COMISSÃO FUNDADORA 2006-2007


Dr. DÁRIO TEIXEIRA COTRIM
Dr. HAROLDO LÍVIO DE OLIVEIRA
Jornalista LUIS RIBEIRO
Dr. WANDERLINO ARRUDA


DIRETORIA 2007- 2009

PRESIDENTE DE HONRA Dr. LUIZ DE PAULA FERREIRA
PRESIDENTE Dr. WANDERLINO ARRUDA
1º VICE - PRESIDENTE Dr. DÁRIO TEIXEIRA COTRIM
2º VICE - PRESIDENTE Dr. HAROLDO LÍVIO DE OLIVEIRA
DIRETORA EXECUTIVA Profa. MARTA VERONICA V. LEITE
DIRETOR-SECRETÁRIO Dr. PETRÔNIO BRAZ
DIRETOR-SECRETÁRIO ADJUNTO Coronel LÁZARO FRANCISCO SENA
DIRETOR DE FINANÇAS Prof. JUVENAL CALDEIRA DURÃES
DIRETOR DE FINANÇAS ADJUNTO Historiador HÉLIO DE MORAIS
DIRETORA DE PROTOCOLO Profa. REGINA Mª BARROCA PERES
DIRETORA CULTURAL Profa. RAQUEL VELOSO MENDONÇA
DIRETORA DE BIBLIOTECA Escritora AMELINA CHAVES
DIRETORA DE MUSEU Historiadora MILENA A. C. MAURÍCIO
DIRETOR DE RELAÇÕES PÚBLICAS Dr. ITAMAURY TELLES DE OLIVEIRA
DIRETORIA DE JORNALISMO Jornalista LUIZ RIBEIRO

CONSELHO CONSULTIVO

Dr. JOSÉ GERALDO DE FREITAS DRUMOND
Dr. WALDYR DE SENA BATISTA
Profa. YVONNE DE OLIVEIRA SILVEIRA

COMISSÃO DE GEOGRAFIA E ECOLOGIA

Prof. IVO DAS CHAGAS
Profa. ANETE MARÍLIA PEREIRA
Profa. MARIA APARECIDA COSTA


COMISSÃO DE HISTÓRIA E ARQUEOLOGIA

Profa. MARTA VERÔNICA VASCONCELOS LEITE
Prof. CÉSAR HENRIQUE DE QUEIROZ PORTO
Profa. FELICIDADE PATROCÍNIO

COMISSÃO DE ANTROPOLOGIA, ETNOGRAFIA
E SOCIOLOGIA

Prof. GY REIS GOMES BRITO
Profa. CLÁUDIA REGINA ALMEIDA

COMISSÃO DE CLASSIFICAÇÃO E DE
ADMISSÃO DE SÓCIO
S

Jornalista MAGNOS DENNER MEDEIROS
Profa. MIRIAM CARVALHO
Dra. FELICIDADE VASCONCELOS TUPINAMBÁ
Profa. ZORAIDE GUERRA DAVID
Dr. WANDERLINO ARRUDA
Dr. DÁRIO TEIXEIRA COTRIM

COMISSÃO DA REVISTA DO INSTITUTO HISTÓRICO
E GEOGRÁFICO

Dr. DÁRIO TEIXEIRA COTRIM - coordenador
Dr. ITAMAURY TELLES DE OLIVEIRA
Dr. PETRÔNIO BRAZ
Dr. WANDERLINO ARRUDA
Prof. JUVENAL CALDEIRA DURÃES
Profa. MARTA VERÔNICA VASCONCELOS LEITE
Jornalista LUIS CARLOS NOVAES


COMISSÃO REVISORA DA REVISTA

Dr. DÁRIO TEIXEIRA COTRIM
Dr. HAROLDO LÍVIO DE OLIVEIRA
Coronel LÁZARO FRANCISCO SENA
Dr. WANDERLINO ARRUDA


LISTA DE SÓCIOS EFETIVOS DO IHGMC

CD
Sócios
Patronos
01
Dr José Santos Rameta Alpheu Gonçalves de Quadros
02
Escritora Milene A. Coutinho Maurício Alfredo de Souza Coutinho
03
Padre Antônio Alvimar Souza Antônio Augusto Teixeira
04
Professora Claúdia Regina Almeida Antônio Augusto Veloso (Desemb.)
05
Profª Yvonne de Oliveira Silveira Antônio Ferreira de Oliveira
06
Prof Marcos Fábio Martins Oliveira Antônio Gonçalves Chaves
07
Professora Maria Aparecida Costa Antônio Gonçalves Figueira
08
Professora Anete Marilia Pereira Antônio Jorge
09
Professora Isabel Rebelo de Paula Antônio Lafetá Rebelo
10
Professora Maria Florinda Ramos Pina Antônio Loureiro Ramos
11
Jornalista Reginauro Rodrigues da Silva Ary Oliveira
12
Dr Antônio Augusto Pereira Moura Antônio Teixeira de Carvalho
13
Dr Cesar Henrique Queiroz Porto Ângelo Soares Neto
14
Professora Karla Celene Campos Arthur Jardim Castro Gomes
15
Jornalista Magnus Denner Medeiros Ataliba Machado
16
Dr Waldir de Senna Batista Athos Braga
17
Profa. Marta Verônica Vasconcelos Leite Auguste de Saint Hillaire
18
Dr Petrônio Braz Brasiliano Braz
19
Dr Luiz de Paula Ferreira Caio Mário Lafetá
20
Professora Felicidade Patrocínio Camilo Prates
21
Dr Reivaldo Simões de Souza Canela Cândido Canela
22
Professora Lygia dos Anjos Braga Carlos Gomes da Mota
23
Historiador Hélio de Morais Carlos José Versiani
24
Dr João Carlos Rodrigues Oliveira Celestino Soares da Cruz
25
VAGA Corbiniano R Aquino
26
VAGA Cyro dos Anjos
27
Professora Regina Maria Barroca Peres Dalva Dias de Paula
28
Escritora Amelina Chaves Darcy Ribeiro
29
Professora Filomena Luciene Cordeiro Demóstenes Rockert
30
VAGA Dona Tirbutina
31
Professora Clarice Sarmento Dulce Sarmento
32
Dr Edgar Antunes Pereira Edgar Martins Pereira
33
Dr Wanderlino Arruda Enéas Mineiro de Souza
34
Profa. Geralda Magela de Sena e Souza Eva Bárbara Teixeira de Carvalho
35
VAGA Ezequiel Pereira
36
Dra. Felicidade Vasconcelos Tupinambá Felicidade Perpétua Tupinambá
37
VAGA Francisco Barbosa Cursino
38
Professora Maria Inês Silveira Carlos Francisco Sá
39
Professor Ivo das Chagas Gentil Gonzaga
40
Drª Maria da Glória Caxito Mameluque Georgino Jorge de Souza
41
Dr Reinine Simões de Souza Geraldo Athayde
42
Professora Maria Luiza Silveira Teles Geraldo Tito da Silveira
43
Professor Benedito de Paula Said Godofredo Guedes
44
Hist. Roberto Carlos Morais Santiago Heloisa V. dos Anjos Sarmento
45
Jornalista Angelina de Oliveira Antunes Henrique Oliva Brasil
46
Professora Eliane Maria F Ribeiro Herbert de Souza – Betinho
47 Jornalista Paulo César Narciso Soares Hermenegildo Chaves
48 Professora Raquel Veloso de Mendonça Hermes Augusto de Paula
49 Dra. Maria Fernanda M. Brito Ramos Irmã Beata
50 Escritor Olyntho Alves da Silveira Jair Oliveira
51 Dr José Carlos Vale de Lima João Alencar Athayde
52 Profa. Maria Isabel M. F. Sobreira João Chaves
53 Dr João Carlos M. Sobreira de Carvalho João Batista de Paula
54 VAGA João José Alves
55 Cel. Lázaro Francisco Sena João Luiz de Almeida
56 Escritor João Aroldo Pereira João Luiz Lafetá
57 Jornalista Luiz Carlos Novaes João Novaes Avelins
58 Professor Necésio de Morais João Souto
59 Jornalista Luiz Ribeiro dos Santos João Vale Maurício
60 VAGA Jorge Tadeu Guimarães
61 Jornalista Girleno Alencar Soares José Alves de Macedo
62 Profº José Geraldo de Freitas Drumond José Esteves Rodrigues
63 Historiador Pedro de Oliveira José Gomes Machado
64 Professora Palmyra Santos Oliveira José Gomes de Oliveira
65 Dra. Maria de Lourdes Chaves José Gonçalves de Ulhôa
66 Arqueólogo Fabiano Lopes de Paula José Lopes de Carvalho
67 Dr Elias Siuffi José Monteiro Fonseca
68 Professora Rejane Meireles Amaral José Nunes Mourão
69 VAGA José (Juca) Rodrigues Prates Júnior
70 Jornalista Márcia Sá José Tomaz Oliveira
71 Dr João Caetano Canela Júlio César de Melo Franco
72 Jornalista Theodomiro Paulino Correa Lazinho Pimenta
73 Dra. Maria das Mercês Paixão Guedes Lilia Câmara
74 Professor Laurindo Mekie Pereira Luiz Milton Prates
75 VAGA Manoel Ambrósio
76 VAGA Manoel Esteves
77 Profª Maria Jacy de Oliveira Ribeiro Mário Ribeiro da Silveira
78 Jornalista Américo Martins Filho Mário Versiani Veloso
79 Professora Maria José Colares Moreira Mauro de Araújo Moreira
80 Jornalista Hélio Machado Miguel Braga
81 Prof. Juvenal Caldeira Durães Nathércio França
82 Dr Haroldo Lívio de Oliveira Nelson Viana
83 Historiador Paulo Costa Newton Caetano d’Angelis
84 Dr Itamaury Telles de Oliveira Newton Prates
85 VAGA Armênio Veloso
86 Professora Zoraide Guerra David Patrício Guerra
87 Profa. Marta Edith Sayago M Marques Pedro Martins de Sant’Anna
88 Professora Miriam Carvalho Plínio Ribeiro dos Santos
89 Jornalista Rosângela Silveira Robson Costa
90 Hostoriador José Henrique Brandão Romeu Barcelos Costa
91 Dr Wesley Caldeira Sebastião Sobreira Carvalho
92 Professor Roberto Pinto Fonseca Sebastião Tupinambá
93 Dr Dário Teixeira Cotrim Simeão Ribeiro Pires
94 Dr Luiz Pires Filho Teófilo Ribeiro Filho
95 VAGA Terezinha Vasquez
96 Professora Ruth Tupinambá Graça Tobias Leal Tupinambá
97 Professor Gy Reis Gomes Brito Urbino Vianna
98 Jornalista Rafael Freitas Reis Virgilio Abreu de Paula
99 VAGA Waldemar Versiani dos Anjos
100 Professora Maria Clara Lage Vieira Wan-dick Dumont

Sócios Correspondentes

Dr.André Kohene Caetité -BA
Prof. Regente Armênio Graça Filho Rio de Janeiro- RJ
Dr. Ático Vilas-Boas da Mota Macaúbas - BA
Dr. Augusto José Vieira Neto Belo Horizonte - MG
Dr. Avay Miranda Brasilia - DF
Jornalista Carlos Lindenberg Spínola Castro Belo Horizonte - MG
Escritora Carmem Netto Victória Belo Horizonte - MG
Historiadora Célia do Nascimento Coutinho Belo Horizonte - MG
Historiador Daniel Antunes Júnior Espinosas - MG
Dr. Enock Sacramento
São Paulo - SP
Dr. Fernando Antônio Xavier Brandão Belo Horizonte MG
Dr. Eustáquio Wagnar Guimarães Gomes Belo Horizonte - MG
Escritor Flávio Henrique Ferreira Pinto Belo Horizonte - MG
Jornalista Geraldo Henriques (Riky Tereze) New York - USA
Prof. Herbet Sardinha Pinto Belo Horizonte - MG
Jornalista Jeremias Macário Vitória da Conquista - BA
Jornalista João Martins Guanambi - BA
Dr. Jorge Lasmar Belo Horizonte MG
Prof. José Eustáquio Machado Coelho Belo Horizonte MG
Prof. Dr. Jorge Ponciano Ribeiro Brasília - DF
Dr. Marco Aurélio Baggio Belo Horizonte MG
Profa. Dra. Maria da Consolação M. Figueiredo Cowen London - England
Prof. Moisés Vieira Neto Várzea da Palma - MG
Jornalista Paulo César Oliveira Belo Horizonte - MG
Jornalista Paulo César Oliveira Belo Horizonte - MG
Escritor Reynaldo Veloso Souto Belo Horizonte - MG
Prof.Thiago Carvalho Makiyama Gunma-Ken - Japão
Prof. Wellington Caldeira Gomes Belo Horizonte - MG
Historiador Zanoni Eustáquio Roque Neves
Belo Horizonte - MG

NOTAS DOS COORDENADORES DA EDIÇÃO

A ordem de publicação dos trabalhos dos sócios efetivos obedeceu à seqüência alfabética dos nomes dos autores. Em seguida, foram ordenados os trabalhos dos sócios correspondentes; A Revista não se responsabiliza por conceitos e declarações expedidos em artigos publicados; A revisão dos disquetes originais foi feita pelos próprios autores dos artigos publicados.


HOMENAGENS


Historiador João Botelho Neto

Cônego Adherbal Murta de Almeida

Poeta Reivaldo Canela

EPITÁFIO

Para um túmulo de amigo

“A morte vem de manso, em dia incerto
e fecha os olhos dos que têm mais sono...”.

(Alphonsus de Guimaraens – ossa mea, I.)


FINS DO IHGMC

Art. 2º - O IHGMC tem como finalidade a promoção de estudos e a difusão de conhecimentos de história, geografia e ciências afins, do município de Montes Claros e da região Norte de Minas, assim como o fomento da cultura, a defesa e a conservação do patrimônio histórico, artístico e cultural.


APRESENTAÇÃO

Desejo, de início, saudar o companheiro Dário Teixeira Cotrim, nosso ilustre vice-presidente, como o sempre vitorioso coordenador desta Revista, agora em seu terceiro volume, feito inédito para qualquer instituição científica ou literária. Um maravilhoso acontecimento que tem tudo para ser repetido pelo menos uma vez a cada semestre,
pode esperar nosso querido público interno e externo, sempre pronto a elogiar um feito tão bem feito.

Esta Revista do Instituto Histórico e Geográfico de Montes Claros, edição primorosa graças ao bom trabalho gráfico da Editora Millennium Ltda., tem sido também um exemplo de uma exemplar capacidade de trabalho e de boa vontade de grande parte do nosso quadro social, agora já acima dos noventa companheiros na lista efetiva e de muitos dos companheiros correspondentes moradores em outras partes fora da região norte-mineira. Somos felizes com a colaboração de todos, seja com trabalhos publicados, seja com a crítica amiga e positiva, mais útil ao nosso aperfeiçoamento. Tudo tradução de muita alegria e muita esperança, capazes de implantar, mudar e transformar qualquer coisa, principalmente a construção dos sonhos e a concretização do amor a tudo que represente registro da cultura e do saber histórico e geográfico.

Afinal, somos pessoas com os pés na terra e a cabeça nas estrelas, capazes de sonhar, sem medo de nossos sonhos. Idealistas, determinados, transformamos sonhos em metas, com uma vontade incrível de tornar tudo uma segura realidade. Desde os primeiros dias da fundação no final de 2006, nunca abrimos mão de construir nossos destinos e arquitetar o melhor para o nosso Instituto Histórico e Geográfico de Montes Claros, que chegou orientado e protegido pelo centenário Instituto Histórico e Geográfico de Minas Gerais, uma das mais firmes instituições do país, reconhecida internacionalmente.

Parceiros da eternidade, permitimo-nos até uma brincadeira com um assunto mais do que sério: os limites da vida humana, tudo mutável e muito passageiro. Na Revista número um, registramos as nossas saudades ao primeiro companheiro chamado pelo andar de cima, o historiador João Botelho Neto, da cidade de São Francisco. Na Revista número dois, uma saudade dupla, com o passamento do também mui querido Padre Aderbal Murta de Almeida, página de homenagem já com duas fotos. Agora, número três, o Grande Arquiteto do Universo antecipou nossa edição com o chamamento ao colega Reivaldo Simões de Souza Canela: três fotos marcando doces lembranças, imensa saudade e registro de três vagas no quadro social. Tudo fora do nosso controle e nem podemos nos queixar do Criador, porque vida e morte sempre farão parte do cenário tanto da História como da Geografia. Desculpe-me o leitor e vamos esperar que a quarta revista, que deverá sair em junho/julho não contenha qualquer outra foto que não a da página de homenagens desta edição.

Nossa última palavra é a de saudação ao Centenário do notável Godofredo Guedes, nosso artista maior de todos os tempos.

Montes Claros, dezembro de 2008
Wanderlino Arruda - Presidente


HOMENAGEM ESPECIAL


GODOFREDO GUEDES


UM SÉCULO DE GODOFREDO GUEDES

Amelina Chaves
Cadeira N . 28
Patrono: Darcy Ribeiro

Só a arte, quando direcionada pelo Criador, tem o poder de eternizar o homem. Tanto que, em todas as criações da antiguidade, a arte permanece viva e discutida entre nós. Por mais que ela seja destruída pela evolução, ainda assim permanece na escrita, nas pedras que constróem os monumentos, nos pincéis movidos pelas mãos mágicas dos gênios, que em Montes Claros está destacada pelo mestre Godofredo Guedes DA SIMPLICIDADE DE UM GÊNIO. Eu que proclamo aos quatro ventos a minha facilidade para escrever, vez por outra minha caneta quando sempre dança leve no papel, queda inibida diante da sua arte, as palavras se perdem no colorido de suas telas. Ou nas planícies verdejantes do meu pensamento que busca inspiração na voz suave de BETO GUEDES quando ele diz:

- Quando vier setembro e a boa nova entrar nos campos.

E a natureza é cantada em prosa e versos, e os pequizeiros esperando a primavera. Assim sigo a trilha do Gênio, sem palavras difíceis rebuscadas no dicionário, apelo para a simplicidade para buscar no fundo do coração e da memória a figura ímpar de Godofredo Guedes.

Vejo-o na feira de arte, como um artesão sem a esnobação tão comum dos grandes artistas. Era um trabalhador de mãos grosseiras, estragadas pelo manejar dos pincéis. Era um homem marcado pela sua personalidade simples, que não demonstrava todo colorido que morava na sua alma. GODÔ, apelido carinhoso, escreveu uma das mais belas páginas da nossa história. Seus quadros ocupam espaço em todas as salas de residenciais e escritórios de Montes Claros. Ele pintava por vocação, sem se preocupar em enriquecer com sua arte. Não se limitava apenas nas tintas, ele transformava em poesias divinas. Conta-se que desde menino era fascinado pela música, que ele foi construindo e armazenando para mais tarde explodir nacionalmente na voz do seu filho BETO GUEDES, que acreditou e valorizou o potencial do seu pai. Coisa rara em família. Assim, o sobrenome Guedes passou a ser conhecido em todo Brasil.

ESCREVER QUASE SEMPRE ME FAZ RECORDAR. Ao vêlo jamais podia imaginar que estávamos diante de um inigualável gênio da música e das artes plásticas, e que mais tarde estas influenciaram seus filhos e netos que hoje tornaram uma família musical que levou o nome de Montes Claros além-fronteiras. Numa ponte de amor que fez o seu passado-presente. Um prêmio compensador vindo da sensibilidade dos seus descendentes que acreditaram no seu potencial. Como testemunha de sua vida dedicada a um sonho, Godofredo Guedes fez da sua arte uma oração diária. Vendendo ou não, ele estava sempre no seu atelier, que não passava de uma garagem de sua casa. Foi sempre o operário que teve o compromisso sagrado com sua vocação doada
gratuitamente pelo Criador de todas as coisas.


GG: UMA ARTE TOTAL

Dário Teixeira Cotrim
Cadeira nº 93
Patrono: Simeão Ribeiro Pires

Nesta tarde-noite do dia dezenove de maio nós tivemos a imensa satisfação de admirarmos com entusiasmo as obras do ilustre artista plástico Godofredo Guedes, no Salão Nobre do Centro Cultural Dr. Hermes de Paula. Na Exposição, são vinte e cinco exuberantes obras plásticas, cada uma mais bonita do que a outra e todas embelezando o grande salão que leva o nome do homenageado. Representadas ali estão treze famílias montes-clarenses e mais o Conservatório Estadual de Música Lorenzo Fernandez. As famílias que colaboraram, emprestando as obras (GG) para a exposição foram: Afonso Teixeira, Ana Esteves, Dário Teixeira Cotrim, Dolores Guedes,
Edmundo Andrade, Fábio Lafetá, Geraldo Avelar, Haroldo Lívio de Oliveira, Hermes de Paula, Luis Cláudio, Mônica Kroger, Walmor de Paula e Zezim Mendonça.

Quem pensa que já vai longe o tempo em que se ia a uma exposição apenas para apreciar obras comuns, enganou-se por completo. Porque a exposição dos quadros do artista plástico Godofredo Guedes tem uma beleza única que ameniza dores esuaviza ambientes. Além disso, ainda há no seu trabalho o aspecto bizarro, sem aborrecimento e sem aquela impressão das dúvidas que existem nos salões de artes contemporâneas. É assim porque a maioria dos seus trabalhos retrata com raro encantamento nossos casarões e o querido Rio São Francisco. É a natureza mostrada com efeitos fugazes de luz e movimento, ora no amanhecer, ora no entardecer, em busca de um paraíso utópico. É como se as águas paradas de sua pintura do dia anterior começassem a se movimentar no trabalho do dia seguinte. O deslumbramento do espectador diante de suas obras, como a Igreja do Rosário, pode ser a redenção entre a arte de ontem e a do homem contemporâneo.

Não há tão somente mágicas e mistérios nos quadros pintados por Godofredo Guedes, mas também o talento artístico que sempre lhe acompanhou em cada pincelada encharcada das fortes e suaves cores de sua aquarela. O resultado é excepcional.
A mistura da paisagem viva com a ilustração da natureza morta resulta o talento do bom baiano de Riacho de Santana: são rios, mares, igrejas, casarões, gente, animais e muitos sonhos. Frederico Morais, respeitado crítico de arte, disse numa entrevista para
a revista Bravo! que os artistas plásticos terminam contribuindo para definir a identidade de um país que é só seu. Portanto, a pintura de Godofredo Guedes retrata, sistematicamente, o seu tempo como espaço transitório onde um dia nasceu, viveu e depois morreu. Morreu para tristeza de todos nós.

A exposição desta noite tem como proposta homenagear o ilustre pintor baiano Godofredo Guedes que, se vivo fosse estaria fazendo em agosto vindouro o seu primeiro centenário. Certamente que o artista plástico é aquele que faz do mundo das
cores o seu momento de prazer, mas, por outro lado, ele nunca coleciona para si tudo aquilo que produz. Para a montagem desta exposição, é claro que os coordenadores contaram com a cumplicidade dos amantes da arte, pois não seria possível a realização dela se assim não fosse.

Bem, o que queremos, com essa despretensiosa crônica sobre o vernissage do Centenário de Godofredo Guedes, é mostrar uma particularidade comum em seus belíssimos trabalhos: os riscos e os rabiscos do impressionismo revelados nas suas telas. Até porque, nas obras do nosso artista, a gente viaja léguas e mais léguas em busca das águas quietas de um grande rio que fica bem distante de nós. Outrossim, os fachos de luzes que atuam brilhantemente sobre a imagem projetada em cada tela sua, o que somente vem nos proporcionar momentos prazerosos na vida, agora saudosamente projetam a própria imagem do artista.

UM POUCO SOBRE GODOFREDO GUEDES

O nosso Godofredo Guedes nasceu no dia 15 de agosto de 1908, na cidade baiana de Riacho de Santana. Ele era filho de José de Souza Guedes e de dona Durvalina Fernandes Guedes. Na genealogia das famílias baianas encontramos os Guedes de Brito, que são os descendentes do desbravador Antônio Guedes de Brito. Certamente que Godofredo Guedes tem alguma descendência desse grande desbravador e criador de gado, uma vez que as suas fazendas de gado estavam presentes nesta região do rio São Francisco. Por outro lado o rio São Francisco em muito influenciou a obra do artista. A vida do menino Godofredo Guedes em nada foi diferente da dos seus outros amigos. O banho nos poços existentes nos talvegues dos rios era, acima de tudo, uma
necessidade. Jogar pião nos descampados das praças; jogar finca nas épocas das chuvas, quando a terra ainda estava molhada; brincar de passar anelzinho, de ciranda-cirandinha, de chicotinho queimado e outros entretendimentos eram exclusividades dos meninos daquele tempo. Portanto, repetimos que para Godofredo Guedes em nada foi diferente a sua infância e adolescência.

Também a romaria de Bom Jesus da Lapa, que obrigatoriamente passava pela cidade de Riacho de Santana, contribuiu muito na formação da arte de Guedes. Nesse sentido há registroda existência de uma tela na sua cidade natal produzida em homenagem ao “Nosso Senhor Bom Jesus”, com data de 1923 e uma outra ainda, na vizinha cidade de Bom Jesus da Lapa. Assim, viajamos até a cidade de Bom Jesus da Lapa e lá encontramos um dos trabalhos mais antigos do Godofredo Guedes. O painel central do Santuário do Bom Jesus, pintado no madeiramento do forro do altar-mor da imagem milagrosa do Bom Jesus da Lapa, no ano de 1934. O trabalho executado por Godofredo Guedes ocorreu em razão do pedido formulado pelo padre espanhol Turíbio Vilanova Segura. Naquela ocasião foi construída a Torre do Morro da Lapa, com duração de dez anos (1940-1950), foram iniciados os trabalhos de escavação na Gruta da Soledade, além da reconstrução do túmulo do Monge Francisco de Mendonça Mar. Um ano depois de ilustrar o altar-mor do Santuário de Bom Jesus da Lapa, o artista plástico Godofredo Guedes decidiu mudar definitivamente para a região norte-mineira (Monte Azul) e finalmente para a cidade de Montes Claros. GG obrigado por tudo!


Painel da Gruta de Bom Jesus da Lapa


GG, O LETRADO

Haroldo Lívio de Oliveira
Cadeira nº 82
Patrono: Nelson Viana

Existem telas de Godofredo Guedes – retratos, paisagens, marinhas, naturezas mortas espalhadas pelo mundo inteiro. Até no Japão encontra-se a arte de GG. Ele pintou milhares de quadros, em mais de meio século de pintura, e por isso todos evocam o artista desaparecido como o grande pintor de Montes Claros, ou seja, o pintor oficial de nossa cidade, que eternizou, em pinceladas de mestre, a igrejinha demolida do Rosário, a capela dos Morrinhos, o Mercado antigo, a Praça da Matriz, os recantos pitorescos dos arrabaldes e, para memória dos pósteros, as pessoas que retratou com perfeição e fidelidade.

Entretanto, o pintor que resplandecia em Godofredo obscureceu, imerecidamente, em sua obra de artista completo, as outras facetas de sua habilidade artística e mecânica. porque ele atingiu o virtuosismo não foi somente no manejo de pincéis e na
intimidade com o mistério das cores e suas variações.

A começar do músico, instrumentista exímio, compositor, fabricante e até inventor de instrumento musical, que foi injustiçado a vida inteira e só veio a saborear o sucesso depois da parceria com Beto Guedes, seu filho e ídolo, em cujas gravações tinha sempre reservada uma faixa. Recentemente, encontrei GG, na fila do banco, exibindo orgulhoso o primeiro cheque recebido em pagamento dos direitos autorais pela gravação de Casinha de Palha. Para o artista radiante de felicidade, a paga era a reparação de uma vida inteira ressentida com a falta de oportunidade para a divulgação de sua obra musical, que tinha certeza de ser da melhor qualidade, como ficou comprovado quando finalmente o sucesso bateu à sua porta.

Pouca gente, todavia, pôde perceber que ele, além de músico e pintor, era também um homem de letras, um letrado mesmo, na verdadeira acepção do termo. Lendo a notícia do trágico falecimento do artista, o amigo Moacir (Boy) de Miranda Santos; que tudo vê, observa e analisa, perguntou-me de improviso: Por que Godofredo não faz parte da Academia de Letras? Entendi, incontinenti, sua estranheza quanto à ausência de Godofredo entre os acadêmicos, e pude sentir que todos nós cometemos a falha de nunca haver destacado o grande morto como um de nossos letrados. Nosso equívoco tornou-se maior porque ele revelou sua estirpe de poeta, nas letras impecáveis de suas composições musicais e nós batíamos palmas para o pintor que também compunha, esquecidos de que o letrista é o letrado que põe letra na música.

No que me tange, sem querer bancar o bonzinho, digo que, há vinte e oito anos atrás, ao me aproximar do artista, graças à amizade de seu filho Zeca, senti que estava diante de um beletrista de mão-cheia. Recordo-me perfeitamente de uma frase angustiada com que ele definiu o drama dos jovens que se casam cedo demais para mais tarde amargarem a desolação da infinita mágoa. Era um conselho para nós, e uma bela expressão, dados de graça.

Numa entrevista de mais de quatro horas dada ao O Jornal de Montes Claros, gravada, GG pôs-se à vontade e discorreu, fluentemente, num português escorreito que já não é comum ouvir-se. E ele queixava-se de dificuldade para falar em público,mais por modéstia, tanto que ao agradecer pela exposição retrospectiva de sua pintura, montada por Ruth Jabbur, na Galeria do Centro Cultural, ele encerrou sua curta oração dizendo ver naquele trabalho gigantesco uma “glorificação”. Como letrado que era, exprimia-se com gramática correta e vocabulário rico. Superada a timidez inicial, manipulava as palavras com o mesmo domínio que tinha ao misturar as cores na palheta.

Boy tem toda razão, quando censura a falta de GG na Academia, e eu, que (graças a Deus) o conheci de perto e cheguei a escrever a seu respeito, há vinte anos atrás, sinto que devia ter focalizado o escritor com mais insistência , pois já sabia de seu valor literário. Ainda me lembro de que, recentemente, numa manhã de pouco movimento, na Feira de Artes, na Praça da Matriz, o velho Godô declamou para mim alguns versos de sua mocidade, tudo ourivesaria do mais fino lavor, falando de sonhos
impossíveis e amores desatinados.

Pois é, Godofredo Guedes foi também um escritor bem apetrechado, um poeta baiano que honrava a poesia da Bahia.

(05.05.1985)


PATÃO, O BRUCUTU
Hélio de Castro Guedes – 1948/2008

Haroldo Lívio de Oliveira
Cadeira nº 82
Patrono: Nelson Viana

Três de julho de 2008: feriado municipal e luto, infelizmente. Montes Claros, a Cidade da Arte e da Cultura, sopra as 151 velas de seu bolo de aniversário e, em lugar de ser presenteada, foi atingida, em seu coração de mãe, pela perda de um filho amado. Hélio de Castro Guedes, na verdade, era apenas um nome para constar no documento de identidade, para ser conhecido apenas pelos familiares e amigos mais chegados. Dos tais que ele guardava, no lado esquerdo do peito, como na canção. E que eram muitos. Sempre achei o superlativo. Patão inadequado para uma criatura tão delicada e amorosa. E achava esquisito que ele fosse chamado de ex-brucutu, que era o nome da banda de rock em que tocava guitarra. Esse conjunto de beatlemaníacos marcou época, na vida social de nossa cidade e na vida de Patão.

Ele vinha padecendo, há vários meses, de implacável reincidência de um tumor maligno cerebral, porém, não se deu por vencido e nutria alguma esperança de cura. O poeta Patão amava a vida, como amou as mulheres, e queria continuar vivendo, e bem merecia, porque tinha projetos pessoais de grande importância para serem realizados. Primeiro, pretendia colocar novamente no ar o “site” jornaldocafegalo.com, por ele fundado e no qual tive a subida honra de ser colaborador. O jornal eletrônico estivera em franco crescimento, quando adoeceu pela primeira vez e não pôde prosseguir no empreendimento.

Depois, reagiu bem ao tratamento, obteve alta e retornou ao trabalho. Estava arrumando a casa para o evento que marcaria sua obra de artista, no momento em que veio a recaída que acabou lhe roubando o bem supremo da vida. Desde o ano passado, vinha anunciando aos amigos sua dedicação exclusiva, neste ano de 2008, à comemoração festiva do centenário de nascimento de Godofredo Guedes. Segundo o compositor Tico Lopes, seu companheiro de noitadas homéricas, Patão tinha DNA de artista. Sendo filho de Godô, nasceu com a inclinação natural pelas artes. Os três filhos homens de Godofredo Guedes são todos artistas, saíram puxando o velho. Zeca, meu velho amigo, é pintor como o pai, pinta paisagens, retratos, sendo mais conhecido, entretanto, como pintor de publicidade. Beto Guedes é um dos maiores ídolos da MPB. A primogênita, Teresinha, pinta e expõe suas telas, aqui, em Belo Horizonte e alhures. As outras moças, Dolores, Estela e Lúcia devem ter algum dom artístico, pois têm o mesmo DNA.

Dona Júlia reinava absoluta, na família, e esmerava no preparo da moqueca de surubim à baiana, pra baiano nenhum botar defeito. Salve a Bahia! O espírito da Boa Terra deve morar entre as paredes daquela casa hospitaleira da Rua Ruy Barbosa. Patão era um artista de sete instrumentos. Pintava, desenhava, tocava violão, cantava e compunha como Godô, fazendo a letra e a melodia. Era um artista muito respeitado e citado onde se falasse de cores e notas musicais. Com profunda tristeza, o acompanhamos em sua ida para o campo santo. Seu corpo desceu ao túmulo, ao lusco-fusco, no Dia da Cidade, debaixo de aplausos e ao som mavioso do violino de Gabriel Guedes, seu sobrinho.

Mui merecidamente, já tinha sido velado na Galeria Godofredo Guedes do Centro Cultural. Decididamente, não pode haver homenagem maior para o grande artista montes-clarense.


Hélio de Castro Guedes


GODOFREDO GUEDES E PORTEIRINHA

Itamaury Teles
Cadeira nº 84
Patrono: Newton Prates

Enquanto o Padre Julião Aroyo Gallo rezava a missa em latim, de costas para os fiéis, e só de vez em quando virava-se para dizer o Dominus vobiscum litúrgico, meu pensamento infantil viajava nas asas da imaginação e mergulhava naquele cenário celeste estampado no grande mural – pintado a óleo, em cores vivas – e eu me via na pele daquelas figuras angelicais tocando harpa e bandolim ou carregando círios flamejantes...

Sempre soube que o autor daquela obra de arte, que mantenho viva na retina até hoje, tinha sido Godofredo Guedes, o mesmo que pintara o mural do Santuário em Bom Jesus da Lapa, na Bahia.

Agora, quando Montes Claros comemora o centenário de nascimento de Godofredo Guedes, eminente pintor baiano, natural de Riacho Santana, vi-me na obrigação de trazer a público que ele também deixou sua marca genial em Porteirinha, naquele mural no altar-mor da Igreja Matriz de São Joaquim, que provocava em mim devaneios, enquanto o vigário orava.


Belo mural de Godofredo Guedes, na Matriz de Porteirinha
(Foto: Itamaury Teles)

Na década de 70, quando fui estudar em Montes Claros, tive a grata satisfação de conhecer pessoalmente o já famoso Godofredo Guedes, uma vez que ele era meu vizinho, ali na Rua Ruy Barbosa, onde residia e possuía ateliê de pintura.

Recentemente, voltei a Porteirinha com uma missão em especial: fotografar o grande painel do Godofredo Guedes, porquanto poucos sabiam que aquela obra pertencia ao acerco iconográfico do elogiado mestre.

De fato, pude constatar no local a autenticidade da obra e a assinatura do autor, que a concluiu em 1.3.956, e ali apôs não só a data, mas também a sua reconhecida assinatura: G.Guedes.


A assinatura da obra está escondida pelo altar, na parte inferior direita do
mural (Foto: Itamaury Teles)

O mural foi executado durante os trabalhos de reforma da Igreja Matriz de Porteirinha, iniciados em 8.10.1953 e concluídos em 29.8.1959, que duraram exatos cinco anos, oito meses e 21 dias...

A encomenda do mural fora feita pelo pároco da cidade, Cônego Julião Arroyo Gallo, um espanhol que morou em Porteirinha por muitos anos, mas não deixou registro algum, a não ser fotos em frente ao altar e o mural. No leito de morte, em Montes Claros, revelou o desejo de ser sepultado em Porteirinha. Depois de enterrado no cemitério local, seus despojos foram transladados e encontram-se depositados bem próximos ao mural, na parede lateral direita do templo que reformara, ...

Como pude apurar, a execução do trabalho fora feita em pouco tempo, entre uma missa dominical e outra, porquanto ninguém se lembra da passagem do Godofredo Guedes pela cidade, nem mesmo a historiadora Palmyra Santos Oliveira, nossa confreira no Instituto Histórico e Geográfico de Montes Claros, que lá reside desde 1942 e sempre participou dos movimentos católicos locais. Suspeita-se até, em razão desse fato, que ele tenha solicitado ao pároco tranqüilidade absoluta para a pintura do grande mural e o tenha executado em curto espaço, totalmente recluso no templo.

Há, ainda, lamentavelmente, outra vinculação de Porteirinha com Godofredo Guedes: a sua morte fora causada por atropelamento. A motocicleta que o atingiu, em frente ao Hospital São Lucas, era pilotada por um porteirinhense...


O Padre Julião Arroyo Galo, de origem espanhola, teve sensibilidade para
convidar o artista Godofredo Guedes para ilustrar a parede do templo. As
fotos, do seu álbum particular, dão bem a dimensão do seu orgulho com a
pintura do GG.


O Padre Julião Arroyo Galo em frente do painel pintado por Godofredo Guedes
na Igreja de Porteirinha.


GODOFREDO GUEDES,
UM ARTISTA SIMPLES E COMPLETO

Luiz Ribeiro dos Santos
Cadeira N. 59
Patrono: João Valle Maurício


Eu moro numa casinha de palha, que fica atrás da muralha daquela serra, acolá de longe elas nos parece arruinada, mas de perto ela é juncada de baunilha e manacá”.

A simplicidade descrita na letra imortalizada na voz de seu filho, o cantor Beto Guedes, ilustra bem quem foi o artista Godofredo Guedes, cujo centenário é comemorado em este ano. Godofredo, “Godô” ou apenas “GG” foi um artista múltiplo. Além de pintor, era compositor, instrumentista e luthier - fabricava seus próprios instrumentos, incluindo dois pianos. E mesmo com todo esse currículo, ele carregou ao longo da vida a marca de um homem simples.

Godofredo nasceu em Riacho de Santana, no sertão da Bahia, em 15 de agosto de 1908. Aos dez anos de idade, ganhou de presente de seu pai uma caixa de lápis de cor. Foi o começo de uma vida de artista. A partir daí, nunca mais parou de pintar. Mas logo iria descobrir outros dons: o de fabricar instrumentos e o da criatividade musical. Aos 12 anos fez seu primeiro violão e, aos 15, com a participação de seus irmãos, Francisco e Olímpio, formou um grupo de jazz – o “G.Guedes e Seu Conjunto” - em sua cidade natal. Eles se apresentavam de graça, apenas pelo
gosto de mostrar o trabalho musical.

