COMISSÃO
FUNDADORA 2006-2007
Dr. DÁRIO TEIXEIRA COTRIM
Dr. HAROLDO LÍVIO DE OLIVEIRA
Jornalista LUIS RIBEIRO
Dr. WANDERLINO ARRUDA
DIRETORIA
2007- 2009
PRESIDENTE
DE HONRA |
Dr.
LUIZ DE PAULA FERREIRA |
PRESIDENTE |
Dr.
WANDERLINO ARRUDA |
1º
VICE - PRESIDENTE |
Dr.
DÁRIO TEIXEIRA COTRIM |
2º
VICE - PRESIDENTE |
Dr.
HAROLDO LÍVIO DE OLIVEIRA |
DIRETORA
EXECUTIVA |
Profa.
MARTA VERONICA V. LEITE |
DIRETOR-SECRETÁRIO |
Dr.
PETRÔNIO BRAZ |
DIRETOR-SECRETÁRIO ADJUNTO |
Coronel
LÁZARO FRANCISCO SENA |
DIRETOR DE FINANÇAS |
Prof.
JUVENAL CALDEIRA DURÃES |
DIRETOR
DE FINANÇAS ADJUNTO |
Historiador
HÉLIO DE MORAIS |
DIRETORA
DE PROTOCOLO |
Profa.
REGINA Mª BARROCA PERES |
DIRETORA
CULTURAL |
Profa.
RAQUEL VELOSO MENDONÇA |
DIRETORA DE BIBLIOTECA |
Escritora
AMELINA CHAVES |
DIRETORA
DE MUSEU |
Historiadora
MILENA A. C. MAURÍCIO |
DIRETOR DE RELAÇÕES PÚBLICAS |
Dr.
ITAMAURY TELLES DE OLIVEIRA |
DIRETORIA
DE JORNALISMO |
Jornalista
LUIZ RIBEIRO |
CONSELHO
CONSULTIVO
Dr. JOSÉ GERALDO DE FREITAS DRUMOND
Dr. WALDYR DE SENA BATISTA
Profa. YVONNE DE OLIVEIRA SILVEIRA
COMISSÃO
DE GEOGRAFIA E ECOLOGIA
Prof.
IVO DAS CHAGAS
Profa. ANETE MARÍLIA PEREIRA
Profa. MARIA APARECIDA COSTA
COMISSÃO
DE HISTÓRIA E ARQUEOLOGIA
Profa.
MARTA VERÔNICA VASCONCELOS LEITE
Prof. CÉSAR HENRIQUE DE QUEIROZ PORTO
Profa. FELICIDADE PATROCÍNIO
COMISSÃO
DE ANTROPOLOGIA, ETNOGRAFIA
E SOCIOLOGIA
Prof.
GY REIS GOMES BRITO
Profa. CLÁUDIA REGINA ALMEIDA
COMISSÃO
DE CLASSIFICAÇÃO E DE
ADMISSÃO DE SÓCIOS
Jornalista
MAGNOS DENNER MEDEIROS
Profa. MIRIAM CARVALHO
Dra. FELICIDADE VASCONCELOS TUPINAMBÁ
Profa. ZORAIDE GUERRA DAVID
Dr. WANDERLINO ARRUDA
Dr. DÁRIO TEIXEIRA COTRIM
COMISSÃO
DA REVISTA DO INSTITUTO HISTÓRICO
E GEOGRÁFICO
Dr.
DÁRIO TEIXEIRA COTRIM - coordenador
Dr. ITAMAURY TELLES DE OLIVEIRA
Dr. PETRÔNIO BRAZ
Dr. WANDERLINO ARRUDA
Prof. JUVENAL CALDEIRA DURÃES
Profa. MARTA VERÔNICA VASCONCELOS LEITE
Jornalista LUIS CARLOS NOVAES
COMISSÃO
REVISORA DA REVISTA
Dr.
DÁRIO TEIXEIRA COTRIM
Dr. HAROLDO LÍVIO DE OLIVEIRA
Coronel LÁZARO FRANCISCO SENA
Dr. WANDERLINO ARRUDA
LISTA
DE SÓCIOS EFETIVOS DO IHGMC
CD |
Sócios |
Patronos |
01 |
Dr José Santos Rameta |
Alpheu
Gonçalves de Quadros |
02 |
Escritora
Milene A. Coutinho Maurício |
Alfredo de Souza Coutinho |
03 |
Padre
Antônio Alvimar Souza |
Antônio
Augusto Teixeira |
04 |
Professora
Claúdia Regina Almeida |
Antônio
Augusto Veloso (Desemb.) |
05 |
Profª
Yvonne de Oliveira Silveira |
Antônio
Ferreira de Oliveira |
06 |
Prof Marcos Fábio Martins Oliveira |
Antônio
Gonçalves Chaves |
07 |
Professora
Maria Aparecida Costa |
Antônio
Gonçalves Figueira |
08 |
Professora
Anete Marilia Pereira |
Antônio
Jorge |
09 |
Professora
Isabel Rebelo de Paula |
Antônio
Lafetá Rebelo |
10 |
Professora Maria Florinda Ramos Pina |
Antônio
Loureiro Ramos |
11 |
Jornalista
Reginauro Rodrigues da Silva |
Ary
Oliveira |
12 |
Dr
Antônio Augusto Pereira Moura |
Antônio
Teixeira de Carvalho |
13 |
Dr
Cesar Henrique Queiroz Porto |
Ângelo
Soares Neto |
14 |
Professora
Karla Celene Campos |
Arthur
Jardim Castro Gomes |
15 |
Jornalista
Magnus Denner Medeiros |
Ataliba
Machado |
16 |
Dr
Waldir de Senna Batista |
Athos
Braga |
17 |
Profa.
Marta Verônica Vasconcelos Leite |
Auguste
de Saint Hillaire |
18 |
Dr Petrônio Braz |
Brasiliano
Braz |
19 |
Dr Luiz de Paula Ferreira |
Caio
Mário Lafetá |
20 |
Professora Felicidade Patrocínio |
Camilo
Prates |
21 |
Dr Reivaldo Simões de Souza Canela |
Cândido
Canela |
22 |
Professora
Lygia dos Anjos Braga |
Carlos
Gomes da Mota |
23 |
Historiador
Hélio de Morais |
Carlos
José Versiani |
24 |
Dr
João Carlos Rodrigues Oliveira |
Celestino
Soares da Cruz |
25 |
VAGA |
Corbiniano
R Aquino |
26 |
VAGA |
Cyro
dos Anjos |
27 |
Professora
Regina Maria Barroca Peres |
Dalva
Dias de Paula |
28 |
Escritora
Amelina Chaves |
Darcy
Ribeiro |
29 |
Professora Filomena Luciene Cordeiro |
Demóstenes
Rockert |
30 |
VAGA
|
Dona
Tirbutina |
31 |
Professora
Clarice Sarmento |
Dulce
Sarmento |
32 |
Dr
Edgar Antunes Pereira |
Edgar
Martins Pereira |
33 |
Dr
Wanderlino Arruda |
Enéas
Mineiro de Souza |
34 |
Profa.
Geralda Magela de Sena e Souza |
Eva
Bárbara Teixeira de Carvalho |
35 |
VAGA |
Ezequiel
Pereira |
36 |
Dra. Felicidade Vasconcelos Tupinambá |
Felicidade
Perpétua Tupinambá |
37 |
VAGA |
Francisco
Barbosa Cursino |
38 |
Professora
Maria Inês Silveira Carlos |
Francisco Sá |
39 |
Professor
Ivo das Chagas |
Gentil
Gonzaga |
40 |
Drª
Maria da Glória Caxito Mameluque |
Georgino
Jorge de Souza |
41 |
Dr
Reinine Simões de Souza |
Geraldo
Athayde |
42 |
Professora
Maria Luiza Silveira Teles |
Geraldo
Tito da Silveira |
43 |
Professor
Benedito de Paula Said |
Godofredo
Guedes |
44 |
Hist.
Roberto Carlos Morais Santiago |
Heloisa
V. dos Anjos Sarmento |
45 |
Jornalista
Angelina de Oliveira Antunes |
Henrique
Oliva Brasil |
46 |
Professora
Eliane Maria F Ribeiro |
Herbert
de Souza – Betinho |
47 |
Jornalista
Paulo César Narciso Soares |
Hermenegildo
Chaves |
48 |
Professora
Raquel Veloso de Mendonça |
Hermes Augusto de Paula |
49 |
Dra.
Maria Fernanda M. Brito Ramos |
Irmã
Beata |
50 |
Escritor
Olyntho Alves da Silveira |
Jair
Oliveira |
51 |
Dr
José Carlos Vale de Lima |
João
Alencar Athayde |
52 |
Profa.
Maria Isabel M. F. Sobreira |
João
Chaves |
53 |
Dr
João Carlos M. Sobreira de Carvalho |
João
Batista de Paula |
54 |
VAGA |
João
José Alves |
55 |
Cel.
Lázaro Francisco Sena |
João
Luiz de Almeida |
56 |
Escritor
João Aroldo Pereira |
João Luiz Lafetá |
57 |
Jornalista
Luiz Carlos Novaes |
João
Novaes Avelins |
58 |
Professor Necésio de Morais |
João
Souto |
59 |
Jornalista
Luiz Ribeiro dos Santos |
João
Vale Maurício |
60 |
VAGA |
Jorge
Tadeu Guimarães |
61 |
Jornalista
Girleno Alencar Soares |
José
Alves de Macedo |
62 |
Profº
José Geraldo de Freitas Drumond |
José
Esteves Rodrigues |
63 |
Historiador Pedro de Oliveira |
José
Gomes Machado |
64 |
Professora
Palmyra Santos Oliveira |
José
Gomes de Oliveira |
65 |
Dra.
Maria de Lourdes Chaves |
José
Gonçalves de Ulhôa |
66 |
Arqueólogo
Fabiano Lopes de Paula |
José
Lopes de Carvalho |
67 |
Dr
Elias Siuffi |
José
Monteiro Fonseca |
68 |
Professora
Rejane Meireles Amaral |
José
Nunes Mourão |
69 |
VAGA |
José
(Juca) Rodrigues Prates Júnior |
70 |
Jornalista
Márcia Sá |
José
Tomaz Oliveira |
71 |
Dr João Caetano Canela |
Júlio
César de Melo Franco |
72 |
Jornalista
Theodomiro Paulino Correa |
Lazinho
Pimenta |
73 |
Dra.
