das nobrezas europeias,
era a Europa o seu destino, mas da África vieram os anônimos
heróis.
EXUPÉRIO,
O FERRADOR
Ruth Tupinambá Graça
Cadeira N. 96
Patrono: Tobias Leal Tupinambá
............Foi uma grande época,
a do cavalo. Hoje ele é vendido por milhões de dólares
nos grandes e sofisticados leilões e é o hobby dos
ricos criadores.
............Mas antigamente, a história
era outra. O conceito do cavalo era bem diferente e tinha um valor
imprescindível, útil e necessário a todos.
Um bom cavalo gozava de grande prestígio, era respeitado
e cobiçado. Obediente uma vez amansado, relativamente barato
e de grande serventia.
............Todo fazendeiro que se
prezava possuía uma tropa bem tratada e até mesmo,
os que moravam na cidade (os comerciantes), sustentavam aquele
luxo, alugando pasto onde seus animais de estimação,
principalmente um puro sangue (treinado para o cilhão da
dona patroa) eram tratados com todo carinho, como ilustres pensionistas
nas pastagens mais próximas dos compadres e amigos.
............Era com enorme satisfação
que, aos domingos, aqueles fazendeiros de verdade – Nozinho
Colares, Valeriano Lopes, João de Figueiredo, Altino Maciel,
João Mendonça, Orfeu Froes, Elpídio
da Rocha, Ilídio dos Reis, Levindo Dias, seu Dantas, Argemiro
Machado, João Salgado, Zezé de Alfredo, Santos Braga,
Antônio Lucrécio, Chiquinho Viriato e muitos outros
– desfilavam pelas ruas da cidade, elegantemente montados
e com muito orgulho, mostravam um bom marchador ou um esquipador,
cria da sua fazenda, numa sela amazonas da melhor qualidade, arriatas
de prata brilhando ao sol, pelegos de pele de carneiro para melhor
conforto do cavaleiro.
............Aquele desfile de senhores
sérios era um acontecimento importante, assistido e apreciado
por um grande número de fazendeiros, criadores e curiosos,
sendo uma boa oportunidade para fazer bons negócios e trocas.
............Os animais, com suas
crinas bem tratadas e penteadas, ancas lisas bem delineadas, pêlo
reluzente, pernas firmes e pescoços perfeitos, davam um
show de boniteza, enquanto as patas bem ferradas tiravam faíscas
naquele grosseiro calçamento das nossas ruas.
............Geralmente, o sábado
era o dia escolhido para ferrar os animais, num ritual todo especial.
............Exupério Ferrador
(conhecido por todos), que em época remota foi jagunço,
atuando bravamente no tiroteio de 06/02/1930, por ocasião
da visita do vice-presidente da República, doutor Fernando
de Melo Viana à nossa cidade. Era o exímio ferrador,
merecendo a total confiança dos fazendeiros.
............Com a mesma facilidade
e competência com que manejava uma carabina, ele dominava
o animal, por mais arisco que fosse, e cravava-lhe na anca o ferro
fumegante com as iniciais do seu dono, e também calçava-lhe
as ferraduras, ajustando os cravos com rapidez e competência
incríveis.
............Ele sentia orgulho daquela
profissão e tinha um jeito especial para trabalhar nas
patas de um poldro de raça, um garanhão famoso ou
uma égua de estimação. Era o preferido da
cidade e ferrava para ninguém botar defeito. Muito minucioso,
media cui dadosamente as ferraduras, adaptando-as aos melindrosos
cascos e aquecia, ao mesmo tempo, o ferro com as iniciais, ao
calor das labaredas numa fogueirinha, nos fundos do Mercado Municipal
antigo, onde improvisava uma mini-oficina para aquele trabalho
especial.
............Durante aquela operação,
os donos dos animais assistiam atentamente, pois o cavalo era
como se fosse gente, ou até mesmo um parente que submetesse,
no momento, a uma melindrosa cirurgia.
............O Exupério, durante
aquela função, torcia os enormes bigodes (que era
seu orgulho), fazia mil piruetas, pegando e largando com agilidade
as patas do animal, apertando os cravos nas ferraduras e, na hora
de cobrar, arrancava o couro dos fazendeiros, que pagavam sem
resmungar, pois com o Exupério, era pegar ou largar, não
adiantava pixotear.