TALENTO PRECOCE

Não demorou para que fosse despertado de vez o talento para as artes plásticas. O primeiro trabalho de Godô foi a série dos doze quadros da Via Sacra, na gruta da Igreja de Bom Jesus da Lapa, nas barrancas do Rio São Francisco, também no interior baiano. A obra continua lá, apreciada pelos milhares de fiéis que, anualmente, visitam a cidade católica.

Na adolescência, Godofredo, para sobreviver, se viu obrigado a dividir a vida artística com o emprego numa farmácia em Riacho de Santana. Nesta época, teve um aprendizado importante: o da língua francesa. “Como as bulas de remédio eram escritas em francês, eu era obrigado a ler e traduzir o que estava escrito”, disse, certa vez, numa entrevista.

Aos 27 anos, Godofredo mudou-se para Montes Claros. Quatro anos antes, casara-se com a conterrânea Júlia, com quem teve oito filhos. “Viemos da Bahia de caminhão, com redes amarradas em cima da carroceria. Lembro como se fosse hoje”, relata Terezinha Guedes, 65 anos, filha mais velha de GG.

Logo que chegou à cidade, em 1935, o então farmacêutico prático passou a dividir o ofício com a vida de pintor e músico. “Para ganhar o pão eu pintava tudo: placas, letreiros, fachadas e quadros. No setor musical comandava um conjunto que enchia as noites boêmias dos cabarés grã-finos da época”, declarou Godofredo em sua autobiografia.

PERFECCIONISTA E AUTO-DIDATA

Godofredo foi o primeiro pintor de placas para casas comerciais da cidade. Foi também o primeiro artista a pintar em telas em toda região. Declarou que preferia pintar as paisagens, pois dar forma ao rosto era muito difícil, principalmente, porqueele mesmo se achava um perfeccionista. No entanto, “retratou” muitas pessoas. O primeiro rosto que pintou foi do Dr. Santos, ex-prefeito de Montes Claros. Também levou para a tela as faces de muitas figuras importantes da cidade como a do maestro Oscar Lorenzo Fernandez e do pintor Konstantin Christoff – que também foi seu amigo.

“Apesar de ser autodidata, Godofredo pintava como um acadêmico. Retratava fielmente o real com um jogo perfeito de luzes e sombras, perseguia a cor exata. Enquanto não achava a cor perfeita de cada detalhe, não descansava. Outra característica marcante de suas telas é a retratação fiel de paisagens, a busca pela perfeição diante do céu e da água. Era também retratista. Pintava rostos humanos. Procurava embelezar a pessoa e atingia a perfeição, sobretudo nos retratos masculinos”, conta o escritor e também artista plástico Wanderlino Arruda. Atual presidente do Instituto Histórico e Geográfico de Montes Claros, ele conviveu com “Godô” por mais de 20 anos.

Godofredo não era egoísta, mas não gostava de incentivar as pessoas, ou os amigos a tomar gosto pelo oficio da pintura. Nem aos seus filhos e netos ensinava a arte. Ele achava que a vida de artista era muito triste, economicamente pouco valorizada, sem sentido para quem precisasse dela para viver. Afirmava que a vida artística dava muito prestígio, muita fantasia num sentido cultural, mas pouco dinheiro para feira semanal da mulher, Júlia. “Mas Godô não era infeliz. Adorava ser um criador de belezas, vibrava com sua habilidade nas tintas e nos pincéis”, observa Wanderlino.

Uma curiosidade: por um período de sua vida, Godofredo morou em Belo Horizonte. Para vender seus quadros, Godofredo foi à luta. Por isso, com outros pintores, criou a feira de artes da Praça da Liberdade, mais tarde transferida para a Avenida Afonso Pena, que até hoje recebe milhares de visitantes a cada manhã de domingo.

A ARTE DE FABRICAR INSTRUMENTOS

Quando fundou conjunto de jazz, na adolescência, ainda em Riacho de Santana, Godofredo fabricou todos os instrumentos usados pela banda (instrumentos de percussão, violão e outros). Mais tarde, na década de 1940, já morando em Montes Claros, fez vários violinos, violões e dois pianos. Hoje, segundo seus familiares, nenhum dos pianos fabricado por ele existe mais, os dois se perderam pela ação do tempo.

Outro instrumento fabricado por Godô foi um cavaquinho de cinco cordas que ele deu o nome de “Pentacórdio”. Em entrevista a um jornal da cidade, Godofredo revelou sua simplicidade ao falar de sua invenção: “nunca mais vi esse instrumento. Um dia chegou um rapaz de Brasília e encantou com ele, e acabou me comprando.”

Godô costumava dizer que se sentia realizado tanto na pintura quanto na música. Em relação à pintura, argumentava que nem ele sabia quantos quadros fez, embora calculasse que passavam de 3 mil. Entre outros aspectos e paisagens, “retratou” patrimônios históricos de Montes Claros, como os antigos prédios do Mercado Municipal e da Igrejinha do Rosário. Na música, foram mais de 60 composições. De próprio punho, ele elaborava as partituras, cujo acervo foi preservado por sua família.

AVERSÃO AO ÁLCOOL

Godofredo era mesmo um artista diferenciado. Apesar de sempre ter convivido no meio artístico e tocado em casas noturnas de Montes Claros, lidando com os antigos boêmios, não tomava nenhuma bebida alcoólica. Apesar da convivência, “jamais pôs uma gota de álcool na boca”, conforme revela sua filha, Terezinha. “Ele sempre foi um homem lúcido, que irradiava alegria, era carinhoso e paciente”, observa Terezinha.

A aversão ao álcool pôs o artista em algumas situações embaraçosas. Numa delas, certa vez, quando tocava num cabaré de Montes Claros, um rico fazendeiro da região, encantado com a música “Poeira de Estrelas”, tocada por GG, o presenteou com uma caixa de cerveja. Meio desajeitado, Godofredo aceitou o presente, mas o trocou por 100 mil réis.

Telma Regina Guedes, 49 anos, a neta mais velha de Godô, fala com emoção sobre a convivência e os exemplos deixados pelo avô. “Ele não era apenas um artista. Era um amigo, um companheiro. Era um otimista que adorava a vida e fazia o que gostava. Sua versatilidade cultural era invejável”. Telma relembra que todas as noites ele a chamava para mostrar o que havia pintado e também gostava de lhe ensinar a tocar instrumentos. “Lembro quando ele mesmo fez um violão, com meu nome escrito e me deu de presente. Está guardado na minha casa. É uma forma de sempre recordar dele sempre”, complementa a neta.

“Godofredo era uma pessoa serena e, ao mesmo tempo, muito musical. Minha avó, Júlia, era baixinha, invocada. Lembro dela brigando com ele, e Godofredo assoviando”, conta o neto Gabriel, que já gravou diversas composições do avô, sobretudo as de choro, ritmo preferido de GG.

Hélio Guedes, o “Patão”, um dos oito filhos de Godofredo, herdou do pai o talento para a pintura. Segundo ele, Godô tinha o sonho de conhecer a Itália para talvez sentir mais de perto o calor da cultura que o envolvia. Na música, Godô admirava Carlos Galhardo, Beatles, Guilherme Arantes e Chico Buarque. E nunca negou que era fã incondicional do filho Beto Guedes.

Na pintura apreciava Edgar Walter e Konstantin Christoff. Patão revelou ainda uma frase de Godofredo que marcou a sua vida e o seu caráter: “Sou um trabalhador honesto, a orgia eu detesto e nunca fui a um botequim”.

DE PAI PARA FILHO

Toda a dedicação, o amor pela arte e pela música foram retribuídos a Godofredo através de seu filho Beto Guedes. O artista é um dos cantores mais respeitados do Brasil e gravou várias composições de sucesso de autoria do seu pai. “A turma lá em casa acha que sou pai coruja mais do Beto que dos outros. Mas não é isso. Sinto que o Beto está me realizando e promovendo ao mesmo tempo”, declarou Godofredo, certa vez, numa entrevista.

“Meu pai era músico e meus irmãos todos são musicais, mas nem todo mundo chegou a ser profissional. Tive muitas referências do meu pai, mas ele nunca exigiu que eu seguisse pelos caminhos da música. Mas isso está no sangue, é uma coisa sem saída. Se está na chuva é pra se molhar. Tem que correr atrás e batalhar. Meus filhos Ian e Gabriel também são muito musicais”, define Beto Guedes


O ADEUS

O pintor, compositor e fabricante de instrumentos morreu no dia 16 de abril de 1985, de maneira trágica, vítima de atropelamento, quando atravessava a avenida Geraldo Athaíde, em Montes Claros. Godofredo Guedes se despediu do mundo de maneira inesperada, mas deixou como herança para a eternidade, suas pinturas, suas músicas e seus instrumentos.


Godofredo Guedes no seu ateliê


GODOFREDO GUEDES
NOSSO MIGUEL ÂNGELO

Wanderlino Arruda
Cadeira nº 33
Patrono: Enéas Mineiro de Souza

Mesmo pintando por prazer, a exemplo de Miguel Ângelo, Godofredo Guedes pintava por profissão. Genial, perfeito, verdadeiro, amado-amante das tintas e das cores, em quase toda a sua vida foi um importante e reconhecido pintor. Suas aventuras e venturas com os pincéis tiveram início na adolescência, aos quinze anos, em 1923, na
cidade em que nasceu, Riacho de Santana, Bahia, onde estudou francês e foi prático de farmácia. Primeiro trabalho, já com toque de mestre, óleo e pincéis, foi na Gruta da Igreja de Nosso Senhor Bom Jesus da Lapa, barrancas do São Francisco. Até hoje lá estão para a glória de Deus e do autor, os doze quadros bíblicos da Via Sacra. Têm sido um momento de místicas contemplações para muitos dos romeiros e visitantes de quase um século. Sempre, uma religiosa admiração.

Depois da Bahia, depois dos dias ensolarados do sertão interiorano, depois de encher a alma dos tons ricos das águas do São Francisco, Godofredo Guedes veio para Montes Claros, cidade bem pequena em 1935, mas com uma admirável generosidadede muito sol e muito azul: azul no céu, azul nos montes, azul nos tubos de tinta azul da sua paleta de artista fogoso. O homem chegou pintando. Pintava tudo. Pintava placas, pintava letreiros, pintava fachadas, pintava quadros. Quando pintou o retrato do grande Prefeito Dr. Santos, recebeu dele um bruto elogio: “como poderia assim de modo tão fácil e artístico captar tão seguramente a personalidade de uma pessoa?”. Muitas mudanças na cidade, muitos anos são passados e o retrato ainda aí está para quem quiser ver. É um sucesso até hoje.

Quantos quadros deve ter Godofredo pintado em sua venturosa vida? Difícil saber, porque ele pintava todos os dias, todas as horas... Uns quatro ou cinco mil, ou muito mais... Quantos amigos teve Godofredo? Ninguém sabe, tantos são eles, em toda parte. Quantos filhos, frutos de um feliz casamento com D. Júlia? Isso os montes-clarenses sabem: foram oito – Terezinha, Dolores, Neusa, José, Hélio, Maristela, Alberto e Lúcia. Hélio é o conhecido Patão, do folclore e também das tintas. Alberto, o genial Beto Guedes, um dos construtores da moderna música brasileira. Lúcia graduou-se como médica na Argentina e é doutora há um bom tempo. Os outros, com exceção de nosso sempre saudoso Hélio, todos de alguma forma ligados à pintura, aí estão, solteiros, casados, felizes sempre. Zeca – já não mais tão jovem como em nossos tempos de Colégio Diocesano, segue a trajetória dos pincéis do pai, mas até hoje não quis pintar quadros. D. Júlia de Castro Guedes, que sempre teve nas mãos e no grito, o comando da família, cuidou de tudo e de todos. Foi diretora e gerente ao mesmo tempo. Mulher e mãe que mandou um bocado e com razão, diante de família tão grande e de marido artista, que só se via obrigado a enxergar as belezas da vida. D. Júlia foi, sem qualquer dúvida, uma admiradora do marido. Falou dele sempre com grande carinho, mesmo quando estava de cara fechada ou precisando brigar. A ela, concordo, devemos grande parte da firmeza de GG, da sua produção.

A maior tela de Godofredo está em Belo Horizonte, no Instituto de Educação. Tem grande dimensão, quatro metros por três. Trata-se de um busto do inesquecível João Pinheiro, que provocou lágrimas do filho, Governador Israel, quando o viu pela primeira vez, diante de tanta emoção face à beleza do quadro.

Para o artista Godofredo Guedes o seu melhor trabalho foi realizado para outro grande artista, o pintor Konstantin Christoff: um retrato do velho e robusto Christo Raeff, em cores marcantes, um perfeição de relevo de luzes e sombras, de coloridos e matizes. Trabalho bonito, vivo, audacioso. Uma verdadeira obra de arte alimentada pelo calor da amizade de dois grandes gênios do pincel.

A maior glória de Godofredo Guedes, no seu próprio ponto de vista, era ter quadros e telas em grande parte dos lares de Montes Claros e do Brasil, tantos como os seus dias de alegria. Mas nem só de tinta viveu ele. De vez em quando deixava de ser mestre do pincel para ser mestre na harmonia dos sons, compositor que é de quase cinqüenta belas músicas, muitas delas inseridas em cadernos de modinhas e de dobrados e de livros de grande destaque como o lançado pela historiadora Milene Coutinho Maurício. Muitas não são por aqui conhecidas, porque ficaram com as bandas de música da velha Bahia, guardando a saudade do autor.

Nota interessante é que Godofredo começou a compor música em 1931, no mesmo ano em que se casou com D. Júlia, ao que tudo parece, um amor mais sonoro que colorido ou tão sonoro como colorido, como as duas artes poderão explicar, pelo menos por algum tempo, pois, afinal, prevaleceu a pintura. Como compositor, Godofredo foi laureado com o Primeiro Prêmio num concurso de músicas juninas da Rádio Inconfidência de Minas Gerais. O título: “VAI, MEU BALÃOZINHO”. Construiu também, para variar de arte, inúmeros instrumentos de cordas: violinos, violões e até um piano. Isso mesmo, um PIANO! Com cauda e tudo!

Em Montes Claros, Godofredo recebeu cinco prêmios como melhor pintor. Em Belo Horizonte, oito anos participando da Feira da Praça da Liberdade, vendendo quadros todas as semanas, foi várias vezes homenageado.

Sua maior emoção além do casamento com D. Júlia: o ato do recebimento do título de Cidadão Honorário de Montes Claros, em 1957, ano do centenário da cidade, aprovado por unanimidade da Câmara, a pedido do saudoso prefeito Geraldo Athayde.

Outro grande momento foi a noite de comemoração dos seus 46 anos de pintura , quando todos os artistas de Montes Claros, sinceros amigos, admiradores conscientes, companheiros leais, juntamente com autoridades, esposa, filhos, genro, estiveram no Centro Cultural Hermes de Paula para abraçá-lo e louvá-lo. As solenidades, o encontro, marcavam quase meio século de Arte que o alegrou e fez crescer seus sonhos pelas belezas da vida. Foi um momento interessantíssimo, de máxima emoção, uma descoberta do verdadeiro sentido da importância de viver. Para Godô e para todos nós.

Grande Godofredo, grande GG, grande amigo, companheiro e mestre, nossa mais sincera gratidão pelo tempo em que você viveu e conviveu com a arte. E conosco!


Desenho de Konstantin Christoff


GODOFREDO GUEDES

Augusto José Vieira Neto
Sócio Correspondente
Belo Horizonte - Minas Gerais

Convivi bastante com ele a partir do início dos anos 70, do século próximo passado. Havia chegado a Montes Claros, casado, mulher grávida, para iniciar minha vida profissional na advocacia.

Poucos dias depois, antes de ir ao Fórum, por volta de uma hora da tarde, fui a seu ateliê, levando um violão que necessitava de alguns reparos. A emoção tomou conta de mim tão logo me vi, frente a frente, com a pessoa que eu considerava o maior artista de minha aldeia. Gegê me atendeu com a maior lhaneza e sugeriu que o violão deveria não só sofrer reparos, mas também ter sua madeira lixada e pintada. Pediu uma semana de prazo para executar o serviço e deu o preço. Fiquei ali, naquele imenso galpão, batendo papo com ele, que falava serenamente, enquanto fazia outros trabalhos. Nossa conversa só era interrompida pela chegada de algum freguês que ia receber algum serviço encomendado. Como não tinha audiência, decidi não ir ao Fórum
naquela tarde. Semana seguinte voltei para pegar o violão. Ele afinou para mim e me entregou o velho instrumento musical
transformado numa linda peça de arte. Para experimentá-lo, sentei-me num banquinho e toquei a música de Dorival Caymmi, “João Valentão”. Daí, então, nunca mais abandonei o ateliê de GG e nunca mais deixei de tocar essa música para ele, que sempre me pedia:

— Bala, faça uma serenata pra mim e toque “João Valentão”.

E lá ia eu, nas noitadas, sempre acompanhado por Antônio Augusto Azevedo, meu querido e saudoso “Tone”, para debaixo da janela de GG, que se debruçava, de pijama, no parapeito, com “tia” Júlia a seu lado, e nos ouvia com o maior carinho do mundo. Depois de umas quatro músicas, as luzes do alpendre da casa se acendiam, a porta da sala se abria e éramos convidados a entrar. Na sala, já sentíamos o cheiro da moqueca de filé de surubim do “São Chico”, adredemente preparada por “tia” Júlia, com arte e amor. Sim, porque cozinhar é, antes de tudo, um ato de amor e “tia” Júlia, como ninguém, sabia disso.

Sempre, aos sábados, GG ia a minha residência, na Rua Irmã Beata, para fazer uma vistoria no piano que eu arrematara no leilão do Clube Montes Claros. Afinal, ele construíra um e conhecia profundamente os segredos e os mistérios desse instrumento
musical. Eu ligava, solicitando o serviço e GG, caso pudesse comparecer, logo dizia para que eu mandasse preparar um cafezinho quente e uns pães de queijo crocantes. E ficávamos ali, horas e horas, na sala, ele trabalhando, eu curioso, procurando entender algo do que o mestre executava. Depois de montado o instrumento, vinha o teste da afinação. GG tocava alguns acordes maravilhosos, percorria todo o teclado e, quando constatava que tudo estava nos eixos, me pedia para tocar para ele a “Serenata”, de Franz Schubert, ou “Le Lac de Côme”, de Mme. G. Galos.

Tornamo-nos tão amigos que, quando GG tinha algum problema jurídico para resolver, vinha logo me consultar. Eu o recebia com o maior orgulho. Considerava uma honraria para meu escritório tê-lo como cliente. Ele era tão desligado das coisas materiais que até perdeu um lote que comprara, há muito tempo, para posseiros urbanos que haviam ajuizado, contra ele e “tia” Júlia, uma ação de usucapião. Mas os defendi com o maior ardor. Causa perdida, não quis cobrar honorários. Numa bela manhã de setembro, GG entrou em minha sala, portando uma bela tela, que retratava uma beira de mar, com duas gaivotas sobrevoando as águas, e me deu de presente. Coisa mais linda!

GG partiu, mas ficou bem guardadinho, bem lá no fundo de meu já velho coração. Quando ele se foi, por vários meses, sonhei com sua bela figura. Sonhos de paz, sonhos alegres, sonhos felizes e musicais, sonhos de esperança, sonhos de amor, tal qual sua marcante passagem por esse nosso louco mundo.

Depois de sua partida, sempre que eu chegava à minha aldeia, passava, primeiro, na casa de minha mãe e, depois de me alojar, tomava um banho e me dirigia à Rua Rui Barbosa, para visitar “tia” Júlia, a quem sempre levava algum livro que acabara de lançar. Num 15 de agosto, dia do aniversário de GG, saí para a costumeira visita, só que cheguei junto ao carro do serviço funerário da Santa Casa, que transportava o caixão onde ela se encontrava. Ajudei as pessoas a fazê-lo transpor os degraus daquela escada curva que demandava ao alpendre. Escada que tantas vezes eu havia subido para bons papos, para ver obras de arte, para cantar, para tomar um cafezinho, ou para comer uma deliciosa moqueca de peixe. “Tia” Júlia partira ao encontro de seu grande amor. Em sua cósmica morada certamente haverá um parapeito de uma grande janela, debaixo da qual espero, um dia, cantar “João Valentão”.


Revista do Instituto Histórico e Geográfico de ontes Claros
Fundado em 27 de Dezembro de 2006


Obituário

O POETA REIVALDO CANELA

Dário Teixeira Cotrim
Cadeira nº 93
Patrono: Simeão Ribeiro Pires

Montes Claros chora copiosamente a morte do poeta e acadêmico Reivaldo Simões de Souza Canela. Aliás, todos nós choramos a morte do amigo e companheiro Reivaldo Canela. Jurista de renome, acadêmico bem conceituado, orador de largos recursos, sabia manejar as palavras com facilidade, era um dos mais eminentes filhos de Montes Claros, tanto pelo seu talento como pela sua cultura de que sobejamente deu provas na efervescência dos prélios culturais em que tomou parte e que empolgava os confrades, amigos e companheiros. A Academia Montesclarense de Letras e o Instituto
Histórico e Geográfico de Montes Claros ficaram muito mais pobres, mas muito mais pobres mesmo, de crenças e sabenças, com a partida inesperada do nosso ilustre poeta Reivaldo Canela que nasceu para a pugna literária, e bravamente a ela se atirou.

Quem morrer sabe que a morte nem é morte senão uma passagem para o lado misterioso da vida eterna. O outro lado onde hoje estão os nossos saudosos confrades João Vale Maurício, Adherbal Murta de Almeida, Simeão Ribeiro Pires, Arthur Jardim de Castro Gomes, José Prudêncio de Macedo, Patrício Guerra, Godofredo Guedes, José Gonçalves de Ulhôa, Ângelo Soares Neto, Cyro dos Anjos, Darcy Ribeiro, Cândido Canela – o pai do nosso Reivaldo – e tantos outros que, sem nenhum aviso sequer, passaram a morar na eternidade do tempo. É necessário, porém, superar o plano das aporias mergulhado nas palavras do poeta Alphonsus de Guimaraens, onde ele dizia que “a morte vem de manso, em dia incerto, e fecha os olhos dos que têm mais sono...”. E é por isso mesmo que não há, inegavelmente, fenômeno mais sagrado do que o mistério da morte. E o poeta Reivaldo Canela sabia muito bem disso.

Na Academia Montesclarense de Letras o nosso confrade Reivaldo Canela ascendeu ao posto de presidente, o mais elevado desta agremiação, tendo ocasião de revelar o seu espírito literário, a sua incansável vontade de colaborar nas letras montes-clarenses e o seu alto senso em bem dirigir os trabalhos acadêmicos de uma plêiade de escritores em benefício de uma coletividade. A sua poesia – em destaque o soneto – é uma das melhores, pois tem um estilo fiel à tradição, mostrando a sua intimidade com os clássicos. Além do mais o poeta era um estudioso inveterado. Eram apreciáveis os seus conhecimentos não só jurídicos como os das letras clássicas. Porque, na verdade, construir sonetos não é privilégio de muitos, senão de pouquíssimos mesmo. Entretanto, ele escrevia sonetos e publicava as suas crônicas semanalmente no Suplemento Mulher do Jornal de Notícias. Todavia, muitas de suas produções têm um sentido encomiastico e são cheias de um lirismo admirável. Reivaldo publicou somente um livro. Um belíssimo livro de reminiscências intitulado de “O Menino Pescador”, mas o bastante para eternizar-se nos meios acadêmicos, uma vez que as críticas em crônicas lhe conferem todos os atributos necessários para o seu ingresso nos pórticos das letras.

A Cadeira 21 do Instituto Histórico e Geográfico de Montes Claros, que tem como patrono o ilustre poeta-cordelista Cândido Canela e a Cadeira 40 da Academia Montesclarense de Letras, que tem como patrono o ex-ministro da viação, doutor Francisco Sá, estarão vagas com a morte do confrade Reivaldo Canela. Não obstante os propósitos de uma reflexão mais aprofundada sobre os mistérios da vida/morte, é que nós temos a certeza que o confrade Reivaldo Canela cumpriu a sua tarefa aqui na terra, com talento, com dignidade e com honestidade. Certamente que outras atribuições ele terá que desempenhar no espaço celestial, até porque não foi por acaso que o Criador o chamou, ainda tão cedo, para junto de si. Assim como o seu pai, o poeta Cândido Canela, o nosso confrade Reivaldo Canela vai, também, deixar para a posteridade um nome honrado que agora rebrilha a tradição de seus ancestrais.

UM POUCO SOBRE REIVALDO CANELA

Reivaldo Simões de Souza Canela nasceu na cidade de Montes Claros no dia 31 de julho de 1933. Era filho do poeta cordelista Cândido Simões Canela e de dona Laurinda Prates. Casouse com Shirley, com quem teve quatro filhos: Rosângela, Carlos Frederico, Rosana e Marcos Alexandre, e cinco netos: Thiago, Thalita, Anderson, Bruno e Victor Augusto. Reivaldo foi vendedor e comerciante. Aluno brilhante no curso de Direito pela Universidade Estadual de Montes Claros. Era membro da Academia Montesclarense de Letras, ocupando a Cadeira de número 40 e do Instituto Histórico e Geográfico de Montes Claros, onde ocupou a Cadeira de número 21. Foi eleito para a ACLECIA – Academia de Letras, Ciências e Artes do São Francisco, mas não chegou a
tomar posse. Escrevia sonetos. Disse sobre ele a ilustre professora Yvonne de Oliveira Silveira: “Sonetista, um dos melhores da literatura montes-clarense, Reivaldo Canela tem grande número de leitores e admiradores”. Gostava de escrever crônicas para o Suplemento Mulher do Jornal de Notícias de Montes Claros. Deixou publicado o livro de crônicas “Menino Pescador”. Reivaldo nos deixa neste sombrio dia 22 de outubro de 2008, quando a morte o arrebatou do nosso meio.


O poeta Reivaldo Canela


ASSOCIAÇÃO DOS ARTISTAS PLÁSTICOS DE
MONTES CLAROS - CRIAÇÃO
E FUNCIONAMENTO

Felicidade Patrocínio
Cadeira nº 20
Patrono: Camilo Prates

A Associação dos Artistas Plásticos de Montes Claros foi fundada no dia 3 de Fevereiro de 1989 pelo artista plástico Mário Magno Cardoso Filho (Mário Boy), juntamente com outros artistas da cidade, com a finalidade de reunir os profissionais das artes plásticas para a valorização, difusão e ampliação dos seus exercícios artísticos. Desde então essa Associação tem promovido as Artes nos planos político, econômico, educacional e da cultura, mediante o congraçamento dos seus associados com todos os setores culturais da cidade.

Através de exposições coletivas e individuais tem divulgado a arte de todos e de cada um, estendendo o reconhecimento do valor e qualidade da arte montes-clarense a todo o Brasil e alem, deste. Através de reuniões, seminários, work-shops, conferências
e outras ações, com a participação de nomes de peso do setor, tem promovido, desde sempre, a atualização de conhecimentos artísticos e aprimoramento das técnicas dos seus associados.

Paralelo à defesa dos interesses da classe, esta Associação de Artistas tem registrado no seu ofício a face da cultura da cidade.

Insistentemente reivindicam, dos detentores dos poderes, os meios para a ampliação da sua expressão e da expressão artística de todas as camadas sociais através de salões de arte, através da inserção de obras artísticas nos espaços e edificações públicas, fazendo ver e saber que a arte é um produto social e que o espaço dos homens se torna mais humano e habitável em decorrência da presença e convivência com o belo da sua produção.

Ela surgiu da consciência de um grupo de “fazedores” de arte, com o intuito de motivar o crescimento dessa expressão. Montes Claros já despertara o respeito e a admiração no cenário nacional das artes, devido aos nomes dos artistas Yara Tupynambá, Raimundo Collares e Konstantin Christoff; essa possibilidade a partir de então poderia ser ampliada.

A Filosofia que orienta os princípios dessa Associação reporta às palavras de Rubem Valentim, quando disse que “A arte é tanto uma arma poética para lutar contra a violência, como um exercício de liberdade contra forças repressivas”. Premissa esta sempre atual para o artista que dialeticamente vive entre a repressão das possibilidades e a liberdade que se impõe.

Surgiu para defender a liberdade de expressão e somar colaboração à evolução de uma sociedade que se quer pensante, livre, responsável, desprovida de preconceitos e governada por homens de ideais.

Era esse o entusiasmo dos fundadores e do primeiro presidente Mário Filho e de certo modo é o que ainda permanece, pois onde o sentir e perceber são maiores, onde é mais ampla a visão das realidades, onde brota o fecundo exercício da criação, haverá sempre um germe do novo e uma vontade construtiva autêntica e sólida. Refletimos que esta Associação foi fruto no seu nascedouro de uma liderança aurática, a pessoa de Mário Magno Cardoso Filho, cognominado Mário Boy.

MÁRIO BOY E A ASSOCIAÇÃO

Montes-clarense, nascido em 1956, filho de Mário Magno Cardoso e Letícia de Freitas Araújo Cardoso, o sexto de uma prole de 11 filhos, o Mário Boy, como era conhecido, trabalhou desde menino nas artes gráficas dos jornais da cidade. Estudou até o científico (segundo grau). De Montes Claros partiu para Mato Grosso onde muito produziu artisticamente. Lá viveu entre Campo Grande e o Pantanal, fazendo pesquisas de pigmentos. Em Campo Grande ministrou cursos de arte. Participou de um concurso de Arte em Cuzco, Peru e foi o primeiro classificado. O curso oferecia como prêmio viagem de estudos à Itália. No entanto, com a saúde já precária, Mário reverteu as passagens e prêmio em recursos para o transplante do rim que o corpo exigia.

Passou um tempo no Pantanal. Residiu também em Brasília e Rio de Janeiro. Voltando a Montes Claros na década de 1980, fundou com outros artistas a Escola Arte e Ofício. Trabalhou na ASCOM (Assessoria de Comunicação) da Prefeitura Municipal e em 1989 reuniu-se com um grupo de artistas da cidade, na varanda/garagem do numero 203 da rua Odilon Macaúbas e lá fundou a Associação dos Artistas Plásticos de Montes Claros
que presidiu por duas gestões. A segunda gestão foi interrompida no dia 30 de Setembro de 1992 pela sua morte causada por complicações renais, vindo a substituí-lo a vice-presidente Felicidade Patrocínio. Tendo pouco tempo de casado, deixou viúva Nilza Cardoso e nenhum filho, além dos seus quadros.

Sobre o seu trabalho artístico destacaríamos a técnica, um grafismo modernista, figurativo com ensaios abstracionistas onde revela um discurso explosivo, livre de rótulos e convenções, em defesa do meio ambiente e da transformação social no país. Sua arte denunciava a queima do cerrado e das matas em geral, na produção do carvão vegetal. O Mário pregava insistentemente a liberdade de criação.

Sobre o seu trabalho assim se expressou a artista plástica Cecília Stricher: “Mineiro de Montes Claros, profissional com experiência da gráfica do Senado em Brasília e Jornal da Manhã no Rio de Janeiro, Mário Filho nos mostra hoje a sua técnica magistral, sua personalidade essencialmente gráfica, seus resultados de pesquisas constantes em matérias diversas através dos quais consegue aliar razão e emoção, sensibilidade e técnica, numa linguagem simples, constante e universal”.

Durante as suas gestões, como presidente, o Mário Boy conseguiu boas realizações. Por exemplo, a Primeira Exposição Coletiva desta Associação no espaço cultural da Câmara de Vereadores de Montes Claros (espaço que hoje inexiste). Esta primeira exposição aconteceu no período de 1º a 15 de Junho de 1989, com a participação dos sócios fundadores da Associação e alguns artistas convidados que depois viriam compor o quadro da mesma. São eles: Adriano Almeida, André Luiz Aguiar, Antonio Félix da Silva, Argentino Sidônio, Áurea Teixeira, Dalva G. Pereira, Felicidade Patrocínio, Gemma Fonseca, Geny Tupinambá, Hélio Brantes, Hotildes Sacramento, João Carlos Rodrigues, José Geraldo Carvalho, Márcia Almeida, Mário Filho, Maristela Teixeira, Nelson Evangelista, Regina Telma Vieira, Tanísia Guerra e Walmir Alexandre.

Foi uma bela exposição. Sobre este evento, assim discorreu a jornalista, grande incentivadora das artes na cidade, Raquel Mendonça: “ARTISTAS DESCOBREM FÓRMULA AQUI”.

Não uma norma, mas um caminho. Associarem-se livremente e buscarem juntos melhores condições de produção e expressão de sua arte. Arte sem regras, por isso mesmo surpreendente. Expressão de ideais de beleza diversos, nas artes plásticas cujo ponto comum é exatamente a presença indiscutível da beleza. De cara nova se lhes convém, e com novas roupagens e maquiagem, ou revestida aqui e ali de elementos incomuns ao modelo de origem. E todos concordam entre si apenas numa coisa: a arte não tem de ser, forçosamente, essa coisa “aceita”, essa coisa “certa”, completamente prevista e digesta, além de dirigida e coordenada por sólidos métodos de ensino. Nem cheia de dedos, medos e detalhes corretos demais, para o gosto de cada um. Porque arte pressupõe criação e não se cria sem liberdade de portas e propostas, onde telas sem trelas e tolhimentos de quaisquer naturezas respirem por si mesmas escolham as suas próprias cores e comportamentos. Onde esculturas não se acanhem junto a matérias inimaginadas ou não com tanta precisão artística, nem se incomodem diante de olhares e narizes torcidos e previsíveis. Onde todas as técnicas, enfim, façam a festa do espaço próprio e se apresentem sem cerimônias e gestos amáveis, para platéia distinta, muito menos com os cortezes e formais pedidos de desculpa.

Querem ver uma arte de muitos rostos, de muitas rotas, de buscas intrigantes e definições sem reparos? Visitem vinte artistas plásticos de Montes Claros a partir das vinte horas do próximo dia 1º de junho, na Câmara Municipal de Montes Claros, numa promoção da Associação de Artistas Plásticos de Montes Claros.

“Não custa nada e você pode, no mínimo, deparar com algo ainda hoje tão raro, que é o pintar, plasmar, desenhar, além de propor e falar, através da arte, às vezes com grande simplicidade, todas as vezes com extrema liberdade.”

Este comentário fez parte do convite e a bem da verdade informamos que essa exposição foi muito visitada. Depois veio a segunda coletiva realizada no período de 6 a 20 de outubro de 1990, no Automóvel Clube de Montes Claros. Participaram os artistas Amélia Rúbia Brasileiro, Adriano Almeida, André de Aquino, Áurea Teixeira, Fábio Assis Martins Biolla, Cristina Rabe-lo, Dalva Pereira, Felicidade Patrocínio, Gemma Fonseca, Geny Tupinambá, Hélio Brantees, João Rodrigues, Márcia Almeida, Mário Filho, Nelson Evangelista, Olímpia Rego Arruda, Onofre Santos, Robim, Walmir Alexandre, Wanderlino Arruda, Zora. Depois vieram outras.

Destacamos uma exposição e jantar comemorativos do Dia do Artista Plástico na residência e jardim da, então, vice-presidente Felicidade Patrocínio, em maio de 1992, quando e onde se fez presente o mundo intelectual e cultural da cidade. Lá estavam o prefeito Mário Ribeiro, o então diretor da TV local Elias Siuffi, o Secretário da Cultura Hamilton Trindade, a diretora do Conservatório, o reitor da Unimontes, todos os artistas plásticos e diretores das associações da cidade voltadas para a cultura. Foi uma grandiosa confraternização com muitos discursos favoráveis às artes e aos artistas. Durante o evento foi feita uma expressiva homenagem ao artista Raimundo Collares (falecido em 1986), com a projeção (em telão) do filme recém produzido pelo cineasta Sérgio Wladimir Bernardes, viabilizado através de verba da municipalidade na gestão do prefeito Mário Ribeiro, com o título “Raimundo Collares”. O evento contou também com uma exposição de arte ao ar livre. Foi um evento completo e perfeito que
ficou na história da Associação.

Ao Mário Boy sucederam, como presidentes da Associação: Felicidade Patrocínio, uma vez como substituta do presidente por seu falecimento e posteriormente mais dois mandatos por eleição, períodos de 1992 a 1993 e de 1995 a 1998. A seguir, o artista Walmir Alexandre, que renunciou em dezembro de 1993. Amélia Rúbia Brasileiro, que era a vice-presidente assumiu interinamente a presidência, convocando imediatamente os associados para outra votação, o que se procedeu no dia 8 do mesmo mês, sendo eleito presidente o artista Argentino Sidônio; a seguir foi presidente Fábio Assis Ribeiro Biolla; a seguir Hélio Brantes (2 vezes) e depois Gemma Fonseca (2 vezes) e agora, eleito por unanimidade, o companheiro nas artes, Carlos Muniz. O período de cada diretoria tem a duração de dois anos e se renova a cada mês de maio. O seu estatuto original vigorou até abril de 2008, quando sofreu algumas reformulações, para assim atender melhor às necessidades da classe e ampliar o seu raio de ação.

Durante esses anos de funcionamento, a Associação ampliou o quadro de associados e muito realizou. Poderíamos citar a criação da Galeria de Artes Mário Filho que rendeu bons frutos para a arte da região. Funcionou nas dependências da Amams (Associação dos Municípios da Área Mineira da Sudene). Essa galeria foi inaugurada em junho de 1993, funcionou por vários anos e realizou 43 exposições com artistas da cidade e região.

Nasceu de uma profícua parceria entre Associação dos Artistas Plásticos de Montes Claros, representada pela sua então presidente Felicidade Patrocínio com os, então, presidente e secretária da Amams, o deputado Arlen de Paulo Santiago Filho e a Sra. Elbe Brandão, hoje deputada estadual e secretária de Ação Social do governo de Minas. Com o objetivo de apoiar, incentivar, oferecer subsídios e divulgar as artes, favoreceu o enriquecimento cultural da região. Foi denominada Galeria de Artes Mário Filho, para assim homenagear o artista gráfico Mário Filho, fundador desta Associação e artista que muito lutou pela liberdade e possibilidade de criação artística na região. Durante o seu funcionamento, esse espaço contou com o patrocínio total da casa (Amams), no que se referia a convite, divulgação nos meios de comunicação e coquetéis de abertura de exposições. Essa galeria foi inaugurada com uma grande retrospectiva póstuma da arte de Mário Filho, à qual compareceram, além de autoridades civis, militares, representantes do mundo cultural da cidade e toda a família do artista falecido. Aconteceram lá momentos de grande expressão para o mundo da arte regional. Lá expuseram artistas iniciantes e consagrados. Como Konstantin Cristoff, Yara Tupinambá, artistas de cidades que compõem a área mineira da Sudene e todos os artistas componentes da Associação, através de coletivas e individuais. Foi o patrocínio desta galeria que possibilitou a realização da grande exposição da polêmica série artística” VIA SACRA “de Konstantin Christoff no espaço do Shopping Center de Montes Claros, só apresentada até então no Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro e na grande Galeria da Cemig em Belo Horizonte.

Para o aprimoramento das artes na cidade, a Associação agenciou a vinda de autoridades da área, para cursos e palestras. Por exemplo: Yara Tupynambá (a primeira dama da arte mineira), Orlando Castanho (professor e diretor da Escola de Arte Guignard, Jarbas Juarez (pintor e professor na Escola de Belas Artes da UFMG, Luiz Geraldo Dolino Nascimento (grande nome da pintura geométrica contemporânea no Brasil, além de curador de arte), entre outros. Editou e publicou por algum tempo um jornal próprio, o “Informativo das Artes Plásticas”. Promoveu o Concurso de Arte Logotipo da Associação, com premiação. Foi vencedor o artista Fábio Assis Martins Ribeiro Biolla. É essa logomarca que perdura até hoje como signo da Associação.