Maria das Mercês Paixão Guedes |
Lilia
Câmara |
74 |
Professor
Laurindo Mekie Pereira |
Luiz Milton Prates |
75 |
VAGA
|
Manoel
Ambrósio |
76 |
VAGA |
Manoel
Esteves |
77 |
Profª
Maria Jacy de Oliveira Ribeiro |
Mário
Ribeiro da Silveira |
78 |
Jornalista
Américo Martins Filho |
Mário
Versiani Veloso |
79 |
Professora
Maria José Colares Moreira |
Mauro
de Araújo Moreira |
80 |
Jornalista
Hélio Machado |
Miguel
Braga |
81 |
Prof. Juvenal Caldeira Durães |
Nathércio
França |
82 |
Dr
Haroldo Lívio de Oliveira |
Nelson
Viana |
83 |
Historiador
Paulo Costa |
Newton
Caetano d’Angelis |
84 |
Dr
Itamaury Telles de Oliveira |
Newton
Prates |
85 |
VAGA
|
Armênio
Veloso |
86 |
Professora
Zoraide Guerra David |
Patrício
Guerra |
87 |
Profa.
Marta Edith Sayago M Marques |
Pedro
Martins de Sant’Anna |
88 |
Professora
Miriam Carvalho |
Plínio
Ribeiro dos Santos |
89 |
Jornalista
Rosângela Silveira |
Robson
Costa |
90 |
Hostoriador
José Henrique Brandão |
Romeu
Barcelos Costa |
91 |
Dr
Wesley Caldeira |
Sebastião
Sobreira Carvalho |
92 |
Professor
Roberto Pinto Fonseca |
Sebastião
Tupinambá |
93 |
Dr
Dário Teixeira Cotrim |
Simeão
Ribeiro Pires |
94 |
Dr
Luiz Pires Filho |
Teófilo
Ribeiro Filho |
95 |
VAGA |
Terezinha
Vasquez |
96 |
Professora
Ruth Tupinambá Graça |
Tobias
Leal Tupinambá |
97 |
Professor
Gy Reis Gomes Brito |
Urbino
Vianna |
98 |
Jornalista
Rafael Freitas Reis |
Virgilio
Abreu de Paula |
99 |
VAGA |
Waldemar
Versiani dos Anjos |
100 |
Professora
Maria Clara Lage Vieira |
Wan-dick
Dumont |
Sócios
Correspondentes
Dr.André
Kohene |
Caetité
-BA |
Prof.
Regente Armênio Graça Filho |
Rio
de Janeiro- RJ |
Dr.
Ático Vilas-Boas da Mota |
Macaúbas
- BA |
Dr.
Augusto José Vieira Neto |
Belo
Horizonte - MG |
Dr.
Avay Miranda |
Brasilia
- DF |
Jornalista
Carlos Lindenberg Spínola Castro |
Belo
Horizonte - MG |
Escritora
Carmem Netto Victória |
Belo
Horizonte - MG |
Historiadora
Célia do Nascimento Coutinho |
Belo
Horizonte - MG |
Historiador
Daniel Antunes Júnior |
Espinosas
- MG |
Dr.
Enock Sacramento
|
São
Paulo - SP |
Dr.
Fernando Antônio Xavier Brandão |
Belo
Horizonte MG |
Dr.
Eustáquio Wagnar Guimarães Gomes |
Belo
Horizonte - MG |
Escritor
Flávio Henrique Ferreira Pinto |
Belo
Horizonte - MG |
Jornalista
Geraldo Henriques (Riky Tereze) |
New
York - USA |
Prof.
Herbet Sardinha Pinto |
Belo
Horizonte - MG |
Jornalista
Jeremias Macário |
Vitória
da Conquista - BA |
Jornalista
João Martins |
Guanambi
- BA |
Dr.
Jorge Lasmar |
Belo
Horizonte MG |
Prof.
José Eustáquio Machado Coelho |
Belo
Horizonte MG |
Prof.
Dr. Jorge Ponciano Ribeiro |
Brasília
- DF |
Dr.
Marco Aurélio Baggio |
Belo
Horizonte MG |
Profa.
Dra. Maria da Consolação M. Figueiredo Cowen |
London
- England |
Prof.
Moisés Vieira Neto |
Várzea
da Palma - MG |
Jornalista
Paulo César Oliveira |
Belo
Horizonte - MG |
Jornalista
Paulo César Oliveira |
Belo
Horizonte - MG |
Escritor
Reynaldo Veloso Souto |
Belo
Horizonte - MG |
Prof.Thiago
Carvalho Makiyama |
Gunma-Ken
- Japão |
Prof.
Wellington Caldeira Gomes |
Belo
Horizonte - MG |
Historiador
Zanoni Eustáquio Roque Neves
|
Belo
Horizonte - MG |
NOTAS
DOS COORDENADORES DA EDIÇÃO
A ordem de publicação dos trabalhos dos sócios
efetivos obedeceu à seqüência alfabética
dos nomes dos autores. Em seguida, foram ordenados os trabalhos
dos sócios correspondentes; A Revista não se responsabiliza
por conceitos e declarações expedidos em artigos
publicados; A revisão dos disquetes originais foi feita
pelos próprios autores dos artigos publicados.
HOMENAGENS
Historiador João Botelho Neto |
Cônego Adherbal Murta de Almeida |
Poeta Reivaldo Canela |
EPITÁFIO
Para um túmulo de amigo
“A
morte vem de manso, em dia incerto
e fecha os olhos dos que têm mais sono...”.
(Alphonsus de Guimaraens – ossa mea, I.)
FINS
DO IHGMC
Art. 2º - O IHGMC tem como finalidade a promoção
de estudos e a difusão de conhecimentos de história,
geografia e ciências afins, do município de Montes
Claros e da região Norte de Minas, assim como o fomento da
cultura, a defesa e a conservação do patrimônio
histórico, artístico e cultural.
APRESENTAÇÃO
Desejo, de início, saudar o companheiro Dário Teixeira
Cotrim, nosso ilustre vice-presidente, como o sempre vitorioso coordenador
desta Revista, agora em seu terceiro volume, feito inédito
para qualquer instituição científica ou literária.
Um maravilhoso acontecimento que tem tudo para ser repetido pelo
menos uma vez a cada semestre,
pode esperar nosso querido público interno e externo, sempre
pronto a elogiar um feito tão bem feito.
Esta Revista do Instituto Histórico e Geográfico de
Montes Claros, edição primorosa graças ao bom
trabalho gráfico da Editora Millennium Ltda., tem sido também
um exemplo de uma exemplar capacidade de trabalho e de boa vontade
de grande parte do nosso quadro social, agora já acima dos
noventa companheiros na lista efetiva e de muitos dos companheiros
correspondentes moradores em outras partes fora da região
norte-mineira. Somos felizes com a colaboração de
todos, seja com trabalhos publicados, seja com a crítica
amiga e positiva, mais útil ao nosso aperfeiçoamento.
Tudo tradução de muita alegria e muita esperança,
capazes de implantar, mudar e transformar qualquer coisa,
principalmente a construção dos sonhos e a concretização
do amor a tudo que represente registro da cultura e do saber histórico
e geográfico.
Afinal, somos pessoas com os pés na terra e a cabeça
nas estrelas, capazes de sonhar, sem medo de nossos sonhos. Idealistas,
determinados, transformamos sonhos em metas, com uma vontade incrível
de tornar tudo uma segura realidade. Desde os primeiros dias da
fundação no final de 2006, nunca abrimos mão
de construir nossos destinos e arquitetar o melhor para o nosso
Instituto Histórico e Geográfico de Montes Claros,
que chegou orientado e protegido pelo centenário Instituto
Histórico e Geográfico de Minas Gerais, uma das mais
firmes instituições do país, reconhecida internacionalmente.
Parceiros da eternidade, permitimo-nos até uma brincadeira
com um assunto mais do que sério: os limites da vida humana,
tudo mutável e muito passageiro. Na Revista número
um, registramos as nossas saudades ao primeiro companheiro chamado
pelo andar de cima, o historiador João Botelho Neto, da cidade
de São Francisco. Na Revista número dois, uma saudade
dupla, com o passamento do também mui querido Padre Aderbal
Murta de Almeida, página de homenagem já com duas
fotos. Agora, número três, o Grande Arquiteto do Universo
antecipou nossa edição com o chamamento ao colega
Reivaldo Simões de Souza Canela: três fotos marcando
doces lembranças, imensa saudade e registro de três
vagas no quadro social. Tudo fora do nosso controle e nem podemos
nos queixar do Criador, porque vida e morte sempre farão
parte do cenário tanto da História como da Geografia.
Desculpe-me o leitor e vamos esperar que a quarta revista, que deverá
sair em junho/julho não contenha qualquer outra foto que
não a da página de homenagens desta edição.
Nossa última palavra é a de saudação
ao Centenário do notável Godofredo Guedes, nosso artista
maior de todos os tempos.
Montes
Claros, dezembro de 2008
Wanderlino Arruda - Presidente
HOMENAGEM
ESPECIAL
GODOFREDO GUEDES
UM
SÉCULO DE GODOFREDO GUEDES
Amelina Chaves
Cadeira N . 28
Patrono: Darcy Ribeiro
Só a arte, quando direcionada pelo Criador, tem o poder de
eternizar o homem. Tanto que, em todas as criações
da antiguidade, a arte permanece viva e discutida entre nós.
Por mais que ela seja destruída pela evolução,
ainda assim permanece na escrita, nas pedras que constróem
os monumentos, nos pincéis movidos pelas mãos mágicas
dos gênios, que em Montes Claros está destacada pelo
mestre Godofredo Guedes DA SIMPLICIDADE DE UM GÊNIO. Eu que
proclamo aos quatro ventos a minha facilidade para escrever, vez
por outra minha caneta quando sempre dança leve no papel,
queda inibida diante da sua arte, as palavras se perdem no colorido
de suas telas. Ou nas planícies verdejantes do meu pensamento
que busca inspiração na voz suave de BETO GUEDES quando
ele diz:
- Quando vier setembro e a boa nova entrar nos campos.