............O cavalo era indispensável
ao Tropeiro e ao Cometa para o transporte de mercadorias; ao fazendeiro,
para o serviço de campo e modo geral para as viagens.
............Foi uma época
difícil, sem as rodovias e as ferrovias, em que o lombo
do animal era o único transporte. Nossa cidade muito deve
àqueles tropeiros que, durante séculos, supriram
o nosso comércio com mercadorias trazidas de longe, enfrentando
obstáculos e perigos sob um sol escaldante, poeira e calor,
ou chuva, vento e frio, o tropeiro incansável seguia embrenhando-se
nas matas e pacientemente arreava e desarreava os animais nas
longínquas pousadas sem conforto. Durante as viagens, que
duravam três a quatro meses, com o coração
embalado pelo tilintar dos guizos da madrinha da tropa, espantando
melancolia, o tropeiro sentia-se feliz e alegrava-se com o retorno
a Montes Claros, rever a família, os amigos e matar a saudade
e sentir novamente o carinho do lar, tantos meses privado.
............Esta luta durou anos
e anos e hoje ninguém é capaz de avaliar quanto
esses valentes tropeiros sofreram e o bem que nos fizeram.
............Mas a civilização
chegou trazendo o automóvel para desbancar o cavalo. Ao
invés das quatro patas, as quatro rodas passaram a dominar
e em lugar das selas de couro para as viagens, existem hoje as
confortáveis e luxuosas poltronas. O som melancólico
dos guizos da madrinha da tropa e do trote compassado dos animais
nas estradas desapareceu e os nossos ouvidos sofrem com o som
estridente de buzinas e o chiar dos velozes pneus no asfalto.
............E a situação
do cavalo é outra. Tratado especialmente em cocheiras luxuosas,
deixa de ser o transporte de todos, todo dia e toda hora.
............Hoje existem os haras
modernos com todo luxo e conforto, onde os animais têm uma
alimentação balanceada, rica em vitaminas e proteínas,
controladas por veterinários competentes e atendimento
em clínicas especializadas.
............São transportados
em carros especiais, estofados, com ar refrigerado e até
música relax.
............São vendidos por
milhões de dólares em leilões sofisticados
que mais parece show da alta sociedade.
............A criação
do cavalo de raça é hoje privilégio de alta
classe. É um hobby dos grandes empresários e fazendeiros
quatrocentões, que fumam cigarros e charutos finos, bebem
uísque importado, possuem jatinho para não perderem
tempo e, cheios de orgulho aguardam, tranquilamente, o sucesso
e os lucros da sua criação famosa nos grandes leilões,
nas importantes capitais.
Osmar
Cunha
Wanderlino Arruda
Cadeira N. 33
Patrono: Enéas Mineira de Souza
............A lembrança mais
antiga que tenho de Osmar Cunha é de Taiobeiras, ano de
1948, quando ele, estudante de contabilidade em São Paulo,
veio passear por um período de férias. Sério
e alegre ao mesmo tempo, mais novo do que a idade exigia, era
a elegância em pessoa, com ternos e gravatas da última
moda, tecidos caros, cortes perfeitos. A qualidade estava numa
distância enorme para a de uso de qualquer outro vivente
comum, inclusive a de seu irmão Dudu Cunha, que também
sempre foi muito granfino. Ninguém vestia ou calçava
como Osmar, porque, de São Paulo, ele sempre escolhia o
melhor, uma vez que dinheiro e bom gosto nunca lhe foram problemas.
Invejado por nós, pobres mortais de Taiobeiras? Não,
não creio. Na verdade, Osmar Cunha era é respeitado,
admirado, elevado a um patamar, algo assim como se fosse herdeiro
do trono do Brasil. O melhor a quem de direito!