Logotipo da Associação dos Artistas Plástico de Montes Claros

Criou e manteve por certo tempo uma galeria comercial, nas dependências do Shopping Center, para comercializar as obras dos artistas. Divulgou as artes da cidade em outros centros, através de exposições em espaços como. Banco Mundial em Brasília, Tribunal da Alçada em Belo Horizonte, Espaço Cultural do Superior Tribunal de Justiça (Brasília) e outros. Anualmente (há mais de 10 anos), no mês de novembro cada associado doa uma obra para o leilão de arte do Baile da Felicidade do Rotary Clube de Montes Claros - Leste, cujos recursos são revertidos em obras assistenciais do Asilo de São Vicente de Paulo.

Dois dos seus associados já estiveram à frente da Secretaria Municipal de Cultura: Wanderlino Arruda (na 2ª gestão do Prefeito Luís Tadeu Leite) e João Rodrigues (gestão Athos Avelino Pereira, ainda em exercício). Sempre que solicitada por qualquer
gestão municipal, esta Associação respondeu de maneira favorável e prestou serviço, independente do prefeito ou partido da ocasião, demonstrando assim que apesar de ser uma entidade política no que este conceito tem de essencial, é apartidária. O seu
partido é a Arte e a Cultura Integram e integraram (entre outros), o seu quadro de associados nomes como: Mário Boy, falecido, (pintura, tintas gráficas), Fábio Assis Martins Biolla (pintura e escultura com materiais de reciclagem), Felicidade Patrocínio (cerâmica e escultura), Hélio Brantes (pintura), Lúcio Saraiva (pintura), Sérgio Ferreira (pintura), Konstantin Christoff, (pintura) Afonso Teixeira (pintura), Antonio Mardem (modelagem cerâmica), Carlos Araújo (escultura), Hélio Guedes, falecido (pintura), Lirs Helena (pintura), Rogério de Castro (desenho), Amélia Rúbia Brasileiro (pintura), Adriano Almeida (pintura e arte-objeto), André de Aquino (pintura), André Luiz Aguiar (pintura), Áurea Teixeira (pintura), Cristina Rabelo (pintura), Dalva Pereira (pintura), Antonio Félix da Silva (pintura) Allan Veloso (pintura), Aderbal Andrade, falecido (pintura), Darlan Rego, falecido (pintura), Geny Tupinambá (pintura), Olímpia Arruda (pintura), Carlos Muniz (pintura), João Rodrigues (pintura), Wanderlino Arruda (pintura), Lúcia Cangussu (pintura), Nelson Evangelista, falecido (pintura e arte-objeto), Samuel
Figueira (pintura), Conceição Melo (pintura), Celeste Rodrigues (pintura), Lourdes Mota (pintura), Felicidade Silveira (pintura), Gemma Fonseca (pintura), Argentino Sidônio (pintura), Tanísia Guerra (pintura), Walmir Alexandre (modelagem em cerâmica e pintura), Hotides Sacramento (pintura e instalações), José Geraldo Carvalho (pintura), Regina Telma Vieira (pintura), Maristela Teixeira Sacramento (pintura), Guilhermina Lúcia (pintura), Igor Christoff (pintura), Júlio Vallin (atualmente na França, mas em constante contato com a Associação, pintura) Simon J.Barteling (residindo entre Montes Claros e Amstherdam, freqüentemente presente, escultura), Márcia Prates (pintura), Onofre Santos (pintura), Robim (pintura), Zora (pintura) Marco de Souza (pintura), Henrique Torres (pintura e fotografia), Márcio Antunes (pintura). Alguns assíduos participantes, outros menos, estes nomes perfazem
um grupo que, unido, se reúne freqüentemente apontando metas e buscando o desenvolvimento e aprimoramento das artes plásticas na região.

O PRESIDENTE ATUAL: CARLOS MUNIZ

Carlos Muniz foi e é presença e apoio constantes em todas as ações e realizações do grupo. A sua obra e trajetória artísticas são exemplos que justificam o slogan que põe Montes Claros em destaque no Brasil, como cidade celeiro de arte. Vencedor de muitos e importantes salões de arte por todo o Brasil, as telas de Carlos Muniz viajam pelo mundo e se exibem em importantes galerias cujo acesso exige qualidade e categoria, o que engrandece a nossa Associação e muito nos envaidece. Para quem ainda não o conhece e a sua obra, definida como minimal arte, informamos que ele se iniciou nos salões de arte de Montes Claros (que, infelizmente não mais existem), sob a influência da pintura de Raymundo Collares, seu conterrâneo mundialmente conhecido.

Seu compromisso com o belo descarta o conceito tradicional e se apresenta de forma mais contemporânea. Sua arte se descortina em telas muito grandes, diríamos painéis, polípticos trípticos, dípticos, onde extravasam retângulos e quadrados em planos opostos, inclinados, rasgados ou cortados por cortes fragmentados, ou retas paralelas e simétricas que Carlos vai colorindo monocromaticamente ou elaborando contrastes intensos, que por vezes vão se atenuando, adquirindo expressões mais leves, até sutis, chegando aos neutros ou ao predomínio do preto e branco.

Outro aspecto que causa admiração é o fato deste artista, com uma produção tão vasta, exercer paralelamente a medicina, o que faz com excelência, aí também como esteta, já que se inclinou para a cirurgia plástica.

É como espectadora atenta dessa arte e deste artista, que eu e os demais companheiros de oficio manifestamos satisfação por ter em nosso grupo esse artista consagrado e reconhecido, que está, aqui no Brasil e lá fora, integrando as mostras dos melhores geométricos brasileiros contemporâneos. Sua obra já percorreu galerias e museus da África do Sul, Marrocos, Japão, Portugal, Chicago (USA), Londres (Inglaterra), grandes galerias do Brasil. Ainda neste ano de 2008, a sua pintura foi incluída num acervo que reúne 40 importantes artistas brasileiros da atualidade e, em
forma de gravuras e serigrafias, que viajam pelo mundo.

Sobre a sua obra, assim discorreu o artista e curador de arte Luiz Geraldo Dolino: “Carlos Muniz é um artista muito importante. Não apenas pelo domínio do ofício, que é visível para qualquer olhar, mesmo os mais desavisados, mas sobretudo pela importância dos signos que ele escolheu como linguagem. Carlos Muniz segue uma tradição importante no Brasil e no mundo. No Brasil porque a configuração geométrica faz parte do nosso imaginário ancestral e integra uma corrente que rendeu grandes expressões da arte brasileira, a partir dos anos 50 - inclusive Brasília. No mundo, porque vem da tradição russa, consubstanciada no Manifesto Construtivista de 1917, de Pesvner e Gabo e que, outra vez entre nós, justificou a obra de grandes mestres: Volpi, Sued, Barsotti, Amílcar de Castro, Waldemar Cordeiro, exemplos mais notórios.

Carlos Muniz enfeixa tudo isso e de forma consciente, portanto arbitrária como convém à grande arte. Carlos Muniz é descendente e herdeiro dessa família de vastíssima cultura plástica”. O que enche a Associação dos Artistas Plásticos de Montes Claros de satisfação e orgulho por esse seu ilustre associado, agora presidente, é que, dentro desse artista tão completo, habita também um ser muito especial, poderíamos dizer, o protótipo da elegância.

Da sua gestão como presidente da Associação dos Artistas Plásticos espera-se um novo tempo, cheio de boas realizações, espera-se que a marca elegante da sua presença e trajetória, assim como a retidão do seu traço, se estendam à condução dos destinos desta importante entidade.


PORTEIRINHA: UM ENSAIO HISTÓRICO

Itamaury Teles
Cadeira nº 84
Patrono: Newton Prates

Pouca gente sabe, mas Porteirinha foi sede de distrito antes mesmo daquela data estampada em seu brasão: 22-9-1921. Este fato intrigou-me bastante e motivou-me para a busca de maiores subsídios, garimpando velhos livros na biblioteca mineiriana da Faculdade de Ciências Econômicas da UFMG.

O resultado da nossa pesquisa revelou dados interessantíssimos sobre os meandros que envolveram a primeira promoção do arraial de Porteirinha a foros de distrito do vasto município de Grão Mogol.

O primeiro aspecto interessante nessa história – e que talvez seja o motivo do desconhecimento em nível local - é que Porteirinha foi sede do distrito denominado Serra Branca, território desmembrado do distrito de São José do Gorutuba, por lei nº 2.107, de 7-1-1875.

Isso é o que nos dá conta o historiador Waldemar de Almeida Barbosa, em seu “Dicionário Histórico-Geográfico de Minas Gerais”, acrescentando que a referida lei dividiu o distrito de São José do Gorutuba em três, inclusive o de Serra Branca. E acrescenta: : “Mais tarde, a Lei nº 3272, de 30 de outubro de 1884, transferiu a sede do distrito de Serra Branca para o povoado de Jatobá, dando-lhe a denominação de Nossa Senhora da Conceição do Jatobá. Em 1891, pela Lei nº 805, de 22 de setembro,
mais uma vez foi transferida a sede do distrito de Jatobá para o povoado de Porteirinha”. A expressão “mais uma vez” pode ser interpretada no sentido de Porteirinha já ter sido, em data anterior, sede de distrito.

Há uma incorreção na data da Lei nº 805, que é de 22 de setembro de 1921 e não 1891. Joaquim Ribeiro Costa, no livro “Toponímia de Minas Gerais”, ratifica essas informações, ressaltando que nessa data a sede do distrito fora “novamente transferida para São Joaquim da Porteirinha”. E traz informação relevante: “Figura com o nome atual [ Porteirinha] no quadro da Divisão Administrativa de 1923”, quando perdeu a primeira parte que homenageava o seu santo padroeiro.”


Porteirinha aparece no mapa, em 1924, como sede do Distrito de Jatobá


De fato, em 1924, conforme consta do “Atlas Chorographico Municipal – vol. 1”, o distrito aparecia no mapa do município de Grão Mogol apenas como Porteirinha e com um acréscimo entre parêntesis “(Sede do districto de Jatobá)”. E este fato (Porteirinha como sede do distrito denominado Jatobá) apenas corrobora nossa tese de que São Joaquim da Porteirinha era a sede do distrito denominado Serra Branca, desde a sua criação em 1875.

No livro “As denominações urbanas de Minas Gerais”, editado pelo Instituto de Geociências Aplicadas, em parceria com a Assembléia Legislativa de Minas Gerais, o estudo toponímico de Porteirinha é ratificado: adoção do nome - 1923; criação do distrito - 1875 (Lei 2107, de 07/01/75); emancipação do município - 1938 (D.L. 148, de 17/12/38).

Mas o que teria provocado a mudança da denominação e da transferência da sede do distrito de Serra Branca para Jatobá?

Segundo apurei, na página 718 do “Annuario de Minas Gerais – 1918, 2º Tomo”, por meio de transcrição de matéria publicada por um colaborador do semanário montes-clarense A Verdade – jornal dos padres premonstratenses – a mudança da sede do distrito fora classificada como “injustiça inqualificável”, tão-somente porque ali se situava a fazenda do Juiz de Paz.

Vejam o relato do colaborador, com a ortografia da época, pois talvez tenha sido a primeira publicação na imprensa de matéria elogiosa à nossa querida Porteirinha: “A 6 legoas de S. José (do Gorutuba) fica o arraial de Porteirinha, que é uma localidade nova e risonha, tem um aspecto bellissimo; a Egreja bem confortavel, todas as casas novas, o commercio bem animado, parece ter um futuro esperançoso. Notamos, porém, uma injustiça inqualificavel; a sede do districto é Jatobá, n’uma Fazenda do Juiz de Paz, distante 4 legoas do commercio e da povoação de Porteirinha!”


A primeira igreja de Porteirinha, que era “bem confortável”, em 1918, conforme
reportagem do jornal A Verdade, dos padres premonstratenses, de Montes
Claros (arquivo do autor).

 

SERRA BRANCA

A seguir, o colaborador do A Verdade discorre sobre a região de Serra Branca: “A 3 legoas de Porteirinha, fica o povoado de Serra Branca, não distante de Riacho dos Machados e de Matto Verde (este, na comarca de Rio Pardo e aquelle, no território de Grão Mogol). Serra Branca é um arraial situado a 3 legoas da Serra do Espinhaço, aqui chamada Serra das Almas e que denomina a localidade ao lado do Norte. Não obstante ser já muito antigo, o logar é pequeno e pobre, quasi por completo inhabitado, fóra dos dias de festas e missões. N’elle grassa o impaludismo e seo povo é bom e tratavel.”

O relato do jornalista de “A verdade” reforça ainda mais a nossa tese de que São Joaquim da Porteirinha era mesmo a sede do distrito de Serra Branca, pois, desde a sua origem, Serra Branca sempre foi um lugarejo pequeno e desabitado, exceto nos dias de festas e de missões. E o nome do distrito apenas homenageava um dos mais belos trechos da Serra do Espinhaço, a parte denominada Serra Branca.

Outro detalhe que chama a atenção: embora Serra Branca fosse conhecida em 1918, a cachoeira do Serrado, ali próxima, não era conhecida oficialmente, pelo que se infere das quedas d’água “de certa importância” no município de Grão Mogol, quando são citadas apenas a de Maria das Neves, no rio Itacambirussú, com 100 metros de altura; a de Santa Martha, no rio Ticororó; a do ribeirão do Inferno; a do córrego das Mortes...

Todavia, Urbino de Souza Vianna, na “Monographia Historica de Montes Claros”, em 1916, faz relato do itinerário provável da expedição Espinosa-Navarro, ocorrida em 1553, e cita a região do Serrado. Vejamos seu relato:

“A expedição depois de atravessar o Pardo, inclinou para o sul, fraldejando a Serra Gerral, ou pelos seus espigões mais accessíveis onde vio rochas mui altas de pedra mármore (A Serra Geral, em muitos pontos, tem quartzitos brancos, confundíveis com mármore) com toda probabilidade na parte conhecida hoje por Serra Branca, um dos contrafortes da Serra das Almas ou Geral (Cordilheira do Espinhaço) distante dez leguas da cidade do Rio Pardo, duas leguas do povoado que della tira o nome, servindo
para denominar o rio que lhe fertiliza a terra de contorno, indo verter no Gorutuba após um percurso limitado. As águas do Serra-Branca são negras, não sendo de máu paladar; têm suas nascentes no lugar – Serrado – na Serra Geral, abaixo duas leguas de Jatobá, pequeno arraial no município de Grão Mogol. Entre este povoado e Serra Nova, pelo caminho da cidade do Rio Pardo, o rio Serra-Branca passa por um canhão muito alto e relativamente estreito, cortado a prumo na serra, logar que se denomina – Talhado – onde a abundância de quartzito de grande alvura é tal, que parece ter nascido dahi o baptismo á serra, que de resto é abundante desta rocha.”

Convém aqui fazer uma pequena correção no texto do eminente historiador Urbino Viana, uma vez que o rio que atravessa o Talhado – um belo cannyon norte mineiro – é o Mosquito que, coincidentemente, nasce no alto da Serra do Espinhaço, muito próximo da nascente do rio Serra Branca. Este, já inicia seu curso em três quedas d’água denominadas Cachoeiras do Serrado.

DEPUTADO REPUBLICANO

O ex-deputado federal Wilson Cunha não foi o primeiro parlamentar nascido em Porteirinha. O anuário estatístico do IBGE traz informação importante nesse sentido, dizendo que Porteirinha não é famosa apenas pelos bandoleiros ali nascidos ou que ali viveram, mas também por ser o berço de um deputado da primeira câmara republicana. O nome dele – que merece ser homenageado com uma rua – é Manoel José da Silva. Isso também reforça a nossa tese de que Porteirinha já era distrito de Grão-Mogol desde 1875, evidentemente com o topônimo de São Joaquim da Porteirinha, senão seria quase impossível afirmar que esse insigne representante do povo tenha ali nascido.


A antiga igreja de Senhora Santana, no povoado de Serra Branca, nas missões
de 1957 (arquivo do autor)


EU SOU O CERRADO

Ivo das Chagas
Cadeira nº 39
Patrono: Gentil Gonzaga

Eu sou o cerrado. Domino, abraço e protejo cerca de 2 milhões de quilômetros quadrados de meu País, ou seja, aproximadamente, 23% do território de minha pátria. Sou, assim, a segunda maior formação vegetal da América do Sul, depois do conjunto florestal amazônico.

Algumas unidades de nossa Federação dependem de mim para seu progresso, ou mesmo sobrevivência. Em Goiás/ Tocantins, cubro 88% do espaço geográfico; em Minas Gerais, 53%; no conjunto Mato Grosso e Mato Grosso do Sul, 39%; no Maranhão, 30%. É, porém, no Distrito Federal, que não permito concorrência - estou presente em 100% de seu território.

Concentro-me, principalmente, no Planalto Central do Brasil, onde o solo, o clima, as altitudes e o relevo, me permaneceram favoráveis, mas apareço sob a forma de enclaves em quase todo o espaço tropical brasileiro, inclusive na Amazônia.

Sou acusado de monótono em minhas paisagens. Nada mais injusto. Olhar de quem não me conhece.

Aqui, sou eu mesmo, com todas as minhas características - o cerrado típico ou, como querem alguns, stricto sensu. Árvores pequenas, que quase nunca ultrapassam 8 metros de altura, folhas grandes, geralmente espessas e duras, troncos e galhos tortuosos, cascas grossas, corticosas e gretadas, recursos que me permitem melhor suportar os rigores do tempo, como a inclemência da radiação solar e as labaredas do fogo e, após as queimadas, qual Fênix, renascer das cinzas. Um tapete de gramíneas, de arbustos e subarbustos, com uma certa descontinuidade, cobre e protege o meu chão. Mesmo nos horrores da sequidão, quando o sol calcina meus viventes herbáceos, o cinza não me domina completamente porque busco no fundo da terra, no meu pântano subterrâneo, a água que dá o verde da vida, pois sábia e zelosamente a conservo para o meu uso e para as necessidades dos que vivem em meu reino e em outros reinos vizinhos.

Minhas árvores são bastante afastadas umas das outras e suas copas raramente se tocam. Assim, abro-me para o céu, o sol beija minha terra e enxergo amplos horizontes.

Nos imensos estendidos das chapadas, assentadas nos grandes interflúvios, me mostro de forma contínua e homogênea, formando os meus gerais. É aí onde a vesguice dos que nas roseiras só distinguem os espinhos, me enxergam como monótono e tedioso. Ouçam, porém, a voz de um gênio, de um gigante da intelectualidade brasileira, chamado Euclides da Cunha: “Estiram-se então, planuras vastas. Galgando-as pelos taludes, que as soerguem dando-lhes a aparência exata de tabuleiros suspensos, topam-se, a centenas de metros, extensas áreas ampliando-se, boleadas, pelos quadrantes, uma prolongação indefinida de mares. É a paisagem formosíssima dos campos gerais, expandida em chapadões ondulantes - grandes tablados onde campeia a sociedade rude dos vaqueiros”. Esse humano foi magistral em sua descritiva e em sua conclusão, pois a inclusão do vaqueiro campeando em campo livre e aberto completa a idéia de que, outrora, aquele meu espaço era geral, isto é, era de todos - terra do povo. É aí que sou o verdadeiro sertão de Guimarães Rosa, que em mim viu todas as belezas do mundo, mas, também de Capistrano de Abreu, pois é dos gerais que flui a maior parte da água que vai alimentar o rio São Francisco, o rio dos currais e do Ciclo do Couro, o construtor da inconfundível civilização barranqueira.

Prosseguindo na descritiva de minhas paisagens, ali, meus seres arbóreos são bem mais baixos, guardam maior distância entre si, as gramíneas são mais contínuas e os arbustos mais freqüentes. Sou o cerrado ralo ou campo cerrado, expressão de solos estacionais mais seletivos ou da ação perturbadora dos humanos.

Além, sou dominado pelas gramíneas, arbustos e subarbustos, as árvores desaparecem, mas a beleza permanece - sou o campo sujo, tendo, muitas vezes, caminhado de meu estado primitivo para esse estágio, por via do machado, da foice, do fogo ou ainda, naturalmente, pela herança do solo.

Mais à frente, as gramíneas imperam de maneira quase absoluta, formando os meus campos limpos, um desígnio de solos mais restritivos ou de interferências mais radicais dos homens.

Em meu domínio aparece também o cerradão, que é uma das mais belas expressões dos biomas florestais do Brasil, com árvores que chegam a 18 metros de altura, muitas das quais comuns às minhas formações típicas, mas com troncos mais retilíneos e cascas um pouco mais delgadas. Os estratos herbáceo, arbustivo e arbóreo são bem mais distintos, ocorrendo, não raramente, a presença de quatro andares vegetacionais. Como o chão é muito sombreado, as gramíneas praticamente não existem, exceto nas clareiras. Os solos exibem uma maior concentração de elementos minerais e orgânicos e são mais profundos do que aqueles do restante de meu domínio, mas também com serventias mais variadas, como o uso agrícola pelas comunidades sertanejas. Nesses espaços, o fogo praticamente nunca passa, a umidade se conserva por mais tempo, os epífitos, como as graciosas e inequívocas orquídeas e os cipós lenhosos, permeiam e dão beleza à mais suntuosa expressão vegetal sob meu reinado.

Minha natureza é plena de prodígios. Tenho que me orgulhar de meus campos rupestres e campos de altitude que se colocam nas altaneirias das chapadas, onde minhas árvores, em obediência ao solo, se tornam arbustos e onde miríades de flores sorriem no infinito verdejante, incluindo o milagre da sempre viva. É desses campos que partem muitas de minhas águas, levando a vida de porta-em-porta, como o rio São Francisco, o rio de todos os brasis, que entreguei somente ao meu País, na esperança de que dele cuidasse, pois é o maior e mais precioso diamante que saiu de minha bateia.

Não deixo nada sem meu manto protetor, mas tenho um carinho de primeiro amor por meus rios, córregos e riachos. As matas de galeria, sinuosas como minhas árvores, acompanham os cursos d’água, protegendo-os contra o dessecamento das margens, evitando a erosão e impedindo que corpos estranhos maculem as minhas águas, além de barrar a marcha do fogo, servindo de refúgio para meus animais. Através delas, exibo, sob a forma de amostragem, toda a exuberância das florestas tropicais, não faltando, é claro, o deslumbre das orquídeas. São refúgios de antigas florestas que, em tempos pretéritos, cobriam parte de meu território. Elas são cada vez mais amazônicas para o norte e cada vez mais atlânticas para o leste.

A vereda, com toda razão, muito vaidosa, já está pensando que dela vou me esquecer. Não poderia deixar de me lembrar da mãe de minhas águas, do mais belo espetáculo cênico do mundo tropical, meu oásis, de maior beleza que o saariano. A ela confiei as mais nobres funções. Eu a dotei de espécies não encontradas em nenhum outro subsistema sob o meu comando, como o buritizeiro, a palmeira providencial do sertão, pois dela tudo se tira tudo se faz. É também a guardadora de água e de alimentos frescos para meus bichos durante as quatro estações do ano, defendendo-os também das ardências do fogo natural ou ateado que, no esconder das chuvas, flameja e crepita na macega seca de meus gerais, mas com muito respeito pelo úmido que nela permanece. Ela é meu santuário.

Falam muito da pobreza e acidez elevada de meus solos, fatos que, na perspectiva nebulosa e antropocêntrica dos humanos, não posso negar. Saibam, porém, que exibo o mais rico patrimônio genético de todas as manifestações savânicas do mundo e até mesmo de grande parte dos sistemas florestais existentes.

Aqueles que me conhecem um pouco mais sabem que sustento milhares de espécies vegetais lenhosos e uma presença ainda maior de plantas herbáceas. Somente no Distrito Federal mantenho 233 espécies de orquídeas terrestres, enquanto 440 aves diferentes alegram os meus campos. Mas não para aí, esta riqueza eu a reparto por vários lugares onde estou presente, com a finalidade de a todos servir.

Observem-me mais atentamente e verão que exibo, durante todo o ano, as mais belas flores do Brasil. Flores para ornamentar a minha vida e a vida dos que amam o belo.

Minha idade? Está guardada somente na memória dos tempos. Sou uma das mais antigas formações vegetais do Brasil. Vi o nascer da luxuriante floresta amazônica, pois lá estava quando ela saiu de seus refúgios, nas partes mais úmidas do grande período seco e quente que tisnava o torrão amazônico. Um clima cada vez mais úmido fez com que eu lhe cedesse lugar, recuando às minhas antigas fronteiras no Planalto Central do Brasil, deixando ali apenas alguns núcleos, testemunhos de meu antigo império.

Passei por muitos tipos de climas, solos os mais variados, adaptei-me a múltiplos ambientes, por via de uma constante seleção de minhas espécies e reações fisiológicas verdadeiramente miraculosas.

Vi os primeiros homens chegarem, vindos de outras paragens. Ofereci-lhes abrigo, frutos, caça fácil e as penas de meus pássaros lhes serviram de ornamento.

Acolhi em meu vasto coração os homens ditos civilizados. Não fui egoísta. Ofereci alimentos para os seus rebanhos e para eles próprios; dei-lhes madeiras para os seus currais e cercas; folhas e embira de buriti para a construção de suas casas; lenha para seus fogões e rios que lhes conduziam ao longínquo Atlântico.

Com os chamados civilizados veio o fogo induzido e sistemático, o que me obrigou a novas adaptações, quando então muitas de minhas espécies vegetais e animais desapareceram, mas com grande esforço, não perdi minha identidade.

Resisti com galhardia à maria fumaça, aos vapores do rio São Francisco, aos fogões caseiros, sempre sedentos de lenha. Mas foi a partir de meados do século passado que meu mundo começou a se desmoronar. Vieram as usinas siderúrgicas que tinham o carvão vegetal como base energética. Minhas árvores começaram a ser dizimadas, assassinadas, numa extensão e rapidez nunca vistas em qualquer bioma brasileiro, seguindo uma verdadeira política de terra arrasada. Meus animais mais típicos, como o tamanduá mirim, o tamanduá bandeira, o tatu canastra, o tatu verdadeiro, o tatu peba, o lobo guará, o veado campeiro, o veado catingueiro, a onça-parda, o gambá, a raposa-do-campo, o quati, a anta, a capivara, a cutia, a ema, a seriema, o carcará, o gavião e o urubu-rei, que já vinham em extinção, praticamente desapareceram nos lugares mais aviltados, pois ficaram sem alimentos, sem abrigo e sem áreas de refúgio, bem à vista de caçadores impiedosos que fizeram verdadeiros festivais de sangue quando dos grandes desmatamentos.

Sem a cobertura arbórea, a gota de chuva começou a cair diretamente sobre o meu solo, os ventos não tiveram mais obstáculos, correndo mais livres e rapidamente e, numa interação malfazeja, água e ar, antes os fundamentos da vida, pela ação desastrada dos homens, se combinaram para compactar e varrer os meus solos, acelerar os processos erosivos, colmatando as minhas lagoas e assoreando meus rios e veredas, além do rebaixamento do aqüífero, por via de uma intensa evaporação, o que fez desaparecer muitos espelhos d’água.

As grandes estradas começaram a aparecer. Com elas vieram as famigeradas caixas de empréstimo, o decapeamento de meus morros para preparação de seus pisos; os cortes das ondulações de meu terreno, sem sustentação dos taludes; os barramentos e a morte das veredas pelos aterros; as drenagens mal conduzidas e pior direcionadas - tudo isto contribuindo fortemente para o arruinamento de meu solo e de meus corpos d’água.

O pior ainda estava por chegar - a implantação de florestas homogêneas em grandes áreas do meu domínio. Também desta vez nada foi respeitado. Topos de chapadas e de morros, vertentes, veredas, fontes, tudo foi tomado de assalto. A erosão aumentou, pois só as minhas gramíneas têm a capacidade de segurar o meu chão, quase sempre mais arenoso do que argiloso. Minha fauna foi mais uma vez sacrificada e as veredas perderam sua função ecológica de genitora das águas e de paraíso dos animais. Neste aspecto não sou radical. Nunca fui contra as florestas homogêneas, mas sim a maneira irresponsável como elas foram implantadas, sem estudos prévios, sem zoneamento ambiental, sem planejamento e sem critérios, ocupando, não raro, espaços nobres e até mesmo autênticos santuários.

Mas outra calamidade veio chegando com uma rapidez impressionante - a lavoura comercial monocultura. Esta, ao invés de adaptar-se a meus solos, adaptou meus solos aos produtos de sua conveniência. Adubos químicos e orgânicos, calagem, herbicidas, inseticidas, fungicidas, tudo contrariando minha natureza, pois nada teve o controle devido. As lâminas de tratores gigantes rasgaram fundo minha alma; arrancaram pela raiz os meus viventes vegetais; desestruturaram o meu solo, sem qualquer consideração por meus princípios de vida. Entre uma colheita e outra, meu chão fica exposto às intempéries, quando sofre o dardejar dos ventos, varrendo a argila de superfícies já arenosas. Com a utilização de meu espaço agrícola para essas novas atividades, a área antes ocupada pela pecuária extensiva ou semi-extensiva ficou cada vez mais restrita, mas os rebanhos aumentaram, a partir do que, o superpastoreio passou a ser uma realidade nefasta, especialmente nas superfícies de solos mais instáveis. Como conseqüência de tudo isto, a desertificação tem sido, em alguns de meus endereços, a terrível resposta.

Nestas paragens de minha fala, gostaria de fazer uma advertência. Observem bem o mapa da vegetação de nosso País. Vejam a condição de centralidade que ocupo em relação às outras comunidades vivas. Agora vejam um mapa do relevo brasileiro. Creio terem constatado que minhas altitudes são superiores às de quase todas as superfícies que sustentam os demais ecossistemas nacionais. Não creio ser necessário dizer aos homens que tudo o que me fizerem estarão fazendo contra todos os demais complexos bióticos e abióticos do espaço geográfico ocupado pelo Brasil. Em termos ecológicos, sou o bioma mais importante do território brasileiro, o eixo de equilíbrio ambiental do Brasil, o calcanhar de Aquiles da sustentabilidade dos grandes ecossistemas vigentes nos ambientes de vida da grande nação brasileira.

O homem é realmente uma criatura imponderável. Por mais que eu viva, por mais que me esforce, por mais que filosofe, não consigo entender os humanos. Parece-me verdadeiramente inconcebível que tudo isso tenha me ocorrido nos últimos 40 anos, num período que se distinguiu pelo rápido avanço do conhecimento científico, da tecnologia e da expansão dos estudos na área das ciências da natureza, da divulgação dos desastres ambientais em nível nacional e internacional, mas, mesmo assim, ainda insiste em minha total destruição.

Não posso terminar minha fala, sem dizer aos homens que sou o pai das águas do Brasil, a grande caixa d’água nacional. Abram qualquer mapa hidrográfico de meu país, observem e verão que de minhas entranhas nascem alguns dos grandes rios da margem direita do Amazonas, o Araguaia/Tocantins, o São Francisco e seus principais afluentes, a maioria dos tributários do Paraguai e ele próprio, ou seja, quase todos os formadores do Prata, ocorrendo o mesmo com o Jequitinhonha, o Paraguaçu, o Parnaíba e muitos outros rios das bacias nordestinas. Não é necessário que eu ensine aos humanos que, ao desequilibrar-se a cabeceira de um rio, desequilibra-se todo o seu curso; ao desequilibrar-lhe o curso, desequilibra-se toda a bacia hidrográfica. É bom que todos se lembrem que, no planeta das águas, a potável representa uma ínfima parcela e é cada vez mais escassa. Nenhuma dúvida deve restar que, sem esse liquido, o SER, deixará de EXISTIR.

Senhores racionais, senhores donos do mundo, não sou contra a minha utilização para a satisfação de suas necessidades. Creio que, ao longo de nossa história comum, provei isto de maneira inquestionável. Quero continuar sendo generoso. Para isto aqui vai o meu grande apelo, um grito quase desesperado: ESTUDEM-ME, CONHEÇAM-ME, RESPEITEM-ME. Façam um zoneamento ambiental de meu espaço, deixem lugar para os meus bichos, conservem bancos genéticos de minha flora e fauna, protejam minhas áreas críticas e de risco, preservem amostragens significativas de meus ecossistemas e subsistemas, cuidem bem de minhas coleções de água, especialmente de minhas veredas e de meu querido rio São Francisco, não arrisquem sangrias em meus rios, dêem dignidade aos meus veredeiros, aos meus geraizeiros e ao meus barranqueiros, resgatem os quase 500 anos de cultura que surgiu de nossa convivência e que formou uma civilização multifacetada, multicolorida, única em todo o mundo. Enfim, AMEM-ME e eu prometo ser-lhes dadivoso de agora até a eternidade.


REFERÊNCAS BIBLIOGRÁFICAS
____________________________________
Como não se trata de um artigo científico e sim de uma divulgação a nível popular e literário, não cremos caber aqui as normas da ABNT. De qualquer forma, ao lado de nossa experiência pessoal adquirida ao longo de mais de 70 anos de vivência nos cerrados, não podemos deixar de citar autores lidos ao longo do tempo, tais como: AB SABER Á.; DIAS, B. F.S.; GOODLAND, R.; CHAGAS, I.; CAMARGO, A. P.; COUTINHO, L. M.; CUNHA, E.; EMBRAPA.; FERRI, M.; HERINGER, E. P.; HUECK, K.; KOECKLIN, J.; KULHMANN, E.; NIMER, E.; RANZANI, G.; RAWITSCHER, F. K, ; RIZZINI, L. M.; ROSA, G.; EITEN G.; SCHNELL, R.; WAIBEL, L.; WARMING, E.


O VELHO MERCADO MUNICIPAL

João Carlos M. Sobreira de Carvalho
Cadeira nº 53
Patrono: João Batista de Paula

A proximidade do Hotel São Luiz ao Mercado Municipal nos proporcionava as mais diversas incursões de aspecto olfativo, visual, tátil e, porque não dizer, histórico e folclórico local. Com os cheiros que sentíamos, conseguíamos distinguir os diferentes períodos de safras. Naquela época havia poucas bancas no Mercado. As mercadorias eram colocadas no chão nu, às vezes forrado com um pano encardido ou uma esteira de palha. A gente podia distinguir de longe as cargas de goiaba, manga ubá, pequi, panã, pelo perfume, para uns ou odor desagradável para quem os detestava. As diversas fragrâncias se misturavam vigorosamente: o suor dos animais, seus excrementos e urinas, o peixe salgado e a carne de sol, os queijos e requeijões, a fumaça do preparo dos churrasquinhos e “pê-éfes” e o cheiro enjoativo dos couros exalados das selas e arreios. Não é novidade, pois tudo isto é cheiro de qualquer mercado. Só que o nosso, além do cheiro, tinha atrativo ‘montesclarês ’.

Havia uma ala especializada em bordados e outra onde comercializavam cestas, peneiras, esteiras e uma grande varieda de de baús de vários tamanhos. Também havia o local de venda dos potes, bilhas, pratos, cofrinhos com formato de leitão, miniatura de jogos de chá e café, “cachê-pots” para plantas ornamentais etc., tudo em barro cozido em forno próprio.

O prédio do Mercado Municipal era do século XIX, estruturado com esteios de aroeira e pé direito muito alto. Na sua fachada destacavam-se as portas altíssimas e a torre do relógio. Ele tinha um sino que batia as horas e as meias-horas, ouvidas em quase toda a cidade. Ao longo das ruas Cel. Antônio dos Anjos e Rui Barbosa estavam os açougues e as lojas que vendiam cereais. Havia, além delas, lojas de roupas e armarinhos, materiais de construção e ferragens. Tinha de tudo no mercado velho. No
miolo do prédio ficavam algumas bancas e os bruaqueiros fixos, que funcionavam durante a semana. No sábado, que era o dia de feira, as ruas laterais eram literalmente ocupadas pelos feirantes, ficando, portanto, interrompida para o trânsito de veículos, que, diga-se de passagem, eram poucos. O prédio ocupava a metade do terreno onde hoje está construído o Shopping Popular Mário Ribeiro. Na outra metade ficava um terreno vago que, nos dias de feira, era ocupado pelos animais: burros, cavalos e carros de boi que traziam os feirantes e suas mercadorias; havia até cabritos, bodes e porcos vivos para serem comercializados.

Quando a Prefeitura construiu ali várias lojas (algumas deixaram marca de sucesso e credibilidade como a Casa Amaral –especializada na venda dos produtos da Camisaria Anita, fábrica dos próprios donos da loja: D. Anita e ´Seu´ Amaral- e a Casa dos Alumínios, da família Costa), os animais passaram a ser estacionados no terreno vago onde hoje está o Quartel do Corpo de Bombeiros. Do outro lado das ruas laterais, algumas lojas também deixaram suas marcas: na Cel. Antônio dos Anjos, a Casa 5 Irmãos da família de ´Seu´ Dé, na rua São Francisco a enorme loja, se não me engano, denominada “A Esmeralda”, de Deraldo Calixto de Carvalho, onde hoje se encontra a Casa Nina, do companheiro Waldir Veloso e, na rua Rui Barbosa, a Sapataria Ely, de José de Souza Zumba, o Armazém Loyola, de Loyola & Cia, a Casa Zita, de Benjamim Rêgo e a loja, cujo nome não me lembro, do amigo José Mário de Araújo, (não sei porquê, todo mundo se referia a ele chamando-o de “Zé Amaro”).

José Mário era uma pessoa extremamente simpática e cordial. Ele se dava bem com todos e era muito expansivo. Todos gostávamos daquele gordo baixinho, sorridente, de voz gutural e com um diapasão extremamente alto. Certa ocasião, na época das eleições, ele achou que estava na hora de ser candidato a vereador, pois em todo lugar a que comparecia era aplaudido e tinha o nome gritado pelo povo. Não atinou que era pura gozação de alguns não tão amigos. Pensou que poderia colaborar com o “meu amigo Toninho Rebello”, candidato a prefeito. Pelo volume de aplausos onde ele aparecia, nas solenidades e até nas sessões de cinemas, “Zé Amaro” entendeu que já estava eleito (como acontece ainda hoje com muitos candidatos). Para sua frustração, teve uma votação ridícula. Mas, isto não o desanimou. Ele concluiu que sua ação política colaborou, de alguma forma, para a eleição de Toninho Rebello. O que não deixa de ser verdade.

Como sua loja ficava próxima do Hotel São Luiz, “Zé Amaro”, que sempre foi muito amigo de meu pai, na falta dele, tornou-se parceiro de mamãe no bate-papo. Praticamente todas as manhãs, por volta das 10:30/11:00 horas, quando o comércio entrava numa espécie de letargia enquanto não chegava a hora do almoço, ele ia para a porta do hotel “papear”. Ele tinha uma enorme consideração e admiração por mamãe.