E a natureza é cantada em prosa e versos, e os pequizeiros
esperando a primavera. Assim sigo a trilha do Gênio, sem palavras
difíceis rebuscadas no dicionário, apelo para a simplicidade
para buscar no fundo do coração e da memória
a figura ímpar de Godofredo Guedes.
Vejo-o na feira de arte, como um artesão sem a esnobação
tão comum dos grandes artistas. Era um trabalhador de mãos
grosseiras, estragadas pelo manejar dos pincéis. Era um homem
marcado pela sua personalidade simples, que não demonstrava
todo colorido que morava na sua alma. GODÔ, apelido carinhoso,
escreveu uma das mais belas páginas da nossa história.
Seus quadros ocupam espaço em todas as salas de residenciais
e escritórios de Montes Claros. Ele pintava por vocação,
sem se preocupar em enriquecer com sua arte. Não se limitava
apenas nas tintas, ele transformava em poesias divinas. Conta-se
que desde menino era fascinado pela música, que ele foi construindo
e armazenando para mais tarde explodir nacionalmente na voz do seu
filho BETO GUEDES, que acreditou e valorizou o potencial do seu
pai. Coisa rara em família. Assim, o sobrenome Guedes passou
a ser conhecido em todo Brasil.
ESCREVER QUASE SEMPRE ME FAZ RECORDAR. Ao vêlo jamais podia
imaginar que estávamos diante de um inigualável gênio
da música e das artes plásticas, e que mais tarde
estas influenciaram seus filhos e netos que hoje tornaram uma família
musical que levou o nome de Montes Claros além-fronteiras.
Numa ponte de amor que fez o seu passado-presente. Um prêmio
compensador vindo da sensibilidade dos seus descendentes que acreditaram
no seu potencial. Como testemunha de sua vida dedicada a um sonho,
Godofredo Guedes fez da sua arte uma oração diária.
Vendendo ou não, ele estava sempre no seu atelier, que não
passava de uma garagem de sua casa. Foi sempre o operário
que teve o compromisso sagrado com sua vocação doada
gratuitamente pelo Criador de todas as coisas.
GG:
UMA ARTE TOTAL
Dário Teixeira Cotrim
Cadeira nº 93
Patrono: Simeão Ribeiro Pires
Nesta tarde-noite do dia dezenove de maio nós tivemos a imensa
satisfação de admirarmos com entusiasmo as obras do
ilustre artista plástico Godofredo Guedes, no Salão
Nobre do Centro Cultural Dr. Hermes de Paula. Na Exposição,
são vinte e cinco exuberantes obras plásticas, cada
uma mais bonita do que a outra e todas embelezando o grande salão
que leva o nome do homenageado. Representadas ali estão treze
famílias montes-clarenses e mais o Conservatório Estadual
de Música Lorenzo Fernandez. As famílias que colaboraram,
emprestando as obras (GG) para a exposição foram:
Afonso Teixeira, Ana Esteves, Dário Teixeira Cotrim, Dolores
Guedes,
Edmundo Andrade, Fábio Lafetá, Geraldo Avelar, Haroldo
Lívio de Oliveira, Hermes de Paula, Luis Cláudio,
Mônica Kroger, Walmor de Paula e Zezim Mendonça.
Quem pensa que já vai longe o tempo em que se ia a uma exposição
apenas para apreciar obras comuns, enganou-se por completo. Porque
a exposição dos quadros do artista plástico
Godofredo Guedes tem uma beleza única que ameniza dores esuaviza
ambientes. Além disso, ainda há no seu trabalho o
aspecto bizarro, sem aborrecimento e sem aquela impressão
das dúvidas que existem nos salões de artes contemporâneas.
É assim porque a maioria dos seus trabalhos retrata com raro
encantamento nossos casarões e o querido Rio São Francisco.
É a natureza mostrada com efeitos fugazes de luz e movimento,
ora no amanhecer, ora no entardecer, em busca de um paraíso
utópico. É como se as águas paradas de sua
pintura do dia anterior começassem a se movimentar no trabalho
do dia seguinte. O deslumbramento do espectador diante de suas obras,
como a Igreja do Rosário, pode ser a redenção
entre a arte de ontem e a do homem contemporâneo.
Não há tão somente mágicas e mistérios
nos quadros pintados por Godofredo Guedes, mas também o talento
artístico que sempre lhe acompanhou em cada pincelada encharcada
das fortes e suaves cores de sua aquarela. O resultado é
excepcional.
A mistura da paisagem viva com a ilustração da natureza
morta resulta o talento do bom baiano de Riacho de Santana: são
rios, mares, igrejas, casarões, gente, animais e muitos sonhos.
Frederico Morais, respeitado crítico de arte, disse numa
entrevista para
a revista Bravo! que os artistas plásticos terminam contribuindo
para definir a identidade de um país que é só
seu. Portanto, a pintura de Godofredo Guedes retrata, sistematicamente,
o seu tempo como espaço transitório onde um dia nasceu,
viveu e depois morreu. Morreu para tristeza de todos nós.
A exposição desta noite tem como proposta homenagear
o ilustre pintor baiano Godofredo Guedes que, se vivo fosse estaria
fazendo em agosto vindouro o seu primeiro centenário. Certamente
que o artista plástico é aquele que faz do mundo das
cores o seu momento de prazer, mas, por outro lado, ele nunca coleciona
para si tudo aquilo que produz. Para a montagem desta exposição,
é claro que os coordenadores contaram com a cumplicidade
dos amantes da arte, pois não seria possível a realização
dela se assim não fosse.
Bem,
o que queremos, com essa despretensiosa crônica sobre o vernissage
do Centenário de Godofredo Guedes, é mostrar uma particularidade
comum em seus belíssimos trabalhos: os riscos e os rabiscos
do impressionismo revelados nas suas telas. Até porque, nas
obras do nosso artista, a gente viaja léguas e mais léguas
em busca das águas quietas de um grande rio que fica bem
distante de nós. Outrossim, os fachos de luzes que atuam
brilhantemente sobre a imagem projetada em cada tela sua, o que
somente vem nos proporcionar momentos prazerosos na vida, agora
saudosamente projetam a própria imagem do artista.
UM
POUCO SOBRE GODOFREDO GUEDES
O nosso Godofredo Guedes nasceu no dia 15 de agosto de 1908, na
cidade baiana de Riacho de Santana. Ele era filho de José
de Souza Guedes e de dona Durvalina Fernandes Guedes. Na genealogia
das famílias baianas encontramos os Guedes de Brito, que
são os descendentes do desbravador Antônio Guedes de
Brito. Certamente que Godofredo Guedes tem alguma descendência
desse grande desbravador e criador de gado, uma vez que as suas
fazendas de gado estavam presentes nesta região do rio São
Francisco. Por outro lado o rio São Francisco em muito influenciou
a obra do artista. A vida do menino Godofredo Guedes em nada foi
diferente da dos seus outros amigos. O banho nos poços existentes
nos talvegues dos rios era, acima de tudo, uma
necessidade. Jogar pião nos descampados das praças;
jogar finca nas épocas das chuvas, quando a terra ainda estava
molhada; brincar de passar anelzinho, de ciranda-cirandinha, de
chicotinho queimado e outros entretendimentos eram exclusividades
dos meninos daquele tempo. Portanto, repetimos que para Godofredo
Guedes em nada foi diferente a sua infância e adolescência.
Também a romaria de Bom Jesus da Lapa, que obrigatoriamente
passava pela cidade de Riacho de Santana, contribuiu muito na formação
da arte de Guedes. Nesse sentido há registroda
existência de uma tela na sua cidade natal produzida em homenagem
ao “Nosso Senhor Bom Jesus”, com data de 1923 e uma
outra ainda, na vizinha cidade de Bom Jesus da Lapa. Assim, viajamos
até a cidade de Bom Jesus da Lapa e lá encontramos
um dos trabalhos mais antigos do Godofredo Guedes. O painel central
do Santuário do Bom Jesus, pintado no madeiramento do forro
do altar-mor da imagem milagrosa do Bom Jesus da Lapa, no ano de
1934. O trabalho executado por Godofredo Guedes ocorreu em razão
do pedido formulado pelo padre espanhol Turíbio Vilanova
Segura. Naquela ocasião foi construída a Torre do
Morro da Lapa, com duração de dez anos (1940-1950),
foram iniciados os trabalhos de escavação na Gruta
da Soledade, além da reconstrução do túmulo
do Monge Francisco de Mendonça Mar. Um ano depois de ilustrar
o altar-mor do Santuário de Bom Jesus da Lapa, o artista
plástico Godofredo Guedes decidiu mudar definitivamente para
a região norte-mineira (Monte Azul) e finalmente para a cidade
de Montes Claros. GG obrigado por tudo!
Painel da Gruta de Bom Jesus da Lapa
GG,
O LETRADO
Haroldo
Lívio de Oliveira
Cadeira nº 82
Patrono: Nelson Viana
Existem
telas de Godofredo Guedes – retratos, paisagens, marinhas,
naturezas mortas espalhadas pelo mundo inteiro. Até no Japão
encontra-se a arte de GG. Ele pintou milhares de quadros, em mais
de meio século de pintura, e por isso todos evocam o artista
desaparecido como o grande pintor de Montes Claros, ou seja, o pintor
oficial de nossa cidade, que eternizou, em pinceladas de mestre,
a igrejinha demolida do Rosário, a capela dos Morrinhos,
o Mercado antigo, a Praça da Matriz, os recantos pitorescos
dos arrabaldes e, para memória dos pósteros, as pessoas
que retratou com perfeição e fidelidade.
Entretanto, o pintor que resplandecia em Godofredo obscureceu, imerecidamente,
em sua obra de artista completo, as outras facetas de sua habilidade
artística e mecânica. porque ele atingiu o virtuosismo
não foi somente no manejo de pincéis e na
intimidade com o mistério das cores e suas variações.