............Também não
me lembro de Osmar namorador como Dudu, ou como qualquer outro
de nós, mesmo os meninos, que normalmente tinham mais de
um “Flirt”. Osmar era comedido, calmo, mais ligado
às pessoas de idade, para conversas de assuntos mais
importantes. Mesmo para uma cidadezinha culta como era Taiobeiras
em 1949, quando se discutia literatura, acontecimentos mundiais,
artes, esportes, concursos de misses, quando existia uma meia
dúzia com algum domínio do inglês, Osmar ainda
era considerado de padrão superior, principalmente por
morar e estudar no centro da cidade de São Paulo, como
filho de família rica. Mas, no meio de toda importância,
Osmar fazia algumas concessões ao jogar futebol, nadar
na barragem, jogar pôquer, danças, dar voltas em
torno da feira de quiabo, ir à missa na antiga igreja perto
de sua casa. Namorar, namorar, que era o esporte mais gostoso
era só com a Laury, a moça mais culta e mais bonita,
também viajada e lida como ele. Ou mais que ele!
............Não me lembro
de Osmar político, candidato a prefeito de Taiobeiras,
porque aí, eu já morava em Montes Claros. Talvez
por uns dois passeios rápidos por lá, quando eu
ia ver Olímpia e a minha família, tenho lembranças
poucas, “flashes” dos acontecimentos, com um quadro
mergulhado de paixões, a situação batendo
duro, furtando escandalosamente para não perder o mando,
não respeitando nem a elegância de Osmar. Lembro-me
de Laury lutando com todas as forças, até pegando
em armas, como um dia em que ela espantou uma multidão
de adversários, fazendo todos correrem sob a mira de uma
carabina. Mas de Osmar, não me lembro! Sua capacidade só
diplomática, elevada, acima das efervescências maledicentes,
não pôde lhe conduzir a vitória. Votos comprados,
urnas fraudadas, todo tipo de astúcias e tramóias
dos adversários tiraram a sua vez. Triste e desiludido
mudou-se para Montes Claros. Secretamente, caladão, nunca
cicatrizou a paixão da derrota. Com amargo sorriso era
que falava da política de Taiobeiras. Acredito que esperava,
se mais vivesse, dar um elegante troco àquela gente de
sua terra.
............Em Montes Claros, sempre
comerciante, ao lado de Dudu ou sozinho, Osmar talvez tenha sido
o empresário mais amado e querido por seus clientes e fornecedores.
Não sei e talvez ninguém saiba de alguém
que não gostasse dele. As pessoas o adoravam e nele confiavam
sem limitações. Nenhum documento valia mais
que a palavra de Osmar. Nenhum prazo era tão rígido
no comércio que ele não pudesse ceder em favor de
um devedor mais apertado. Quantas vezes Dudu não ficou
com o coração nas mãos diante da bondade
de Osmar, sempre ajustando vencimentos, sempre ajudando alguém!
Osmar era uma espécie de pai dos pobres e deserdados, que
o digam os pequenos comerciantes de Montes Claros e de todas as
cidades do Norte de Minas e Sul da Bahia. Até hoje vejo-os
chorar de saudades!
............Osmar Cunha, elista,
rotariano, marido, pai, irmão, companheiro e professor
de muitos, nunca foi um homem comum, nem só um homem elegante.
A estrela de ouro que, por nobreza, deixou no mundo, por muito
tempo ainda brilhará e abrirará caminhos de luz,
de amizade e de admiração!
O
VOO DO ALBATROZ, O VOO DE ISAU
Wanderlino
Arruda
Cadeira N. 33
Patrono: Enéas Mineira de Souza
“A
cada dia que vivo, mais me convenço de que o desperdício
da vida está no amor que não damos, nas forças
que não usamos, na prudência egoísta que
nada arrisca, e que, esquivando-se do sofrimento, perdemos também
a felicidade.“
Carlos Drummond de Andrade
............Segundo Emmanuel, a vida
seria muito chata se tudo nos fosse fácil e independente
de nossos esforços. O que dá gosto pela vida é
saber que soubemos vencer as adversidades para chegar à
vitória, ao sucesso. O importante é ter consciência
de cada momento que buscamos o alimento, a saúde, a boa
disposição ao trabalho, o descanso merecido, o entender
e ser entendido, o amar e ser amado. É por isso que dizemos
em nossas preces ao nos levantar e ao prepararmo-nos para dormir:
dá-nos hoje a tua proteção, dá-nos
sempre, Senhor. Jamais nos esqueçamos que - no dizer de
Tiago - a fé sem obras é morta. Qual o proveito
em dizer que temos fé mas não temos obras? Preciso
é fazermos sempre o melhor, porque Deus não trabalha
exatamente em cima da nossa ansiedade, mas em cima do nosso merecimento.