Nesta ocasião, eu jogava basquete na praça de Esportes. Como a maioria dos jogadores da seleção trabalhava no comércio, éramos obrigados a fazer os treinos antes das lojas abrirem e normalmente iniciávamos os exercícios a partir das 5:30 da manhã. Dácio Cabeludo, Antônio (Tutica) Amaral, Hélio Alcântara, Diu Colares, Mário (Bode) Veloso, Tu Peixoto, Sabu (puxa! só citei quem já foi para o andar de cima!), Zim Bolão, Roberto Amaral, Marquinhos Valle, Buião, Bichara, os irmãos Joãozinho e Gugu, Zé Teixeira (vou parar por aqui para não cometer injustiça, deixando de citar alguém). Quem tinha de trabalhar treinava até às 7:00 ou 7:30 horas e, o restante, ficava mais um pouco. Eu, que estudava no científico, à noite, no Colégio Imaculada Conceição (aliás, era a única opção na época), me dava ao luxo de ficar batendo bola até mais tarde, porque eu não tinha horário fixo para começar minha atuação diária na ajuda à administração do hotel.

Certo dia, por volta de 10:00h, eu estava voltando correndo da Praça de Esportes após um treino, uniformizado com camiseta, calção e tênis, todo suado e muito vermelho (por causa de minha pele de cor clara, qualquer esforço físico me deixa com o rosto - como dizem aqui - com a cor de alemão). Ao chegar à porta do Hotel, estava mamãe conversando com “Zé Amaro”. E ele, ao me ver, disse, aparentemente apreensivo, para mamãe: “Dona Nazareth, a senhora precisa ter cuidado com o João Carlim (era assim que ele me chamava), pois ele está muito sanguinário!” Quem estava por perto não conseguiu segurar o riso!


Mercado Municipal de Montes Claros


O MENINO PESCADOR E A MENINA DO VENTO

Karla Celene Campos
Cadeira nº 14
Patrono: Arthur Jardim de Castro Gomes

... e o Menino Pescador povoa até hoje o espírito, a alma do Velho Pescador...
Reivaldo Canela

Gosto de pisar o chão das ruas desta cidade nas manhãs de sábado. As portas e as janelas param de fingir que não têm vida e ficam espiando... Vigiando meu caminhar. As praças também me olham. Meu olhar se cruza com os olhares das portas, das janelas, das praças... Nunca tenho destino certo nas manhãs de sábado. Aviso simplesmente em casa:

“- Vou sair para beber o sábado.”

Percebo-me, nesses instantes, plena de luz. Iluminadas também ficam as portas, as janelas, as ruas, as praças, a cidade.

No sábado 28 de junho de 2008, no entanto, eu tinha destino certo. Procurar o endereço de Reivaldo Canela. Falar para ele de uma cena que nunca vi, mas que não sai de dentro de mim. Tudo porque alguém me disse que, num tempo passado, todo fim
de tarde, o poeta advogado espalhava alimentos para pássaros na varanda de sua casa, e todos os passarinhos da cidade voavam
para lá. Desde que soube disso, então, todas as vezes que passava pela Praça da Santa Casa, parava na porta da casa do poeta, singela como um desenho infantil, e ficava a imaginar a cena...

Até que um dia, passando por lá, não vi a casa. Fora demolida. Só escombros no chão...

Aí é que a imagem da casa com varanda, pássaros soltos e poeta se firmou mais intensamente dentro de mim...

Precisava falar isso para ele... Mas como chegar ao poeta se a gente nunca havia se falado?

Fui assim mesmo. Levando nas mãos exemplares de meus livros Hibiscos Molhados e Montes Claros Retratos Poéticos, este em parceria com a fotógrafa Ângela Martins. Do Ventos e Vivências no Brejo das Almas eu sabia haver um exemplar na estante dele.

Como se fôssemos velhos amigos, fui recebida. Um abraço e, para minha surpresa, em suas mãos um exemplar do seu livro Menino Pescador já autografado para mim “com carinho e admiração”. E a data da dedicatória? 20 de abril: dois meses e uma semana antes... Parecia que desde aquele dia esperava a minha visita.

E foi bom. Juntos bebemos toda aquela manhã de sábado. Falamos de livros, de poemas, da passagem do tempo, da vida, de pássaros, de rios e pescarias.

Prometi voltar.

27 de julho, 2008 - Abro o jornal e leio, comovida, uma crônica escrita pelo meu mais recente velho amigo tecendo comentários amáveis acerca do Montes Claros Retratos Poéticos...

Último dia do julho de 2008 - aniversário do meu velho amigo. Converso com ele por telefone. Agradeço-lhe as gentis palavras da crônica de quatro dias atrás. Desejo-lhe feliz aniversário. Falo do encantamento que experimentei com a leitura de seu livro... De todas as qualidades de árvores, de pássaros, de peixes, de tanta fartura de natureza e de vida, do tanto de amor no coração que percebi em suas páginas... Leio para ele meus fragmentos preferidos:

“O tempo vai passando e vem o escuro. Cessa a alegre sinfonia dos passarinhos; começa a noturna, com soturnas vozes da mata. Um socó-boi geme lá longe; a mãe-da-lua lança seu grito alto e repicado, em melancólica escala descendente...”

“Menino Pescador está sempre insistente, cobrando a presença do rio, da mata, dos passarinhos cantadores, das saracuras-três-potes, do espetáculo das garças e de algum jaburu grandão e feioso...”

E falo da dor em mim por saber que o tempo, o progresso e os homens insensíveis que fazem a cidade negaram à minha geração a chance de conhecer os rios, os córregos e os regatos que banhavam Montes Claros...

- Somos dois românticos, Karla. Gostamos das mesmas coisas, mas nem todos gostam do que gostamos...

- Sabe, vou escrever sobre nós. Por uma dessas magias que só a imaginação e a arte permitem, vou unir, num mesmo tempo e espaço, numa mesma infância, a menina do vento e o menino pescador. Vou juntar nós dois, com a mesma idade, num conto, numa crônica, num poema, sei lá. Você vai me mostrar todos os passarinhos e vai me ensinar a pescar. E eu vou ensiná-lo a voar. Como leu em Ventos e Vivências, sou da terra dos ventos. Geminiana, meu elemento é o ar. Portanto, sei voar...

Acrescentei mais um feliz aniversário e comentei: muito o que viver, muito o que escrever por aí.

Ao que, então, retrucou:

- Não tenho muito tempo, Karla...

Não acreditei. Completando setenta e cinco anos naquele dia, achei que poderia contar com ele por pelo menos mais uns dez. Tão forte, tão falante, tão feliz!... O tom de sua voz me permitia perceber, mesmo por telefone, o brilho azul de seu olhar.

“Não tem muito tempo...”. Não acreditei. Continuei:

-Vou escrever sobre nós e levo aí pra você. Já tem título: O Menino Pescador e a Menina do Vento...

Agosto chegou com os seus próprios ventos.

Setembro veio e levou para o Brejo das Almas os ventos de lá.

O ajuntamento de palavras para a prometida crônica não acontecia: compromissos outros impedindo-me.

Outubro chegou e levou meu amigo: Wanderlino me avisa com pesar que Reivaldo Canela já não está entre nós fisicamente...

Quer dizer, então, que não estava brincando quando dizia que não tinha mais muito tempo... O safado só não me avisou que já tinha pescaria marcada para o 22 de outubro...

Saiu para atender ao pedido do rio, da mata, dos passarinhos cantadores, das saracuras-três-potes, do espetáculo das garças, do jaburu grandão e feioso... Eles, sim, é que estavam cobrando, na terra do encantamento, a presença do Menino Pescador.


Dr. JOÃO LUIZ DE ALMEIDA
PRÓCER DA EDUCAÇÃO

Lázaro Francisco Sena
Cadeira N. 55
Patrono: Dr. João Luiz de Almeida

Montes Claros, 6 de fevereiro de l930. Essa data marcou o ingresso de nossa cidade no clima de violência política que ameaçava todo o país, a partir dos movimentos revolucionários da década anterior, que culminaram com a instalação da longa ditadura do Sr. Getúlio Vargas na Presidência da República, até o ano de l945. Do confronto entre os partidários da “Concentração Conservadora”, estrelada pelo Dr. Melo Viana, então vice-presidente da República em visita a Montes Claros, e os integrantes da “Aliança Liberal”, co-estrelando o Dr. João Alves e sua esposa Da. Tiburtina, resultaram seis mortos e quinze feridos, dentre esses o próprio vicepresidente. Foram discursos inflamados, insultos verbais, foguetes e bombas, vivas e “morras”, passeata de desordeiros e jagunços entrincheirados, enfim o tiroteio e a debandada. Ninguém teve juízo, ninguém tinha razão. O episódio foi chamado de “tocaia de bugres” pelo chefe maior dos conservadores, o presidente Washington Luiz, responsabilizando os liberais pelo lamentável acontecimento. Ora, bugres foram todos eles, liberais e conservadores, que não tiveram um mínimo de sanidade política para evitar o conflito e o conseqüente e criminoso derramamento de sangue.

Universidade Federal do Rio de Janeiro em l930. Enquanto Montes Claros curtia as suas feridas, por um lado até vaidosa por tornar-se manchete nacional, mas de repercussão vergonhosa sob todos os aspectos, o jovem JOÃO LUIZ DE ALMEIDA ali concluía o seu curso de Direito, com raro brilhantismo.Nascido a 21 de novembro de l902, em Porto Santo Antônio, antigo distrito de Cataguazes, hoje município de Astolfo Dutra, era filho de Norberto Luiz de Almeida e Da. Maria José de Almeida. Ainda em l930, casou-se na cidade do Rio de Janeiro com a carioca Iolanda Correa de Almeida, com quem teve os seguintes filhos: Ionir Maria, João Luiz, Nadir Luiz, Luiz Norberto, Maria José e Nélson Luiz. Após vitoriosa carreira como advogado e educador, sem jamais obscurecer a missão virtuosa de chefe de família exemplar, o Dr. João Luiz veio a falecer, octogenário, em Montes Claros, cidade que adotara por amor e honra, em 7 de janeiro de l983.


Dr. João Luiz de Almeida
Prócer da Educação

A jornada estudantil de João Luiz de Almeida começou em Cataguazes, passando por Viçosa e Barbacena, até chegar ao Colégio D. Pedro II, na cidade do Rio de Janeiro. Foi aí que ensaiou os primeiros passos rumo ao Magistério e à Educação, tornando-se professor daquele estabelecimento de ensino, logo após terminar o curso colegial. Matriculando-se na Faculdade de Direito da Universidade Federal do Rio de Janeiro, viu ali prosperar a sua dúplice vocação, para a Advocacia e para o Magistério, valendo-se, sobretudo, do virtuoso conhecimento e perfeito domínio da Língua Portuguesa. Esse era o caminho do futuro para o jovem bacharel em Direito que trabalhou como redator e revisor do Correio da Manhã, influente jornal da então Capital brasileira, enquanto se preparava para o concurso de Promotor de Justiça do Estado de Minas Gerais. Perdeu o Rio de Janeiro e ganhou Grão Mogol, para onde foi nomeado após aprovação em concurso. Dessa pequena cidade, descortinaram-se os horizontes do Norte de Minas, tendo o Dr. João Luiz escolhido Montes Claros para exercer a sua profissão de Advogado. Aí, quem perdeu foi a Promotoria de Grão Mogol.

A partir de l935, podemos afirmar que nasceu o “montesclarense” João Luiz de Almeida. Já no final daquele ano, vamos encontrá-lo em campanha para a criação, nesta cidade, de uma escola de comércio, face ao grande desenvolvimento da atividade comercial em nosso meio. Inúmeras foram as dificuldades, quer sejam de ordem externa, ou mesmo de ordem interna. Não bastasse a má-vontade do Ministro Gustavo Capanema, somente quebrada com as artimanhas de seu chefe de gabinete, o jovem poeta Carlos Drumond de Andrade, predominava, à época, o pensamento geral de que o comércio se aprendia no balcão. Foi por insistência e perseverança do Dr. João Luiz que o Poeta não resistiu e misturou a autorização para funcionamento da Escola com vários outros processos que o Ministro assinou sem perceber. Essa Escola, todavia, teve duração efêmera, somente não se extinguindo totalmente porque se transformou na semente germinadora do Instituto Norte Mineiro de Educação, a partir de 1938, graças ao esforço sobre-humano do Dr. João Luiz, que se tornou o seu proprietário e diretor. Para bem dimensionar as dificuldades encontradas, ouçamos algumas frases expressas pelo Dr. João Luiz, em editorial do jornal A FOLHA, edição comemorativa do 30º aniversário de criação do Instituto: “Como era difícil abrir uma escola neste Brasil de analfabetos”; “Aqui, os inimigos gratuitos alimentavam sua fogueira com os obstáculos externos. Número de alunos caía dia a dia. Receita da escola não dava para pagar os abnegados professores, mas mantinham-se firmes.” “Para salvar a escola, aviventou-se a criação do Instituto Norte Mineiro de Educação em l938. E viemos do prédio do ‘Bar Aliança’, na praça Dr. Carlos, para a Dr. João Alves, no histórico prédio de seis de fevereiro, onde hoje está o magnífico Automóvel Clube”.


Antigo prédio do Instituto Norte-Mineiro de Educação

Quis o destino que o local daquele malfadado e sangrento conflito político se tornasse palco da algaravia estudantil; que os foguetes e bombas insultuosos se calassem para sempre, com a chegada dos ensinamentos escolares; que os gritos e provocações verbais se transformassem em cantos patrióticos de exaltação à civilidade; que a voz mansa dos professores sufocasse de vez o eco maldito do tiroteio que enlutou diversas famílias inocentes. Aí funcionou o Instituto durante vinte anos. Para saber o que aconteceu depois, busquemos mais uma vez o depoimento do Dr. João Luiz, na mesma fonte antes citada: “Em 1958, era o INME ameaçado de despejo, quando a matrícula de alunos subia. A sede fora vendida. Fomos para o prédio do grupo escolar próximo. Bem diz o povo em sua sábia filosofia: ‘Há males que vêm para o bem’”. Foi a partir desse momento que o Dr. João Luiz partiu para mais um arrojado empreendimento, o desafio da construção da sede própria para o seu Instituto. Não foi uma tarefa fácil, mas muito gratificante para aquele que transformara a sua vida num sacerdócio em prol da educação. Confessa ele que recebeu ajuda de amigos e ex-alunos, mas destaca dois colaboradores essenciais para o sucesso da obra: Dr. Simeão Ribeiro Pires, professor do Instituto, chamado de “letrado culto” e o Capitão Eneas Mineiro de Souza, a quem chamou carinhosamente de “analfabeto sertanejo de grande cultura”. O resultado foi um prédio majestoso para o desenvolvimento do ensino, que, embora construído há cerca de sessenta anos, continua imponente e atendendo às modernas exigências didático-pedagógicas do Colégio que ali se estabeleceu, em continuidade ao saudoso Instituto Norte Mineiro de Educação, onde tive a honra e o prazer de lecionar Língua Portuguesa para o Curso Normal, durante o ano de 1969, sob a sábia supervisão do Dr. João Luiz de Almeida. Todos nós sabíamos que esse eminente professor era “corpo e alma” do Instituto; assim, quando o corpo de velho mestre feneceu, o Colégio não resistiu. Mas a alma continua viva e radiante de bons exemplos para toda a posteridade. Para bem ilustrar o trabalho do Dr. João Luiz à frente de seu Instituto, transcrevemos cópia de correspondência encaminhada pela Câmara Municipal, sob a presidência do Dr. Francisco José Pereira, a requerimento do vereador Pedro Narciso, por ocasião do 30º aniversário daquela Escola: “Vimos, com grande honra e satisfação, apresentar a V. Sa.e, por seu intermédio, ao corpo docente e discente do Instituto Norte Mineiro de Educação, as congratulações e aplausos desta Edilidade, ao ensejo do 30º aniversário desse conceituado estabelecimento de ensino, que tanto relevo tem dado ao aspecto cultural de nossa
cidade, graças à sábia e dinâmica orientação de V. Sa., considerado por justiça e por merecimento um dos grandes baluartes do ensino em Montes Claros, dado os seus relevantes serviços prestados à causa educacional.”


Instituto Norte-Mineiro de Educação

Muito se poderia discorrer sobre o trabalho do advogado e professor João Luiz de Almeida. Mas o presente artigo constitui apenas uma síntese histórica que não pode prescindir de sua destacada participação na luta pela criação da Faculdade de Direito-
FADIR, uma das pioneiras escolas superiores que hoje integram a Universidade Estadual de Montes Claros-UNIMONTES. Tal foi o seu empenho e determinação que se elegeu o primeiro Diretor, cargo que exerceu com maestria entre os anos de 1965 e l968, além de ser também designado para titular da cadeira de Direito Penal daquela Faculdade.


Dr. João Luiz de Almeida, como Diretor e Professor da FADIR

Quando foi criado o Instituto Histórico e Geográfico de Montes Claros, buscou-se, para a constituição de seu patronato, as figuras eminentes que construíram o passado de nossa cidade. Ao Dr. João Luiz de Almeida, que tanto contribuiu para escrever a história do ensino em Montes Claros, foi reservada a Cadeira nº 55, que tenho a honra de ocupar, como sócio efetivo, por deferência especial dos criadores e fundadores dessa ilustre e necessária Instituição.

O presente artigo só foi possível graças à paciência e contribuição do Dr. João Luiz de Almeida Filho, advogado e professor que vem trilhando as pegadas de seu pai, e que gentilmente nos forneceu preciosas informações, além de ceder, de seu arquivo particular, todas as fotos que ilustram estas poucas páginas de nossa Revista.


DE ONDE VIEMOS E PARA ONDE VAMOS

Luiz de Paula Ferreira
Cadeira nº 19
Patrono: Caio Mário Lafetá

Hoje já se aprende na escola que o Universo surgiu há cerca de 13,7 bilhões de anos e que os dinossauros dominaram o nosso planeta durante 170 milhões de anos. Durante todo esse tempo a Terra foi o reino dos répteis gigantes. Até que há 65 milhões de anos toda a espécie desapareceu.

O ancestral comum do homem e do macaco começou a existir entre 4,5 e 6 milhões de anos. E o “homo habilis”, o primeiro a fabricar utensílios de pedras, terá vivido a partir de 2 milhões de anos.

Somos filhos das estrelas, tal como tudo que existe no Universo.

O “homo erectus” viveu a partir de 500.000 a 400.000 anos. O “homo sapiens” desde 70.000 anos. E o “homo sapiens sapiens” a partir de 40.000 anos até hoje.

Nosso antepassado direto, o homem de CRO-MAGNON, vem de 35.000 anos. Há 10.000 anos deixou de ser nômade, criou aldeias, inventou a agricultura e a domesticação de animais.

Nenhuma espécie terá vida permanente na face da terra.

A vida no planeta poderá findar-se dentro de um bilhão de anos, quando o sol aumentar a luminosidade sobre a Terra, expondo-a a um calor de até 1300 graus.

Nosso fim poderá vir também do espaço, na colisão de um asteróide com o planeta.

A natureza não tem pressa. Tem todo um tempo infinito à sua frente. Não estará fora de propósito que depois de nós o planeta seja dominado por diferentes raças de insetos. Por alguns milhões de anos.

Já pensou em Nova York entregue às baratas?


CAMINHO DE VOLTA

Maria Luiza Silveira Teles
Cadeira nº 42
Patrono: Geraldo Tito da Silveira

Estou fazendo fisioterapia na Avenida Ovídio de Abreu. Resolvi, no primeiro dia, ir a pé, bem cedo, aproveitando os ares da manhã, exercitando-me e fazendo um passeio por meu passado.

Cheguei a Montes claros aos dezesseis anos e a nossa primeira casa era uma chácara, que ficava onde é, hoje, o bairro Santa Rita. Era uma casa enorme, de sete quartos, varanda ampla, ao seu redor, e muitas árvores frutíferas.

Um dos muros laterais dava para o antigo Pátio da Central do Brasil, onde residiam alguns de seus funcionários. E foi ali que eu e meus irmãos fizemos as nossas primeiras amizades.

Na minha ida não chegaria até lá, mas haveria de percorrer grande parte do caminho que fazia, outrora, em minha adolescência.

Graças a Deus conservo, ainda hoje, as primeiras amizades que fiz naquela época, ali: Milene e Miriam Carvalho, filhas de Dona Geralda e o saudoso Seu Teco, o chefe da oficina da Central; Terezinha Santos, Divina Tanure.

Na Ovídio de Abreu, moravam minhas outras amigas, Lilá e Carmem Teixeira, na casa de sua irmã mais velha, Lindaura, uma “mãezona”, que deixou-nos precocemente, aos trinta e um anos.

Na Barão do Rio Branco, fiz mais duas amigas: Iraci, que já se foi há muito, e Menininha Gonçalves, residente, hoje, no Rio de Janeiro.

Eu descia caminhando para dar aulas de Inglês no velho Instituto Norte Mineiro de Educação, respeitada instituição da época, onde agora está o colégio Indyu; no colégio Imaculada e no Conservatório, em sua primeira casa, na Coronel Prates, esquina com Presidente Vargas.

Eu e minhas amigas descíamos com nossos sapatos de salto fino e meias de seda para o “footing” da Praça Coronel, os bailes no Clube Montes Claros e as horas-dançantes na boate da Praça de Esportes e no Automóvel Clube. Tinha, também, a missa na Matriz, que antecedia a nossa ida para a boate.

Todas nós nos arrumávamos com primor, cinturinhas de pilão, sempre marcadas por cintos e os belos vestidos godê, como se vê, atualmente, na novela “Ciranda de Pedra”. Dançávamos felizes ao som dos antigos boleros da banda “Les Chéries”.

Quando chegávamos à Avenida Francisco Sá, tirávamos as flanelinhas das bolsas para acabar com a tonelada de poeira da Ovídio de Abreu, que se acumulava em nossos sapatos. Já na volta, pés cansados, no mesmo ponto, nos livrávamos dos sapatos e seguíamos descalças até em casa. Ali, na Ovídio de Abreu também, retocávamos a maquiagem, aguardando os olhares ardentes dos rapazes, que nos esperavam para o “footing”.

Mais tarde, passei a morar na rua Dom João Pimenta. Lá namorei e noivei com o pai de minha filha, sentados na varanda, sob os olhares cuidadosos de meus pais. Então, dava aulas no Colégio Tiradentes, logo na esquina, e fazia faculdade no colégio Imaculada, o primeiro endereço da Fafil.

Embora meu pai sempre tivesse carro, saíamos sempre a pé, pois tudo era muito perto.

Agora, faço o caminho de volta, passeando pelo passado, no período dos meus 16 aos 23 anos.

Saí de onde moro, na Gabriel Passos, subi a Cel. Luiz Pires, atravessei a Coronel Prates e a Afonso Pena e peguei a Dom João Pimenta, repleta de lembranças, saudade, sonhos e fantasmas.

Lá fui eu passeando. Às vezes, dava uma paradinha, com o coração aos pulos, não sei se pela idade ou pela saudade... Por todo lado, via a mocinha de cabelos negros, cheia de vida, sonhos e romantismo, devoradora de livros, ansiosa por conquistar o Saber e o mundo. Aliás, pude perceber que ela ainda não morreu, pois continua bem viva dentro do meu coração.

Encontrei, feliz, alguns redutos do passado, que resistem, bravamente, aos rompantes do modernismo. Lá está o Grupo Francisco Sá, a casa de Cirênio Leite, o antigo casarão do Tiradentes, pintado de novo, lindo, lindo. Hoje, uma unidade da PMMG.

Nossa antiga casa continua incólume. Até a varanda, onde eu namorava.

A casa de Dr. Porto e Dona Dolores virou um imenso prédio. O velho consultório de Dr. Mário Ribeiro, na casa de Dona Fininha, transformou-se em um estacionamento.

E lá ia eu subindo, envolvida nas lembranças e buscando as marcas do passado. Onde a casa de João de Deus? Ah, em demolição... E a casa de Alcione? Não a reconheço. A de Geraldo Figueiredo e Elpídio da Rocha transformadas. Diferentes, adaptadas. Ah, mas lá está o Bazar Crisóstomo para a minha alegria!

E a casa de Seymando Sarmento? Virou uma clínica fisioterápica. Já a do intelectual Ataliba Machado continua lá, com um muro escondendo sua deterioração.

Vejam a casa do saudoso e querido Nathércio França, onde viveu Dona Tiburtina, em seus últimos anos! Completamente descaracterizada, assim como a Igreja Presbiteriana. Mas. lá continua o Posto dos irmãos Frota Machado. E a casa do Professor Antõnio Carlos de Souza Lima? Será aquela velhinha, escondida pelo muro?... A Praça da Estação mudou pouco, embora sem o nosso saudoso trem baiano.

Na Ovídio de Abreu, até à minha Fisioterapia, poucas mudanças. Bem, tem o asfalto novo... Deparei-me, de repente, com a casa de Lindaura, Lilá e Carmem. Pois não é que conserva a varanda e até os degraus onde nós, adolescentes, nos sentávamos para os nossos papos?!... Aí não pude conter as lágrimas.

Cheguei, por fim, ao meu destino, leve e oprimida, ao mesmo tempo A clínica era a mesma onde costumava levar meu pai, já bem idoso, para seu tratamento.

Ao sentar lá dentro, tive a nítida sensação de tê-lo ao meu lado. E as lágrimas se misturaram ao sorriso. A dor à alegria de sentir-me tão viva.

Passo a passo, segui meus próprios rastros, na certeza de que a vida vale a pena, sempre.


OFÍCIO DO REGISTRO CIVIL DAS PESSOAS
NATURAIS, INTERDIÇÕES E TUTELAS

Maria de Lourdes Chaves
Cadeira: Nº 65
Patrono: José Gonçalves Ulhôa

A partir das pesquisas feitas nos arquivos mortos e vivos, no Ofício do Registro Civil das Pessoas Naturais, Interdições e Tutelas, a meu cargo, foi constatado: Livro:01 (21/01/1889 a 09/10/1891)

Os livros do Cartório são numerados e, além do número eles trazem também uma letra. Os de nascimentos têm a letra “A”, casamentos letra “B”, óbitos letra “C”, emancipação, interdição, ausência e registro de estrangeiros, letra “E”.

Os primeiros livros eram identificados apenas pelo número, na sua primeira folha, no termo de abertura vinha expressa a sua serventia.

No 1º livro de nascimentos, nada escrito na capa, no dorso consta Nº 01 e embaixo do número NASC. Abreviatura de “Nascimento”.

Na 1ª folha encontra-se o termo de abertura com os seguintes dizeres:

“Há este livro servir para nelle ser feito o registro dos nascimentos na parochia da Cidade de Montes Claros, na forma do art. 3º do regulamento Nº 9.886 de 7 de março último. Vai com todas as folhas numeradas e por mim rubricadas e leva no fim termo de encerramento. Secretaria do Governo em Ouro Preto, 08 de novembro de 1888. Assinatura ilegível.

Nessa mesma folha, ou seja, folha 1, foi lançado o primeiro registro, aos 3 dias do mês de janeiro de 1889. Sendo declarante, o Sr. José Philomeno de Araújo. A criança recebeu o nome de: “Maria França de Araújo”, nascida no dia 10 de dezembro de 1888, às 5 horas da manhã, nesta cidade, filha legítima do declarante e de Thomázia Trindade de Araújo. Esse termo foi assinado pelo escrivão de Paz, José Mamede Evangelista Júnior, pelo declarante e pelas testemunhas: Joaquim Cesário dos Santos e Servelino Ribeiro da Silva.

Na última folha desse livro encontra-se o termo de encerramento, com os seguintes dizeres:

“Contém este livro duzentas folhas, todas numeradas e por mim rubricadas.” Secretaria do Governo 8 de novembro de 1888. Assinatura ilegível.

O último registro lançado nesse livro foi de “Antônio”, filho natural de Mariana Constância, nascido aos 14 de fevereiro de 1894.

Esse termo foi assinado pelo escrivão, Manoel José da Silva Pereira, pelo declarante: Joaquim Cesário dos Santos e pelas testemunhas: Manoel do Nascimento e Silva e Alexandrino José de Almeida.

E às folhas 89 foi lançado o registro de Lília de Andrade Câmara, que no futuro projetou o nome de Montes Claros em toda Minas Gerais, quando se tornou a primeira mulher destacidade a ser deputada. Nas folhas 108-V, encontra-se o registro de Feliciano Gonçalves Versiane (avô de Zildete Versiane – ex. aux de cartório). Nas folhas 154, está lançado o registro de Plínio Ribeiro dos Santos, (futuro médico, escritor, poeta e deputado).

O escrivão de Paz, José Mamede Evangelista Júnior, esteve no cargo até o dia 1º de agosto de 1892, quando assinou o termo nº 306, onde está registrado o nascimento de Maria Ernestina Spyer.

O registro de nº 307 foi assinado pelo escrivão substituto, “Manoel José da Silva Pereira “, que escreveu e assinou todos os outros registros desse livro.

Livro 01 de óbito – De 21/01/1889 a 09/10/1891, na capa está escrito: Registro de óbitos – Livro 01.

Na 1ª folha encontra-se o termo de abertura e o 1º registro, feito aos 21/01/1889, foi de “Domingos Pereira de Oliveira”, tendo como causa de morte: “Uma intensa gastro enterite aguda e syphilis inveterada”. O atestado foi assinado pelo Dr. Carlos José Versiane.

O último registro foi de “Altina Angélica de Jesuz”, feito aos 09/10/1891.

No verso da folha 200 foi escrito o termo de encerramento, com os seguintes dizeres:

“Contém este livro duzentas folhas, todas numeradas e por mim rubricadas. Secretaria do Governo, 8 de novembro de 1888. Assinatura ilegível.

ALGUMAS CAUSAS DE MORTE (NOMES INTERESSANTES).

- Syphilis inveterada.
- Faleceu violentamente e a causa não é conhecida.
- Mal do séptimo dia
- Tétano dos recennascidos
- Em conseqüência de um conflito entre elle, José Lopes da Silva, Carlos Lopes da Silva, Máximo Ramos de Siqueira e Marcellino.
- Em conseqüência dos projectis de uma arma de fogo.
- Em conseqüência da idade
- Syphilis hereditária
- Faleceu em conseqüência de ter nascido antes do tempo necessário.
- Em conseqüência de uma ferida no pé
- Em conseqüência de um tiro de arma de fogo
- Em conseqüência da dentição das presas
- De fome
- Em conseqüência de lombrigas
- Em conseqüência de sarna recolhida
- Escandicência
- Em conseqüência de catarro
- Em conseqüência de um parto q não chegou lançar a criança
- Em conseqüência de um acesso catharral
- Em conseqüência de um catharrão
- Em conseqüência de retenção de urina
- Parto laborioso
- Em conseqüência de um encalho
- Catharrão suffocant ( irmã de João Chaves, meu pai)
- Molestias do peito
- Hydropesia
Causas que mais mataram: Sifilis, febre, febre grave, febre typhoide, tuberculose pulmonar, lesão cardíaca, tétano dos recennascidos, volvo, congestão cerebral, inflamação dos intestinos, dentição, escandicência, parto, diarréia, tísica, inflamação
do fígado.

Obs.: Alguns óbitos foram feitos com a apresentação de atestado médico, assinados pelos doutores: Carlos José Versiani, Pedro Versiani, Pedro Augusto Catta Preta Versiane.

Qualificando a morta: que ignora o nome do dito finado pai e que a mãe é a finada Maria Clara de Jesuz.

Livro nº 1 – Casamento (21/01/1889 a 12/06/1899)

Na capa, nada consta. No dorso está escrito: Livro nº 1 – Casamento de 21/01/1889 a 12/06/1899.

Na primeira folha encontra-se o termo de abertura, com os seguintes dizeres:

“Há deste livro servir para nelle ser feito o registro dos casamentos na parochia da cidade de Montes Claros, na forma do art. 3º do regulamento Nº 9.886 de 7 de março último. Vai com todas as folhas numeradas e por mim rubricadas e leva no fim termo de encerramento. Secretaria do Governo em Ouro Preto, 8 de novembro de 1888. Assinatura ilegível.

Nessa primeira folha, está lançado o casamento de “José Feliphe Sant’Thiago e Maria Thamázia Fiusa do Espírito dos Sanctos.

O termo foi assinado pelo Oficial José Mamede Evangelista Júnior, Joaquim José Dias dos Sanctos, a rogo dos contraentes, Fernando José de Oliveira e Manoel Caetano de Andrade Júnior, como testemunhas.

Obs: Até as folhas 67, os casamentos foram realizados na igreja e através de uma declaração do Padre Jose Vieira da Silva, foram transcritos nesse livro (isso aconteceu no período de 21/01/1889 a 23/05/1890).

A partir do dia 30/08/1890, os casamentos passaram a ser celebrados pelo Juiz de Paz. O 1º Juiz de Paz desta cidade foi o Major João Antonio Ferreira Durães. E o primeiro casamento por ele foi de: Antonio José Pereira e Rosa Ribeiro dos Santos. O termo foi assinado pelo Oficial Jose Mamede Evangelista Júnior, João Antonio Ferreira Durães, Juiz de Paz, pelo noivo, por Dr. Antonio Augusto Velloso, a rogo da noiva e as testemunhas: Gregório José Velloso, Tertuliano Ribeiro dos Santos, (nesse casamento,
começou-se uma nova numeração, ficou sendo o nº 1.

Às folhas 69-V foi transcrito o casamento de Sebastião Ribeiro da Fonseca e Ilma Gomes da Fonseca, cuja celebração foi realizada na igreja no dia 26 de maio de 1890 e transcrito no dia 26 de outubro de 1890.

Nas folhas 200-V encontra-se o termo de encerramento com os seguintes dizeres:

“Contém este livro duzentas folhas, todas numeradas e por mim rubricadas”. Secretaria do Governo, 8 de novembro de 1888. Assinatura ilegível.

O casamento civil completa 118 anos de existência no Brasil, em 2008. Nos últimos 10 anos celebrações civis aumentaram 21% segundo o “IBGE” de 2007, o aumento anual
de celebrações no Brasil foi de 6,5%. Há 118 anos como uma das principais conseqüências da Proclamação da República, que propiciou a separação entre Estado e Igreja Católica, o Decreto 181, de autoria de Rui Barbosa e promulgado no dia 24/01/1890, instituía o casamento civil no Brasil, como único ato válido para a celebração de matrimônios.

Livro – 01 – A (15/06/1929 a 21/06/1930)

- Nada consta na capa.
- No dorso está escrito 01 – A
- Na página 01 está o termo de abertura com os seguintes dizeres:

“Este livro – A nº 1, destinado aos registros de nascimentos, segundo o Decreto Federal nº 18.542, de 24 de dezembro de de 1928, contém cem folhas numeradas e com a rubrica “Luis Pires”, de que uso como 3º Juiz de Paz em exercício deste districto, levando no final o devido encerramento. Montes Claros, 15 de junho de 1929. Diz a emenda 15 de junho de 1929. (Assinado) Luiz Pires”.

- Logo abaixo vem o primeiro registro desse livro, feito aos 15/06/1929. É o registro de Maria Norma Santos, filha de Adalberto Pereira Santos e Felicidade da Silveira Santos, nascida aos 06 de junho de 1929. O termo assinado pelo oficial José da Silva Braga, o declarante, Augusto Patrício da Silveira e as testemunhas: Domingos da Silva Braga e João de Medeiros Leite.

- O último registro desse livro é de “Manoel de Souza”, filho de Celestino Souza e Patrícia Antunes, nascido no dia 1º de maio de 1930.

Esse registro foi feito no dia 21 de junho de 1930, e teve como declarante o cidadão Joaquim Antonio Alves, que assinou o termo com o oficial, José da Silva Braga e as testemunhas: Domingos da Silva Braga e João Gabriel Braga.

- No final da folha encontra-se o termo e encerramento, com os seguintes dizeres: “Este livro – A – nº1, de cem folhas, numeradas e rubricadas com a rubrica “Luiz Pires” é destinado ao registro de nascimentos, conforme o termo de abertura. Montes Claros, 15 de junho de 1929. Diz a emenda “15 de junho”. (Assinado) Luiz Pires.

Encontra-se nesse livro, às folhas 56-V, a transcrição da ata da instalação da mesa eleitoral da 4ª Secção do município de Montes Claros.

Foram gastas nove folhas para a transcrição da referida ata.

ESSA ATA FOI LAVRADA NO DIA 1º DE MARÇO DE 1930.

E a referida reunião foi feita no Edifício do Grupo escolar, situado na praça Dr. João Alves, nesta cidade, designado para nele se efetuarem as eleições de Deputados Federais, marcada para hoje, às nove horas da manhã.”

Na ausência do Presidente desta secção, senhor Moyses de Andrade Câmara, assumiu a presidência da referida secção o cidadão Philomeno Ribeiro dos Santos, conforme desposição regulamentar, servindo de secretario, eu José da Silva Braga, previamente designado para esse fim e sendo pelo mesmo secretário entregue os livros remetidos pelo Doutor Juiz de Direito desta Comarca, em número de treis, destinados para as eleições de Deputado, Senador Federais e Presidente e Vice Presidente da República. Fui pelo presidente declarado instalador da referida meza eleitoral constando que se lavrasse esta ata eleitoral.”

- Os candidatos a Presidência da República eram: Getúlio Dornelles Vargas, Júlio Prestes de Albuquerque.
- O resultado da eleição foi o seguinte:
- Para Deputado Federal: Dr. Honorato José Alves – 355 votos.
-Dr. Agenor de Senna – 149 votos
- Camillo Philinto Prates – 59 votos
- Dr. Augusto Maia Caldeira Brant – 52 votos
- Dr. Elpídio Martins Cannabrava – 36 votos
- Dr. Auto Sá – 33 votos
- Dr. Nelson Coelho de Limma – 31 votos
- Dr. Clemente Soares de Faria – 5 votos
Para Senador:
- Dr. Olegário Dias Maciel – 141 votos
- Dr. Francisco Antonio de Salles – 42 votos
Para Presidente e vice presidente:
- Dr. Getúlio Dornelles Vargas – 141 votos
- Dr. Julio Prestes de Albuquerque – 43 votos

Para Vice Presidente:
- Dr. João Pessoa Cavalcante de Albuquerque – 140 votos
- Dr. Victal Henrique Baptista Soares – 44 votos

Deixaram de comparecer 306 eleitores.

Essa ata foi assinada pelas seguintes pessoas:

- Philomeno Ribeiro dos Santos (Presidente)
- Pedro Augusto Velloso (Mesário)
- José da Silva Braga (Secretario)

Emancipação – Livro 1-E (10-12-1936 a 27-12-1955)
- Na capa está escrito – Livro E-1 Emancipação
- Na fls. Nº 1 encontra-se o termo de abertura.

TERMO DE ABERTURA

“Servirá este livro, para nelle serem lançadas as emmancipações, interdições e ausências, que occorrerem neste distrito. Contém o mesmo cem (100) folhas, todas por mim rubricadas, tendo concordado em que fosse aberto o presente, que não contém o número de folhas regulamentar, por absolutas falta de outro no momento. Montes Claros, 10 de dezembro de 1936. (a.a) Olympio Dias de Abreu – Juiz de Paz em exercício.

- Na folha Nº 1 encontra-se a primeira emancipação, e, o primeiro emancipado foi “Geraldo Rabello”, filho de Antonio Virgulino Rabello e Theonilha Eponina Rabello.

O registro foi assinado pelo oficial José Dinis Maia e pelo outorgado emancipado, Geraldo Rabello.

- Nas folhas 100-V, encontra-se o termo de encerramento.

TERMO DE ENCERRAMENTO

Contém o presente livro, cem folhas, todas por mim rubricadas com a rubrica “O Abreu” que uso, e que serviu para o fim constante do termo de abertura. Montes Claros, 10 de dezembro de 1936. (a.a) Olympio Dias de Abreu – Juiz de Paz em exercício.