A começar do músico, instrumentista exímio,
compositor, fabricante e até inventor de instrumento musical,
que foi injustiçado
a vida inteira e só veio a saborear o sucesso depois da parceria
com Beto Guedes, seu filho e ídolo, em cujas gravações
tinha sempre reservada uma faixa. Recentemente, encontrei GG, na
fila do banco, exibindo orgulhoso o primeiro cheque recebido em
pagamento dos direitos autorais pela gravação de Casinha
de Palha. Para o artista radiante de felicidade, a paga era a reparação
de uma vida inteira ressentida com a falta de oportunidade para
a divulgação de sua obra musical, que tinha certeza
de ser da melhor qualidade, como ficou comprovado quando finalmente
o sucesso bateu à sua porta.
Pouca gente, todavia, pôde perceber que ele, além de
músico e pintor, era também um homem de letras, um
letrado mesmo, na verdadeira acepção do termo. Lendo
a notícia do trágico falecimento do artista, o amigo
Moacir (Boy) de Miranda Santos; que tudo vê, observa e analisa,
perguntou-me de improviso: Por que Godofredo não faz parte
da Academia de Letras? Entendi, incontinenti, sua estranheza quanto
à ausência de Godofredo entre os acadêmicos,
e pude sentir que todos nós cometemos a falha de nunca haver
destacado o grande morto como um de nossos letrados. Nosso equívoco
tornou-se maior porque ele revelou sua estirpe de poeta, nas letras
impecáveis de suas composições musicais e nós
batíamos palmas para o pintor que também compunha,
esquecidos de que o letrista é o letrado que põe letra
na música.
No que me tange, sem querer bancar o bonzinho, digo que, há
vinte e oito anos atrás, ao me aproximar do artista, graças
à amizade de seu filho Zeca, senti que estava diante de um
beletrista de mão-cheia. Recordo-me perfeitamente de uma
frase angustiada com que ele definiu o drama dos jovens que se casam
cedo demais para mais tarde amargarem a desolação
da infinita mágoa. Era um conselho para nós, e uma
bela expressão, dados de graça.
Numa entrevista de mais de quatro horas dada ao O Jornal de Montes
Claros, gravada, GG pôs-se à vontade e discorreu, fluentemente,
num português escorreito que já não é
comum ouvir-se. E ele queixava-se de dificuldade para falar em público,mais
por modéstia, tanto que ao agradecer pela exposição
retrospectiva de sua pintura, montada por Ruth Jabbur, na Galeria
do Centro Cultural, ele encerrou sua curta oração
dizendo ver naquele trabalho gigantesco uma “glorificação”.
Como letrado que era, exprimia-se com gramática correta e
vocabulário rico. Superada a timidez inicial, manipulava
as palavras com o mesmo domínio que tinha ao misturar as
cores na palheta.
Boy tem toda razão, quando censura a falta de GG na Academia,
e eu, que (graças a Deus) o conheci de perto e cheguei a
escrever a seu respeito, há vinte anos atrás, sinto
que devia ter focalizado o escritor com mais insistência ,
pois já sabia de seu valor literário. Ainda me lembro
de que, recentemente, numa manhã de pouco movimento, na Feira
de Artes, na Praça da Matriz, o velho Godô declamou
para mim alguns versos de sua mocidade, tudo ourivesaria do mais
fino lavor, falando de sonhos
impossíveis e amores desatinados.
Pois é, Godofredo Guedes foi também um escritor bem
apetrechado, um poeta baiano que honrava a poesia da Bahia.
(05.05.1985)
PATÃO,
O BRUCUTU
Hélio de Castro Guedes – 1948/2008
Haroldo
Lívio de Oliveira
Cadeira nº 82
Patrono: Nelson Viana
Três de julho de 2008: feriado municipal e luto, infelizmente.
Montes Claros, a Cidade da Arte e da Cultura, sopra as 151 velas
de seu bolo de aniversário e, em lugar de ser presenteada,
foi atingida, em seu coração de mãe, pela perda
de um filho amado. Hélio de Castro Guedes, na verdade, era
apenas um nome para constar no documento de identidade, para ser
conhecido apenas pelos familiares e amigos mais chegados. Dos tais
que ele guardava, no lado esquerdo do peito, como na canção.
E que eram muitos. Sempre achei o superlativo. Patão inadequado
para uma criatura tão delicada e amorosa. E achava esquisito
que ele fosse chamado de ex-brucutu, que era o nome da banda de
rock em que tocava guitarra. Esse conjunto de beatlemaníacos
marcou época, na vida social de nossa cidade e na vida de
Patão.
Ele vinha padecendo, há vários meses, de implacável
reincidência de um tumor maligno cerebral, porém, não
se deu por vencido e nutria alguma esperança de cura. O poeta
Patão amava a vida, como amou as mulheres, e queria continuar
vivendo,
e bem merecia, porque tinha projetos pessoais de grande importância
para serem realizados. Primeiro, pretendia colocar novamente no
ar o “site” jornaldocafegalo.com, por ele fundado e
no qual tive a subida honra de ser colaborador. O jornal eletrônico
estivera em franco crescimento, quando adoeceu pela primeira vez
e não pôde prosseguir no empreendimento.
Depois,
reagiu bem ao tratamento, obteve alta e retornou ao trabalho. Estava
arrumando a casa para o evento que marcaria sua obra de artista,
no momento em que veio a recaída que acabou lhe roubando
o bem supremo da vida. Desde o ano passado, vinha anunciando aos
amigos sua dedicação exclusiva, neste ano de 2008,
à comemoração festiva do centenário
de nascimento de Godofredo Guedes. Segundo o compositor Tico Lopes,
seu companheiro de noitadas homéricas, Patão tinha
DNA de artista. Sendo filho de Godô, nasceu com a inclinação
natural pelas artes. Os três filhos homens de Godofredo Guedes
são todos artistas, saíram puxando o velho. Zeca,
meu velho amigo, é pintor como o pai, pinta paisagens, retratos,
sendo mais conhecido, entretanto, como pintor de publicidade. Beto
Guedes é um dos maiores ídolos da MPB. A primogênita,
Teresinha, pinta e expõe suas telas, aqui, em Belo Horizonte
e alhures. As outras moças, Dolores, Estela e Lúcia
devem ter algum dom artístico, pois têm o mesmo DNA.
Dona Júlia reinava absoluta, na família, e esmerava
no preparo da moqueca de surubim à baiana, pra baiano nenhum
botar defeito. Salve a Bahia! O espírito da Boa Terra deve
morar entre as paredes daquela casa hospitaleira da Rua Ruy Barbosa.
Patão era um artista de sete instrumentos. Pintava, desenhava,
tocava violão, cantava e compunha como Godô, fazendo
a letra e a melodia. Era um artista muito respeitado e citado onde
se falasse de cores e notas musicais. Com profunda tristeza, o acompanhamos
em sua ida para o campo santo. Seu corpo desceu ao túmulo,
ao lusco-fusco, no Dia da Cidade, debaixo de aplausos e ao som mavioso
do violino de Gabriel Guedes, seu sobrinho.
Mui
merecidamente, já tinha sido velado na Galeria Godofredo
Guedes do Centro Cultural. Decididamente, não pode haver
homenagem maior para o grande artista montes-clarense.
Hélio de Castro Guedes
GODOFREDO
GUEDES E PORTEIRINHA
Itamaury Teles
Cadeira nº 84
Patrono: Newton Prates
Enquanto o Padre Julião Aroyo Gallo rezava a missa em latim,
de costas para os fiéis, e só de vez em quando virava-se
para dizer o Dominus vobiscum litúrgico, meu pensamento infantil
viajava nas asas da imaginação e mergulhava naquele
cenário celeste estampado no grande mural – pintado
a óleo, em cores vivas – e eu me via na pele daquelas
figuras angelicais tocando harpa e bandolim ou carregando círios
flamejantes...
Sempre soube que o autor daquela obra de arte, que mantenho viva
na retina até hoje, tinha sido Godofredo Guedes, o mesmo
que pintara o mural do Santuário em Bom Jesus da Lapa, na
Bahia.
Agora, quando Montes Claros comemora o centenário de nascimento
de Godofredo Guedes, eminente pintor baiano, natural de Riacho Santana,
vi-me na obrigação de trazer a público que
ele também deixou sua marca genial em Porteirinha, naquele
mural no altar-mor da Igreja Matriz de São Joaquim, que provocava
em mim devaneios, enquanto o vigário orava.
Belo mural de Godofredo Guedes, na Matriz de Porteirinha
(Foto: Itamaury Teles)
Na
década de 70, quando fui estudar em Montes Claros, tive a
grata satisfação de conhecer pessoalmente o já
famoso Godofredo Guedes, uma vez que ele era meu vizinho, ali na
Rua Ruy Barbosa, onde residia e possuía ateliê de pintura.
Recentemente, voltei a Porteirinha com uma missão em especial:
fotografar o grande painel do Godofredo Guedes, porquanto poucos
sabiam que aquela obra pertencia ao acerco iconográfico do
elogiado mestre.
De fato, pude constatar no local a autenticidade da obra e a assinatura
do autor, que a concluiu em 1.3.956, e ali apôs não
só a data, mas também a sua reconhecida assinatura:
G.Guedes.
A assinatura da obra está escondida pelo altar,
na parte inferior direita do
mural (Foto: Itamaury Teles)
O
mural foi executado durante os trabalhos de reforma da Igreja Matriz
de Porteirinha, iniciados em 8.10.1953 e concluídos em 29.8.1959,
que duraram exatos cinco anos, oito meses e 21 dias...
A encomenda do mural fora feita pelo pároco da cidade, Cônego
Julião Arroyo Gallo, um espanhol que morou em Porteirinha
por muitos anos, mas não deixou registro algum, a não
ser fotos em frente ao altar e o mural. No leito de morte, em Montes
Claros, revelou o desejo de ser sepultado em Porteirinha. Depois
de enterrado no cemitério local, seus despojos foram transladados
e encontram-se depositados bem próximos ao mural, na parede
lateral direita do templo que reformara, ...