O que é nosso, o que a nós deve ser destinado acontece
na hora certa! As coisas acontecem exatamente quando devem acontecer!
Busquemos sempre a sintonia do Amor em nossas vidas, e tudo estará
sempre nos devidos lugares. Sendo o trabalho lei da Natureza,
cada qual de nós, seja de onde for, estará sempre
construindo a própria vida, isto é, a vida que deseja.
Em verdade, a nosso existência e as nossas experiências
são a soma de tudo o que idealizamos e construímos.
Toda melhoria que realizarmos é melhoria na estrada a que
somos chamados a percorrer. Outra coisa: muito difícil
vivermos bem se não aprendermos a conviver. A vida por
fora de nós é a imagem daquilo que somos por dentro.
Viver é a lei da natureza, mas a vida pessoal é
a obra de cada um. Muitas coisas fazem parte de nós para
nos defender do mundo externo, geradas pela nossa própria
mão e pelo nosso próprio pensamento. Os orientais
dizem: - Para você beber vinho numa taça cheia de
chá é necessário primeiro jogar o chá
fora para, então, beber o vinho. Ou seja, para aprendermos
o novo é essencial deixarmos para trás o velho,
visar e revisar valores, adaptarmo-nos a novas circunstâncias,
a novos modos de ser, pensar e de agir.
............Depois de ler e reler
O VOO DO ALBATROZ, candente relato existencial do amigo Isau Rodrigues
de Oliveira, menino de Taiobeiras, homem de Montes Claros, Minas
e Bahia, homem do Mundo, vejo realmente muito mais que uma biografia,
bem mais que um texto confessional, tudo muito acima do colorir
esforços e superações. Trabalho a quatro
mãos - do próprio Isau e da escritora Cyntia Pinheiro
- são quase cem páginas didáticopedagógicas
de um verdadeiro self-made man, ator e diretor de uma vida no
plano pessoal e profissional merecedora de todo o nosso respeito
e máximo de admiração. História envolvente
em todo o seu conteúdo, tenho certeza de que qualquer leitor
a lerá em um só fôlego, tal a composição
lógica e emocional, mais do que tudo humanamente colorida.
............A melhor forma de aprender
ou ensinar é acima de tudo imprimir bons e significativos
exemplos. E o exemplificar em nos sas vidas exige que dediquemos
tempo e amor a todos os nossos sonhos e nossas atividades, sejam
quais sejam os esforços e sacrifícios. O prof. Rubens
Romanelli, pensador e poeta, quase um santo nas salas de aula
da UFMG e nas reuniões do Evangelho, dizia-nos com lições
do Mestre Jesus: “QUANDO te julgares incompreendido pelos
que te circundam e vires que em torno a indiferença recrudesce,
acerca-te de Mim: eu sou a LUZ, sob cujos raios se aclaram a pureza
de tuas intenções e a nobreza de teus sentimentos;
QUANDO se te extinguir o ânimo,as vicissitudes da vida e
te achares na iminência de desfalecer, chama-Me: eu sou
a força capaz de remover-te as pedras dos caminhos e sobrepor-te
às adversidades do mundo; QUANDO te faltar a calma, nos
momentos de maior aflição, e te julgares incapaz
de conservar a serenidade de espírito, invoca-Me: eu sou
a PACIÊNCIA que te faz vencer os transes mais dolorosos
e triunfar nas situações mais difíceis; QUANDO,
enfim, quiseres saber quem Sou, pergunta ao riacho que murmura
e ao pássaro que canta, à flor que desabrocha e
à estrela que cintila, ao moço que espera e ao velho
que recorda. Eu sou a dinâmica da Vida e a harmonia da Natureza;
chamo-me AMOR, o remédio para todos os males que te atormentam
o espírito”. É por isso que, de manhã,
todas as manhãs, apresento ao meigo Nazareno a minha oração
e fico esperando...