- Nas folhas 4 foi lavrada a 1ª interdição. O interditado foi o Sr. José Cardoso de Moura, cuja interdição foi requerida pelo seu genro, Benício Barbosa Braga. O registro foi feito aos 12/10/1939, foi transcrito e assinado pelo oficial Benjamin Versiani dos Anjos e pela advogada: Maria de Lourdes Pimenta.

- Nas folhas 100-V, encontra-se o termo de encerramento.

TERMO DE ENCERRAMENTO

Contém o presente livro, cem folhas, todas por mim rubricadas com a rubrica “O Abreu” que uso, e que serviu para o fim constante do termo de abertura. Montes Claros, 10 de dezembro de 1936. (a.a) Olympio Dias de Abreu – Juiz de Paz em exercício.

Livro 1-C (de 15/01/1931 a 16/01/1932)

Na capa está escrito: “Registro de Óbitos” – Livro 1-C

- Na 1ª folha, sem numeração, está o termo de abertura nos seguintes dizeres:

TERMO DE ABERTURA

“ Este Livro de cem folhas, numeradas a mão, é o número um C, do Cartório de Paz, destinado aos registros de óbitos, suas folhas vão todas rubricadas por mim com a rubrica Upra de que uso como Juiz de Paz em exercício e leva no fim do termo de encerramento. Montes Claros, 15 de janeiro de 1931 (a.a) Ulysses Pereira

- O primeiro registro, feito aos 15/01/1931, foi de Eulina Elvia Guimarães, filha de Ezequias Serafim Teixeira Guimarães e Luisa Dias de Castro. A causa da morte foi “UREMIA”, conforme foi atestada pelo Dr. Antonio Teixeira de Carvalho.

O último registro feito nesse livro foi de “João Damião”. Teve como causa da morte “ARTEROSCLEROSE, LESÃO CARDÍACA MITRAL”, conforme atestado do Dr. João José Alves. Nessa mesma página encontra-se o termo de encerramento. Com os seguintes
dizeres:

TERMO DE ENCERRAMENTO

Este livro de cem folhas, todas por mim rubricadas com a rubrica Upra, é o nº 1-C, se destinando ao fim declarado no termo de abertura. Montes Claros, 15 de janeiro de 1931 (a.a) Ulysses Pereira

O Escrivão da época era: José da Silva Braga.

- Nas folhas 11 encontra-se o registro de óbito de “Luísa Antoniana Chaves e Prates, filha de Antonio Gonçalves Chaves e Maria Florência da Assumpção. Viúva do Cel. José Rodrigues Prates, tendo deixado os seguintes filhos: Luiza Maria Prates Costa, Jose Rodrigues Prates Junior, Luis Milton Prates, Euzébio Castellar Prates e Judith Prates. Quem declarou o óbito foi seu neto, Joaquim José da Costa Junior.

A causa da morte foi “INSUFICIENCIA CARDIACA”, atestada pelo Dr. Levy Queiroga Lafetá.

- O registro feito às fls. 33-V, foi lançado e assinado pelo escrivão Ad-Hoc, Firmino Velloso.

Obs: 54% dos registros desse livro foram feitos à vista de atestado médico, constando assim, o nome correto da doença; e 46% (106 registros) tiveram como causa da morte, “SEM ASSISTENCIA MÉDICA”. Os médicos que assinaram os referidos

atestados, foram: Dr. Antonio Teixeira de Carvalho, Dr. Marciano Alves Mauricio, Dr. João José Alves, Dr. Plínio Ribeiro, Dr. Alfeu Gonçalves de Quadros, Dr. Humberto Cabral, Dr. Antonio Pimenta, Dr. João Ferreira Machado, Dr. Levy de Queiroga Lafetá.

- Muitos atestados foram assinados pelo Senhor J. Cunha, então, Secretário do Posto de Saúde Pública, desta cidade.

- O médico que mais assinou atestado foi o Dr. João José Alves.

- Curiosamente notamos que, nesse livro, nenhuma “causa morte” nos causou espanto, pois, foram na sua maioria, declaradas por médicos.

Anotamos algumas: Uremia, syphilis, nephrite aguda, carcinoma gástrico, insuficiência mitral, lesão mitral.

FORAM OFICIAIS DO REGISTRO CIVIL, AS SEGUINTES PESSOAS:

1º - José Mamede Evangelista Júnior (03/01/1889 e 19/08/1892)
2º - Manoel José da Silva Pereira (08/09/1892) no livro Nº 1 de casa mentos, ele começou no dia 19/09/1892 a 02/09/1894. Voltou em 12/10/1894.
3º - Antonio Gregório de Almeida Durães, (11/09/1894 a 24/09/1894), como Escrivão substituto. Voltou em 02/12/1894 a 25/01/1895.
4º - Álvaro José de Lima (05/02/1895 a 02/12/1896)
5º - Manoel José da Silva Pereira volta ao cargo em 09/12/1896 a 12/10/1908.
6º - Ezequiel José da Silva Pereira (Escrivão interino) (18/10/1908 a 31/12/1909).
7º - Servelino Ribeiro da Silva (11/02/1910 a 28/02/1910)
8º - José da Silva Braga (03/04/1910 a 16/08/1924)
9º - José Prates (Oficial interino 06/10/1924 – somente um dia)
10º - José da Silva Braga – Retornou ao cargo no dia 15/10/1924 a 10/04/1926.
11º - Asclepíades Alcântara Fernandes. Escrivão ad-hoc (16/04/1926).
12º - José da Silva Braga, retornou aos (17/04/1926 a 03/07/1935).
13º - Cândido Simões Canella (Oficial interino) (090/7/1935 a 15/08/1935).
14º - José da Silva Braga, retorna aos 17/08/1935 a 22/08/1935).
15º - Cândido Simões Canella, retorna como interino, aos 14/09/1935 a 28/10/1935.
16º - José Diniz Maia (iterino) de 08/11/1935 a 02/01/1936.
17º - José da Silva Braga, retorna aos 03/01/1936 a 08/01/1936.
18º - José Diniz Maia, retorna aos 11/01/1936 a 24/01/1936.
19º - Jônathas Gonçalves de Oliveira (Oficial interino) 25/01/1936 a 24/02/1936.
20º - José Diniz Maia, retorna aos 28/02/1936 a 12/08/1936.
21º - Jônathas Gonçalves de Oliveira (ad-hoc) 20/08/1936 a 27/11/1936.
22º - José Diniz Maia, retorna em 01/12/1936 a 19/02/1937.
23º - Maria Alice Diniz Maia (substituta) 20/02/1937 a 20/04/1937. 1ª mulher a assumir o cartório.
24º - José Diniz Maia, volta aos 21/04/1937 a 30/06/1937.
25º - Lucrécio de Oliveira Reis (substituto) de 01/07/1937 a 31/08/1937.
26º - José Diniz Maia, retorna em 01/09/1937 a 09/02/1939.
27º - Pedro Spyer Rabello (substituto) aos 10/02/1939 a 24/05/1939.
28º - José Diniz retorna em 25/05/1939 a 21/06/1939.
29º - Benjamin Versiani dos Anjos (Oficial interino) de 23/06/1939 a 05/09/1969. Obs.: Faleceu como Oficial do Registro Civil.
30º - Terezinha Vasconcelos Rodrigues. Assumiu o Cartório.
31º - Maria de Lourdes Chaves “Lola”. Primeira concursada a assumir cargo de Oficial do Registro Civil. Tomou posse aos 25/10/1971. Está exercendo a função até Deus sabe quando. Foi nomeada pelo Exmo. Governador Rondon Pacheco, publicada no Minas Gerais aos 16/10/1971.

EXERCERAM A FUNÇÃO DE JUIZ DE PAZ DESTA SERVENTIA:

1 – Major João Antonio Ferreira Durães
2 – João Fernandes de Oliveira
3 – Domingos José Souto
4 – Capitão Silvio Teixeira de Carvalho
5 – Elizeu Cândido Rodrigues Valle
6 – Capitão Joaquim Soares da Costa
7 – Rodolpho Cãndido de Sousa
8 – Francisco Guedes Soares
9 – Francisco Peres de Souza
10 – Francisco Bento Nogueira Góes
11- Capitão Manoel José da Silva Dodô
12 – Francisco Augusto Velloso
13 – Christino Thiago Xavier do Ó
14 – João Augusto de Andrade
15 – Joaquim Sarmento Sobrinho
16 – Honor Sarmento
17 – Joaquim Ferreira dos Santos
18 – Álvaro José de Lima
19 – Sergio Alves Pereira
20 – Tertuliano Ribeiro dos Santos
21 – Augusto Dias de Abreu
22 – Olegário Augusto da Silveira
23 – Capitão Antonio Lucrecio de Oliveira
24 – Capitão José Rodrigues Prates Junior
25 – Antonio Versiani dos Anjos
26 – Ulysses Pereira da Silva Leal
27 – Pedro Augusto T. Guimarães
28 – Luiz Antonio Pires
29 – Benedicto Pereira Gomes
30 – Olympio Dias de Abreu
31 – Carlos Leite
32 – João Nobre de Oliveira
33 – Miguel Braga
34 – Etelvino Teixeira de Carvalho
35 – Sebastião Sobreira de Carvalho
36 – Vicente Ruas Sobrinho
37 – Canuto Nunes de Quadros
38 – José Joaquim Pereira De
39 – Pedro Alves Ferreira Paulino
40 – Joel Horizontino Lopes
41 – Pedro Prates Guimarães
42 – Vicente Ruas Sobrinho
43 – Argentino Rodrigues Rocha
44 – Jason de Souza Lima Pereira
45 – Argemiro Correa Machado
46 – Antonio Alves Paulino
47 – Pedro Xavier Mendonça
48 – Malaquias Pimenta
49 – Amândio Jose de Carvalho
50 – Tobias Leal Tupinambá
51 – Daniel de Carvalho Guimarães
52 – José Linhares Frota Machado
53 – Manoel Lima Almeida
54 – Felinto José Pereira
55 – Pedro Júlio Mota
56 – Nivaldo Maciel Araújo
57 – Raimundo Lopes da Silva
58 – Alfredo Neto Cardoso de Souza
59 – Carolino Alves Vieira (suplente)
60 – Valdevino Didi Pereira de Souza de 15/01/1985 até os dias de hoje.
62 – Cassimiro Gusmão (suplente)

__________________________________________
Meus agradecimentos à Suboficiala, Lígia de Figueiredo Chaves e Oliveira, pelas pesquisas feitas nos arquivos do Ofício de Registro Civil, desta Comarca. Agradeço à escrevente substituta, Aline Maria Chaves de Oliveira e Araújo, pela digitação destas pesquisas. Agradeço à Sra. Maria Eliza Rodrigues, pelo trabalho de transportar os livros
para as pesquisas.


Termo de Abertura do Livro de Emancipações de 10 de dezembro de 1936


Termo de Encerramento do Livro de Emancipações
de 10 de dezembro de 1936


Livro de Registro de Nascimento - Data: 08 de novembro de 1888


Livro de Registro de Óbito - Data: 08 de novembro de 1888


Registro de nascimento de
Eulina Elvia Guimarães no
dia 15 de janeiro de 1931


AUGUSTE DE SAINT-HILAIRE

Um francês, professor do Museu de História Natural de Paris a documentar nossa história.

Marta Verônica Vasconcelos Leite
Cadeira nº l7
Patrono: Auguste de Saint-Hilaire

Escolhi Auguste de Saint-Hilaire como meu patrono para o Instituto Histórico e Geográfico de Montes Claros1 pelo encantamento e respeito que tenho por seres humanos que como ele, deixaram o conforto de seu país em pleno século XIX para pesquisar e documentar esse imenso e até então desconhecido país. Mais do que isso, Saint-Hilaire nos visitou e deixou uma documentação impressionante do que era o Norte de Minas, os que aqui habitavam, sua cultura agropecuária, fauna, flora e tudo mais que sua percepção de naturalista-escritor foi capaz de observar.

Saint-Hilaire nasceu em Orleans, na França, dez anos antes da Revolução Francesa e permaneceu no Brasil entre 1816 e 1822. Visitou Goiás, São Paulo, Rio Grande do Sul, Espírito Santo e Minas Gerais, percorrendo 15.000 quilômetros no total. (GOMES, 2007) Professor de Botânica do Museu de História Natural de Paris, Saint-Hilaire embarcou para o Brasil depois da abertura dos Portos por Dom João VI. Veio na companhia do Duque de Luxemburgo, nomeado embaixador da França junto à Corte do Rio de Janeiro em 1816.

Por onde viajou no Brasil, Saint-Hilaire coletou cerca de 30.000 exemplares de 7.000 espécies dos três reinos da natureza para estudos futuros. Viajando em lombo de burro pelas Estradas Reais, registrou intensas vivências e impressões do contato com a terra virgem e seus habitantes, impressões essas nem sempre favoráveis ao modo de vida de portugueses, negros e indígenas. Para os olhos de um francês acadêmico, os costumes locais eram por demais “morosos”, o que ele acreditava ter como causa as altas temperaturas do sertão.

Saint-Hilaire percorreu toda a Província de Minas Gerais. Chegando à Vila do Príncipe do Serro Frio, hoje cidade do Serro, ele assim a descreveu:

Vila do Príncipe é a capital da Comarca de Serro do Frio, que se divide em dois termos, o do Serro Frio propriamente dito, e o de Minas Novas. Basta dizer que o principal magistrado da comarca e os funcionários do governo residem nessa Vila. É ainda a sede de uma paróquia que tem trinta léguas de comprimento, e compreende onze sucursais e uma população de cerca de trinta mil almas; é necessário refletir que o Tijuco está aí incluído, e essa Vila é a mais importante da Província depois de Vila Rica.
(Saint-Hilaire, 2000, p. 141)

Pela descrição acima percebe-se que o escritor, mais do que um ótimo botânico, também se tornou um dos primeiros historiadores a registrar importantes dados sobre a imensa região norte mineira e Vale do Jequitinhonha. Completam a descrição gráficos e quadros estatísticos.

Na obra Viagem pelas Províncias do Rio de Janeiro e Minas Gerais, reeditada no ano 2000 pela Editora Itatiaia, percebese a enorme sensibilidade do autor ao tentar explicar como tantos europeus aqui se fixaram a princípio na região das minas, depois adentrando o sertão, deixando-nos entre outras coisas os sobrenomes do velho continente:

Meus hospedeiros eram dois homens pobres que não possuíam escravos e se tinham associado para explorar a fazenda de Luís da Mota, cujas terras são excelentes. Um deles correra mundo; nascera no Porto; tinha estado em Angola e provavelmente terminaria seus dias nessas matas. Uma coisa bastante curiosa é que, guardada as proporções, encontrei na região muito maior quantidade de europeus do que até então vira. (idem, p. 175)

Essas notas foram escritas sobre o Serro e arredores, pois viajando de Inconfidência (Coração de Jesus) a Contendas (Brasília de Minas) ele nos relata ter encontrado poucos homens brancos. O autor analisa que os brancos encontrados na região estiveram vagando pelo país e com a facilidade em conseguir terras no sertão, fixando-se ao solo, renunciando a ambiciosos projetos e perigosas aventuras. Aqui se tornaram cidadãos úteis, começando assim histórias tão comuns entre nós.

Saint-Hilarie, a respeito da hospitalidade sertaneja, diz ter sido recebido sempre com atenção por onde andou, todos lhe ofereciam os melhores talheres e louças, cama com lençóis e colchas limpas. Mesmo os mais pobres sempre procuravam uma forma de serem gentis, como os hospedeiros que lhe serviram “uma espécie de xarope (melaço) de cana, de cor vermelho dourado que misturavam no prato com farinha de milho ou mandioca cozida, formando uma pasta de sabor bastante agradável” (p. 176), costume dos que viviam em áreas distante de tudo.

Em outra passagem, já em Capelinha: “A primeira pessoa a quem perguntamos onde poderíamos encontrar abrigo ofereceu-nos hospitalidade com a maior franqueza.” (p.206)

Em alguns momentos os relatos do botânico chegam ao romantismo ao descrever cenas e lugares:

Vi numa grande árvore um bando numeroso de araras. Aquelas de penas verdes ou azuis e vermelhas, confundiam-se com a cor das folhas; de longe a árvore parecia coberta de pedaços de veludo da mais bela cor. As araras aproximaram-se mais, e tive o prazer de contemplar essas aves com suas graças naturais e as ricas cores de que são ornadas. (p.173)

Em outra passagem pelas estradas rumo ao norte da província de Minas, ele registrou:

A lua iluminava tanto, que sua claridade bastou-me para escrever o diário. À grande distância avistara, sobre o cume do morro, o fogo que se ateava a alguns carrascos, e que produziam um efeito admirável; e, mais ao longe ainda descobria uma claridade fraca, minhas cobertas e a capa, estendidas sobre os matos, serviram-me de leito. (p. 305)

Quando descreve suas impressões sobre o Rio Jequitinhonha é possível imaginar uma tela de belos matizes:

A vista que se descortina é encantadora. Diante do edifício corre o Jequitinhonha, cuja largura é considerável. Durante o tempo de chuvas esse rio tem leito cheio, e rola com majestade; mas, por ocasião de minha viagem, rochedos elevam-se aqui e ali do meio das águas e formam ilhas. À margem esquerda aparecem colinas e montanhas cobertas de matas. (p. 247)

Em suas andanças pelo sertão, Saint-Hilaire foi descrevendo com minúcias tudo o que aqui encontrou, como: índios botocudos e Mochacalis e seus costumes, a caça e a pesca: os negros com suas plantações de milho e algodão e a forma como fiavam; os engenhos de açúcar; os poucos pomares que encontrou e que comparou com jardins europeus; a descrição de fazeres como: o queijo, a manteiga, os doces e a aguardente.

No capítulo XXX, a descrição do termo “sertão” é de tamanha clareza e precisão que deveria fazer dessa obra leitura obrigatória a todos que habitam essa imensa região:

O sertão compreende, nas Minas, a bacia do São Francisco e dos seus afluentes, e se estende até a cadeia que continua a Serra da Mantiqueira até os limites ocidentais da Província. Essa imensa região constitui assim cerca da metade da Província da Minas, e se estende aproximadamente, desde os 13º até os 21º de latitude, mas não se deve pensar que o sertão se restrinja à Província de Minas Gerais; prolonga-se pela Bahia e Pernambuco, Província de Goiás, pela qual se continua. (idem, p.307)

O autor ainda comenta que os que falam do sertão garantem que ele se assemelha a um jardim, comparação que para ele chega a ser mesmo proverbial. No entanto, admite que efetivamente essa região possa ter o aspecto que lhe atribuem quando os
relvados estejam perfeitamente verdes e as árvores e os arbustos tão numerosos, tão variados, fiquem cobertos de flores vistosas.

O viajante, porém, esteve por esses caminhos em tempo de seca e por isso se queixa do aspecto monótono, das longas distâncias a percorrer e do calor difícil de suportar para quem viajava no lombo de um burro já há bastante tempo.

Saindo de Bonfim (Bocaiúva) e dirigindo-se a Formigas (Montes Claros), Saint-Hilaire dormiu ao ar livre, porque em treze léguas não avistou nem habitações nem lavouras, mas pela estrada encontrou várias tropas de burros carregados de couros e salitre. Também teve dificuldade em encontrar água potável, pois a que encontrou tinha gosto salobro e desagradável.

Viajando com tantas dificuldades é de se imaginar que a chegada nas vilas como Formigas fosse sempre uma alegria, porém por onde passou havia recebido as piores informações sobre os habitantes desse local. Por isso ao entrar na vila imediatamente
seu arrieiro informou que Saint-Hilaire viajava com passaporte do Rei, isso para protegê-lo. Passado esse primeiro momento, o viajante observa que não achou nada de particular nos habitantes de Formigas e que fora recebido por um jovem que lhe encheu de gentilezas, presenteando-lhe com uma bengala feita de uma madeira belíssima que chamaram Pereira.

Achei-me em Formigas no primeiro domingo do mês (3 de agosto de 1817). A povoação de Formiga sucursal da Paróquia de Itacambira, está situada à entrada de uma planície, a quatro jornadas de Vila de Fanado (Minas Novas), a cinqüenta léguas de Tijuco (Diamantina) e a mais de duzentas da Bahia e do Rio de Janeiro. Um dos dois ramais da estrada de Tijuco a Bahia passa por Formigas. Essa povoação, que pode compreender atualmente (1817) duzentas casas, e mais de oitocentas almas, é certamente uma das mais belas que vi na Província de Minas. (idem, p. 327)

Percebe-se que, passada a primeira impressão Saint-Hilaire conseguiu realizar seu trabalho com tranqüilidade, deixandonos uma descrição completa do que viria a ser a cidade de Montes Claros, que desde aquela época já exercia grande influência na região e além dela:

...Formigas é um dos pontos principais da parte oriental do sertão, e faz-se aí um comércio importante de gado, salitre, couro e peles. O gado bovino e os cavalos vendem-se para a Bahia; o salitre vai para o Rio de Janeiro e para Vila Rica, e finalmente, parte do couro se consome em Formigas e outra para envia para Minas Novas... O centro desse comércio é atualmente Santa Luzia, perto de Sabará, donde se fazem remessas para o Rio de Janeiro.(Saint-Hilaire, 2000, p 326)

Explicando um pouco mais como eram realizadas as transações comercias naquela época ele documentou:

Os artigos de fabricação européia, os vinhos, etc, que se vendem em Formigas para consumo local e de parte do sertão, vêm principalmente da Bahia, porque é a praça que fornece maior quantidade de mercadorias. Importam-se também vários objetos europeus do Rio de Janeiro, em troca do salitre, e de Santa Luzia, lugar de entreposto, em troca de peles. (idem, p. 327)

É digno de nota que o texto de Saint-Hilaire em muitas passagens confirma a existência das chamadas estradas reais no norte da Província de Minas Gerais.

Há referências de vários postos de registros e locais de vigilância da Coroa Portuguesa, que serviam não só para fiscalizar o contrabando de ouro e diamantes que por aqui passavam em direção aos portos de Bahia, mas também para cobrança de impostos do intenso comércio registrado pelo notável francês.

Nos relatos acima, fica claro que a Estrada Real do Tijuco à Bahia passava por Formigas. Mais precisamente, a estrada atravessava o centro do largo da Matriz de Nossa Senhora e São José, aliás a descrição da Matriz e da festa em homenagem a Nossa Senhora da Conceição que o autor assistiu logo no dia de sua chegada à vila confirma a longevidade desses ritos e desfaz a impressão de Formigas como um local perigoso. O autor documentou:

Em Formigas assisti a uma procissão que como em todas as igrejas de Província de Minas, se faz nesse dia (3 de agosto) em honra da Virgem... Durante a procissão cantou-se, segundo o costume, o pater e dez aves em português; após cada ave soava-se uma pequena sineta; os fiéis paravam, ajoelhavam-se e entoava-se um glória patri igualmente em português. A procissão fez circuito na praça e recolheu-se em seguida como de costume e celebrouse uma missa ordinária. (SAINT-HILAIRE, 2000, p.327)

Assim era Formigas vista por Saint-Hilaire. Passados quase dois séculos, sua obra ainda muito nos auxilia na tarefa de construir a memória dos primórdios do sertão norte-mineiro.

Além da obra Viagem pelas Províncias de Rio de Janeiro e Minas Gerais que serviu de referência para esse artigo, também indicamos as outras oito obras que completam a saga de Saint-Hilaire por esse país. As obras impressionam pela qualidade do texto, científico e encantador, revelando um escritor original, que enfrentou intempéries, maus caminhos e grandes perigos como as febres, águas contaminadas e animais selvagens, para enfim voltar já idoso ao seu país e poder dar esta grandiosa contribuição à ciência que o tornou imortal. Como bem escreveu Vivaldi Moreira3 (1975) Saint-Hilaire fez um mapa vivo de nosso passado.


Auguste de Saint-Hilaire

_______________________________
Legendas
[1] Instituto Histórico e Geográfico de Montes Claros, casa de Simeão Ribeiro
tem por finalidade a promoção de estudos e a difusão de conhecimentos de
história, geografia e ciências afins, do município de Montes Claros e da região
Norte de Minas, assim como o fomento da cultura, a defesa e a conservação
do patrimônio histórico, artístico e cultural.
[2] Denominava-se Estradas Reis os caminhos controlados pela Coroa Portuguesa
com postos de registros para cobrança de impostos.
[3] Vivalde Moreira em texto de apresentação do livro Viagem às nascentes do
rio São Francisco. Belo Horizonte: Itatiaia, 1975.

_______________________________
Referências Bibliográficas
GOMES, Laurentino. l808 A corte no Brasil. São Paulo: Planeta, 2007
PAULA, Hermes Augusto.De Padre Chaves a Padre DuDu. Belo Horizonte:
Lettera Maciel,l982.
SAINT-Hilaire, Auguste. Viagem pelas Províncias do Rio de Janeiro e Minas
Gerais. Belo Horizonte: Itatiaia, 2000.
SAINT-Hilaire, Auguste. Viagem as nascentes do Rio São Francisco. Belo Horizonte:
Itatiaia, 2000.
LEITE, Marta Verônica Vasconcelos (Org.). Coleção Sesquicentenária.montes
Claros: UNIMONTES, 2007


NO MURAL DE CYRO DOS ANJOS
A Menina Do Sobrado

Miriam Carvalho
Cadeira N. 88
Patrono: Plínio Ribeiro dos Santos

Esta breve leitura procura percorrer o universo de palavras de Cyro dos Anjos, buscando a imagem de um vasto mural exposto pelo autor, em A Menina Do Sobrado. Para esse exercício de leitura, recorremos ao crítico mexicano – Otávio Paz – autor da obra O Arco e a Lira, de onde se colhem referências ao conceito da palavra “imagem”
e suas implicações espaço-temporais, além de apelos a outros posicionamentos críticos, noções teóricas, por exemplo, as das formas simples, de JOLLES (1976), no que se refere aos provérbios e à memória. Em Otávio Paz (1982:119):

a palavra imagem possui, como todos os vocábulos, diferentes significações. Por exemplo, vulto, representação, como quando falamos de uma imagem ou escultura de Apolo ou da Virgem. Ou Figura real ou irreal que evocamos ou produzimos com a imaginação. Não são esses seus únicos significados nem os que aqui nos interessam. Convém advertir, pois, que designamos com a palavra imagem toda a forma verbal, frase ou conjunto de frases, enfim expressões verbais classificadas pela retórica. (...). A palavra imagem é a que também tomada como frase em sua pluralidade de significados, recolhendo e exaltando todos os valores das palavras sem excluir os significados primários e secundários.

No Dicionário de Termos Literários, MOISÉS (1984: 119), declara que:

a imagem no texto corresponde como uma fotografia que se formou na mente do escritor em contato com a realidade física. Constituiria, por assim dizer, o grau zero da visão: o ser das coisas que sensibilizaram o escritor equivale ao ser refletido na imagem (mental e textual) como diante de espelho.

Vale lembrar que, ao lado dessas noções, aqui consideramos a expressão “imagem/memória” em suas formas especificas de pensar uma realidade com seus feixes de sentido.

O teor imaginário da narrativa em estudo – A Menina do Sobrado – constitui de um tempo articulado por um discurso que traz as marcas da memória de uma infância, da adolescência e da mocidade, reveladas no “campo fabulístico de um mural” (op. cit. p.32). Nesse mural, a imagem que, seletivamente, foi escolhida pelo autor é a de “um menino guloso no fundo da minha memória” (p. 14). Ora, essa imagem pode desembocar em algo que a ultrapassa, principalmente, se considerarmos que ela resulta escandalosa na perspectiva PAZ (op. cit), porque desafia o princípio da contradição. O que é visto no mural de Cyro dos Anjos é o escondido no vasto mural de suas memórias. De alguma forma, isto contraria os fundamentos de um pensar lógico. Na imagem deste “vasto mural de essências lembranças” (p. 37), a verdade é colocada pelo avesso. A obstinação do autor de trazer, aos nossos olhos e aos seus, as cidades Santana do Rio Verde com seu sobrado, e Belo Horizonte, como presentificação de um tempo, revela que a imagem não pode, por ela mesma, aspirar à verdade total porque, nesse confronto passado/presente, o dizer o que é não se prende a tudo que é; e muitas vezes, acaba dizendo o que poderia ser. Porque a previsão de uma realidade artística pode ser a do “impossível verossímil” de ARISTÓTELES (apud PAZ. Op. cit:121), ainda que dados biográficos venham representar a expressão genuína de uma visão e de uma experiência do mundo.

Estes dois elementos – visão e experiência do mundo – estão inseridos no ato da escrita como forma de retenção ou retomada de imagens, conforme as lembranças do escritor (Op. cit: 236)”.

Guardo ainda, nos desvãos da memória, aqui, vagas lembranças, ali, menos que lembranças, apenas imagens, senão sensações em estado puro, fugidias, imprecisas que toda a via me trazem melhor que fatos ou episódios retidos, a genuína face daquele 1924, tão decisivo na minha história particular: avenidas ermas, afogadas no verde escuro dos fícus, ranger de bondes a grimparem o longo aclive da rua da Bahia; certa lagartixa esparramada no muro da república a insinuar-me que o calorzinho da tarde era fruir, (...) a agulha do gramofone presa, na ranhura a repetir sem parar, o mesmo fragmento Stabat Mater de Rossini.

Se o propósito do autor é mostrar como as memórias inoculam as imagens e como as imagens inoculam os sentidos das memórias, o autor não poderia mesmo deixar de instituir na narrativa o recorte de um espaço, rua da Bahia, pondo em evidência as notações sensoriais, a lembrança de objetos, o gramofone e até mesmo o ranger de bondes.

Outras histórias como a de Luiza Velha nos capítulos “O Coelho e a Onça” (pp.18-21) e “O Círculo das Fâmulas” (pp.22-25) orientam-se para descobrir a via memorialística, regida pela gama de mobilidade dos relatos variados, sabedoria expressa no vivido, casos concretos e perdidos no tempo, tudo isso com pormenores históricos, ligados freqüentemente a outras informações, como no fragmento (op. cit.: 18-9) a seguir:

Nesse tempo imemorial, uma voz preta e fatigada cantava:

João corta pau,
Maria mexe angu,
Tereza põe a mesa
para a festa do tatu

Retendo-me ao colo com uma das mãos, a velha usava
outra para embalar o berço da caçula, que logo adormecia, sob o
efeito do acalanto. (...). Sua idade ninguém sabia; supunha-se que
viera do fundo dos séculos, se lhe perguntavam, a respostas, pronta:
“Negro quanto pinta, tem três vezes trinta”. Noutras ocasiões
dizia que deixara de completar anos: havia a era.

A pergunta do autor sobre o que mais se destacaria no vasto mural de seus tempos tem como resposta a experiência da identificação com a realidade re-criada nas “imagens sôfregas” (p.33). Essa experiência expressa-se e comunica-se pela imagem de seus personagens como o Lucas, no capítulo “Lucas Desce aos Infernos” (pp. 54-8), “O filósofo Tatá” (pp.62-6), “As deidades” (pp.251-4) (mulheres quase voláteis, idolatradas pelos jovens de seu tempo, companheiros de república, colegas dos jornais, enfim grupos formados por jovens intelectuais que viviam em Belo Horizonte. Nesta cidade, o autor descobriu modos de pensar, de sentir e de rejeitar/aceitar, aceitar/rejeitar a nova moda estética: o futurismo e o modernismo, conforme se vê no capítulo “Entre o Passadismo e Futurismo” (pp.270-4): “Ao embate entre passadistas e modernistas assisti meio indiferente sem tomar partido” (p.272).

E, assim, esse conteúdo memorialístico desprende-se de uma visão de mundo sobre um acontecimento em marcha, recortado da história, endurecido, condensado e tomado forma, segundo JOLLES (op.cit). Memória como lugar onde tudo se concretiza; memórias que se relacionam ao mesmo acontecimento, e este que se desgarra do conjunto da história e vai se escalonando a uma ordem superior até cristalizar-se em pontos determinados: o acontecimento em movimento coagula-se e a língua apodera-se dele para dar-lhes forma literária. Estes conceitos que atravessam a obra A Intertextualidade das Formas Simples (MARINHEIRO: 1977), serviram para levantar questões sobre as formas encontradas em A Menina do Sobrado, tais como: histórias, provérbios e noções de memória.

Se nesta exposição fica evidente a noção da via memorialística, pela qual se tem o conceito de memória no sentido de acontecimento em marcha, recortado da história com seus pormenores, preenchendo a realidade, na percepção de JOLLES, é porque a manifestação dessas memórias emerge também do caráter ficcional da própria obra. Não se pretende delimitar fronteira entre campos tão próximos, como imagem de uma memória ou memórias de uma imagem, uma vez que ambas, com suas próprias diferenças, ajustam-se aos três tempos do seguinte processo: o mural, enquanto objeto representante da imagem, revela o momento atualizado de uma realidade, onde se expõe o visto. Em sua essência, e em sua qualidade (a palavra “vasto”), outro momento; e de seu choque, isto é, do objeto, e da qualidade surge a imagem: a nova realidade. A título de exemplificação, tomemos a imagem do menino no colégio em 1910, com quatro anos (ANJOS, op. cit: 36):

Volto agora ao colégio, para notar que ali já me encontrava em fins de 1910, aos quatro anos, segundo a data que se lê numa fotografia coletiva, tirada com as freiras. Mesclam-se as imagens em célere desfile: o casarão com o mirante, o pátio das árvores imensas, a cuja sombra, a gente buscava durante o recreio.

As referências a dados e datas informativos, tomados de uma fotografia e registrados na memória, detêm um conhecimento desse tempo, condensado e recortado de uma imagem, resultante da forma como ela foi visualizada no seu modo mimético de representação. Como fenômeno literário, a imagem da fotografia, configurada através da memória, comporta três elementos nucleares: o primeiro, o olhar do narrador sobre objeto de suas lembranças; o segundo, ele como receptor do que vê; o terceiro, como sujeito do relato, avaliando aquilo que cria e reconhecendo o visto no processo de aproximação e afastamento. Segundo PAZ (p.137), “é o ouvido que escuta, e a mão que escreve o que é ditado pela sua própria voz” , que viu e deu vida a uma imagem gravada no mural.

M. BOYD. (apud BARTUCCI,1966:23), afirma que: “Ver as coisas como realmente são é ver que elas não são... o que é dado não é a coisa, mas uma transformação ... da coisa na linguagem.”

BARTUCCI (Id. Ibidem) diz ainda que “Dar realidade ao mundo em que vivemos significa perder-se nas fronteiras entre a ficção e a realidade entre o sonho e o real.”

E esta realidade entre sonho e o real permite fracionar o universo das imagens dilatadas em lembranças que invadem em memórias. Em razão disso, o mundo e as coisas são vistos na forma de um mural, em que as “imagens sôfregas se acotovelam” (ANJOS, op. cit: 50). Para o autor é preciso “retomar o fio do pensamento, buscando as próprias fronteiras de minha memória, desvendando a derradeira camada, o último tempo ainda captável”
(Id: 18).

Vêm, então, os enunciados, com a força de uma reflexão, diluir os fatos e ação revelando o conteúdo íntimo de uma consciência memorialística. Coloquemos em destaque alguns deles:

“Se busco arrumar no tempo essas imagens, o que primeiro vejo é um imemorial passeio à Porteirinha (p.33)”.

“A memória é manhosa tenho de negacear. Primeiro reproduz o painel, assim como vem a mente, depois, investigo pormenores, procuro restituir a pintura primitiva, removendo as finas pinceladas com que, sobre ela, o tempo compôs outros quadros. Cenas fugazes, que antes haviam cintilado apenas – brinquedos no Largo de Cima, Ataualpa contando histórias (...). (p.13)”.

“Quero da memória apenas a essência das lembranças”. (p. 34)

“Vejo o universo da minha infância dilatar-se progressivamente em círculos concêntricos”. (p.37)

“Com o tempo e por experiência própria aprendi que essa melancolia incausada que nos rói de mansinho não vem das coisas de fora, nem mesmo das de dentro. Brota simplesmente do existir”. (p.34)

“A memória não guardou muita coisa desse imponente sarau (...)”. (p. 230)

“Que mofina memória dessa quadra”. (p. 52)

“(...) mundos que pareciam para sempre perdidos, vão, aos poucos emergindo a superfície da lembrança”. (p. 57)

“Imagens sem data, esculpido numa arcaica, ilocável no
tempo, soem aflorar à lembrança”. (p.33)


Pelos enunciados, o sentido do acontecimento em marcha (JOLLES: 1976) funciona com uma dicção confessional, colhida das “imagens que feriram a retina e o coração, que marcaram o corpo, que aguçaram o espírito. É o que se resgata, seletivamente, do esquecimento”. Aquilo que se retém do percurso, segundo CURY (1984), num ensaio intitulado “Mário de Andrade e A Memória de uma Geração” (pp. 105-11).

Também, podemos considerar esses enunciados como procedimentos técnicos narrativos, sob a ótica de SARAIVA (1990: 196), como sendo:

procedimentos que permitem flagrar a postura analítica do narrador, porque introduzem dados auto-referenciais ou reflexivos, quer dizer, elaboram menções do texto sobre si mesmo. Todavia, embora decorram da reflexão do narrador sobre o produto que realiza, tais procedimentos funcionam também como refletores, visto que sintetizam a narrativa sob a forma de resumos intertextuais, confrontam-se uns aos outros ou projetam no espaço textual representações encobertas.

Observemos uma passagem em ANJOS (op. cit: 270-1) na qual as discussões entre passadismo e modernismo revelam a memória invadindo a história, reciprocamente, sob um atestado de credibilidade provindo da abordagem estética:

“No estrela, como no norte mineiro as discussões pouco variavam, quase toda a noite eram repisadas. Sob os sarcasmos do Zeca já se vê. O hábito nos imunizara ao veneno do seu risinho, de resto amigável , senão medir sinal. Queríamos era papiar. Machado seria ou não maior do que Eça? Anatole valeria pelos dois, embolados, insistiu Ari, com brandura, em matéria de Anatole, eu fechava o bico. Supremo vexame: não degustara ainda aquele néctar, tão gabado por Dr. Cantídio nas conversas de Santana, quando, recém formado, ali chegara derramando novidades. Sobre Machado e Eça, tinham o meu aviso.Sem penetrar as razões de escolha, pendia, por instinto para o recente o ambíguo mestre de Dom Casmurro, mais fidedigno, em seus entretons, às contradições entra a alma, do que o rasgado o transbordante Eça, cuja as páginas todavia me fascinava pela graças e luminosidade. Newton, queirosiano radical, pouca simpatia mostrava a Machado, talvez por julga-lo do ângulo do sentimento. Em palavras menos
explícita, que procura interpretar, pretendia que, ao exibir o ridículo ou a vilania das criaturas, Eça não se mostrava cruel de índole. Percebia-se em sua obra uma generosidade subjacente que repontava sob a forma de comiseração e indignação. Machado, visceralmente mau, deleitar-se-ia como um sádico em produzir e dissecar seus vilões e papalvos [...]. Eu retrucava: naqueles tapinhas residia a finura do velho dizer não-dizendo. Instilar a dúvida deixar que o leitor decidisse. Newton não dava o braço a torcer. Jamais chegávamos a um acordo “.