Como pude apurar, a execução do trabalho fora feita
em pouco tempo, entre uma missa dominical e outra, porquanto ninguém
se lembra da passagem do Godofredo Guedes pela cidade, nem mesmo
a historiadora Palmyra Santos Oliveira, nossa confreira no Instituto
Histórico e Geográfico de Montes Claros, que lá
reside desde 1942 e sempre participou dos movimentos católicos
locais. Suspeita-se até, em razão desse fato, que
ele tenha solicitado
ao pároco tranqüilidade absoluta para a pintura do grande
mural e o tenha executado em curto espaço, totalmente recluso
no templo.
Há, ainda, lamentavelmente, outra vinculação
de Porteirinha com Godofredo Guedes: a sua morte fora causada por
atropelamento. A motocicleta que o atingiu, em frente ao Hospital
São Lucas, era pilotada por um porteirinhense...
O Padre Julião Arroyo Galo, de origem espanhola,
teve sensibilidade para
convidar o artista Godofredo Guedes para ilustrar a parede do templo.
As
fotos, do seu álbum particular, dão bem a dimensão
do seu orgulho com a
pintura do GG.
O Padre Julião Arroyo Galo em frente do painel pintado por
Godofredo Guedes
na Igreja de Porteirinha.
GODOFREDO
GUEDES,
UM ARTISTA SIMPLES E COMPLETO
Luiz Ribeiro dos Santos
Cadeira N. 59
Patrono: João Valle Maurício
Eu moro numa casinha de palha, que fica atrás da muralha
daquela serra, acolá de longe elas nos parece arruinada,
mas de perto ela é juncada de baunilha e manacá”.
A simplicidade descrita na letra imortalizada na voz de seu filho,
o cantor Beto Guedes, ilustra bem quem foi o artista Godofredo Guedes,
cujo centenário é comemorado em este ano. Godofredo,
“Godô” ou apenas “GG” foi um artista
múltiplo. Além de pintor, era compositor, instrumentista
e luthier - fabricava seus próprios instrumentos, incluindo
dois pianos. E mesmo com todo esse currículo, ele carregou
ao longo da vida a marca de um homem simples.
Godofredo nasceu em Riacho de Santana, no sertão da Bahia,
em 15 de agosto de 1908. Aos dez anos de idade, ganhou de presente
de seu pai uma caixa de lápis de cor. Foi o começo
de uma vida de artista. A partir daí, nunca mais parou de
pintar. Mas logo iria descobrir outros dons: o de fabricar instrumentos
e o da criatividade musical. Aos 12 anos fez seu primeiro violão
e, aos 15, com a participação de seus irmãos,
Francisco e Olímpio, formou
um grupo de jazz – o “G.Guedes e Seu Conjunto”
- em sua cidade natal. Eles se apresentavam de graça, apenas
pelo
gosto de mostrar o trabalho musical.
TALENTO PRECOCE
Não demorou para que fosse despertado de vez o talento para
as artes plásticas. O primeiro trabalho de Godô foi
a série dos doze quadros da Via Sacra, na gruta da Igreja
de Bom Jesus da Lapa, nas barrancas do Rio São Francisco,
também no interior baiano. A obra continua lá, apreciada
pelos milhares de fiéis que, anualmente, visitam a cidade
católica.
Na
adolescência, Godofredo, para sobreviver, se viu obrigado
a dividir a vida artística com o emprego numa farmácia
em Riacho de Santana. Nesta época, teve um aprendizado importante:
o da língua francesa. “Como as bulas de remédio
eram escritas em francês, eu era obrigado a ler e traduzir
o que estava escrito”, disse, certa vez, numa entrevista.
Aos 27 anos, Godofredo mudou-se para Montes Claros. Quatro anos
antes, casara-se com a conterrânea Júlia, com quem
teve oito filhos. “Viemos da Bahia de caminhão, com
redes amarradas em cima da carroceria. Lembro como se fosse hoje”,
relata Terezinha Guedes, 65 anos, filha mais velha de GG.
Logo que chegou à cidade, em 1935, o então farmacêutico
prático passou a dividir o ofício com a vida de pintor
e músico. “Para ganhar o pão eu pintava tudo:
placas, letreiros, fachadas e quadros. No setor musical comandava
um conjunto que enchia as noites boêmias dos cabarés
grã-finos da época”, declarou Godofredo em sua
autobiografia.
PERFECCIONISTA E AUTO-DIDATA
Godofredo foi o primeiro pintor de placas para casas comerciais
da cidade. Foi também o primeiro artista a pintar em telas
em toda região. Declarou que preferia pintar as paisagens,
pois dar forma ao rosto era muito difícil, principalmente,
porqueele
mesmo se achava um perfeccionista. No entanto, “retratou”
muitas pessoas. O primeiro rosto que pintou foi do Dr. Santos, ex-prefeito
de Montes Claros. Também levou para a tela as faces de muitas
figuras importantes da cidade como a do maestro Oscar Lorenzo Fernandez
e do pintor Konstantin Christoff – que também foi seu
amigo.
“Apesar de ser autodidata, Godofredo pintava como um acadêmico.
Retratava fielmente o real com um jogo perfeito de luzes e sombras,
perseguia a cor exata. Enquanto não achava a cor perfeita
de cada detalhe, não descansava. Outra característica
marcante de suas telas é a retratação fiel
de paisagens, a busca pela perfeição diante do céu
e da água. Era também retratista. Pintava rostos humanos.
Procurava embelezar a pessoa e atingia a perfeição,
sobretudo nos retratos masculinos”, conta o escritor e também
artista plástico Wanderlino Arruda. Atual presidente do Instituto
Histórico e Geográfico de Montes Claros, ele conviveu
com “Godô” por mais de 20 anos.
Godofredo não era egoísta, mas não gostava
de incentivar as pessoas, ou os amigos a tomar gosto pelo oficio
da pintura. Nem aos seus filhos e netos ensinava a arte. Ele achava
que a vida de artista era muito triste, economicamente pouco valorizada,
sem sentido para quem precisasse dela para viver. Afirmava que a
vida artística dava muito prestígio, muita fantasia
num sentido cultural, mas pouco dinheiro para feira semanal da mulher,
Júlia. “Mas Godô não era infeliz. Adorava
ser um criador de belezas, vibrava com sua habilidade nas tintas
e nos pincéis”, observa Wanderlino.
Uma curiosidade: por um período de sua vida, Godofredo morou
em Belo Horizonte. Para vender seus quadros, Godofredo foi à
luta. Por isso, com outros pintores, criou a feira de artes da Praça
da Liberdade, mais tarde transferida para a Avenida Afonso Pena,
que até hoje recebe milhares de visitantes a cada manhã
de domingo.
A
ARTE DE FABRICAR INSTRUMENTOS
Quando fundou conjunto de jazz, na adolescência, ainda em
Riacho de Santana, Godofredo fabricou todos os instrumentos usados
pela banda (instrumentos de percussão, violão e outros).
Mais tarde, na década de 1940, já morando em Montes
Claros, fez vários violinos, violões e dois pianos.
Hoje, segundo seus familiares, nenhum dos pianos fabricado por ele
existe mais, os dois se perderam pela ação do tempo.
Outro instrumento fabricado por Godô foi um cavaquinho de
cinco cordas que ele deu o nome de “Pentacórdio”.
Em entrevista a um jornal da cidade, Godofredo revelou sua simplicidade
ao falar de sua invenção: “nunca mais vi esse
instrumento. Um dia chegou um rapaz de Brasília e encantou
com ele, e acabou me comprando.”
Godô costumava dizer que se sentia realizado tanto na pintura
quanto na música. Em relação à pintura,
argumentava que nem ele sabia quantos quadros fez, embora calculasse
que passavam de 3 mil. Entre outros aspectos e paisagens, “retratou”
patrimônios históricos de Montes Claros, como os antigos
prédios do Mercado Municipal e da Igrejinha do Rosário.
Na música, foram mais de 60 composições. De
próprio punho, ele elaborava as partituras, cujo acervo foi
preservado por sua família.
AVERSÃO AO ÁLCOOL
Godofredo era mesmo um artista diferenciado. Apesar de sempre ter
convivido no meio artístico e tocado em casas noturnas de
Montes Claros, lidando com os antigos boêmios, não
tomava nenhuma bebida alcoólica. Apesar da convivência,
“jamais pôs uma gota de álcool na boca”,
conforme revela sua filha, Terezinha. “Ele sempre foi um homem
lúcido, que irradiava alegria, era carinhoso e paciente”,
observa Terezinha.
A aversão ao álcool pôs o artista em algumas
situações embaraçosas. Numa delas, certa vez,
quando tocava num cabaré de Montes Claros, um rico fazendeiro
da região, encantado com a
música “Poeira de Estrelas”, tocada por GG, o
presenteou com uma caixa de cerveja. Meio desajeitado, Godofredo
aceitou o presente, mas o trocou por 100 mil réis.
Telma Regina Guedes, 49 anos, a neta mais velha de Godô, fala
com emoção sobre a convivência e os exemplos
deixados pelo avô. “Ele não era apenas um artista.
Era um amigo, um companheiro. Era um otimista que adorava a vida
e fazia o que gostava. Sua versatilidade cultural era invejável”.
Telma relembra que todas as noites ele a chamava para mostrar o
que havia pintado e também gostava de lhe ensinar a tocar
instrumentos. “Lembro quando ele mesmo fez um violão,
com meu nome escrito e me deu de presente. Está guardado
na minha casa. É uma forma de sempre recordar dele sempre”,
complementa a neta.
“Godofredo era uma pessoa serena e, ao mesmo tempo, muito
musical. Minha avó, Júlia, era baixinha, invocada.
Lembro dela brigando com ele, e Godofredo assoviando”, conta
o neto Gabriel, que já gravou diversas composições
do avô, sobretudo as de choro, ritmo preferido de GG.
Hélio Guedes, o “Patão”, um dos oito filhos
de Godofredo, herdou do pai o talento para a pintura. Segundo ele,
Godô tinha o sonho de conhecer a Itália para talvez
sentir mais de perto o calor da cultura que o envolvia. Na música,
Godô admirava Carlos Galhardo, Beatles, Guilherme Arantes
e Chico Buarque. E nunca negou que era fã incondicional do
filho Beto Guedes.