............Para Isau, felicidade
é sabedoria, esperança, vontade de ir, vontade de
ficar, presente, passado e futuro. Para Isau, felicidade é
confiança, fé e crença, trabalho e ação.
Ele tem vivido tão intensamente, que tudo indica não
ter pressa de ser feliz, porque sabe que a felicidade vem devagarinho,
sem depender de saúde ou de poder, sem ser fruto de ostentação,
de luxo ou de ambição. Para Isau, felicidade é
desprendimento, amor ao trabalho, organização, subida
nos degraus do progresso pessoal e coletivo. Sempre e sempre uma
visão de conjunto, cumprimento de passos e percursos de
uma caminhada regida pela vontade e pela determinação,
resultado de uma ou de cem batalhas. Ele, um campeão, sabe
que as vitórias são alimentadas pelo trabalho em
equipe, porque a grande maravilha do amor é ser um divino
contágio. Também não importa o que tiraram
de nós, o que importa é o que nós vamos fazer
com o que sobrou. Nunca podemos nos esquecer de que o sol que
brilha, a nuvem que passa, o vento que ondula, a árvore
que se ergue, a fonte que corre, o fruto que alimenta e a flor
que perfuma, toda a riqueza das horas, tudo depende da proteção
do Grande Arquiteto do Universo.
............Como cada um é
o arquiteto do próprio destino e a vida é a soma
de todas as escolhas, devemos saber que a honra é levantar-se
a cada vez que se cai. Concluo este prefácio, pensando
no carma positivo de Isau, para ele mesmo e para as pessoas próximas
a ele, ou melhor, para todos nós os seus amigos.
IVAN
DE SOUZA GUEDES
Wanderlino
Arruda
Cadeira N. 33
Patrono: Enéas Mineira de Souza
............Louvemos as pessoas,
em primeiro lugar, pelas obras com que beneficiam o tempo e o
espaço e que beneficiam cada movimento do bom viver e da
boa convivência. Consideremos, sobretudo, seus atos de fé,
seus gestos de gentileza, sua atuação perante a
família e os amigos. Consideremos, com o melhor da nossa
consciência, os que vivem sempre para o progresso dentro
e fora do trabalho. Benditos os que permitem a esperança,
os que têm palavras de estímulo, os que são
e que estão no caminho do bem e do socorro ao próximo.
............Bem-aventurados os que,
mesmo nos gestos simples de cada dia, se tornam benfeitores, que
têm a felicidade não como estação de
chegada, mas como um modo de se movimentar para o futuro. Para
estes, não existem cargas mais leves, mas sim ombros fortes
e apropriados à tarefa de cada dia; não há
ponto final no amor, porque o amor é vida e a felicidade
é o melhor jeito de ser e de viver.
............Mesmo conhecendo com
minúcias a vida do amigo e do meu mais considerado colega
de escola, surpreendo-me com “IVAN DE SOUZA GUEDES, este
grande brasileiro”, livro fruto das pesquisas e da lavra
literária da historiadora Zoraide Guerra David, lente e
foco ao mesmo tempo de uma vida cheia de grandeza, sincero retrato
de corpo inteiro para o agora e para o sempre: Ivan e família
– fundamento sólido; Ivan e Montes Claros, terra
dadivosa; Ivan , o empresário; Ivan e a expansão
da Minas Brasil; Ivan e sua inter-relação humana
e comunitária; Ivan nas comemorações especiais
e nas homenagens que tem recebido; Ivan, uma referência
e o reconhecimento público.Tudo de vida e ação,
tudo de fé e esforço, tudo certeza no valor do trabalho,
e acima de tudo, uma confiante esperança de quem sabe o
que quer e a que veio. O importante não é passar
pela existência, é viver!