Esse caráter metalingüístico do narrador, de A Menina do Sobrado, é exemplar quanto à seleção clássica de leituras feitas pelo autor. Puxando o fio do pensamento, conforme ele mesmo afirma, tendo, como suporte, QUEIRÓS e ASSIS, o texto, em seu
caráter significativo de auto-referencialidade, opera uma recordação criadora. Segundo MEYERHOFF (1976:56):

não a reprodução passiva das respostas habituais da memória. Pois construir uma obra de arte é construir o mundo da experiência e do eu. Desse modo, através do ato de recordação criadora, traduzindo no processo de criação artística, emerge um conceito do eu, exibindo características de unidade e continuidade que poderiam não ser atribuídas ao eu como determinadas pelas experiências imediatas. Experiências recordadas na tranqüilidade revelam uma qualidade que falta com freqüência no “ajuntamento” de dados que constitui um mundo da experiência imediata. [...].

Por isso, as memórias, muitas vezes, dão aparência de serem mais verdadeiras do que as experiências originais das quais elas se derivam. A passagem, a seguir, registra a instalação da luz elétrica na cidade e é um bom exemplo dessas experiências recordadas:

“Volto ao ano de 1917, registro o magno acontecimento que foi instalação de luz elétrica na cidade. Os postes para lampião – antiga lei da câmara mandara iluminar a cidade a azeite “por ser mais barato e mais patriótico” – foram substituídos por outros mais altos, e, em lugar da chama baça, que se deixava engolir pelas trevas da noite , viu-se 1uma luz fulgurante, que, fazendo as sombras recuarem, arrancou o poeta Vilobaldo esta lamentação fingida, pois, no íntimo, estava ébrio de orgulho: “já não se podem fazer serenatas. Maldito progresso”. ( ANJOS, op. cit.: 126)

A recordação desses eventos, isolados em seu conteúdo original – os postes mais altos, a luz fulgurante, o poeta Vilobaldo, serve para transmitir um sentido de individualidade. Esse universo efetivo, com suas qualidades específicas, é pista para a reconstrução de uma memória no mural construído por Cyro dos Anjos. Por exemplo, quando o menino olha a torre do relógio, o ato da recordação criadora não deixou de ser uma busca da reconstrução daquele tempo que se tornou marca mediadora entre o mundo da experiência e do eu entre a memória que serve para avaliar a imagem e a imagem que emerge de uma memória flagrada por uma postura analítica.

Pelas possibilidades evidentes, oferecidas por uma imagem flagrada no tempo, é que se tem uma figura como a da Tia Perpétua, ajustada àquela que vem das referências significativas contidas nos provérbios e atribuídos a sua linguagem. A Tia Perpétua, no capítulo assim nomeado (pp.39-42), é vista como uma mulher “emburrada, galega de procedência da gente dura dos Fróis que com sua rispidez, a sua secura, a sua franqueza, as suas birras, a sua sobranceria, enquadrava-se na melhor tradição da agreste estirpe de que provinha. Ao ouvir-lhe as duras sentenças, meu pai sorria, nelas reconhecendo a chancela avoenga” (p.41).

Selecionamos alguns provérbios atribuídos a ela:

“Tiveste filho? Andarás em sarilho”.
“Com criança não há boa andança”.
“Festa acabada, músicos a pé”.
“Onde meninos saltam, apoquentações não faltam”.
“O bom dorminhão dispensa colchão”.
“A quem te der uma pássara, dar-lhe sua asa”.
“Cale o que deu, e fale o que recebeu”.
“Dizem os sinos de Santo Antão, por dar, dão”.
“Não dar quem tem se não quem quer bem”.
“O bom andarim anda por ele por mim”.
“Melhor é bípede que velocípede”.
“A pirralhos melhor é palmatória do que oratória”.
“Quem é menino dá mimo é tolo supino”.

Uma leitura sobre o provérbio, por MARINHEIRO (op. cit), com base nas formas simples de JOLLES, mostra que: o enunciado do provérbio relaciona-se a um estado de fato, de maneira única e absoluta. Sua espécie é aquela da afirmação, é apodítica e não discursiva: a espécie afirmativa é a única que permite à experiência exprimir-se. Para Jolles, a locução proverbial e provérbios são diferentes, embora procedam da mesma disposição mental: a locução é de origem individual, literária (“tempestade em copo d’água”, de Montesquieu) e o provérbio é de origem popular.

Os provérbios, na “boca de Tia Perpétua”, configuram uma visão de mundo que reforça o paralelismo de situações e de circunstância ajustados às convenções sociais e educacionais de um pequeno burgo – Santana do Rio Verde. Os enunciados dos provérbios, no mundo da infância, trazem em si uma imagem categórica e se relacionam a um estado de fato. Como elemento referenciador entre a criança e o adulto exibe uma verdade gene ralizada, contendo lampejo de uma outra, pressentida de longa data, verdade esta retocada por ter sido anunciada entre vivências e sensações.

O narrador, ao se defrontar com o universo das “tradições avoengas”, rememora a figura de Tia Perpétua, evidenciando uma verdade que pôde ser construída pelo já vivido. Esta, por sua vez, incide sobre a personagem uma imagem que é conferida pelo sentido peculiar dos provérbios, pelo sentido de uma linguagem. Segundo JOLLES (op. cit: 29), “cada vez que a linguagem toma parte de uma tal forma, todas as vezes que ela intervém nesta forma para relacioná-la a uma ordem ou mudar sua ordem e remodelá-la, nós podemos falar de Formas Literárias, nelas, a linguagem é sólida, particular e única”.

Daí dizer que os provérbios, conferidos à modalidade de formas, ganham um sentido. Este sentido não só fundamenta uma linguagem como a da Tia Perpétua como também transcende os limites de sua linguagem. Pensando em PAZ (op. cit.), as coisas possuiriam um sentido.

Em A Menina do Sobrado (p.4), imagens figurativas aparecem representadas por objetos, tais como: o relógio, a mesa do pereiro branco e o sobrado, dentre outros. Estes presentificam um tempo dotado de direção, e medido pelas coisas lembradas, cabendo à imagem/memória decifrá-los inteiramente.

Em torno da mesa de pereiro branco, larga e comprida, cabiam os quatorze filhos e os parentes que se criavam na casa (...). O pai fazia questão de transmitir ao clã o que achara proveitoso nos livros mandados vir [...] do Rio. Lia pausado, sem se preocupar com nossa ansiedade”.

Já o objeto – o relógio de pêndulo – é marca de neutralidade, pois tanto serve para anunciar os tempos da infância como outros momentos, indistintamente, direcionando épocas em que se sobrepõem “essências/lembranças”. Objeto magnético, lugar de lembranças de forças contrárias, empurradas pelo tempo que fluiu, sem se deter, como se observa no fragmento:

Casa, móveis, tudo foi a leilão. Inclusive a grande mesa de pereiro branco, a que se assentava toda a prole, nos antigos dias. Um parente arrematou o velho relógio de pêndulo, que devolvido ao pai, hoje dá as horas na casa do filho, em Copacabana, depois de tê-la soado em Belo Horizonte e em Brasília. Agora, meio caduco, às vezes bate doze pancadas em vez de onze, ou onze em vez de dez. O timbre é o mesmo da minha infância”. (p.353)

Finalmente, o sobrado. Sob o olhar que apreende o objeto de sua sedução – a menina do sobrado – a escrita do memorialista é alimentada de imagens que caminham ao imaginário como se trafegassem por entre a representação do que foi seduzido pelo olhar e as emanações provocadas por essa sedução. Toma-se conhecimento dessa imagem através do desejo revivido no campo das relações pessoais. A menina encontra-se no trem em viagem a Santana do Rio Verde. Desde o primeiro instante, naquela imagem do desejo nunca mais se apagou dos olhos do memorialista. Vejamos:

“O trem cortava o tabuleiro, e o sol, nascendo, punha dourados na capela antiga no esmaecido azul da serra de Diamantina. Mas o que vi, e nunca esqueci, foi outro dourado, o dos cabelos dela, também de ouro velho, também de capela antiga, e de imagens da virgem [...] e um raio de sol horizontal metendo-se pela fresta da janela, veio dourar-lhe a face. A carinha sarapintada de sardas, os olhos travessos, o sorriso de covinhas, um alumbramento!” (p. 370)

O desejo surge, na percepção do memorialista convertido num corpo de notações visuais e imagens: o dourado dos cabelos – de ouro velho comparado com a capela antiga e as imagens da virgem.

Segundo os conceitos trabalhados por CHAUÍ (1990: 22), a palavra “desejo” deriva-se: Deriva-se do verbo “desidero” que, por sua vez, deriva-se do substantivo sidus ( mais usado no plural, sidera) significando a figura formada por um conjunto de estrelas, isto é constelações. Porque se diz dos astros, sidera é empregado como palavra de louvor – o alto – e, na teologia astral ou astrologia, é usado para indicar a influência dos astros sobre o destino humano, donde sideratus, siderado: atingido ou fulminado por um astro. De sidera, vem considerare – examinar com cuidado, respeito e veneração.

Se a imagem do desejo abarcou o sentido de um desiderium – (que é o desejo ou o apetite de possuir alguma coisa cuja lembrança foi conservada ou então “é aquele que se recorda de uma coisa com que se deleitou” (p.23) e deseja possuí-la nas mesmas circunstâncias em que na primeira vez com ela se deleitou), é porque há uma relação estreita entre o que é visto e o sentido sustentado pela memória da imagem. O objeto, o sobrado é observado e examinado com cuidado. Nele a imagem da menina é recriada como cifra de uma temporalidade, aberta ao sentido de um desiderium. Recordando PAZ, “o sentido é o nexo entre o nome e aquilo que nomeamos” (p. 136).

Assim é percebida A Menina do Sobrado, escrita que passa a ser examinada pelo olhar da memória, e que, segundo ANJOS (op. cit.: 382), seriam “Memórias finas que são pura delícia.
Finas, penetrantes, umas, suculentas, copiosas, outras. Não tentes imitá-las”. Mas aparecem também encobertas e descobertas pelos laços do desejo que vêm do “alto” de um sobrado. Alto como o astro sol ou um raio de sol horizontal, trazendo a sua influência, marcando o destino de um homem/siderado; atingido, no horizonte de seus sonhos, por uma menina/astro, a ponto de sentir-se esponsalício como uma laranjeira cheia de flores.

O memorialista examina a menina num estado de “alumbramento” (p.370), seduzido pelos dois objetos que são desenhados no mural: Eu e Tu, eu escrevo, ela tece; Ela tece, e eu escrevo. E nós, leitores, que somos esse outro em suas imagens, desejamos o seu desejo: A Menina do Sobrado.

____________________________
BIBLIOGRAFIA
ANJOS, Cyro. A Menina do Sobrado. Rio de Janeiro: José Olímpio, Brasília: INL, 1979.
BARTUCCI, Giovanna. Borges: a Realidade da Construção – Literatura e Psicanálise.
Rio de Janeiro: Imago, 1996.
CHAUÍ, Marilena. . Laços do Desejo. In: O Desejo. São Paulo: Schwarcz, 1990. pp. 19 - 66.
CURY, Maria Zilda Ferreira. Mário de Andrade e a Memória de uma Geração. In: FIGUEIREDO, Maria do Carmo Lanna. LOPES, Ruth Silviano Brandão (orgs.).O Eixo e a Roda. Belo Horizonte: FALE/UFMG, 1984. (pp. 113 – 123). JOLLES, André. Formas Simples. Trad. Álvaro Cabral. São Paulo: Cultrix, 1976.
MARINHEIRO, Elizabeth. A intertextualidade das formas simples. Rio de Janeiro, 1977.
MAYERHOFF, Hans. O Tempo na Literatura. Trad. Myriam Capello. Rio de Janeiro, 1976.
MOISÉS, Massaud. Dicionário de Termos Literários. São Paulo: Cultrix, 1984.
PAZ, Octavio. O Arco e a Lira. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1982.
SARAIVA, Juracy Asmann. O Circuito das Memórias: Narrativas Autobiográficas Romanescas de Machado de Assis. Porto Alegre: PUCRS, 1990.


ALGUMAS LEMBRANÇAS DA MINHA
MONTES CLAROS

Palmyra Santos Oliveira
Cadeira Nº64
Patrono: José Gomes de Oliveira

Já beirando os 90 anos, volta e meia recebo lampejos de uma época distante, quando eu era menina e adolescente na minha querida Montes Claros.

Sem preocupação com a forma, vou deslindando os fatos conforme me vêm à memória.

A intenção é deixar registro dessas lembranças de uma era bucólica, em que conhecíamos praticamente todos os habitantes do lugar.

Como meu pai era comerciante, falarei das minhas recordações sobre essa atividade, na Montes Claros do início do século passado.

Antigamente, o centro comercial da cidade era nos arredores do antigo mercado municipal, onde é hoje o Shopping Popular.

Eu era pequena (6 a 7 anos) e circulava livremente pela Rua Bocaiúva (atual Rua Dr. Santos) levando chá para o meu pai, Manoel Gomes de Oliveira, que era negociante de secos e molhados em uma das vendas do mercado.


Foto tirade da torre do velho Mercado Municipal, vendo-se ao fundo a construção
do Edifício Pedro Montes Claros (Foto: acervo Itamaury Teles)

Os outros negociantes do mercado eram: Zé Boi, Aureliano Zuba, João Cabreiro, Izidro Gonçalves Pereira, Epifânio, Zezé Guimarães, Artur Amorim, etc. Os “negociantes” lojistas eram: Manoel Higino, Chico Peres, Cocó, Deraldo Calixto de Carvalho, Bendito Gomes, Sr. Ramos, Sr. Herculano Trindade, Zé Alves, Sr. Dé Pereira, Antônio Paulino, Sr. Jorge Santos e sua esposa D. Julieta, etc; Donato Quintino (loteria), Betinho, Joaquim de Pretinha, João de Pretinha, Edígio Prates, Helvécio, Sr. Tito dos Anjos, Sr. Nuno Pereira, João Felix etc.

Havia três farmácias: a do Dr. Plínio Ribeiro, a do Sr. Mário Veloso e a do Sr. Fróis Neto. Anos depois, o Sr. Juca de Chichico abriu a quarta farmácia. Não havia sapatarias. Os calçados, escassos, eram vendidos nas lojas de tecidos e armarinhos. O primeiro sapateiro foi o Sr. Potito Vilani, italiano, pai de minhas amigas e vizinhas Rosinha e Florentina. Depois vieram outros: Sr. Genésio Dumont, Penalva, Iôiô – que lançou a moda das sandálias “flageladas”. Muitos anos depois chegaram de Garanhuns,
Estado de Pernambuco, o Sr. Tiago e Zé da Eclética (José de Souza Zumba). A Eclética já vendia bons calçados, de excelentes marcas. Havia a ourivesaria onde o Zé Chalub trabalhava, a alfaiataria do Sr. Cecílio Barbosa e a alfaiataria Montes Claros, do Sr. Custódio Pinheiro onde minha amiga Dinha Amorim era recepcionista e o Vicente Vargas, de Figeira do Rio Doce (atual Governador Valadares), Dásio, Dely e Milton Andrade – irmãos de Haydê – minha amiga, todos trabalhavam lá, inclusive o outro Milton, irmão de minha amiga Rita, uma moça muito bonita que encantou o Nescésio Morais.

Ela se casou com o Amaurílio e foi-se embora. Nunca mais a vi.


Casas comerciais na Praça do velho Mercado Municipal, vendo-se ao fundo
a Rua XV e a torre da ZYD-7 (Foto: acervo Itamaury Teles)

Havia também algumas vendas espalhadas pela cidade. Na praça Cel. Ribeiro, a do meu tio Ulisses Pereira e a do meu Tio Tião (Sebastião Gonçalves de Oliveira) e, na Rua Mangabeira, as do meu Tio Cula, do Sr. Hermínio e do Sr. João Guimarães e, bem perto, na Rua Januária, a do Arestides. Eram essas as casas comerciais que conheci.

Naquele tempo, só havia um caminhão, do Sr. Castro, e um “Ford Bigode”, do meu pai, que o havia adquirido de D. Carlota, viúva que o comprara para passear pelas ruas de Montes Claros, porque tinha cravos nos pés, que a impediam de andar muito e ela queria ver o progresso de sua terra.

O CINE-THEATRO MONTES CLAROS

Ocorre-me contar agora o motivo pelo qual meu pai comprou o único cinema da cidade. Penso que foi em 1926. O meu irmão José Gomes de Oliveira, na época com uns 10 anos, foi barrado na porta do cine Montes Claros por ser, então, menor de idade. Chegou em casa muito triste, contou ao meu pai, Manoel Gomes de Oliveira, o ocorrido e este prometeu comprar o cinema. Convidou o meu padrinho Aristides Lucrécio de Oliveira para ser seu sócio e ambos compraram o cinema. A firma chamava-se “Gomes e Lucrécio”.

A primeira noite foi de graça para todos e eu, com mais ou menos 6 anos, fui também. Ao final, vi meu pai fechando as portas e perguntei se ele era empregado de lá. Disse-me que era o dono.

Na ocasião, o cinema era mudo e havia pessoas que tocavam os instrumentos: o piano era com Dulce Sarmento, o violão com Asclepíades Pinto, o bandolim tocado por Ducho.


Meus pais, Manoel Gomes Oliveira e Laura Pereira dos Santos, meus irmãos,
José Gomes e Osvaldo Gomes e eu, aos dois anos de idade, em nossa casa,
na Praça Cel. Ribeiro (Álbum de família)


O antigo prédio do Cine-Theatro Montes Claros. (Reprodução do livro “Album
de Montes Claros”, de Urbino Vianna)


Meu pai, Manoel Gomes de Oliveira.

Nas cenas de tiroteio, lembro-me que tocavam depressa e nas cenas românticas, lentamente. O filme do qual ainda me lembro o nome é “O sol da meia-noite”, com Laura Laplante (não sei a grafia) – o mocinho da época era Tomix (idem). Sei também que o meu irmão saía com Evandro Câmara, nosso vizinho, para distribuir os “porogramas” como eles falavam. Lembro-me também que certa noite, no cinema, distribuíram brindes, caixas de pó de arroz “Reny”.

Dentro havia surpresas: brincos, anéis e catitos (bonequinhos de celulóide). Então, fui para casa com o meu anel. Dormi. Sonhei que eu havia ganho uma caixinha que, ao abrir, vi um catito e quando peguei... decepção. Minha mãe me acordou. “Ô mãe, por que a senhora me acordou? Eu queria pegar meu catito primeiro”. Ela me disse: “Mira, foi só um sonho!” Então, Dasdores, esposa do Cocó, que era comerciante, deu-me um catito de massa com o qual brinquei muito.

O meu padrinho Aristides Lucrécio que era primo do meu pai, faleceu de repente e a parte dele foi adquirida pelo Sr. João Ferreira Paculdino. A firma passou a chamar-se: “Gomes e Ferreira”. Depois, meu pai queria mudar-se para Presidente Bernardes – SP onde morava o seu primo Joãozinho do Sr. Crisauto e vendeu sua parte para a então viúva do seu ex-sócio e a firma deles passou a ser conhecida por “Viúva Paculdino e Filhos.”


O TELEGRAMA

Paulo Costa
Cadeira Nº83
Patrono: Newton Caetano d’Angelis

O sol queimava a Praça da Matriz, que se chamava, àquela época, Largo-de-Baixo. Já era março e o calor no começo da tarde parecia querer espremer e esmagar as pessoas. A praça estava deserta. No seu lado inferior, salientava-se um casarão colonial onde funcionavam os “Correios e Telégrafos”. Pouca gente. Correios e Telégrafos sempre apareciam juntos, mas funcionavam, ao contrário, sempre separados. Os Correios com o agente postal e seus estafetas, que cuidavam de entregar as correspondências e conduzir as malas postais para as comunidades vizinhas, o que era feito a pé ou a cavalo; e o telégrafo, com seu telegrafista, um mensageiro e três guarda-fios.

Passara já do meio dia. O silêncio era total e convidava mais para uma soneca do que para labutar com parca correspondência.

O telegrafista fechou a linha para Tremedal e, pontualmente, ligou o morse, dando início ao horário das 14 horas, deixando que a fita fosse recebendo os sinais. Sentou-se pachorrentamente noutra mesa com visíveis sinais de preguiça, mantendo, todavia, os ouvidos atentos ao tim tim tim do aparelho. Estava quase cochilando quando, de repente, ouviu a sucessão de sinais que formavam as palavras de uma notícia dolorosa. De um salto, correu para o morse, apanhou o formulário e começou a verter os sinais para a linguagem comum de telegrama, mal esperando que a fita se desenrolasse completamente. Depois fechou a folha, grampeou-a e foi levar, pessoalmente, ao destinatário, deixando o mensageiro perplexo, sem entender o que se passava na repartição. Afinal, em seu pouco tempo de serviço, como mensageiro
do telégrafo, nunca vira o chefe entregar uma mensagem, não sabendo que a importância da notícia e a pessoa do destinatário bem justificavam aquele cuidado.

O Coronel Edmundo Blum era uma figura imperturbável. Nada abalava sua tranqüilidade, salvo, obviamente, os lances mais emocionantes de sua maior paixão, a política. Era, por ocasião dos fatos aqui narrados, presidente da Câmara de Vereadores e, como tal, pelo Regimento das Câmaras Municipais, então em vigor, cabia-lhe desempenhar o papel de Chefe do Executivo Municipal, o cargo mais importante da administração dos municípios, correspondente, hoje, ao cargo de prefeito. Fora ele deputado à Assembléia Legislativa por quatro legislaturas e, como representante do distrito eleitoral, com sede em Rio Pardo, era muito estimado e respeitado pelo povo.

Quando o telegrafista surgiu no lado inferior do Largo-de-Cima, rumando em direção ao sobrado onde residia o Coronel, este percebeu logo que havia algo anormal, algum fato, alguma novidade... O passo apressado do telegrafista o denunciava e informava que, com toda certeza, trazia alguma mensagem importante.

O Coronel aguardou impassível, caminhando de uma extremidade a outra do passeio. Era costume colocar algumas cadeiras na calçada em frente ao sobrado, aonde vinham cavaquear todas as tardes os amigos envoltos em longas discussões. Entretanto, conforme certificara o coronel, a sombra da tarde em frente ao prédio ainda não convidava à colocação dos assentos. Caminhava, pois, para lá e para cá, na sombra estreita projetada pelo beiral, quando o telegrafista, com respeitoso mas apressado cumprimento, entregou-lhe a mensagem.

O Coronel abriu o telegrama calmamente. Leu-o e releu-o sem dizer nada. O funcionário aguardava qualquer reação, porém conhecia o Chefe do Executivo muito bem. Continuou esperando. Afinal, o Presidente da Câmara nem lhe dera, ainda, recibo da mensagem, o que justificava a espera sem se fazer passar por abelhudo.

O Coronel deu mais uma ou duas voltas na calçada e disse simplesmente:

- Uma perda irreparável!

E repetiu:

- Uma perda irreparável!

O telegrafista tomou ares de decepcionado, mas concordou, repetindo, em tom mais baixo, como que demonstrando sua solidariedade na dor do Coronel:

- De fato, uma perda irreparável!

Depois, despediu-se respeitosamente e saiu, desculpando-se por precisar voltar para completar o horário das duas e desligar o morse, dando linha para Tremedal, se houvesse solicitação.

O Coronel continuou caminhando no passeio, com as mãos nas costas, segurando a mensagem, meditativo. De súbito, como quem decidiu por uma determinada idéia, conferiu a hora no relógio de bolso dependurado por imensa corrente de ouro atracada num botão do colete, seguiu a passos firmes mas graves, rumo ao Sobradão, na extremidade norte da praça, onde funcionava o fórum da comarca, servindo também de residência do Juiz de Direito. Era uma construção sólida, majestosa, de amplas dependências. Na parte superior, três cômodos davam para a sala. Um servia de escritório, outro de biblioteca, outro de arquivo, onde se guardavam autos processuais e montanhas de publicações, especialmente o “Minas Gerais” e algum número avulso do Osservatore Romano, gentileza do padre Horácio Giraldi. A sala, enorme, clareada por três janelas grandes, altas, como se fossem portas, protegidas até meia-altura por gradil de ferro fundido, com molduras, e que abriam a vista para o vale do Rio Preto, se juntando com o Rio Pardo, lá em baixo, servia de sala de audiência. Das janelas se via, perfeitamente, em toda sua extensão, a pontegrande atravessando o Rio Preto e prosseguindo pela baixada. Fora construído o edifício pelo Coronel José Trancoso, de São João do Paraíso, nos últimos anos do século 19, por ocasião de sua designação para as honoráveis funções de Coronel Comandante da Guarda Nacional.

Ninguém recebia patente alguma sem sua assinatura em conjunto com o Ministro da Guerra e o Presidente da República, na vastíssima área sob sua jurisdição.

Ninguém na sala de audiências, exceto o juiz e um oficial de justiça. O visitante subiu as escadas e entrou para o salão. Não era raro ele aparecer por lá, de modo que não causou estranheza ao juiz aquela presença inesperada do Presidente do Conselho.

Não demorou a entrar no assunto que o levara à presença do juiz.

- Dr. Cantídio, - disse na voz metálica que emitia quando queria introduzir um discurso – trago-lhe má notícia!

Repetiu, estridente:

- Má notícia!

Ato contínuo, passou a folha do telegrama ao juiz e aguardou, sem se assentar. O Dr. Cantídio recebeu o telegrama, tirou os óculos para ler melhor, como costumava fazer. Leu e releu, emocionado. Exclamou, como com um nó na garganta:

- Uma grande perda! Uma grande perda!

Sem perder tempo, chamou, com energia, o oficial de justiça e ordenou:

- Vá, às pressas, dizer ao dr. Coutinho que faça a gentileza de comparecer, às 4:30 horas à sala de audiências.

Mandou, ainda, ao oficial Boaventura, que além do Promotor de Justiça, dr. Alfredo Coutinho, convidasse, também, o Delegado de Polícia, o Juiz de Paz, o Inspetor Escolar, o Avaliador Judicial, o Vigário Paroquial, Pe. Horácio Giraldi, o Pastor Presbiteriano, dr. Alexander, o compadre Alfredo Costa... estavam todos convidados para uma audiência especial designada para as 4:30 da tarde.

Meia hora antes já estavam começando a chegar as pessoas que haviam sido convidadas, instigadas não só pela honra de serem convidadas para alguma solenidade mas, igualmente, pela curiosidade, uma vez que ainda não sabiam qual era, de fato, o motivo da audiência que deveria realizar-se em tão curto espaço de tempo. Dessa forma, acrescido por curiosos, formou-se um considerável grupo de pessoas, nas suas melhores indumentárias.

Pontualmente, às 16:30 horas, o juiz mandou ao oficial de justiça que fizesse o pregão da audiência. Boaventura tomou a sineta e tocou três vezes, enquanto apregoava, alto, bem distintamente: “Audiência especial de Sua Excelência o Meritíssimo Juiz de Direito da Comarca de Rio Pardo, dr. José Cantídio de Freitas, de leitura e publicação de telegrama”. Feito o pregão, o juiz deu por aberta a audiência, esclarecendo, em breve alocução, que era dever cívico das sociedades civilizadas registrar em atas de audiências e inscrever em livros próprios, como forma de propiciar a construção da história, todos os fatos notórios, os acontecimentos relevantes, os feitos gloriosos dos heróis, o reconhecimento público dos benfeitores, as descobertas científicas, os prodígios dos santos, da mesma forma como cumpre repudiar e execrar-se, publicamente, tudo que for contrário às leis e aos bons costumes, e encerrou, inquirindo, pateticamente, de como não seria pobre a cultura ocidental sem as inscrições e os registros dos romanos. “Imagine”, - acrescentou – .Imagine o cristianismo sem os Atos dos Apóstolos”; imagine a descoberta do Brasil sem a carta de Pero Vaz de Caminha!”

O salão explodiu em “palmas”, acompanhadas de gritos de “muito bem”, “muito bem”. Acrescentou, em seguida, que desejava registrar em ata para constar para a posteridade um fato extremamente doloroso. Fez-se uma pausa. A ansiedade parecia aumentar com o silêncio que reinava no ambiente.

Ninguém ousava respirar, os olhos pregados no juiz, envergando, impecavelmente, um fraque preto, salientando a alvura do colarinho de pontas engomadas e levantadas. Nesse momento, sacou o telegrama do bolso do colete, tirou os óculos e leu, solene e pausadamente:

“ Belo Horizonte, 2 de março de 1923, 10 horas. Ao Coronel Edmundo Blum, digníssimo presidente da Câmara Municipal de Rio Pardo. Comunico Vossa Excelência falecimento senador Rui Barbosa ocorrido ontem vg em Petrópolis pt. Decretei luto oficial por 3 dias
pt. Peço divulgar infausta notícia vg promovendo reuniões cívicas em escolas e Câmara Municipal pt. Saudações republicanas pt. Fernando de Melo Viana vg Governador do Estado pt”


Discurso acadêmico

O ESTREITO CAMINHO DE UMA ACADEMIA

Petrônio Braz
Cadeira Nº18
Patrono: Basiliano Braz

Não foi sem ausência de obstáculos, que necessariamente existem, que a convite da escritora Amelina Chaves apresentei-me como candidato a uma Cadeira na Academia Montesclarense de Letras. O voto aprovador dos acadêmicos, amigos uns, conhecidos outros, todos grandes no campo das letras, permitiu-me transpor os umbrais da Casa de Yvonne Silveira.

Observa Fábio Lucas, da Academia Mineira de Letras, que “a Academia não é mais o caminho necessário de quem deseje cumprir a vocação e o destino de escritor. Minha formação espiritual, ideológica, consolidou em mim a convicção de que o homem das letras deve participar. Ninguém é o senhor de um destino quando procura as comodidades ilusórias do isolamento”.

Não desejo o isolamento, mas a participação, daí porque resolvi, como devem fazer todos os amantes das letras em nossa região, passar pelo estreito e disputado caminho da Academia Montesclarense de Letras.

Sabe-se que o nome Academia teve origem na escola fundada por Platão, na Grécia clássica, que funcionava nos jardins da residência, que havia pertencido a Academus. Sabe-se, também, que ao contrário da Escola de Isócrates, onde o conhecimento se reduzia ao repassar do saber, na Escola de Platão, em presença da dialética socrática, os seus freqüentadores iam ao encontro do conhecimento pelo questionamento, pela busca do esclarecimento, criando novos saberes, que geravam novas discussões. Dentro desse posicionamento, quando o Ocidente se debruçou sobre a cultura grega, teve origem na França, em 1620, a Académie de France, fundada por iniciativa do Cardeal Richelieu. Em 1897 é criada, no Brasil, a Academia Brasileira de Letras e, na sua esteira, inúmeras Academias foram sendo criadas pelo interior do País, nascendo, em 1909, a Academia Mineira de Letras.

Em 13 de setembro de 1966, uma plêiade de personalidades ilustres, intelectuais iluminados, que navegavam pelas águas claras e transparentes da literatura, entre eles Alfredo Vianna de Góes, Antônio Augusto Veloso, José Raimundo Neto, Padre Joaquim Cesário, Geraldo Avelar, João Valle Maurício, Hermes de Paula, Maria Ribeiro Pires, Orlando Ferreira Lima, Heloisa Neto Castro, Francisco José Pereira, Avay Miranda, fundaram e instalaram em Montes Claros a Academia Montesclarense de Letras, importante sodalício norte-mineiro, que conta com quarenta membros, a exemplo da Academia francesa.

Os fundadores da Academia Montesclarense de Letras, em um ato de fé, firmaram disposições iniciais vinculadas ao propósito de fixar neste Norte um espaço voltado para a intelectualidade. Por esta razão, senhoras e senhores Acadêmicos, preocupa- me a aculturada visão do ser humano civilizado de nossos tempos com os bens materiais, em detrimento da busca racional do conhecimento de tudo que se encontra ao seu redor.

Eça de Queirós em “Prefácio dos «Azulejos» do Conde de Arnoso” sentenciou: “A arte é tudo - todo o resto é nada. Só um livro é capaz de fazer a eternidade de um povo. Leónidas ou Péricles não bastariam para que a velha Grécia ainda vivesse, nova e radiosa, nos nossos espíritos: foi-lhe preciso ter Aristófanes e Ésquilo. Tudo é efémero e oco nas sociedades - sobretudo o que nelas mais nos deslumbra. Podes-me tu dizer quem foram, no tempo de Shakespeare, os grandes banqueiros e as formosas mulheres? Onde estão os sacos de ouro deles e o rolar do seu luxo? Onde estão os olhos claros delas? Onde estão as rosas de York que floriram então? Mas Shakespeare está realmente tão vivo como quando, no estreito tablado do Globe, ele dependurava a lanterna que devia ser a Lua, triste e amorosamente invocada, alumiando o jardim dos Capuletos. Está vivo de uma vida melhor, porque o seu espírito fulge com um sereno e contínuo esplendor, sem que o perturbem mais as humilhantes misérias da carne!”

Sócrates, na defesa apresentada em seu julgamento, afirmou que “enquanto tiver um sopro de vida, enquanto me restar um pouco de energia, não deixarei de filosofar e de vos advertir e aconselhar, a qualquer de vós que eu encontre. Dir-vos-ei, segundo o meu costume: Meu caro amigo, és ateniense, natural de uma cidade que é a maior e a mais afamada pela sabedoria e pelo poder, e não te envergonhas de só cuidares de riquezas e dos meios de as aumentares o mais que puderes, de só pensares em glória e honras, sem a mínima preocupação com o que há em ti de racional? E, se algum de vós me replicar que com tudo isso se preocupa, não o largarei imediatamente, não irei logo embora, mas interrogá-lo-ei, analisarei e refutarei as suas opiniões e, se chegar à conclusão de que não possui a virtude, embora o afirme, censurá-lo-ei de ter em tão pouca conta as coisas mais preciosas e prezar tanto as mais desprezíveis”.

Porque buscava a razão, a verdade de todas as coisas, a Academia de Platão foi fechada, novecentos anos depois de sua fundação, pelo imperador bizantino Justiniano I, por considerar que ela administrava ensinamentos pagãos.

Nos tempos atuais, as nossas escolas, as nossas faculdades, as nossas universidades, como ocorria com a Escola de Isócrates, reduzem os ensinamentos ao simples repassar do saber conhecido. Nelas não ocorre a perquirição, a busca de novos conhecimentos. Nossas escolas não chegam sequer a transmitir os conhecimentos existentes, pecam pela omissão construtiva de uma nova sociedade de homens. Não ensinam a pensar.

Na Era da Globalização, via Internet, as informações deixaram de ser um privilégio de poucos para se transformar em um direito de todos. Informar é hoje um direito universalizado e a comunicação está se individualizando através dos blogs e das redes sociais como Orkut, MySpace e Facebook. O computador transformou-se em uma importante ferramenta para estudantes e profissionais de todas as áreas. O e-mail está substituindo as cartas e o site está levando o estudante a desprezar os livros. Mas o computador não ensina a pensar.

É importante ser lembrado e ressaltado que a Academia de Platão não era apenas um grupo de membros de intelectualidade avançada. Ali ele não era o chefe, o sábio dos sábios, ao contrário, a Escola, como assim era chamada a Academia, era uma comunidade de iguais, de estudiosos, mesmo quando se tinha o grande mestre como o “primeiro entre iguais”. Nela os membros eram unidos pela amizade, por um forte vínculo afetivo e é isto o que ocorre, para felicidade nossa, com a Academia Montesclarense de Letras, onde a amizade une a todos pelo espírito, pelas virtudes e pelas idéias. Aqui, pelo que se observa, a igualdade leva à unidade, um corpo organizado que congrega os conhecimentos maiores da terra dos Figueiras.

Não preciso dizer, por desnecessário, da grande satisfação de que me encontro possuído, de ingressar no quadro seleto de membro efetivo desta Casa do Conhecimento. Pesa sobre meus ombros o compromisso de ocupar a Cadeira nº 25, como sucessor de Geraldo Tito Silveira.

Curvo-me reverente ao falar de Geraldo Tito Silveira, não apenas do coronel, mas principalmente do literato. O coronel honrou a Polícia Militar mineira; o literato dignificou a aldeia montes-clarense com suas obras de repercussão nacional.

Declara o coronel Antônio de Pádua Falcão, em 1966, então Comandante Geral da Polícia Militar do Estado, que os ledores ocasionais dos livros de Geraldo Tito Silveira “com ele ficam impressionados ao primeiro contato, como no meio daqueles que se dedicam às pesquisas históricas da terra mineira”.

Lendo “Tocaia de Bugres” nos identificamos com os fatos ocorridos em 6 de fevereiro de 1930, na Praça Dr. João Alves, envolvendo a caravana do Dr. Fernando de Melo Viana e verificamos não serem verídicas as informações do envolvimento de D. Tiburtina como mandante do episódio.

Em “Memórias de Cláudia Prócula” o historiador montesclarense alça vôos nos campos da história universal para ir buscar as memórias da mulher de Pôncio Pilatos.

Nas páginas de “O Quarto Mosqueteiro”, que eu deveria ter lido antes de concluir o meu livro “Serrano de Pilão Arcado – A saga de Antônio Dó”, ele traça o perfil do coronel Otávio Campos do Amaral, que comandou uma das patrulhas que combateram Antônio Do, nas duas primeiras décadas do século passado.

Sem sombra de dúvidas o historiador Geraldo Tito Silveira, através de um trabalho sério de pesquisas, nos legou valiosa contribuição à história. A Cadeira nº 25, que ele dignificou e que tenho a honra de ocupar agora, tem como patrono o cônego Augusto Prudêncio da Silva, montes-clarense de nascimento. O cônego Augusto Prudêncio da Silva ingressou no Seminário de Diamantina aos 12 anos, tendo sido ordenado aos 25 anos, regressando a Montes Claros para substituir o vigário Antônio Augusto Alkimim. O mesmo prelado que tempos antes havia sido pároco na freguesia de São José das Pedras dos Angicos, hoje cidade de São Francisco.

Com a proclamação da República e a separação da Igreja do Estado, os padres passaram a atuar de forma ativa nas lides políticas e o padre Augusto Prudêncio da Silva não fugiu à regra, tanto que se elegeu presidente da Câmara Municipal da terra dos Figueiras, cargo que exerceu de 1901 a 1904. Ele ocupou por algum tempo a diretoria da Escola Normal de Montes Claros, mas já em 1904 era transferido para São Gonçalo do Brejo das Almas, então distrito de Montes Claros. Foi vigário de Coração de Jesus, mas retornou ao Brejo e ali exerceu atividades políticas. Foi amigo inseparável do coronel Jacinto Silveira.

Augusto Prudêncio da Silva e Geraldo Tito Silveira são imortais.

José Luís Lira em “Imortalidade Literária”, artigo publicado no jornal “O Povo”, lembra que a palavra imortal, de acordo com o lexicógrafo Aurélio Buarque de Holanda quer dizer “que não morre; eterno, imorredouro”. Ao ser humano tal hipótese é impossível, mas, às suas facetas, não. Afirma José Lira que “pode um homem morrer e as ações por ele empreendidas permanecerem. Por isso nos dizem imortais os que pertencemos a uma Academia de Letras. Nós todos morreremos um dia, mas, o que produzimos em termos literários permanecerá ou, pelo menos, nosso nome, pois, todas as vezes que houver sucessão nas cadeiras que ocupamos, seremos lembrados”.