Na pintura apreciava Edgar Walter e Konstantin Christoff. Patão
revelou ainda uma frase de Godofredo que marcou a sua vida e o seu
caráter: “Sou um trabalhador honesto, a orgia eu detesto
e nunca fui a um botequim”.
DE PAI PARA FILHO
Toda a dedicação, o amor pela arte e pela música
foram retribuídos a Godofredo através de seu filho
Beto Guedes. O artista é um dos cantores mais respeitados
do Brasil e gravou várias composições de sucesso
de autoria do seu pai. “A turma lá em casa acha que
sou pai coruja mais do Beto que dos outros. Mas não
é isso. Sinto que o Beto está me realizando e promovendo
ao mesmo tempo”, declarou Godofredo, certa vez, numa entrevista.
“Meu pai era músico e meus irmãos todos são
musicais, mas nem todo mundo chegou a ser profissional. Tive muitas
referências do meu pai, mas ele nunca exigiu que eu seguisse
pelos caminhos da música. Mas isso está no sangue,
é uma coisa sem saída. Se está na chuva é
pra se molhar. Tem que correr atrás e batalhar. Meus filhos
Ian e Gabriel também são muito musicais”, define
Beto Guedes
O ADEUS
O pintor, compositor e fabricante de instrumentos morreu no dia
16 de abril de 1985, de maneira trágica, vítima de
atropelamento, quando atravessava a avenida Geraldo Athaíde,
em Montes Claros. Godofredo Guedes se despediu do mundo de maneira
inesperada, mas deixou como herança para a eternidade, suas
pinturas, suas músicas e seus instrumentos.
Godofredo Guedes no seu ateliê
GODOFREDO
GUEDES
NOSSO MIGUEL ÂNGELO
Wanderlino Arruda
Cadeira nº 33
Patrono: Enéas Mineiro de Souza
Mesmo pintando por prazer, a exemplo de Miguel Ângelo, Godofredo
Guedes pintava por profissão. Genial, perfeito, verdadeiro,
amado-amante das tintas e das cores, em quase toda a sua vida foi
um importante e reconhecido pintor. Suas aventuras e venturas com
os pincéis tiveram início na adolescência, aos
quinze anos, em 1923, na
cidade em que nasceu, Riacho de Santana, Bahia, onde estudou francês
e foi prático de farmácia. Primeiro trabalho, já
com toque de mestre, óleo e pincéis, foi na Gruta
da Igreja de Nosso Senhor Bom Jesus da Lapa, barrancas do São
Francisco. Até hoje lá estão para a glória
de Deus e do autor, os doze quadros bíblicos da Via Sacra.
Têm sido um momento de místicas contemplações
para muitos dos romeiros e visitantes de quase um século.
Sempre, uma religiosa admiração.
Depois da Bahia, depois dos dias ensolarados do sertão interiorano,
depois de encher a alma dos tons ricos das águas do São
Francisco, Godofredo Guedes veio para Montes Claros, cidade bem
pequena em 1935, mas com uma admirável generosidadede
muito sol e muito azul: azul no céu, azul nos montes, azul
nos tubos de tinta azul da sua paleta de artista fogoso. O homem
chegou pintando. Pintava tudo. Pintava placas, pintava letreiros,
pintava fachadas, pintava quadros. Quando pintou o retrato do grande
Prefeito Dr. Santos, recebeu dele um bruto elogio: “como poderia
assim de modo tão fácil e artístico captar
tão seguramente a personalidade de uma pessoa?”. Muitas
mudanças na cidade, muitos anos são passados e o retrato
ainda aí está para quem quiser ver. É um sucesso
até hoje.
Quantos quadros deve ter Godofredo pintado em sua venturosa vida?
Difícil saber, porque ele pintava todos os dias, todas as
horas... Uns quatro ou cinco mil, ou muito mais... Quantos amigos
teve Godofredo? Ninguém sabe, tantos são eles, em
toda parte. Quantos filhos, frutos de um feliz casamento com D.
Júlia? Isso os montes-clarenses sabem: foram oito –
Terezinha, Dolores, Neusa, José, Hélio, Maristela,
Alberto e Lúcia. Hélio é o conhecido Patão,
do folclore e também das tintas. Alberto, o genial Beto Guedes,
um dos construtores da moderna música brasileira. Lúcia
graduou-se como médica na Argentina e é doutora há
um bom tempo. Os outros, com exceção de nosso sempre
saudoso Hélio, todos de alguma forma ligados à pintura,
aí estão, solteiros, casados, felizes sempre. Zeca
– já não mais tão jovem como em nossos
tempos de Colégio Diocesano, segue a trajetória dos
pincéis do pai, mas até hoje não quis pintar
quadros. D. Júlia de Castro Guedes, que sempre teve nas mãos
e no grito, o comando da família, cuidou de tudo e de todos.
Foi diretora e gerente ao mesmo tempo. Mulher e mãe que mandou
um bocado e com razão, diante de família tão
grande e de marido artista, que só se via obrigado a enxergar
as belezas da vida. D. Júlia foi, sem qualquer dúvida,
uma admiradora do marido. Falou dele sempre com grande carinho,
mesmo quando estava de cara fechada ou precisando brigar. A ela,
concordo, devemos grande parte da firmeza de GG, da sua produção.
A maior tela de Godofredo está em Belo Horizonte, no Instituto
de Educação. Tem grande dimensão, quatro metros
por três.
Trata-se de um busto do inesquecível João Pinheiro,
que provocou lágrimas do filho, Governador Israel, quando
o viu pela primeira vez, diante de tanta emoção face
à beleza do quadro.
Para o artista Godofredo Guedes o seu melhor trabalho foi realizado
para outro grande artista, o pintor Konstantin Christoff: um retrato
do velho e robusto Christo Raeff, em cores marcantes, um perfeição
de relevo de luzes e sombras, de coloridos e matizes. Trabalho bonito,
vivo, audacioso. Uma verdadeira obra de arte alimentada pelo calor
da amizade de dois grandes gênios do pincel.
A maior glória de Godofredo Guedes, no seu próprio
ponto de vista, era ter quadros e telas em grande parte dos lares
de Montes Claros e do Brasil, tantos como os seus dias de alegria.
Mas nem só de tinta viveu ele. De vez em quando deixava de
ser mestre do pincel para ser mestre na harmonia dos sons, compositor
que é de quase cinqüenta belas músicas, muitas
delas inseridas em cadernos de modinhas e de dobrados e de livros
de grande destaque como o lançado pela historiadora Milene
Coutinho Maurício. Muitas não são por aqui
conhecidas, porque ficaram com as bandas de música da velha
Bahia, guardando a saudade do autor.
Nota interessante é que Godofredo começou a compor
música em 1931, no mesmo ano em que se casou com D. Júlia,
ao que tudo parece, um amor mais sonoro que colorido ou tão
sonoro como colorido, como as duas artes poderão explicar,
pelo menos por algum tempo, pois, afinal, prevaleceu a pintura.
Como compositor, Godofredo foi laureado com o Primeiro Prêmio
num concurso de músicas juninas da Rádio Inconfidência
de Minas Gerais. O título: “VAI, MEU BALÃOZINHO”.
Construiu também, para variar de arte, inúmeros instrumentos
de cordas: violinos, violões e até um piano. Isso
mesmo, um PIANO! Com cauda e tudo!
Em
Montes Claros, Godofredo recebeu cinco prêmios como melhor
pintor. Em Belo Horizonte, oito anos participando da Feira da Praça
da Liberdade, vendendo quadros todas as semanas, foi várias
vezes homenageado.
Sua maior emoção além do casamento com D. Júlia:
o ato do recebimento do título de Cidadão Honorário
de Montes Claros, em 1957, ano do centenário da cidade, aprovado
por unanimidade da Câmara, a pedido do saudoso prefeito Geraldo
Athayde.
Outro grande momento foi a noite de comemoração dos
seus 46 anos de pintura , quando todos os artistas de Montes Claros,
sinceros amigos, admiradores conscientes, companheiros leais, juntamente
com autoridades, esposa, filhos, genro, estiveram no Centro Cultural
Hermes de Paula para abraçá-lo e louvá-lo.
As solenidades, o encontro, marcavam quase meio século de
Arte que o alegrou e fez crescer seus sonhos pelas belezas da vida.
Foi um momento interessantíssimo, de máxima emoção,
uma descoberta do verdadeiro sentido da importância de viver.
Para Godô e para todos nós.
Grande
Godofredo, grande GG, grande amigo, companheiro e mestre, nossa
mais sincera gratidão pelo tempo em que você viveu
e conviveu com a arte. E conosco!
Desenho
de Konstantin Christoff
GODOFREDO
GUEDES
Augusto José Vieira Neto
Sócio Correspondente
Belo Horizonte - Minas Gerais
Convivi bastante com ele a partir do início dos anos 70,
do século próximo passado. Havia chegado a Montes
Claros, casado, mulher grávida, para iniciar minha vida profissional
na advocacia.
Poucos dias depois, antes de ir ao Fórum, por volta de uma
hora da tarde, fui a seu ateliê, levando um violão
que necessitava de alguns reparos. A emoção tomou
conta de mim tão logo me vi, frente a frente, com a pessoa
que eu considerava o maior artista de minha aldeia. Gegê me
atendeu com a maior lhaneza e sugeriu que o violão deveria
não só sofrer reparos, mas também ter sua madeira
lixada e pintada. Pediu uma semana de prazo para executar o serviço
e deu o preço. Fiquei ali, naquele imenso galpão,
batendo papo com ele, que falava serenamente, enquanto fazia outros
trabalhos. Nossa conversa só era interrompida pela chegada
de algum freguês que ia receber algum serviço encomendado.
Como não tinha audiência, decidi não ir ao Fórum
naquela tarde. Semana seguinte voltei para pegar o violão.
Ele afinou para mim e me entregou o velho instrumento musical transformado
numa linda peça de arte. Para experimentá-lo, sentei-me
num banquinho e toquei a música de Dorival Caymmi, “João
Valentão”. Daí, então, nunca mais abandonei
o ateliê de GG e nunca mais deixei de tocar essa música
para ele, que sempre me pedia:
— Bala, faça uma serenata pra mim e toque “João
Valentão”.