............Minha confreira Zoraide
foi bastante feliz em todos os registros da biografia de Ivan,
o filho do alfaiate baiano e intelectual Nino de Souza Guedes
e de D. Maria do Carmo, bocaiuvense da melhor estirpe, excelente
mãe de família e educadora; Ivan, o marido da doutora
Mercês Paixão Guedes e pai dos jovens administradores
Leonardo, Lyntton José, Luciano Frederico e Leandro Ivan,
tudo gente do melhor que a vida de trabalho pode oferecer, uma
verdadeira equipe. Em realidade, uma biografia fértil e
bem apropriada diante da riqueza de informações
bastante conhecidas, sempre presenciadas por amigos e clientes
desde a antiga Farmácia São José, de Juca
de Chichico, onde Ivan vendia remédios durante o dia e
aplicava injeções durante a noite, parte por ser
balconista, parte para ganhar mais uns trocados para ajudar a
família e para pagar os estudos no Colégio Diocesano
e no Instituto Norte Mineiro de Educação, escolas
em que fizemos o segundo grau e concluímos o curso de Contabilidade.
Sempre de pé, sempre olhos nos olhos, sempre se movimentando,
Ivan nunca se negou a ouvir um cliente em necessidade de um conselho
ou do aviamento de uma receita médica. Atendimento nota
dez, o selo do sucesso!
............Como deixou claro Alberto
Einstein em alguns escritos, “Não podemos viver felizes,
se não formos justos, sensatos e bons; e não podemos
ser justos, sensatos e bons sem sermos felizes”. “Evidentemente,
nós existimos em primeiro lugar para as pessoas queridas,
de cujo bem-estar depende a sua felicidade e a nossa; depois para
todos os seres, nossos semelhantes, que não conhecemos
pessoalmente, aos quais, entretanto, estamos ligados pelos laços
da simpatia e fraternidade humana.” Se o amor não
é eterno, eterna tem que ser a capacidade de amar. Para
Cora Coralina, “Todos estamos matriculados na escola da
vida, onde o mestre é o tempo”, pois como bem disse
Benjamim Franklin “A melhor coisa que você pode dar
ao inimigo é o seu perdão; ao adversário,
sua tolerância; ao amigo, sua atenção; aos
filhos, bons exemplos; ao pai, sua consideração;
à mãe, comportamento que a faça sentir-se
orgulhosa; a todas as pessoas, caridade; a você próprio,
respeito.”
............Inteligente, empreendedoramente
fértil, determinado, consciente no ser e no agir, Ivan
nunca teve um dia sem proveito de aprendizagem e da realização
do bem. Sempre ao lado de Mercês e, ultimamente, dos filhos,
cresceu e multiplicou ao mesmo tempo em que Montes Claros progrediu
em tamanho e em qualidade. Das pequenas drogarias das ruas D.
Pedro II e Camilo Prates, fincou pé na Doutor Santos com
Padre Augusto e, hoje, lidera o comércio farmacêutico
no centro e praticamente em quase todos os bairros da cidade,
cada ponto comercial com mais recursos e mais modernidade. Viajante
internacional bom observador, soube, juntamente com Mercês,
e mais tarde com os filhos, fazer todas as adaptações
que o seu comércio permitia e o conforto da clientela podia
exigir. O último feito foi a instalação de
uma luxuosa perfumaria, que nada deve à praticidade e à
beleza das encontradas nos modernos shoppings e nas lojas dute
free dos melhores aeroportos do mundo. Progredir é qualificar-se
para o presente e para o futuro.
............Bonita, admirável,
material e espiritualmente encantadora a vida de Ivan, meu companheiro,
meu amigo próximo em quase sessenta anos, seja na escola,
seja na vida. Bem sei das quantas dificuldades teve que superar,
do quanto teve que se esforçar, do quanto
teve que aprender ao longo da vida. Agora, que Zoraide Guerra
David grava em letras e imagens este portentoso registro, muito
mais justiça será feita por quem o conhece no dia-a-dia
ou por quem tiver notícia deste livro “IVAN DE SOUZA
GUEDES, ESTE GRANDE BRASILEIRO”.
............Ivan e sua família
têm todos os merecimentos. E que Deus os conserve sempre
e sempre!
Mercês
Paixão e Ivan Souza Guedes
BIBLIOTECA
DO INSTITUTO HISTÓRICO E
GEOGRÁFICO DE MONTES CLAROS
LIVROS RECEBIDOS
• Cemitério das Loucas – Dário Teixeira
Cotrim. Editora Cotrim Ltda. 2010.
• O Poeta das Evas - Biobibliografia de José Prudêncio
de Macedo – Dário Teixeira Cotrim. Editora Cotrim
Ltda. 2010.