Senhoras e Senhores Acadêmicos.

Senhoras e Senhores Convidados.

Mesmo sem explicações, eu quero enumerar sete razões para justificar a minha posse, hoje, na Academia Montesclarense de Letras: a amizade de Amelina Chaves, o respeito à cultura montes-clarense, a consideração pela presidente Yvonne Silveira, o respeito aos acadêmicos Wanderlino Arruda e Dário Teixeira Cotrim, a submissão à vontade manifesta da maioria dos ilustrados membros da Academia, a necessidade de aprender com os mestres que compõem o corpo efetivo desta Casa e minha vinculação afetiva à terra dos montes claros.

Por que sete razões? Não posso negar que tenho uma vocação mística pelo número sete. Mística por mera contemplação espiritual, sem me afastar dos objetivos maiores da razão. Sete é o número da preferência divina. Sete são os pecados capitais; sete são os dias da semana; sete são as maravilhas do mundo antigo; sete também são as maravilhas do mundo moderno; sete eram os sábios da Grécia; sete foram os dias da criação do mundo; sete foram as quedas de Jesus em seu caminhar para o Gólgota; foram sete as últimas palavras que Jesus proferiu na cruz do Calvário; são sete as notas musicais; sete são as cabeças da Hidra de Lerna; sete são as trombetas do Apocalipse; eram sete as vacas e sete as espigas de trigo do sonho do Faraó, desvendado por José do Egito; sete são os anões de Branca de Neve; sete são as cores do espectro solar; sete pessoas foram as únicas que se salvaram juntamente com Noé, das águas do Dilúvio; sete foram os pães que Jesus multiplicou; sete foram os anos, como nos lembra Camões, que Jacó teve que serviu a Labão pai de Raquel; sete são os palmos com que se mede a profundidade de nossas sepulturas e, por derradeiro, sete foram as pessoas salvas pelo transplante de órgãos da menina Eloá.

A Metafísica, quando procura definir o que é real, o que é natural, o que é sobrenatural; a Parapsicologia, quando analisa os fenômenos que há séculos intrigam a humanidade e a Metapsíquica, quando observa os fenômenos psicológicos, devido a forças que parecem inteligentes, ou a poderes desconhecidos, latentes na inteligência humana, analisam o que existe de subjetividade em nosso mundo objetivo. Alguma coisa existe de concreto na Numerologia, que nos foi trazida do Egito por Pitágoras.

Não temos sido capazes, desde o Iluminismo, de esclarecer a subjetividade presente na objetividade da razão e de explicar as relações existentes entre os números e a vida humana. Isto serve para que possamos reconhecer que o ser humano ainda é incapaz de conhecer a si mesmo. Com todos os conhecimentos científicos que julgamos possuir, ainda não conhecemos cinco por cento do Universo, assim como desconhecemos o nosso próprio cérebro. Todavia nos qualificamos como seres pensantes.

E, porque pensamos, somos seres humanos evoluídos ou criados, presentes nesta hora em que, na minha individualidade, sinto-me integrado a esse conjunto homogêneo de cultura, que é a Academia Montesclarense de Letras.

Prezadas amigas.

Prezados amigos.

Passo os olhos pelos presentes e orgulho-me dos amigos que aqui se encontram. Mas a minha satisfação se completa quando vislumbro entre os amigos meus filhos, netos e bisnetos. Eles, os filhos, os netos e os bisnetos, para me servir de um poema de Olyntho da Silveira, são “o Universo em mim, na pouca vida que me resta ainda”.

Muito obrigado.


CACHAÇA DE SALINAS: HISTÓRIA,
CULTURA E AGRONEGÓCIO

Roberto Carlos Morais Santiago
Cadeira N. 44
Patrono: Heloísa Veloso Anjos Sarmento

Anísio Santiago, Amorycana, Artista, Asa Branca, Baluarte, Bandarra, Beleza de Minas, Beija-Flor, Biquinha, Boazinha, Brinco de Prata, Brinco de Ouro, Cachoeira, Cana de Ouro, Canardente, Canarinha,Contendas, Cubana, Erva Doce, Estrela do Norte, Flor de Salinas, Fortaleza, Furadinha, Havana, Hanavilhana, Indaiazinha, Indiana, Java, Lua Cheia, Lua Nova, Meia Lua, Montana, Monte Alto, Nativa, Paladar, Peladinha, Piragibana, Preciosa, Pulusinha, Puricana, Sabiá, Sabor de Minas,Sabor de Salinas, Sabinosa, Saliboa, Salicana, Salimel, Salinas, Salineira, Salinense, Saliníssima, Salivana, Seleta, Serra Morena, Só Luar, Teixeirinha, Terra de Ouro, Valiosa

O agronegócio da cachaça desempenha importante papel na estruturação de milhares de propriedades rurais em Minas Gerais. Levantamento estatístico realizado pelo IBGE em 1985 identificou a existência de cerca de 8.500 alambiques no território mineiro. Regionalmente, os alambiques concentram-se principalmente nas mesorregiões Norte de Minas (30%), Jequitinhonha (18%) e Rio Doce (14%), economicamente carentes. As três mesorregiões possuem mais de 4 mil alambiques.

Salinas, principal município produtor de cachaça em Minas Gerais na atualidade, possui área geográfica atual de 1.891,33 quilômetros quadrados. Localiza-se na mesorregião Norte de Minas, na microrregião do Alto Rio Pardo. Pertence à bacia hidrográfica do rio Jequitinhonha. A sua população atual é de 38 mil habitantes (Censo 2008). Figura como um dos mais prósperos municípios da região norte-mineira e tem a sua economia baseada na agropecuária, comércio e produção de cachaça artesanal.

Na atividade econômica de produção de cachaça, possui cerca de trinta produtores registrados. A produção atual estimada é de cerca de cinco milhões de litros, sendo comercializada sob mais de cinqüenta marcas. Porém, estima-se que mais de uma centena de produtores não registrados (informais) produzem “pinga solta”, sem registro e rótulo.

A cachaça de Salinas é um produto tipicamente rural. Os alambiques espalhados no município estão localizados em propriedades rurais, utilizando-se a cana-de-açúcar por elas produzidas. O porte dos alambiques e o volume de produção estão limitados aos recursos disponíveis na propriedade rural. Pode-se afirmar que o modus operandi rural é a personalidade mais marcante da bebida produzida no município.

O aumento do consumo de cachaça artesanal no Brasil, ao longo dos últimos anos, tem provocado a expansão da produção e o surgimento de novas marcas no município. A principal característica da região de Salinas para a produção de cachaça é a uniformidade do solo e do clima semi-árido. O município apresenta baixo índice pluviométrico, com uma média anual em torno de 700 mm de chuvas. Costuma chover de novembro a março, época ideal para o plantio da cana-de-açúcar. No período da colheita, entre junho e novembro, as águas não são bem vindas.

O solo, o clima semi-árido, a utilização de variedades de cana-de-açúcar apropriadas, a utilização de fermento orgânico natural, a obsessiva higiene dos alambiques e a tradição dos produtores são fatores que vem fazendo diferença no processo de produção de cachaça artesanal em Salinas. Surgida na década de 1930, a principal variedade de cana utilizada no município é a java, que se adaptou muito bem ao solo e ao clima da região, embora outras variedades já estejam sendo implantadas com sucesso.

Segundo a consultora e extensionista salinense Patrícia Guimarães:

“O solo e o clima diferenciados respondem pela superioridade da cachaça de Salinas. As condições naturais favorecem para que tenhamos uma melhor fermentação. Além disso, existe aqui uma estabilização do brix (açúcar) da cana, devido ao clima semi-árido da região”.

A produção de cachaça artesanal no município iniciou-se no final do século XIX, seguindo os rastros da atividade pecuária. Os primeiros rebanhos bovinos de Salinas vieram da Bahia, por ocasião do povoamento da região, no século XVII.

Em 1876, fugindo da seca na região de Caculé, Bahia, o agricultor Balduíno Afonso dos Santos chegou à região e se instalou no atual distrito de Nova Matrona. Às margens do rio Serra Ginete, criou a Fazenda Santa Cruz. Ali ergueu uma casa de taipa de sopapo, construiu curral, casa de farinha e paióis. Mais: plantou mudas de cana-de-açúcar “caiana” que trouxera da Bahia. Passou a produzir cachaça para consumo próprio e de escravos, pois a bebida, naquela época, não tinha grande valor comercial.

No início do século XX, já havia alguma produção e comércio de cachaça no município. Na década de 1930, o fazendeiro João da Costa Fernandes trouxe da cidade mineira de Viçosa a variedade de cana “java”. Esta variedade se adaptou muito bem ao clima e solo e em pouco tempo se espalhou na região de Salinas. Alguns produtores obtinham renda extra com a venda para comerciantes locais, na sua maioria tropeiros que faziam
distribuição de produtos diversos pelas cidades e povoados da região. Mas não havia marca que identificasse a bebida. Toda a produção era comercializada em barris.

As boas perspectivas econômicas para o processo de fabricação de cachaça em Salinas tiveram início a partir da década de 1940, por meio do fazendeiro Anísio Santiago, que iniciou produção de cachaça artesanal na Fazenda Havana. Foi o primeiro produtor de cachaça de Salinas a identificar o seu produto através de uma marca: Havana.

Desde os primórdios da produção, a cachaça produzida por Anísio Santiago se destacou pela qualidade e por isso sempre teve boa demanda. A experiência positiva de Anísio Santiago propiciou o surgimento de novos produtores na década de 1950, que viam na atividade uma alternativa de renda viável. Iniciava-se em Salinas uma nova atividade econômica que iria mudar todo o panorama econômico do município: o agronegócio da cachaça.

Até meados da década de 1970, havia poucos marcas de destaque: a Havana, do produtor Anísio Santiago, a Indaiazinha, do produtor Valdete Romualdo, a Piragibana, do produtor Ney Corrêa, a Seleta, do produtor Miguelzinho de Almeida e Sabiá, do produtor Juca Marcolino, dentre outras. São marcas que ajudaram a construir a reputação de Salinas. Algumas marcas mudaram de mãos, como a Piragibana e a Seleta.

Historicamente, a marca Havana se firmou como referência para que outras marcas surgissem a partir da década de 1970, tais como: Asa Branca, Boazinha, Lua Cheia, Pulusinha, Salinense, Teixeirinha, dentre outras, todas seguindo a trilha deixada pelo pioneiro Anísio Santiago. Algumas dessas marcas não existem mais, enquanto outras ainda permanecem no mercado e se tornaram tradicionais.

Desde o surgimento da atividade de produção de cachaça até os tempos atuais, os produtores seguem todas as etapas do modo artesanal de produção, impondo uma lógica de produção peculiar no município, resistindo às mudanças tecnológicas que foram surgindo ao longo do tempo, alcançando um padrão de qualidade já reconhecido por consumidores em todo o país e no exterior. Pode-se afirmar que as marcas de cachaça de Salinas são as mais famosas do Brasil e possuem demanda cativa.

O aumento da produção verificado no últimos anos deve-se ao aumento da demanda pelo produto. A maioria dos produtores possuem estrutura de produção inferior a cinquenta mil litros por safra que é sazonal. Poucos produtores possuem grande escala de produção. Pode-se citar dois grandes produtores que, aliás, são os maiores do estado: o produtor Antônio Eustáquio Rodrigues, que comercializa as marcas Boazinha, Saliboa e Seleta. Outro grande produtor é Heleno Medrado Fernandes, que comercializa a marca Salinas.

O interessante é que, até meados da década de 1960, o município de Januária, localizado às margens do rio São Fancisco, foi o grande produtor regional da cachaça artesanal do Norte de Minas. Até então, a cachaça de Januária gozava de alto conceito entre os apreciadores em todo o país.

Verena Glass, em reportagem publicada no Jornal de Notícias, de Montes Claros, aborda com muita propriedade os motivos da decadência da qualidade da cachaça de Januária:

“O alto conceito que a cachaça de Januária gozava entre os apreciadores de aguardente em todo o país duraria até meados da década de 1960, quando a ganância, inerente ao lucro fácil, começou a corroer as estruturas do seu reinado. Duas são as versões que explicam o acontecido. Há os que afirmam que o sucesso econômico do produto acabou por estimular as falsificações, bebidas de terceira categoria que destruíram a boa imagem da legítima Januária. Já outros creditam a decadência às engarrafadoras mesmo, que, para aumentar o volume da produção, teriam começado a comprar cachaça industrializada de outros estados para misturá-la ao produto local. Tal adulteração, dizem, não só custou a credibilidade da cachaça de Januária, como desencadeou o processo de decadência que viria a fechar várias indústrias de engarrafamento, bem como dos centenários alambiques”. (Jornal de Notícias, Montes Claros, 24 out. 2004, pag. 7).

Com a lacuna deixada pelos produtores de Januária, o município de Salinas foi aos poucos despontando no mercado regional e nacional. Em 1985, a produção de cachaça era estimada em cerca de 200 mil litros. Quinze anos depois, em 2000, a produção saltou para cerca de um 1,5 milhão de litros. Na safra de 2007, estima-se que a produção atingiu 5 milhões de litros, segundo a Associação de Produtores de Cachaça de Salinas (Apacs).

O ICMS, imposto de competência estadual sobre circulação de mercadorias, é excelente instrumento para mensurar o nível da atividade econômica no município.

ARRECADAÇÃO DE ICMS PRODUÇÃO DE CACHAÇA
EM MINAS GERAIS E SALINAS
(VALORES CORRENTES EM R$)
Ano
MINAS GERAIS
SALINAS
REL. %
2007
R$ 2.283.684,31
R$ 1.042.286,78
45,64%
2006
R$ 1.494.687,37
R$ 693.638,12
46,41%
2005
R$ 1.242.512,91
R$ 196.526,96
15,82%
2004
R$ 1.173.933,26
R$ 100.885,99
8,59%
2003
R$ 836.601,67
R$ 81.393,76
9,73%
2002
R$ 759.278,91
R$ 81.940,55
10,79%
2001
R$ 624.053,19
R$ 72.869,01
11,68%
2000
R$ 635.220,70
R$ 45.687,42
7,19%
FONTE: INTRANET.FAZENDA.MG.GOV.BR/SIEF

Em 2000, a tabela acima demonstra que Salinas teve pequena participação na arrecadação de ICMS do setor com apenas 7,19%. Em 2005, a participação saltou para 15,82%. Nos últimos dois anos, 2006 e 2007, a participação atingiu 46,41% e 45,64%, respectivamente. Isso representa quase metade da arrecadação de ICMS no setor em todo o território mineiro.

Os dados acima são reveladores. Constatam que o agronegócio da cachaça no município já é uma realidade e já desponta como segunda atividade econômica, sendo superada apenas pelo comércio. Novamente, a arrecadação de ICMS confirma tal afirmativa. A tabela abaixo faz correlação do ICMS total arrecadado no município com o ICMS oriundo da cachaça.

ARRECADAÇÃO DE ICMS NO MUNICÍPIO DE SALINAS
(Valores correntes em R$)
Ano
ICMS TOTAL (1)
ICMS CACHAÇA
REL. %
2007
R$ 2.644.089,10
R$ 1.042.286,78
39,42%
2006
R$ 2.197.588,47
R$ 693.638,12
31,56%
2005
R$ 2.294.013,85
R$ 196.526,96
8,57%
2004
R$ 1.740.743,36
R$ 100.885,99
5,80%
2003
R$ 1.605.423,23
R$ 81.393,76
5,07%
2002
R$ 1.608.731,76
R$ 81.940,55
5,09%
2001
R$ 1.488.948,85
R$ 72.869,01
4,89%
2000
R$ 1.111.381,48
R$ 45.687,42
4,11%

Fonte: intranet.fazenda.mg.gov.br/sief
Nota: (1) ICMS principal, exceto multa, juros e dívida ativa.

Em 2000, o setor de cachaça contribuiu somente com 4,11% do ICMS arrecadado. Em 2006 e 2007, a contribuição do setor saltou para 31,56% e 39,42%, respectivamente, demonstrando espetacular salto no montante global de ICMS arrecadado. O fato evidencia que o setor produtivo de cachaça participa com mais de um terço de toda a cadeia econômia do município.

Salinas vem sendo dotada de estrutura produtiva que permite a expansão da cadeia produtiva sem contudo perder a qualidade do produto. Evidentemente que cada produtor estabelece o seu padrão de qualidade. De uma maneira geral, estão conscientes da necessidade de manter determinado padrão de qualidade.

Quanto menor a escala de produção, maior é a possibilidade de manter a qualidade. Que o digam as marcas Havana-Anísio Santiago, Canarinha, Indaiazinha, Salineira, dentre outras.

Antônio Eustáquio Rodrigues, maior produtor de Salinas e Minas Gerais, sob as marcas Boazinha, Saliboa e Seleta, diz que:

“Uma cachaça começa a ficar boa ainda na terra, onde a cana é cortada. Depois, é necessário muito cuidado com a fermentação e com o envelhecimento. Faço o que gosto e confio no produto que vendo. Além disso, tenho bons vendedores.”

Juventino de Queiroz, antigo produtor da marca Asa Branca, ratifica as palavras de Antônio Eustáquio Rodrigues, mas acrescenta um ingrediente a mais: a limpeza. Para ele “O alambique deve estar muito bem lavado, livre de impurezas”.

Já o tradicional produtor Anísio Santiago (1912-2002) sempre dizia que o segredo de uma boa cachaça está no “capricho e falta de usura. O envelhecimento é fator primordial para garantir a qualidade”.

Osvaldo Santiago, filho e atual sucessor de Anísio Santiago, diz que “O produtor que tem paciência e deixa a cachaça envelhecer consegue um produto diferenciado e com maior valor agregado no mercado”.

Independente da escala de produção individual de cada produtor, percebe-se o compromisso com a qualidade. Sabem que a cachaça produzida no município, para continuar sendo aceita no mercado, precisa ser diferenciada pelo fator qualidade, quesito indispensável nestes tempos de globalização em mercado extremamente competitivo que é o da cachaça. Somente no mercado mineiro existem cerca de novecentas marcas e mais de cinco mil no mercado brasileiro.

No agronegócio da cachaça existe a concorrência perfeita, uma vez que há um elevado número de marcas disponíveis para um elevado número de consumidores. Segundo o economista Sandroni (2000:119), “A concorrência perfeita é um modelo econômico da economia clássica em que há um grande equilíbrio entre oferta e demanda de um determinado produto”. No caso da cachaça, o consumidor pode facilmente substituir uma marca por outra em face do grande número de marcas disponíveis no mercado. Por isso, a manutenção da qualidade é vital para a permanência de determinada marca no mercado, sob pena de ser substituída pela concorrência pelo consumidor que está sempre atento a novos produtos.

O grande segredo da cachaça de Salinas está no aspecto geográfico (clima e solo) do município, na utilização de variedades de cana apropriadas (principalmente a java), na tradição e na disciplina dos produtores, cuja concepção de produção é ainda secular, que pouco mudou desde 1876, quando Balduíno Afonso dos Santos começou produzir rapadura e cachaça para o consumo próprio e dos escravos na região de Nova Matrona, distrito de Salinas.

O método de produção pouco mudou até hoje. É passado de geração para geração. A estrutura de produção é familiar, seguindo uma metodologia artesanal. Assim, a “resistência à mudança” é peça importante na lógica da produção da cachaça em Salinas, apesar de terem sido incorporadas novas tecnologias em benefício da estrutura da produção e da cadeia produtiva.

Outro aspecto positivo do processo produtivo da cachaça, segundo Oliveira e Ribeiro (2000:9-10), é:

“O destaque na ocupação da mão-de-obra. Esta importância é maior ainda quando se leva em conta que a atividade de alambicagem se dá num período em que os trabalhadores rurais encontram-se ociosos pelo fato de praticamente não existirem atividades nas lavouras, próprias ou de terceiros, dado o caráter de cultivo em sequeiro predominante no município. Normalmente o período de alambicagem vai de junho a novembro. Portanto, são seis meses durante o ano em que os alambiqueiros desempenham a importante função social na ocupação social.”

Com o lançamento do PRÓ-CACHAÇA, pelo governo mineiro em 1992, o setor produtivo de cachaça artesanal na região de Salinas ganhou grande impulso, surgindo novas marcas.

Em 2001, foi lançada em Salinas a primeira edição do Festival Mundial da Cachaça. O evento vem se afirmando como importante instrumento de marketing na divulgação do produto local no mercado interno e externo. Os objetivos principais do evento são: promover a expansão e a divulgação do agronegócio da cachaça artesanal de Salinas; consolidar a posição de Salinas como importante região produtora de cachaça no cenário nacional; criar painel de discussões sobre o agronegócio da cachaça artesanal.

O agronegócio da cachaça artesanal está transformando a estrutura da economia de Salinas e se firmando como importante pólo gerador de renda, emprego e divisas ao município.

Ao longo das últimas décadas adquiriu no mercado nacional e internacional status de bebida de qualidade. Os produtores de Salinas, conscientes da responsabilidade, não pensam em mudar a característica artesanal de produção. Pelo contrário, querem aprimorar o processo sem contudo perder as suas características originais.

Já existe movimento no sentido de criar em Salinas e nos municípios adjacentes (Fruta de Leite, Novorizonte, Rio Pardo de Minas, Rubelita, Santa Cruz de Salinas e Taiobeiras) o certificado de origem geográfica da cachaça artesanal de qualidade, a exemplo do que ocorre no norte da Escócia, onde existem as highlands (terras altas), responsáveis pela produção dos melhores uísques do mundo e no norte da França, na região de Champagne, produtora do melhor vinho do planeta.

No Brasil, no ramo de cachaça, somente o município de Parati, no Rio de Janeiro, possui o certificado de origem geográfica. Demarcar a região de Salinas como grande produtora de cachaça artesanal de qualidade propiciará novos rumos à economia da região, com forte impacto na geração de novos investimentos e empregos.

O aspecto artesanal do processo de produção conferiu a Salinas uma importância ímpar na valorização da cachaça artesanal brasileira ao longo das últimas décadas. Poucas cidades brasileiras possuem símbolo que reflete a economia e a cultura local. Neste aspecto, Salinas têm a cachaça artesanal como expressão de suas potencialidades no contexto econômico, social e cultural. A genuína bebida nacional ali produzida é cada vez mais cobiçada pela sua qualidade, tradição e pela variedade de marcas.

O processo de expansão e diversificação da economia brasileira ao longo das últimas décadas, conjugado com o fenômeno da globalização, vem forjando a incrementação de atividades econômicas e propiciando a inserção de produtos típicos da cultura do Brasil no mercado, com forte impacto nas economias locais. Nesse aspecto, através de diversos fatores como clima, solo, conhecimento e tradição, Salinas vem promovendo o seu desenvolvimento sócio-econômico e ocupando espaço no mercado nacional e internacional através de bebida que expressa parte da cultura e da identidade brasileira: a cachaça artesanal.

A seguir, alguns depoimentos de especialistas e degustadores sobre a cachaça de Salinas:

“O pioneirismo do produtor Anísio Santiago firmou a cachaça artesanal como produto nacional de qualidade, levando a nossa cultura para várias partes do Brasil e do mundo. Soube valorizar a cachaça artesanal ao extremo, conquistando milhares de admiradores. Sinalizou que a cachaça artesanal de qualidade é um ótimo negócio. A cachaça Havana é a locomotiva de todas as nossas cachaças de Salinas” (JOSÉ ANTÔNIO PRATES, prefeito de Salinas).

“Anísio Santiago, através de um produto de altíssima qualidade, conseguiu, com mérito, colocar Salinas no cenário nacional como a mais importante região produtora de cachaça artesanal do Brasil. Ele é o maior representante de Salinas no país e no exterior, pois representa a tradição e a história da cachaça de Salinas” (EILTON SANTIAGO, produtor da cachaça Canarinha e presidente da Associação de Produtores de Cachaça de Salinas – Apacs).

“Salinas é referência no Estado de Minas Gerais e no Brasil na produção de cachaça artesanal, criando sempre, ou melhor, despertando, o desejo de apreciar a cachaça. Com isso, difundese a bebida, principalmente, para as classes sociais acostumadas a degustar destilados ‘estrangeiros’, e isso fortalece nossos produtos e a nossa cultura” (CLÁUDIO LUIZ DE SOUZA OLIVEIRA, Sebrae/MG).

“Salinas é a capital de Minas e do Brasil na produção de cachaça artesanal de qualidade. No município há um grande número de produtores da bebida e também pelas características do solo, clima e variedades de cana utilizadas que permite produzir um destilado diferenciado. Anísio Santiago por ter sido o timoneiro da cachaça artesanal de qualidade, fez com que a auto-estima dos produtores de Salinas se elevasse e com isso se empenhassem em ter um produto de qualidade superior” (GERALDO MATOS GUEDES, economista e professor de economia da Universidade Estadual de Montes Claros – Unimontes).

“É indiscutível a importância de Salinas para o desenvolvimento do mercado da cachaça no Brasil. A busca dos produtores da região em desenvolver marcas e produtos de qualidade diferenciada colocou Minas Gerais na liderança da produção de cachaça artesanal” (MARIAS DAS VITÓRIAS CAVALCANTI, Programa Brasileiro de Desenvolvimento da Cachaça).

“Salinas é referência indiscutível e incontestável na produção de cachaça artesanal de qualidade não só de Minas Gerais e do Brasil, mas do mundo. Já visitei vários países como a Alemanha, Bélgica, França, Itália e Suíça e constatei que a cachaça de Salinas é muito apreciada por lá pelo diferencial da sua qualidade. Quando era parlamentar, fui presenteado pelo Dr. Élcio, da assessoria parlamentar de Minas Gerais, com revista norueguesa constando reportagem que afirma que a cachaça Havana, produzida em Salinas, é considerada uma das ‘cem maravilhas do mundo’. Com Anísio Santiago, Salinas ganhou repercussão mundial em face da qualidade da cachaça Havana, marca pioneira que influenciou no surgimento de inúmeras marcas de qualidade no município e região” (PÉRICLES FERREIRA DOS ANJOS, ex-prefeito de Salinas).

“A cachaça produzida em Salinas mantém-se fiel às tradições, desde o cultivo da cana, destilação e envelhecimento – processo de fabricação inteiramente artesanal. A natureza como coadjuvante neste processo reúne no solo, no clima, na tradição solar, dentre outros fatores naturais, as condições ideais para a produção desta bebida. Logicamente que estas condições, por si só, não bastariam para se produzir uma boa pinga em Salinas, daí porque o elemento humano configura-se como de grande importância, uma vez que dele demandam o conhecimento, a técnica e o saber acumulado por gerações a fio. Esses atributos que permeiam o conjunto dos produtores de Salinas na arte de fazer pinga têm na marca mais famosa – de reconhecimento unânime nacionalmente, a Havana – sua máxima expressão” (ELIAS RODRIGUES DE OLIVEIRA, mestre em Administração Rural).

“Salinas vem a ocupar lugar de destaque po seu pioneirismo na produção de cachaça comprovadamente de qualidade. Este fato está intimamente relacionado com a fama adquirida pela cachaça Havana, bem como, pelos inúmeros outros produtores que , de forma honesta e permanente, preservam a maneira tradicional de produzir cachaça artesanal. A criação da Cooperativa dos Produtres de Cachaça de Salinas é outra atitude louvável que irá proporcionar um crescimento seguro e harmonioso de produção, sem prejuízo das qualidades organolépticas tão apreciadas em todo o Brasil e no exterior” (JOSÉ BONIFÁCIO DOS SANTOS, presidente da Confraria Clube da Cachaça de Brasília – DF).

_________________________________________
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
OLIVEIRA, E. R. de. A marvada pinga – produção de cachaça e desenvolvimento
em Salinas, Norte de Minas. Lavras: UFLA, 2000.
SANDRONI, Paulo. Novíssimo dicionário de economia. São Paulo: Best Seller, 2000.
SANTIAGO, Roberto Carlos Morais. O Mito da Cachaça Havana-Anísio Santiago. Belo Horizonte: Cuatiara, 2006.
SEBRAE/MG. Diagnóstico da Cachaça de Minas Gerais. Belo Horizonte, jul. 2001.
WEIMANN, Erwin. Cachaça: a bebida brasileira. São Paulo: Teceiro Nome, 2006.


REIVALDO, A REALIDADE DOS SONHOS

Wanderlino Arruda
Cadeira N. 33

Patrono Enéas Mineiro de Souza

A maior e mais verdadeira prova de seu amor, Reivaldo, esteve sempre delineada e aplicada no ato diário de seu viver e conviver. Uma linda viagem terrena em que você doou, recebeu, compreendeu, compartilhou, apoiou, aceitou e foi aceito, olhou em torno e dentro de si mesmo. Sua existência, Reivaldo, foi uma lembrança sempre presente da infinitude do amor de Deus perante cada manifestação da natureza: nas flores, nas águas, na dança das folhas, nos vôos e nos cantos dos passarinhos, nas presenças e nas manifestações de carinho dentro de casa e no brilho dos olhos de seus amigos. Sua vida, Reivaldo, foi uma colheita de esperanças e alegrias, tudo positivo, ambição só a necessária para as despesas de cada dia. Sua vida, Reivaldo foi construída nos sonhos e concretizada no amor. Afinal, a fé sem obras é morta. Qual o proveito em dizer que tem fé, mas não tem obras? Seu pensamento, religiosamente ou não, foi o mesmo do apóstolo Tiago. Não bastava crer, era preciso realizar.

Você nem imagina como foi sempre a minha alegria e o sentimento da riqueza do amor sempre que visitei você em manhãs de domingo, casa cheia de olhares vibrantes de toda a sua família, às vezes do Reinine e até de um ou outro amigo mais próximo. Todos, mesmo parecendo com os pés na terra, tinham as cabeças nos sonhos. Quanta dignidade, quanta coerência no exercício de amor e na certeza de que a vida só é válida quando vem condimentada com os sabores da felicidade. Sabe o que foi sempre o mais bonito em você? Nunca se empolgou com o próprio brilho, nunca se envaideceu da maravilhosa inteligência que lhe dourou palavras e idéias, ações e realizações. Ser humano justo, em todas as horas você inspirou, estimulou, energizou, pessoas e coisas, proporcionou conforto a tudo que a natureza o rodeou e pôs no seu contato.

Pensando em você com saudade, lembro-me da Parábola do Bom Samaritano, daquele viajante que tendo saído de Jerusalém para Jericó, fora assaltado por ladrões no meio do caminho, ficando ferido e desfalecido, à beira da estrada, o que não sensibilizou os dois religiosos que, mesmo vendo a cena, desfilaram pela outra margem, sem preocupação ou vocação para o bem servir ou para a fraternidade. O atendimento foi feito por um passante originário da Samaria, uma região pobre e nunca considerada pelos importantes da época. O samaritano limpou-lhe as feridas, aplicou os remédios de que dispunha, colocou na alimária e seguiu viagem com ele até um ponto de apoio. Lá, hospedou-o, pagando as despesas, deu o atendimento complementar e, tendo de logo viajar, recomendou ao estalajadeiro bem cuidasse dele, prometendo, caso houvesse novas despesas, pagar-lhe na volta. Neste episódio há três filosofias: para os ladrões (partidários da distribuição social), a idéia é de que “o que é seu é meu”; para os religiosos (não responsáveis diretos pela violência ocorrida), “o que é meu é meu e o que é seu é seu”, o problema é do dono do problema; para o samaritano, entretanto, sofredor do dia-a-dia, só vale uma decisão de amor, “o que é meu é seu”. Cito este relato bíblico, Reivaldo, para lhe dizer que a sua vida foi efetivamente a de bom samaritano, três quartos de século de eterna doação. Sua alegria, sua gentileza, seu conhecimento, seu amor, todos os seus sentimentos de cidadania e de fraternidade sempre pertenceram às outras pessoas.

Nobre Reivaldo Canela, os que viveram próximo a você e todos nós, companheiros e amigos, continuaremos por aqui vivendo e saudando-o mais do que calorosamente. Você foi sempre amado e admirado. E árvore plantada com amor nenhum vento derruba. Nem mesmo num grave momento de despedida.


CONSUL FERNANDA RAMOS

Wanderlino Arruda
Cadeira N. 33
Patrono Enéas Mineiro de Souza

Segundo Aristóteles, a grandeza não consiste em receber honras, mas em merecê-las. E conforme Edith Wharton, há duas maneiras de irradiar a luz: ser a própria fonte de brilho ou o espelho que a reflete. Grandeza, honra, luz, fonte, espelho, reflexo, um universo de palavras indicativas de valor e mérito. Em todas estas idéias e seus significados posso emoldurar a mulher corajosa e cheia de ideais, que é D. Maria Fernanda Reis de Brito Ramos, Cônsul Honorária de Portugal no Norte de Minas, minha amiga e mestra de longo tempo em vários setores da vida. A mesma D. Fernanda que é capaz de elogiar sem rodeios ou demonstrar uma inconformidade sem indecisões.

É para esta mulher guerreira, que fazemos uma festa espiritual em comemoração aos seus oitenta anos, mais do que bem vividos. Multipliquemos os seus janeiros por meses e dias ou por horas e minutos, e podemos estar certos de que qualquer medida de sua existência vem gravada de proveitoso construir, do muito amar, de um esforço incrível para melhorar a vida e o viver. Dela mesma e de muitos. Dona Fernanda é um dínamo sem medida de voltagem, uma criatura sem limites na busca da perfeição, exigência própria, exigência com quem estiver à sua frente ou seu lado. Sempre chuva, nunca neblina, nada em D. Fernanda é calmaria, nada. Para ela, a vida é busca incessante do que fazer, do como agir, do assinalar exemplos, uma corrida olímpica de pistas e de pódios. É vencer ou vencer!

A Montes Claros já chegou D. Fernanda, jovem esposa de Artur Loureiro Ramos, para ser grandeza do comércio e da indústria, vivência e trabalho na Casa Luso Brasileira, centro e coração da cidade. Forte acento no caprichado falar da Universidade de Coimbra, onde a Faculdade de Engenharia lhe permitiu belíssima formação intelectual e liderança. Aqui o seu maior contato com a realidade regional e brasileira, a sua consolidação no trato de tudo e com todos. Atitudes fortes, cada atuação mais do que definida: a família, os amigos, as companheiras e os companheiros de intelectualidade, o trato social mais do que valorizado. Mínima a distância entre o ser e o atuar. Até no dia-a-dia foi moça de sorte, porque a Casa Ramos ficava exatamente na única esquina das duas ruas calçadas, a Rua Quinze e a Rua Simeão Ribeiro, quando toda inteireza urbana era vermelhidão de poeira.

Dona Fernanda esteve sempre de bem com a vida, Algum descanso na Fazenda Vista Alegre, algum tempo em reuniões do Clube Montes Claros, do Automóvel Clube, da Associação Comercial e Industrial. Importante na fundação do Elos de Montes Claros, na Sociedade das Amigas da Cultura, na Associação de Dirigentes Cristãos de Empresas, no Instituto Histórico e Geográfico. Importantíssimas as atividades de D. Fernanda como líder elista: conselheira, diretora, presidente internacional. Sempre presente em encontros regionais e inter-países, principalmente em convenções. Como presidente internacional tomou várias iniciativas de elevada repercussão, valorizando grandemente o Brasil e Portugal, além de benefícios aos países irmãos de fala lusitana. Um valioso exemplo de solidariedade e amor!

Três fatos marcam definitivamente o seu prestígio: a vinda do Cônsul Sá Coutinho e esposa na fundação do Elos de Montes Claros, a homenagem que a dra. Manuela Aguiar, deputada federal em Lisboa, veio trazer-lhe pessoalmente na Sociedade das Amigas da Cultura de Minas Gerais e a sua escolha pelo governo português para o cargo de Cônsul Honorária no Norte de Minas. Quantos e quantos dirigentes do Elos Internacional vieram a Montes Claros a seu convite, por força do seu valor! Lembro-me
como se fosse hoje da grande festa de inauguração do Consulado, na sua antiga residência da Avenida Cel. Prates, agora Praça Portugal. Muito difícil repetir o sucesso de D. Fernanda Ramos como o da sua presidência na ADCE, dias realmente dourados para o prestígio da instituição. Com que entusiasmo D. Fernanda planejou, construiu e vem mantendo o Hotel Fazenda Vista Alegre, local aprazível não só para hospedagens, como também para realização de eventos.

Léon Denis, o sábio pensador francês, sempre achou que não basta crer e saber. É sempre necessário viver e fazer praticar na vida princípios superiores. Nossa existência tem que ser alegre, harmoniosa, plena de bênçãos de paz e de amor, sempre e sempre despertando esperanças. Não há como negar ser o amor a realidade mais pujante, porque o amar é o grande desafio. O amor deve ser causa, meio e fim. É por isso e por muito mais que Maria Fernanda Reis de Brito Ramos, nossa querida Cônsul, Companheira e Amiga, vive e sobrevive em razão dos seus muitos sonhos. Agora nos seus bem norteados oitenta anos e ainda por muito tempo mais. Bem haja


D. Maria Fernanda Reis de Brito Ramos, Cônsul Honorária de Portugal no
Norte de Minas


A PRIMEIRA EXECUÇÃO DA PENA DE MORTE
EM MONTES CLAROS

Wesley Caldeira
Cadeira N. 91
Patrono: Sebastião Sobreira Carvalho

No final do século XVIII, o direito penal europeu experimentou uma profunda revisão em seus conceitos, sob a inspiração de tendências humanistas.

Os ordenamentos jurídicos anteriores projetaram na coletividade a sombra medieval, através de legislações que não diferenciavam o crime e o pecado, configurando instrumentos de repressão híbrida, de pretensões políticas e religiosas.

Despotismo, beatice e ferocidade eram os alicerces normativos do direito de punir, constituindo a crueldade das penas a estratégia para inibir os comportamentos que os segmentos sociais dominantes julgavam indesejáveis.

Com o Iluminismo, um novo viés filosófico remodelou o pensamento jurídico, reconhecendo limites ao poder punitivo e reclamando a adoção de medidas efetivamente úteis ao combate da criminalidade.

No Brasil, os ares novos chegaram com a Constituição de 1824, que retratou o gosto de Dom Pedro I pelo Utilitarismo de Jeremy Bentham, sintetizado no famoso lema: “A maior felicidade possível para o maior número possível de pessoas”.

Antes de 1824, por mais de dois séculos, a colônia brasileira fora submetida à inclemência das Ordenações Filipinas, cujo Livro V compendiou leis odiosas de várias procedências.

Com a Constituição do Império, nenhuma lei deveria ser estabelecida “sem utilidade pública”; a lei deveria ser “igual para todos”, eliminando-se o direito penal exclusivo para as linhagens da nobreza; seriam “abolidos os açoites, a tortura, a marca de ferro
quente, e todas as mais penas cruéis”; e, embora sem cumprimento até hoje, as cadeias deveriam ser “seguras, limpas e bem arejadas”, devendo ser construídas “diversas casas para separação dos réus, conforme as circunstâncias, e a natureza de seus crimes”.

Dom Pedro I ordenou a preparação de um código penal que traduzisse essas orientações, surgindo o Código Criminal do Império, que alçou o Brasil no cenário jurídico internacional, em face do encantamento que causou à cultura jurídica e política da época. O Código recebeu, em 1834, tradução para o francês e publicação em Paris, passando a inspirar legislações da Europa e da América Latina.