E lá ia eu, nas noitadas, sempre acompanhado por Antônio
Augusto Azevedo, meu querido e saudoso “Tone”, para
debaixo da janela de GG, que se debruçava, de pijama, no
parapeito, com “tia” Júlia a seu lado, e nos
ouvia com o maior carinho do mundo. Depois de umas quatro músicas,
as luzes do alpendre da casa se acendiam, a porta da sala se abria
e éramos convidados a entrar. Na sala, já sentíamos
o cheiro da moqueca de filé de surubim do “São
Chico”, adredemente preparada por “tia” Júlia,
com arte e amor. Sim, porque cozinhar é, antes de tudo, um
ato de amor e “tia” Júlia, como ninguém,
sabia disso.
Sempre, aos sábados, GG ia a minha residência, na Rua
Irmã Beata, para fazer uma vistoria no piano que eu arrematara
no leilão do Clube Montes Claros. Afinal, ele construíra
um e conhecia profundamente os segredos e os mistérios desse
instrumento
musical. Eu ligava, solicitando o serviço e GG, caso pudesse
comparecer, logo dizia para que eu mandasse preparar um cafezinho
quente e uns pães de queijo crocantes. E ficávamos
ali, horas e horas, na sala, ele trabalhando, eu curioso, procurando
entender algo do que o mestre executava. Depois de montado o instrumento,
vinha o teste da afinação. GG tocava alguns acordes
maravilhosos, percorria todo o teclado e, quando constatava que
tudo estava nos eixos, me pedia para tocar para ele a “Serenata”,
de Franz Schubert, ou “Le Lac de Côme”, de Mme.
G. Galos.
Tornamo-nos tão amigos que, quando GG tinha algum problema
jurídico para resolver, vinha logo me consultar. Eu o recebia
com o maior orgulho. Considerava uma honraria para meu escritório
tê-lo como cliente. Ele era tão desligado das coisas
materiais que até perdeu um lote que comprara, há
muito tempo, para posseiros urbanos que haviam ajuizado, contra
ele e “tia” Júlia, uma ação de
usucapião. Mas os defendi com o maior ardor. Causa perdida,
não quis cobrar honorários. Numa bela manhã
de setembro, GG entrou em minha sala, portando uma bela tela, que
retratava uma beira de mar, com duas gaivotas sobrevoando as águas,
e me deu de presente. Coisa mais linda!
GG partiu, mas ficou bem guardadinho, bem lá no fundo de
meu já velho coração. Quando ele se foi, por
vários meses, sonhei com sua bela figura. Sonhos de paz,
sonhos alegres, sonhos felizes e musicais, sonhos de esperança,
sonhos de amor, tal qual sua marcante passagem por esse nosso louco
mundo.
Depois de sua partida, sempre que eu chegava à minha aldeia,
passava, primeiro, na casa de minha mãe e, depois de me alojar,
tomava um banho e me dirigia à Rua Rui Barbosa, para visitar
“tia” Júlia, a quem sempre levava algum livro
que acabara de lançar. Num 15 de agosto, dia do aniversário
de GG, saí para a costumeira visita, só que cheguei
junto ao carro do serviço funerário da Santa Casa,
que transportava o caixão onde ela se encontrava. Ajudei
as pessoas a fazê-lo transpor os degraus daquela escada curva
que demandava ao alpendre. Escada que tantas vezes eu havia subido
para bons papos, para ver obras de arte, para cantar, para tomar
um cafezinho, ou para comer uma deliciosa moqueca de peixe. “Tia”
Júlia partira ao encontro de seu grande amor. Em sua cósmica
morada certamente haverá um parapeito de uma grande janela,
debaixo da qual espero, um dia, cantar “João Valentão”.
Revista
do Instituto Histórico e Geográfico de ontes Claros
Fundado em 27 de Dezembro de 2006
Obituário
O
POETA REIVALDO CANELA
Dário
Teixeira Cotrim
Cadeira nº 93
Patrono: Simeão Ribeiro Pires
Montes Claros chora copiosamente a morte do poeta e acadêmico
Reivaldo Simões de Souza Canela. Aliás, todos nós
choramos a morte do amigo e companheiro Reivaldo Canela. Jurista
de renome, acadêmico bem conceituado, orador de largos recursos,
sabia manejar as palavras com facilidade, era um dos mais eminentes
filhos de Montes Claros, tanto pelo seu talento como pela sua cultura
de que sobejamente deu provas na efervescência dos prélios
culturais em que tomou parte e que empolgava os confrades, amigos
e companheiros. A Academia Montesclarense de Letras e o Instituto
Histórico e Geográfico de Montes Claros ficaram muito
mais pobres, mas muito mais pobres mesmo, de crenças e sabenças,
com a partida inesperada do nosso ilustre poeta Reivaldo Canela
que nasceu para a pugna literária, e bravamente a ela se
atirou.
Quem
morrer sabe que a morte nem é morte senão uma passagem
para o lado misterioso da vida eterna. O outro lado onde hoje estão
os nossos saudosos confrades João Vale Maurício, Adherbal
Murta de Almeida, Simeão Ribeiro Pires, Arthur Jardim
de Castro Gomes, José Prudêncio de Macedo, Patrício
Guerra, Godofredo Guedes, José Gonçalves de Ulhôa,
Ângelo Soares Neto, Cyro dos Anjos, Darcy Ribeiro, Cândido
Canela – o pai do nosso Reivaldo – e tantos outros que,
sem nenhum aviso sequer, passaram a morar na eternidade do tempo.
É necessário, porém, superar o plano das aporias
mergulhado nas palavras do poeta Alphonsus de Guimaraens, onde ele
dizia que “a morte vem de manso, em dia incerto, e fecha os
olhos dos que têm mais sono...”. E é por isso
mesmo que não há, inegavelmente, fenômeno mais
sagrado do que o mistério da morte. E o poeta Reivaldo Canela
sabia muito bem disso.
Na Academia Montesclarense de Letras o nosso confrade Reivaldo Canela
ascendeu ao posto de presidente, o mais elevado desta agremiação,
tendo ocasião de revelar o seu espírito literário,
a sua incansável vontade de colaborar nas letras montes-clarenses
e o seu alto senso em bem dirigir os trabalhos acadêmicos
de uma plêiade de escritores em benefício de uma coletividade.
A sua poesia – em destaque o soneto – é uma das
melhores, pois tem um estilo fiel à tradição,
mostrando a sua intimidade com os clássicos. Além
do mais o poeta era um estudioso inveterado. Eram apreciáveis
os seus conhecimentos não só jurídicos como
os das letras clássicas. Porque, na verdade, construir sonetos
não é privilégio de muitos, senão de
pouquíssimos mesmo. Entretanto, ele escrevia sonetos e publicava
as suas crônicas semanalmente no Suplemento Mulher do Jornal
de Notícias. Todavia, muitas de suas produções
têm um sentido encomiastico e são cheias de um lirismo
admirável. Reivaldo publicou somente um livro. Um belíssimo
livro de reminiscências intitulado de “O Menino Pescador”,
mas o bastante para eternizar-se nos meios acadêmicos, uma
vez que as críticas em crônicas lhe conferem todos
os atributos necessários para o seu ingresso nos pórticos
das letras.
A Cadeira 21 do Instituto Histórico e Geográfico de
Montes Claros, que tem como patrono o ilustre poeta-cordelista Cândido
Canela e a Cadeira 40 da Academia Montesclarense de Letras, que
tem como patrono o ex-ministro da viação, doutor Francisco
Sá, estarão vagas com a morte do confrade Reivaldo
Canela. Não obstante os propósitos de uma reflexão
mais aprofundada sobre os mistérios da vida/morte, é
que nós temos a certeza que o confrade Reivaldo Canela cumpriu
a sua tarefa aqui na terra, com talento, com dignidade e com honestidade.
Certamente que outras atribuições ele terá
que desempenhar no espaço celestial, até porque não
foi por acaso que o Criador o chamou, ainda tão cedo, para
junto de si. Assim como o seu pai, o poeta Cândido Canela,
o nosso confrade Reivaldo Canela vai, também, deixar para
a posteridade um nome honrado que agora rebrilha a tradição
de seus ancestrais.
UM POUCO SOBRE REIVALDO CANELA
Reivaldo Simões de Souza Canela nasceu na cidade de Montes
Claros no dia 31 de julho de 1933. Era filho do poeta cordelista
Cândido Simões Canela e de dona Laurinda Prates. Casouse
com Shirley, com quem teve quatro filhos: Rosângela, Carlos
Frederico, Rosana e Marcos Alexandre, e cinco netos: Thiago, Thalita,
Anderson, Bruno e Victor Augusto. Reivaldo foi vendedor e comerciante.
Aluno brilhante no curso de Direito pela Universidade Estadual de
Montes Claros. Era membro da Academia Montesclarense de Letras,
ocupando a Cadeira de número 40 e do Instituto Histórico
e Geográfico de Montes Claros, onde ocupou a Cadeira de número
21. Foi eleito para a ACLECIA – Academia de Letras, Ciências
e Artes do São Francisco, mas não chegou a
tomar posse. Escrevia sonetos. Disse sobre ele a ilustre professora
Yvonne de Oliveira Silveira: “Sonetista, um dos melhores da
literatura montes-clarense, Reivaldo Canela tem grande número
de leitores e admiradores”. Gostava de escrever crônicas
para o Suplemento Mulher do Jornal de Notícias de Montes
Claros. Deixou publicado o livro de crônicas “Menino
Pescador”. Reivaldo nos deixa neste sombrio dia 22 de outubro
de 2008, quando a morte o arrebatou do nosso meio.
O poeta Reivaldo Canela
ASSOCIAÇÃO
DOS ARTISTAS PLÁSTICOS DE
MONTES CLAROS - CRIAÇÃO
E FUNCIONAMENTO
Felicidade Patrocínio
Cadeira nº 20
Patrono: Camilo Prates
A Associação dos Artistas Plásticos de Montes
Claros foi fundada no dia 3 de Fevereiro de 1989 pelo artista plástico
Mário Magno Cardoso Filho (Mário Boy), juntamente
com outros artistas da cidade, com a finalidade de reunir os profissionais
das artes plásticas para a valorização, difusão
e ampliação dos seus exercícios artísticos.