• Caminho das Letras. Júlia Maria Lima Cotrim –
Editora Millennum. Montes Claros – Minas Gerais. 2009.
• Montes Claros: Eterna Lembrança – Ruth Tupinambá
Graça. Editora Cotrim Ltda. 2010.
• Rio São Francisco: Vapores e Vapozeiros –
Domingos Diniz, Ivan Passos Bandeira da Mota e Mariângela
Diniz. Pirapora - Minas Gerais. 2009.
• Urubu de Gravata. Itamaury Telles. Edição
do autor. 2007.
• Noturno para o Sertão. Itamaury Telles. Edição
do autor. 2006.
• Doce Prejuizo. Itamaury Telles. Editora O Lutador. Belo
Horizonte. 2010.
REVISTAS RECEBIDAS
• Caminhos da História - oferecimento de Marcos Fábio
M. Oliveira e Regina Célia Lima Caleiro. Unimontes –
Montes Claros – Minas Gerais. 2010.
•
Revista Liberdade. Número 11 de julho de 2010. Oferecimento
de Noriel Cohen
• Revista Liberdade. Número 12 de setembro de 2010.Oferecimento
de Noriel Cohen.
• Revista Integração. Oferecimento do confrade
João Martins. Guanambi-BA.
• Revista Imagem. Vários números. Caetité-BA
CATALÁGO RECEBIDO
• Prêmio BNB de Jornalismo em Desenvolvimento Regional
2008. Oferecimento do confrade Reginauro Silva.
ÍNDICE
Diretoria do Instituto Histórico e Geográfico
de Montes Claros - 3
Lista de Sócios Efetivos do IHGMC - 5
Homenagens - 8
Apresentação - 9
Uma Justa Homenagem - 13
Amelina Chaves
O dia da consciência negra - 15
Clarice Sarmento
A Igreja dos Morrinhos - 17
Dário Teixeira Cotrim
As estradas do Tijuco a Salvador - 21
Fabiano Lopes de Paula
Montes Claros - Memória, devoção e milagres
- 27
Felicidade Patrocínio
A arte de Konstantin Christoff - 48
Geralda Magela de Sena Almeida e Sousa
Uma rua de ontem e hoje - 61
Haroldo Lívio de Oliveira
Parabéns, jornalista Oswaldo Antunes - 64
Haroldo Lívio de Oliveira
Necésio (Velloso) de Moraes - 67
Itamaury Telles de Oliveira
Café Galo reinaugurado com festa - 70
João Valle Maurício
Festa de agosto - 75
Juvenal Caldeira Durães
Coisas do Passado II - 80
Lázaro Francisco Sena
Padre Agostinho, a saga de um sacerdote - 88
Luiz
de Paula Ferreira
Fim de estio no sertão - 100
Luiz de Paula Ferreira
Acolhedora cidade - 102
Maria Clara Lage Vieira
José Augusto Freire - 104
Maria da Glória Caxito Mameluque
Do desembargador Velloso ao professor Arthur Versiani Velloso
- 108
Maria Luiza Silveira Telles
“Os bares nunca fecham” - 114
Marta Verônica Vasconcelos Leite
Inventariando Itacambira - 120
Miriam Carvalho
Saudação - 133
Padre Antônio Alvimar de Souza
A Arquidiocese centenária e o Concílio Vaticano
II - 136
Palmyra Santos Oliveira
Largo da Matriz - minha praça tão querida - 146
Petrônio Braz
A imprensa em Montes Claros - 151
Roberto Carlos Morais Santiago
Francisco Gê Acayba de Montezuma - 155
Roberto Pinto da Fonseca
Ouro e escravidão em Minas Gerais - 163
Ruth Tupinambá Graça
Exupério, o ferrador - 170
Wanderlino Arruda
Osmar Cunha - 174
Wanderlino Arruda
O voo do Albatroz, o voo de Isau - 177
Wanderlino Arruda
Ivan de Souza Guedes - 181
Biblioteca do Instituto Histórico e Geográfico
de Montes Claros - 185
Impresso
na oficina da
GRÁFICA EDITORA MILLENNIUM LTDA.
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39.400-057 - Montes Claros - MG
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