A nova legislação penal brasileira, entretanto, não agradou à aristocracia rural, que empregava o açoite como meio de coação e controle das populações escravas. A interferência da elite agrária impediu que o novo código abolisse a pena de morte, um dos pontos mais polêmicos entre os congressistas que o elaboraram.

O enforcamento foi adotado como o único método de execução da pena capital. A chamada “morte natural atroz”, antecedida de açoites e seguida de esquartejamento, e a “morte natural para sempre”, em que o corpo, ou partes dele, ficava exposto em locais públicos estratégicos, foram abolidas.

Decretos imperiais sistematizaram a forca e seus rituais.

Escada de treze degraus, patíbulo com 1,80 metros. Poste firme e alçapão.

A condenação à morte obrigava a um enterro simples, fora do cemitério público.

Depois de 1835, a legislação proibiu que a estrutura física da forca permanecesse exposta ao público: era levantada na véspera da execução e desmontada após o suplício.

Fazia pouco tempo, 1831, que o arraial das Formigas havia sido elevado à condição de vila. Na Vila dos Montes Claros das Formigas, a forca era erguida nas adjacências da atual rua Governador Valadares, próximo à Lanchonete Cristal.

Em 1890, quando a pena de morte foi abolida no direito brasileiro, os tocos sobre os quais a forca era sustentava foram serrados rente ao chão e seus restos ficaram abandonados, escondidos entre as pedras redondas do calçamento. O prefeito municipal, Dr. Santos, em 1940, implantou o calçamento com poliedros de calcário e os referidos restos de tocos foram retirados e guardados na Prefeitura para incorporar o acervo de futuro museu histórico da cidade.

A primeira execução da pena de morte nestas terras se verificou em 30 de maio de 1836.

São José do Gorutuba, a atual Janaúba, compunha a comarca do São Francisco, com sede na Vila dos Montes Claros das Formigas.

A 22 de abril de 1835, Joaquim Antunes de Oliveira, respeitado cidadão de São José do Gorutuba, foi encontrado morto em sua fazenda.

O autor do homicídio seria o africano Joaquim, da tribo Nagô, da África, com vinte e poucos anos de idade, morador nas Lagoas, sendo escravo de Manoel Lopes de Oliveira, fazendeiro vizinho à vítima. Nagô fora o último a ser visto em companhia do coronel Joaquim Antunes, e, coincidentemente, desaparecera nas matas nos dias imediatos ao crime. Mas ninguém presenciou o fato.

Joaquim Antunes desfrutava de especial conceito e confiança pública.

A testemunha Tomás de Cantuária Alves tinha ouvido da parceira de Nagô (o título de esposa era privativo das mulheres livres) que o casal vinha brigando muito, culminando as brigas em agressões violentas à parceira. Ela, então, pediu ao coronel Joaquim Antunes para interceder junto a Nagô, aconselhando-o à paz doméstica.

Foi assim que Joaquim Antunes foi à casinha dos dois, em meio ao mato, e conversou com Nagô, chamando-lhe a atenção com boas palavras. Enquanto a conversa prosseguia, a parceira foi ao rio Gorutuba e quando voltou já não encontrou mais o coronel nem o africano. Todavia, um pouco adiante no caminho a parceira percebeu uma forma no chão, que lembrava gente caída. Aproximou-se e encontrou o cadáver do coronel, ferido mortalmente três vezes no pescoço e uma no abdômen.

Em 15 de junho de 1835, a viúva Ana Francisca da Encarnação requereu ao Alferes Manoel Mendes Lourenço, o bisavô do Ministro Francisco Sá, que realizasse as medidas legais para apurar e punir o delito.

Joaquim Nagô foi preso e interrogado, e confessou que havia esfaqueado o coronel quatro vezes. Os dois estariam caminhando pela estradazinha, estando o coronel à frente. Nagô o teria atacado, porque Joaquim Antunes havia se intrometido nas brigas de Nagô com a parceira, bem como por ter-lhe chamado a atenção por haver deixado os cavalos do seu senhor por dois dias sem água. Estranhamente, o escravo afirmou que não tinha inimizade com a vítima e pôs-se a elogiá-la em suas declarações.

Formados os autos do processo criminal, eles e Nagô foram remetidos, em 17 de junho de 1835, ao magistrado da Cabeça do Termo, isto é, da sede da comarca, a vila de Montes Claros das Formigas.

O Dr. Jerônimo Máximo de Oliveira e Castro foi o primeiro advogado bacharelado da comarca, tendo sido nomeado o primeiro juiz da comarca, depois, em 1834.

Carlos de Almeida Leite foi o primeiro promotor de justiça da vila, em 1831.

A cadeia, a câmara dos vereadores e o fórum ocupavam um mesmo sobrado. Só em 1920, foram transferidos para a antiga sede do Colégio Tiradentes, na rua Dom João Pimenta.

O primeiro advogado formado da própria cidade foi Antônio Gonçalves Chaves, bacharelado na Faculdade de Direito de São Paulo, em 1863.

Para se ter uma idéia do progresso local na época em que a cidade produziu seu primeiro advogado, basta recordar que a primeira bicicleta apenas chegou em 1900. Vinte e dois anos após, veio a primeira motocicleta. O rádio apareceu em 1928. E a primeira fábrica de doces gelados (como eram chamados os picolés) foi inaugurada em 1931. Um ano depois, a seção da Ordem dos Advogados do Brasil foi instalada.

Uma vez em Montes Claros, Joaquim Nagô passou a negar a autoria do homicídio.

Ainda em junho de 1835, Martiniano Antunes de Oliveira, filho da vítima, nomeou como seus procuradores na Corte, em Vila Rica, José da Silva Souto, o segundo acusador público da comarca, e João Evangelista Figueiredo.

A primeira audiência foi realizada em 25 de agosto seguinte. Reuniu-se o Conselho de Acusação, composto de 23 integrantes, tendo por presidente Torquato Nunes de Azevedo, e decidiu-se que havia elementos suficientes para justificar a imputação. No dia imediato, o procurador José da Silva Souto apresentou o libelo acusatório, destacando-se o último quesito:

P. que o Reo deve ser punido com a pena do artigo sento e noventa e dous no grao Maximo, para exemplo dos outros, pois que de outra forma não pode haver segurança para Paes de familias, e principalmente neste Centro a onde ainda não se tem feito exemplo algum.

O acusador público queixa-se de que na comarca não se havia condenado ninguém à morte, para exemplificação do rigor legal, por isso não havia segurança, e um negro matava um branco.

Mesmo hoje o argumento do “exemplo” é utilizado largamente no tribunal popular do júri, quando os fatos e a prova dos mesmos deveriam constituir o móvel da sentença condenatória.

A sessão de julgamento foi marcada para 2 de setembro de 1835.

Nesse dia, absurdamente, é que foi nomeado defensor a Joaquim Nagô. O nomeado, o Sr. Salvador Alves da Silva, no entanto, escusou-se da função de defender um negro, pedindo dispensa ao argumento de “ter sido na passada noite insultado de huma grande indigestão”.

Hoje, há quem critique as garantias jurídicas que o mundo contemporâneo estatuiu aos cidadãos acusados criminalmente. Somente na ausência dessas garantias é que se pode avaliar a importância delas na construção de um Estado justo. Shakespeare, com razão, disse em Hamlet que a loucura dos grandes deve ser vigiada.

Pois, pasme-se!, recusada a defesa de Joaquim Nagô, o juiz presidente do processo nomeou para assisti-lo o advogado de acusação João Evangelista Figueiredo, que apenas mudou de cadeira, durante a sessão plenária, nada apresentando em favor da negativa de autoria em que Nagô insistia.

Entre sessenta pessoas, sorteou-se nove jurados, que formaram o corpo de julgadores: João dos Santos Vasconcelos, Manoel Nunes de Azevedo, Porfírio Fernandes dos Anjos, Joaquim Dias Cardoso, José Orsini Grimaldo, Antônio José Barbosa da Cunha, Manoel F. da Costa, Pedro José de Oliveira, sendo jurado presidente José Antônio de Almeida Saraiva.

O Conselho de Sentença, ouvidas a negativa do acusado e a exposição do acusador, e tendo se mantido em silêncio o advogado de defesa, julgou procedente a postulação do órgão acusador e condenou Joaquim Nagô à pena de morte.

A parceira de Nagô, única testemunha apta a fornecer indícios contra o escravo, não foi ouvida.

O artigo 181, item oitavo, da Constituição do Império, exigia a concordância do imperador para a validade das condenações à morte, podendo ele perdoar ou modificar a sentença.

Era regente do país, na ocasião, o padre Diogo Feijó. Em nome de Dom Pedro II, ainda menor, o regente ratificou a pena de morte, em 26 de março de 1836, e ordenou a execução de Joaquim Nagô, que foi designada para 30 de maio seguinte.

A execução da pena capital era organizada para infundir temor. Mas, nos ignorantes, a natureza tem mais força que a razão e a consciência. As comunidades assistiam às execuções como se fossem espetáculos públicos, reinando o clima de festividade.

Toques de clarim abriam e encerravam a solenidade, desenvolvida sob o ritmo de tambores de guerra.

A tradição facultava ao condenado um último pedido. Entre os homens brancos quase sempre se lhes oferecia um copo de vinho.

O nó da corda, no sistema inglês, era colocado sob o queixo do executado. Os portugueses aperfeiçoaram a técnica, passando o nó sob a orelha do condenado, permitindo, com a queda no alçapão, a ruptura da medula e a súbita perda da consciência. Entre convulsões e estertores, o coração funcionava por mais ou menos vinte minutos, até o óbito. Se a medula não se rompia, o sofrimento era maior, porque, além da consciência, a morte se dava por asfixia.

Os carrascos brasileiros empregavam a técnica portuguesa.

Um deles, porém, ganhou notoriedade, por haver “incrementado” o método português. Quando a queda não quebrava a medula, o carrasco cearense de nome Pareça subia na trave que sustinha a corda e, com os dois pés apoiados nos ombros do executado,
balançava-se, sinistramente, sobre eles, forçando-os até o estalido inconfundível da medula rompida.

Diferentemente da França, em que o ofício de carrasco era concedido a um nobre, que formava uma equipe de subalternos para o cumprimento das penas, representando disputada fonte de renda, no Brasil, os carrascos eram, na maioria das vezes, negros condenados à morte que comutavam suas penas por prisão perpétua e um pequeno soldo.

O carrasco de Joaquim Nagô chamava-se Fortunato José, de Vila Rica, onde assassinou sua senhora e, condenado à morte, aceitou a comutação de sua pena e o ofício de carrasco, no que se comprazia.

Na execução de Nagô um fato surpreendente ocorreu.

Formalizada a cerimônia e enlaçado o pescoço do africano, o seu corpo, reduzido a trapos pela fome e maus tratos, não encontrou resistência na corda, que cedeu, jogando-o no chão. Fortunato José emendou a corda e tentou outra vez, sem êxito, pois a corda arrebentou-se de novo.

É de se imaginar a comoção que essas circunstâncias provocaram.

Desde a Antiguidade, os povos conviviam com a idéia dos ordálios ou juízos divinos, intervenções dos deuses ou de Deus para anunciar que um acusado era inocente. Entre as provas dos ordálios, usava-se atirar o acusado amarrado em um rio: se afundasse era culpado; também se costumava colocar o suposto criminoso em caldeirões com alguma substância fervente, mais comumente um óleo: se não se queimasse, era inocente.

Quando a corda no enforcamento se quebrava, o povo concluía que o executado era inocente e clamava por sua libertação. E com Nagô, igualmente, se ouviu protestos de sua inocência.

Em algumas cidades brasileiras, àquela época, existiam confrarias piedosas de cristãos que pediam esmola para a família do condenado, ou clemência para ele. Se a corda eventualmente se rompesse, a confraria incitava os presentes a exigir a libertação do executado, explorando a crendice popular, e jogava sua bandeira sobre o corpo do réu. Diversas execuções eram adiadas, por isso.

Muitas vezes, as cordas não se quebravam naturalmente. Familiares do condenado subornavam os carrascos para que eles molhassem as cordas, na véspera, em líquidos corrosivos, facilitando que partissem.

Fortunato José não teve dúvida, foi à prisão e de lá trouxe uma corda nova, recentemente ensebada, e Joaquim Nagô, enfim, foi enforcado.

Anos mais tarde, em Diamantina, um tropeiro agonizante, dominado por uma febre mortal, confessou a autoria do assassinato de Joaquim Antunes de Oliveira, o fazendeiro de São José do Gorutuba, para roubá-lo.

Joaquim Nagô foi, aparentemente, supliciado inocente.

Até meados do século XX, em Montes Claros, a fama de Nagô era de santidade, razão porque as pessoas evocavam sua alma nos transes difíceis, em busca de amparo.

Do mesmo modo, em São José do Gorutuba, hoje Janaúba, o povo evocava o espírito de Joaquim Antunes, rogando proteção e auxílio.

Um documento do Ministério da Justiça, produzido em 1839, informa que naquele ano 22 pessoas sofreram execução na forca. Proporcionalmente à população atual, isto corresponderia a 12 mil condenações por ano.

E qual seria a comunidade alvo para ocupar as novas estatísticas, se a pena de morte fosse readmitida no Brasil para os crimes praticados por civis?

Pesquisa na cidade do Rio de Janeiro revelou que, entre 1810 e 1821, 80% dos julgados eram escravos, e 95% deles eram nascidos na África. Além, 19% dos julgados eram ex-escravos. Somente 1% eram homens livres.

Matéria publicada pelo Jornal Carioca o Pão D’assucar, de 7 de abril de 1835, deplorava o comportamento da população negra na capital do Império. Reclamava das políticas públicas frouxas e descuidadas, cobrava por uma polícia ativa e vigilante, que observasse com cuidados todos os passos que os africanos dessem, a fim de coibir suas condutas indesejáveis, “empregando para esse fim todos os meios que mais convenientes” e valendose de “huma força armada sufficiente, que pela sua disciplina,
gente escolhida de que se compozer, nos inspire confiança, e aos escravos infunda terror”.

O tempo passou, mas as coisas não mudaram muito.

_________________________________
BIBLIOGRAFIA
Montes Claros — sua história, sua gente e seus costumes / Hermes Augusto de Paula. — Rio de Janeiro: 1957.
Serões Montesclarenses / Nelson Vianna. — Belo Horizonte: Editora Itatiaia, 1972.
História do Brasil / Rocha Pombo. — São Paulo: Editora Melhoramentos, 1958.
A Agonia da Forca / Luciano Suassuna. — Revista Isto É: número 1518, de 04/11/1998.
Tratado de Direito Penal: parte geral, volume 1 / Cezar Roberto Bitencourt. — São Paulo: Saraiva, 2007.
Você Tem Medo de Quê? / Vera Malaguti Batista. — Revista Brasileira de Ciências
Criminais: número 53, março/abril de 2005.


A OCUPAÇÃO DESORDENADA
DO CERRADO

Avay Miranda
Sócio Correspondente
Brasília - DF

Eu nasci e me criei numa cidade que é cercada pelo cerrado, conhecido na região como “Gerais”. Trata-se da cidade de Taiobeiras, no Norte de Minas Gerais.

O município de Taiobeiras tem um cerrado que era rico na sua biodiversidade, destacando-se a flora e a fauna.

Com efeito, a flora do município de Taiobeiras foi muita rica, porém ainda hoje se encontram diversos tipos de madeira no cerrado (gerais), nos carrascos e nos vales. O cerrado está quase todo coberto pelo reflorestamento promovido pelas grandes empresas, ligadas às siderúrgicas, na década de oitenta, utilizando-se dos incentivos fiscais do Governo Federal.

Esperava-se que a utilização do cerrado seria um grande motivo para a promoção do desenvolvimento do município, porque as empresas adquiriam grandes extensões de terras, por meio de contrato de ocupação com a RURALMINAS, um órgão estadual, encarregado de administrar as terras devolutas.

Entretanto, elas passaram a implantar o reflorestamento, com a plantação, em primeiro lugar de eucaliptos e, secundariamente, de pinus, transformando o cerrado em mono floresta.

Observou-se, depois, que o reflorestamento foi feito sem nenhum planejamento para o seu aproveitamento no futuro. Parece que as empresas aproveitaram apenas os incentivos fiscais para a sua implantação. Esperava-se que alguma fábrica de papel, papelão e cortiça fosse implantada na região, para o aproveitamento das grandes florestas artificiais localizadas nos municípios de Taiobeiras, Águas Vermelhas, Rio Pardo de Minas e São João do Paraíso, depois em outros municípios.

O eucalipto foi plantado, ofereceu-se muitos empregos para a implantação do reflorestamento, mas, quando ele ficou pronto, provocou-se uma onda de desemprego em Taiobeiras e nas cidades vizinhas, porque as empresas não necessitavam mais da mão de obra, porque o reflorestamento estava completo.

Não tendo o que fazer com as árvores, elas ficaram adultas, as empresas passaram a transformá-las em carvão vegetal, instalando as diversas carvoeiras na região, transformando aquela riqueza num subproduto para alimentar as siderúrgicas de Sete Lagoas e Belo Horizonte, ao invés de aproveitar a madeira para transformar num material mais nobre e as folhas das árvores para a extração de essências destinadas às fábricas de produtos de limpeza.

No cerrado, que na região é conhecido por “gerais”, encontram-se, nas poucas áreas preservadas dos reflorestamentos, as árvores características, sendo baixas e de galhos tortuosos, como cabeluda, cagaiteira, caviúna, copaíba, gonçalo, jacarandá, jatobá, murici, pau-terra, pequi, tingui e muitas outras. Nos carrascos, que ocupam a área intermediária entre o cerrado e a terra cultivável, encontram-se árvores mais altas e a vegetação é mais densa, contendo araçá, baraúna, caboclo, canela de velho, jacarandá ja taipeba, jatobazinho, laranjeira, louro, maracujá, mocambo, pau de leite, pau de sangue, pindaíba, sucupira-branca e outras.

Já nos vales ou nas terras de cultura, ainda se encontram amargoso, angico, aroeirinha, bálsamo, barriguda, candeia, caraíba, carne-de-vaca, gameleira, imbaré, ipê amarelo e roxo (pau d’arco), jequitibá, juá, jurema, moreira, pau-d’oleo, pau-ferro, pereira, peroba, sucupira preta, tamboril, vinhático e muitas outras, com as características de serem bem altas.

Com o reflorestamento do cerrado, houve uma verdadeira devastação da flora natural, com a quase extinção das árvores frutíferas, como o araticum, cagaita, jatobá, mangaba murici, pequi, rufão, e muitas outras. O pequi é uma verdadeira riqueza para a região. Ele é aproveitado para diversos tipos de comida. Pode ser ingerido como alimento, cozido com arroz, com farinha, ou puro e pode-se, ainda, fazer doce, bolo e outros tipos de alimento. Pode-se, ainda, extrair de sua castanha um óleo que é delicioso, que serve para tempero.

No tempo do pequi, que vai do mês de dezembro a março, as pessoas mais carentes têm o seu produto natural para colher no mato e vender nas estradas ou na cidade. Observa-se, visivelmente, que as pessoas ficam mais nutridas, com uma pele bem diferente do restante do ano.

Naqueles meses, não se vê pedintes nas ruas. Eles estão ocupados na apanha do pequi e têm a sua renda garantida com a venda do fruto ou com a extração do óleo da castanha para armazenar e vender mais tarde. Comenta-se que o pequi é afrodisíaco, isto é, proporciona o incentivo à procriação. Este fato provoca muitas discussões, mas, se as mulheres e os homens são bem mais alimentados, a lógica indica que daí haverá uma maior possibilidade das mulheres engravidarem-se.

Com a pequena área que restou do reflorestamento no cerrado, para a preservação do pequi, e com o costume de se colherem os frutos ainda verdes para venderem para caminhoneiros que levam o produto para outras cidades, surgiu a possibilidade concreta da extinção do pequi no município de Taiobeiras e de não ter o povo a oportunidade de saborear o fruto mais conhecido da região.

FESTA DO PEQUI

As lideranças do município de Taiobeiras despertaram para lançar campanhas de preservação do pequi, conscientizando os moradores da região para não deixarem cortar o pequizeiro e impedir a colheita do fruto verde, reservando a sua apanha na época correta.

Surgiram várias idéias. Mas, a melhor até agora, foi a realização anualmente da Festa do Pequi. Coube à Associação dos Moradores de Lagoa Grande, Lagoa Dourada e Lagoa Seca, tendo à frente o seu presidente, Silvano Ferreira, atualmente vereador naquela cidade, a iniciativa de promover a primeira “Festa do Pequi”, na Lagoa Grande, em 1994. Contou com a pronta colaboração da EMATER-MG, da Prefeitura Municipal e do Centro Cultural Maciel Rêgo, de Taiobeiras.

A Primeira Festa do Pequi foi realizada nos dias 26 e 27 de fevereiro de 1994. A programação foi muito sugestiva. Dia 26, às 16:00 horas - abertura. 17:00 horas barraquinhas. 18:00 horas, jogos beneficentes e 20 horas, cantoria com artistas do Vale do Jequitinhonha. Dia 27, às 10:00 horas, palestras educativas. Às 12:00 horas, concurso “Roedor de Pequi”. Às 13:00 horas a venda de refeição, arroz com pequi. Às 15:00 horas, sorteio de mudas de pequi. Às 16:00 horas, Jogo de futebol. Às 18:00 horas, concurso de redação sobre o pequi. Neste horário também houve jogos beneficentes e, às 20:00 horas, encerramento com o “Forró do Pequi” e apresentações culturais.

Desde a sua criação que a Festa do Pequi acontece em todos os anos, no mês de fevereiro, seguindo-se o mesmo ritmo, com palestras e gincanas sobre aquela fruta do cerrado, como meio de conscientização das pessoas.

Com a ocupação desordenada do cerrado, criou-se a possibilidade concreta da extinção do pequi. Então, alguns municípios tiveram a iniciativa de promover a defesa daquele fruto, aprovando leis municipais de sua proteção. Tenho conhecimento da existência de leis municipais em Montes Claros e em Taiobeiras, que proíbem o corte do pequizeiro e a colheita do fruto verde.

PROBLEMAS COM A OCUPAÇÃO DO CERRADO

Com o criminoso desmatamento, especialmente com o reflorestamento de eucalipto nas nascentes dos rios da região do cerrado, quase todos os rios e córregos tornaram-se periódicos. Assim aconteceu com o então caudaloso rio Itaberaba, no município de Taiobeiras, que vem secando em todos os anos. Até mesmo o pomposo rio Pardo, devido ao desmatamento e à utilização de sua água para irrigação em suas margens, no pique da seca ele vem cortando do município de Taiobeiras para baixo.

O rio Itaberaba começa com o córrego do Atoleiro ou
Lameiro, depois vai engrossando suas águas com os córregos:
da Lagoa Suja, córrego Vargem Grande, formado pelos córregos
Santo Antônio, Pau Alto e Covão, se junta com o córrego Novato,
Mariante, córrego do Cubículo e da Cachoeira, todos do lado
esquerdo. Esta região foi totalmente desmatada, com a retirada
da vegetação natural e reflorestado com o plantio de eucalipto, o
que ocasionou a secagem do rio, que antes era caudaloso.

A ocupação desordenada do cerrado, no Norte de Minas, causou vários transtornos para os municípios. Se para a sua implantação o reflorestamento gerou empregos periódicos no início, depois de implantado, o reflorestamento produziu desemprego na região, com a agravante de que as terras eram de domínio da RURALMINAS e foram arrendadas às reflorestadoras por períodos de 30 anos, alguns contratos renováveis.

Outro transtorno causado pelas reflorestadoras, pois elas ocuparam as terras arrendadas da RURALMINAS, adquiriram todas as posses e as pequenas glebas que circundavam o cerrado, onde o micro produtor mantinha sua família com um pequeno
sítio, que possuía a sua chácara de café, criava o seu porco e galinhas, tinha a sua pequena roça de cana-de-açúcar, que dava até para fabricar cachaça, que é muito famosa na região.

Tendo vendido a sua pequena propriedade, o agricultor foi obrigado a ir para a cidade, proporcionando uma inchação da zona urbana, exigindo mais infra-estrutura e serviços sociais das prefeituras. Aquelas várzeas que ficavam nas nascentes e ao longo dos córregos, fazendo o limite do cerrado com a terra de primeira qualidade, contribuíam para que os municípios do Vale do Alto Rio Pardo fossem grandes produtores de farinha de mandioca, rapadura, requeijão, queijo, cana-de-açúcar, para o fabrico de cachaça e semente de capim, no ano que chovia normalmente.

Com as constantes exigências dos órgãos governamentais para o funcionamento de carvoeiras, com estreita vigilância na qualidade de vida oferecida aos trabalhadores na extração e transformação da madeira em carvão, bem como da observância dos princípios da preservação do meio ambiente, que as empresas reflorestadoras estão se adaptando a um reflorestamento mais adequado e que não agride tanto o meio ambiente.

A área do cerrado está distribuída, principalmente, pelo planalto central brasileiro. Mas ela abrange 10 estados e o Distrito Federal, o que representa 25% do território nacional, sendo encontrado na Bahia, Ceará, Goiás, Maranhão, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Minas Gerais, Piauí, Rondônia, São Paulo, Tocantins e o Distrito Federal. É o segundo maior bioma do país em área, apenas superado pela floresta amazônica.

O cerrado tem importância fundamental, já que é uma
área transitória entre a floresta amazônica, a caatinga e a mata
atlântica, cobrindo uma área de mais ou menos dois milhões de
km².

Conforme o tipo de vegetação, ou dos acidentes geográficos,
ou da topografia, as localidades do cerrado vão tomando denominações
diferentes. As denominações mais conhecidas são:
boqueirão, brejo, cabeceira, campina, capão, capoeira, campo,
carrasco, cerrado, chapada, charravascal, espigão, gerais, mata,
monte, morro, serra, pântano, restinga tabuleiro, vargem, vazante
e vereda. Alguns municípios tomaram o nome da localidade,
como Chapada Gaúcha e Vargem Grande em Minas Gerais, Morro
Agudo, em Goiás, Tangará da Serra, em Mato Grosso e Capinas,
em São Paulo.

A CONSTRUÇÃO DE BRASÍLIA

Acima escrevi sobre os acontecimentos relacionados com a ocupação do cerrado no município de Taiobeiras, onde tenho maior vivência. O que aconteceu em Taiobeiras, certamente, aconteceu com maior ou menor incidência em todos os municípios, onde a ocupação do cerrado foi desordenada.

Entretanto, o maior espelho do que aconteceu com a ocupação do cerrado foi a construção de Brasília, numa área do Estado de Goiás, limitando-se com o estado de Minas Gerais.

A feliz iniciativa do presidente Juscelino Kubitschek em construir Brasília no planalto central foi a maior contribuição para a ocupação do cerrada. Para construir Brasília, foi necessário abrir estradas asfaltadas, ligando a capital federal com todas as capitais dos estados do Centro Oeste, Norte, Nordeste e Sudeste, uma vez que esta última região já estava ligada ao Sul por aquele meio de comunicação.

A mudança da capital da República para Brasília possibilitou a real descoberta e utilização da região Centro Oeste, o que proporcionou a ocupação do cerrado, entretanto, proporcionou o desenvolvimento de todos os estados, componentes daquela região.

O progresso do Centro Oeste foi e está sendo visível, tanto que houve a necessidade de se criar mais dois estados, o Mato Grosso do Sul e Tocantins, devido ao aumento populacional. Além disto, todas as capitais dos estados da região tiveram um aumento substancial na sua população.

Brasília atraiu pessoas de todos os estados da Federação, especialmente dos estados do Nordeste, de Minas Gerais e de Goiás, redundando esta concentração de pessoas na maior ocupação de grandes extensões de terras.

Assim, a ocupação do cerrado serviu para a expansão espetacular da fronteira agrícola, em todos os estados componentes de sua área, especialmente Goiás, Mato Grosso e Tocantins. Anteriormente a soja somente produzia em terras boas, especialmente no Sul, com destaque para os estados do Paraná e Rio Grande do Sul.

Entretanto, as áreas cultivadas eram poucas e não tinha como expandir a cultura desta oleaginosa. Coube à EMBRAPA desenvolver tecnologia para a correção do solo e produzir um tipo de variedade de semente de soja que se adaptasse com o clima e o terreno do cerrado.

A experiência foi tão feliz que hoje o Centro Oeste é o maior produtor de soja do país. Aliás, a ocupação do cerrado beneficiou mais o estado do Mato Grosso. Este estado do Centro Oeste, nos últimos anos, foi o campeão na produção de soja, de algodão, de gado de corte, de milho e agora está sendo um grande produtor de cana de açúcar, que poderíamos chamar de “cana de álcool”, porque a cana se destina à produção do álcool, combustível.

A população em torno da Capital Federal cresceu tanto que no Distrito Federal, além da sede, outras cidades satélites foram criadas, como: Águas Claras, Brazlândia, Candangolândia, Ceilândia, Cruzeiro, Gama, Guará, I e II, Núcleo Bandeirante, Paranoá, Planaltina, Riacho Fundo, I e II, Recanto das Emas, Samambaia, Santa Maria, São Sebastião, Sobradinho, Sudoeste, Taguatinga e Varjão, comportando uma população de cerca de 2.500.000 habitantes.

Também houve um aumento substancial da população do entorno, englobando várias cidades do estado de Goiás e de Minas Gerais, que recebem a influência de Brasília, entre elas as mais novas, como Águas Lindas de Goiás, Cidade Ocidental, Novo Gama, Santo Antônio do Descoberto e Valparaíso de Goiás, calculando-se em cerca de 3.500.000 habitantes, a população do Distrito Federal e do entorno.

CONCLUSÃO

Como se vê, no Norte de Minas é o reflorestamento que degrada o cerrado, enquanto que no Centro Oeste, é a abertura de estradas asfaltadas, o aumento da população, com expansão das zonas urbanas e a atividade agropastoril, que produzem o mesmo efeito.

Assim, estamos diante de um dilema. De um lado, o país necessita de grandes extensões de terras planas para a expansão da sua fronteira agrícola, visando abastecer o país e várias partes do mundo, com cereais, para alimentar a população e combustíveis para veículos.

De outro lado, a expansão agrícola, pelos métodos atuais, implica no avanço, cada vez maior, sobre as matas e vegetações nativas, o que poderá comprometer o futuro da humanidade, por causa da degradação do meio ambiente.

Resta torcer para que os cientistas da EMBRAPA e dos órgãos ligados à pesquisa agropecuária do país, juntamente com as autoridades do meio ambiente, encontrem um método que possibilite a expansão agrícola, com a preservação do meio ambiente.

*Avay Miranda é taiobeirense, Juiz aposentado
e sócio correspondente do IHGMC.


PERSONAGENS HISTÓRICOS
E DATAS NACIONAIS

Zanoni Eustáquio Roque Neves
Sócio Correspondente
Belo Horizonte - MG

As datas e personagens históricas são utilizados por grupos, etnias e classes sociais em consonância com seus interesses e necessidades específicos. Ganham força simbólica na medida em que são relevantes para a identidade e visibilidade desses segmentos da sociedade. Em geral, as datas que ensejam maior participação contêm um forte apelo à liberdade, à resistência sociocultural e política, à justiça, ao patriotismo e ao nacionalismo.

O 21 de abril é comemorado nos quartéis por ter sido Joaquim José da Silva Xavier um militar (alferes), tornando-se o patrono da Polícia Militar de Minas Gerais, em cujo fardamento está inscrita a sua imagem. A República reconheceu sua condição de mártir da inconfidência e protomártir da independência do Brasil. Durante o período da ditadura, Tiradentes tornou-se personagem da dramaturgia brasileira numa de suas vertentes mais críticas e criativas, que se opunha ao regime discricionário: o Teatro de Arena, dirigido por Augusto Boal e Gianfrancesco Guarnieri. A peça teatral que reverenciou aquele personagem ganhou o título Arena conta Tiradentes. Mas o dia 21 de abril é também celebrado nos palanques pelos governadores que desejam consolidar
alianças e homenagear correligionários, fazendo discursos e distribuindo medalhas à sombra da estátua da grande personagem histórica em Ouro Preto. Por outro lado, a data e a personagem são enaltecidas por grupos sociais na mesma praça, onde tremulam bandeiras do MST - o Movimento dos Trabalhadores sem Terra - ao lado de faixas empunhadas por professores e funcionários públicos reivindicando condições de trabalho mais dignas. Para esses grupos sociais, Tiradentes é o herói que encarna os ideais de liberdade e justiça. Mas há campo até mesmo para a irreverência política. Certamente, muitas pessoas lembram-se da notícia de que os estudantes de Ouro Preto exibiram seus bumbuns de todas as cores nas janelas da Escola de Minas da UFOP precisamente no momento em que as autoridades discursavam em praça pública.

Há, portanto, uma disputa pela apropriação da data e da figura do grande mártir da inconfidência.

O mesmo grupo teatral acima mencionado homenageou duas personagens históricos que lutaram contra a escravidão no Brasil: nos anos 1960 e 1970, foram montadas as peças teatrais Castro Alves Pede Passagem e Arena Conta Zumbi. O país vivia então sob a ditadura militar. Assim, as montagens cumpriram uma função sociopolítica muito evidente, a exemplo da peça em homenagem a Tiradentes: exaltar a luta pela liberdade confrontando o regime autoritário. Vale lembrar que o dramaturgo Augusto Boal foi preso pelos militares por sua oposição ao regime.

O 20 de novembro, dia da morte de Zumbi, foi eleito o Dia Nacional da Consciência Negra. Por que? Em que pese a importância da lei de 13 de maio de 1888, que aboliu a escravatura, Dona Isabel, a princesa branca, ofuscou de alguma forma a visibilidade histórica da luta dos negros por sua liberdade, que - vale lembrar – resistiram nos quilombos em todo o Brasil.

Em 2000, a Fundação Palmares/MinC mencionou a existência de 743 comunidades remanescentes de quilombos em todo o território nacional. (Fundação Cultural Palmares, 2000, p. 7) Assim, o dia 20 de novembro tornou-se símbolo de resistência para os afro-descendentes, que ainda hoje repudiam a discriminação e clamam por igualdade e justiça.

Do ponto de vista simbólico, o 7 de setembro tem um limitado apelo libertário para grupos diversos da sociedade civil, em virtude da natureza do processo da independência, resultante de um arranjo da família imperial com as elites. Vale lembrar que Dom João VI e Dom Pedro I tornaram-se os principais protagonistas da independência do Brasil, retornando ambos a Portugal para assumir o trono naquele país, responsável pela colonização do Brasil. Ainda assim, vale notar que não apenas as crianças com bandeirinhas e os militares de armas em punho participam da data da independência nos dias atuais. Alguns grupos sociais que se sentem marginalizados na sociedade brasileira ocupam as ruas e praças das grandes cidades, protestando e questionando a ordem social – são as caminhadas e os atos públicos do movimento social autodenominado “Grito dos Excluídos” apoiado pela Igreja Católica. Afinal, já que se comemora a independência do Brasil, todos deveriam ter direito ao seu quinhão no território pátrio – parece ser este o raciocínio subjacente às manifestações
populares.

Na Bahia, as comemorações da independência do Brasil não acontecem no dia 7 de setembro, mas em 2 de julho, data em que os portugueses foram expulsos em 1823, depois de sangrentas batalhas e atos de heroísmo e sacrifício como o de Sóror Joana Angélica. Assim, os baianos afirmam sua identidade no concerto da federação brasileira. O centenário de fundação da comunidade de Canudos foi comemorado em 1993 com uma romaria e a presença de 7.000 pessoas, reunindo camponeses e representantes de grupos étnicos. Vale perceber que o movimento liderado por Antônio
Conselheiro ainda inspira grupos e camadas sociais que o tomam como exemplo de resistência. (Diocese de Juazeiro, 1993, p. 1)

Pode-se concluir que as datas e as personagens históricas são acontecimentos relevantes, do ponto de vista simbólico, para classes sociais, etnias e outros grupos da sociedade brasileira nos dias atuais.

______________________________
BIBLIOGRAFIA
FUNDAÇÃO CULTURAL PALMARES / MinC. “Quilombos no Brasil”. Revista Palmares. Brasília: nº 5, 2000.
DIOCESE DE JUAZEIRO. “Centenário de Canudos”. Caminhar juntos – Boletim informativo. Juazeiro (BA): Ano XVIII, nº 187, novembro/dezembro de 1993
.


ÍNDICE

Diretoria do Instituto Histórico e Geográfico de Montes Claros - 05
Lista de sócios efetivos do IHGMC- 07
Sócios correspondentes do IHGMC - 09
Notas dos coordenadores da edição - 09
Homenagens - 10
Apresentação da Revista - 11
Amelina Chaves
- Um século de Godofredo Guedes - 15
Dário Teixeira Cotrim
- GG: Uma Arte Total - 17
Haroldo Lívio
GG, o Letrado - 21
Haroldo Lívio
Patão, o Brucutu - 24
Itamaury Teles
Godofredo Guedes e Porteirinha - 27
Luiz Ribeiro dos Santos
Godofredo Guedes, um artista simples e completo - 32
Wanderlino Arruda
Godofredo Guedes: Nosso Miguel Ângelo - 38
Augusto José Vieira Neto
Godofredo Guedes - 42
Dário Teixeira Cotrim
O poeta Reivaldo Canela - 47
Felicidade Patrocínio
Associação dos Artistas Plásticos de Montes Claros
criação e Funcionamento - 51
Itamaury Teles
Porteirinha: Um ensaio histórico - 63
Ivo das Chagas
Eu sou o cerrado - 69
João Carlos M. Sobreira de Carvalho
O velho Mercado Municipal - 79
Karla Celene Campos
O menino pescador e a menina do vento - 83
Lázaro Francisco Sena
Dr. João Luiz de Almeida - prócer da educação - 87
Luiz de Paula Ferreira
De onde viemos para onde vamos - 95
Maria Luiza Silveira Teles
Caminho de Volta - 97
Maria de Lourdes Chaves
Ofício do Registro Civil das Pessoas Naturais, Interdições e Tutelas - 101
Marta Verônica Vasconselos Leite
Auguste de Saint-hilaire - 119
Miriam Carvalho
No Mural de Cyro dos Anjos: A menina do sobrado - 128
Palmyra Santos Oliveira
Algumas Lembranças da minha Montes Claros - 142
Paulo Costa
O Telegrama - 149
Petrônio Braz
O Estreito Caminho de uma Academia -155
Roberto Carlos Morais Santiago
Cachaça de Salinas: História, Cultura e Agronegócio - 163
Wanderlino Arruda
Reivaldo, a realidade dos sonhos - 178
Wanderlino Arruda
Consul Fernanda Ramos - 181
Wesley Caldeira
A Primeira Execução de Pena de Morte em Montes Claros - 185
Avay Miranda
A Ocupação Desordenada do Cerrado - 196
Zanoni Eustáquio Roque Neves
Personagens Históricas e Datas Nacionais - 206


Impresso na oficina da
GRÁFICA EDITORA MILLENNIUM LTDA.
Rua Pires e Albuquerque, 173 - Centro
39.400-057 - Montes Claros - MG
E-mail: mileniograf@viamoc.com.br
Telefax: (38) 3221-6790
_______________________________________________
Não encontrando este livro nas livrarias, solicitar por
Reembolso Postal ao Instituto Histórico
e Geográfico de Montes Claros,
Praça Dr. Chaves, 32
E-mail: ihgmc@gmail.com - Site: www.ihgmc.art.br
39400-005 – Montes Claros – Minas Gerais