Desde então essa Associação tem promovido as
Artes nos planos político, econômico, educacional e
da cultura, mediante o congraçamento dos seus associados
com todos os setores culturais da cidade.
Através de exposições coletivas e individuais
tem divulgado a arte de todos e de cada um, estendendo o reconhecimento
do valor e qualidade da arte montes-clarense a todo o Brasil e alem,
deste. Através de reuniões, seminários, work-shops,
conferências
e outras ações, com a participação de
nomes de peso do setor, tem promovido, desde sempre, a atualização
de conhecimentos artísticos e aprimoramento das técnicas
dos seus associados.
Paralelo
à defesa dos interesses da classe, esta Associação
de Artistas tem registrado no seu ofício a face da cultura
da cidade.
Insistentemente reivindicam, dos detentores dos poderes, os meios
para a ampliação da sua expressão e da expressão
artística de todas as camadas sociais através de salões
de arte, através da inserção de obras artísticas
nos espaços e edificações públicas,
fazendo ver e saber que a arte é um produto social e que
o espaço dos homens se torna mais humano e habitável
em decorrência da presença e convivência com
o belo da sua produção.
Ela surgiu da consciência de um grupo de “fazedores”
de arte, com o intuito de motivar o crescimento dessa expressão.
Montes Claros já despertara o respeito e a admiração
no cenário nacional das artes, devido aos nomes dos artistas
Yara Tupynambá, Raimundo Collares e Konstantin Christoff;
essa possibilidade a partir de então poderia ser ampliada.
A Filosofia que orienta os princípios dessa Associação
reporta às palavras de Rubem Valentim, quando disse que “A
arte é tanto uma arma poética para lutar contra a
violência, como um exercício de liberdade contra forças
repressivas”. Premissa esta sempre atual para o artista que
dialeticamente vive entre a repressão das possibilidades
e a liberdade que se impõe.
Surgiu para defender a liberdade de expressão e somar colaboração
à evolução de uma sociedade que se quer pensante,
livre, responsável, desprovida de preconceitos e governada
por homens de ideais.
Era esse o entusiasmo dos fundadores e do primeiro presidente Mário
Filho e de certo modo é o que ainda permanece, pois onde
o sentir e perceber são maiores, onde é mais ampla
a visão das realidades, onde brota o fecundo exercício
da criação, haverá sempre um germe do novo
e uma vontade construtiva autêntica
e sólida. Refletimos que esta Associação foi
fruto no seu nascedouro de uma liderança aurática,
a pessoa de Mário Magno Cardoso Filho, cognominado Mário
Boy.
MÁRIO BOY E A ASSOCIAÇÃO
Montes-clarense, nascido em 1956, filho de Mário Magno Cardoso
e Letícia de Freitas Araújo Cardoso, o sexto de uma
prole de 11 filhos, o Mário Boy, como era conhecido, trabalhou
desde menino nas artes gráficas dos jornais da cidade. Estudou
até o científico (segundo grau). De Montes Claros
partiu para Mato Grosso onde muito produziu artisticamente. Lá
viveu entre Campo Grande e o Pantanal, fazendo pesquisas de pigmentos.
Em Campo Grande ministrou cursos de arte. Participou de um concurso
de Arte em Cuzco, Peru e foi o primeiro classificado. O curso oferecia
como prêmio viagem de estudos à Itália. No entanto,
com a saúde já precária, Mário reverteu
as passagens e prêmio em recursos para o transplante do rim
que o corpo exigia.
Passou um tempo no Pantanal. Residiu também em Brasília
e Rio de Janeiro. Voltando a Montes Claros na década de 1980,
fundou com outros artistas a Escola Arte e Ofício. Trabalhou
na ASCOM (Assessoria de Comunicação) da Prefeitura
Municipal e em 1989 reuniu-se com um grupo de artistas da cidade,
na varanda/garagem do numero 203 da rua Odilon Macaúbas e
lá fundou a Associação dos Artistas Plásticos
de Montes Claros
que presidiu por duas gestões. A segunda gestão foi
interrompida no dia 30 de Setembro de 1992 pela sua morte causada
por complicações renais, vindo a substituí-lo
a vice-presidente Felicidade Patrocínio. Tendo pouco tempo
de casado, deixou viúva Nilza Cardoso e nenhum filho, além
dos seus quadros.
Sobre o seu trabalho artístico destacaríamos a técnica,
um grafismo modernista, figurativo com ensaios abstracionistas onde
revela um discurso explosivo, livre de rótulos e convenções,
em defesa do meio ambiente e da transformação social
no país. Sua arte
denunciava a queima do cerrado e das matas em geral, na produção
do carvão vegetal. O Mário pregava insistentemente
a liberdade de criação.
Sobre o seu trabalho assim se expressou a artista plástica
Cecília Stricher: “Mineiro de Montes Claros, profissional
com experiência da gráfica do Senado em Brasília
e Jornal da Manhã no Rio de Janeiro, Mário Filho nos
mostra hoje a sua técnica magistral, sua personalidade essencialmente
gráfica, seus resultados de pesquisas constantes em matérias
diversas através dos quais consegue aliar razão e
emoção, sensibilidade e técnica, numa linguagem
simples, constante e universal”.
Durante as suas gestões, como presidente, o Mário
Boy conseguiu boas realizações. Por exemplo, a Primeira
Exposição Coletiva desta Associação
no espaço cultural da Câmara de Vereadores de Montes
Claros (espaço que hoje inexiste). Esta primeira exposição
aconteceu no período de 1º a 15 de Junho de 1989, com
a participação dos sócios fundadores da Associação
e alguns artistas convidados que depois viriam compor o quadro da
mesma. São eles: Adriano Almeida, André Luiz Aguiar,
Antonio Félix da Silva, Argentino Sidônio, Áurea
Teixeira, Dalva G. Pereira, Felicidade Patrocínio, Gemma
Fonseca, Geny Tupinambá, Hélio Brantes, Hotildes Sacramento,
João Carlos Rodrigues, José Geraldo Carvalho, Márcia
Almeida, Mário Filho, Maristela Teixeira, Nelson Evangelista,
Regina Telma Vieira, Tanísia Guerra e Walmir Alexandre.
Foi uma bela exposição. Sobre este evento, assim discorreu
a jornalista, grande incentivadora das artes na cidade, Raquel Mendonça:
“ARTISTAS DESCOBREM FÓRMULA AQUI”.
Não uma norma, mas um caminho. Associarem-se livremente e
buscarem juntos melhores condições de produção
e expressão de sua arte. Arte sem regras, por isso mesmo
surpreendente. Expressão de ideais de beleza diversos, nas
artes plásticas cujo
ponto comum é exatamente a presença indiscutível
da beleza. De cara nova se lhes convém, e com novas roupagens
e maquiagem, ou revestida aqui e ali de elementos incomuns ao modelo
de origem. E todos concordam entre si apenas numa coisa: a arte
não tem de ser, forçosamente, essa coisa “aceita”,
essa coisa “certa”, completamente prevista e digesta,
além de dirigida e coordenada por sólidos métodos
de ensino. Nem cheia de dedos, medos e detalhes corretos demais,
para o gosto de cada um. Porque arte pressupõe criação
e não se cria sem liberdade de portas e propostas, onde telas
sem trelas e tolhimentos de quaisquer naturezas respirem por si
mesmas escolham as suas próprias cores e comportamentos.
Onde esculturas não se acanhem junto a matérias inimaginadas
ou não com tanta precisão artística, nem se
incomodem diante de olhares e narizes torcidos e previsíveis.
Onde todas as técnicas, enfim, façam a festa do espaço
próprio e se apresentem sem cerimônias e gestos amáveis,
para platéia distinta, muito menos com os cortezes e formais
pedidos de desculpa.
Querem ver uma arte de muitos rostos, de muitas rotas, de buscas
intrigantes e definições sem reparos? Visitem vinte
artistas plásticos de Montes Claros a partir das vinte horas
do próximo dia 1º de junho, na Câmara Municipal
de Montes Claros, numa promoção da Associação
de Artistas Plásticos de Montes Claros.
“Não custa nada e você pode, no mínimo,
deparar com algo ainda hoje tão raro, que é o pintar,
plasmar, desenhar, além de propor e falar, através
da arte, às vezes com grande simplicidade, todas as vezes
com extrema liberdade.”
Este comentário fez parte do convite e a bem da verdade informamos
que essa exposição foi muito visitada. Depois veio
a segunda coletiva realizada no período de 6 a 20 de outubro
de 1990, no Automóvel Clube de Montes Claros. Participaram
os artistas Amélia Rúbia Brasileiro, Adriano Almeida,
André de Aquino, Áurea Teixeira, Fábio Assis
Martins Biolla, Cristina Rabe-lo,
Dalva Pereira, Felicidade Patrocínio, Gemma Fonseca, Geny
Tupinambá, Hélio Brantees, João Rodrigues,
Márcia Almeida, Mário Filho, Nelson Evangelista, Olímpia
Rego Arruda, Onofre Santos, Robim, Walmir Alexandre, Wanderlino
Arruda, Zora. Depois vieram outras.
Destacamos uma exposição e jantar comemorativos do
Dia do Artista Plástico na residência e jardim da,
então, vice-presidente Felicidade Patrocínio, em maio
de 1992, quando e onde se fez presente o mundo intelectual e cultural
da cidade. Lá estavam o prefeito Mário Ribeiro, o
então diretor da TV local Elias Siuffi, o Secretário
da Cultura Hamilton Trindade, a diretora do Conservatório,
o reitor da Unimontes, todos os artistas plásticos e diretores
das associações da cidade voltadas para a cultura.
Foi uma grandiosa confraternização com muitos discursos
favoráveis às artes e aos artistas. Durante o evento
foi feita uma expressiva homenagem ao artista Raimundo Collares
(falecido em 1986), com a projeção (em telão)
do filme recém produzido pelo cineasta Sérgio Wladimir
Bernardes, viabilizado através de verba da municipalidade
na gestão do prefeito Mário Ribeiro, com o título
“Raimundo Collares”. O evento contou também com
uma exposição de arte ao ar livre. Foi um evento completo
e perfeito que
ficou na história da Associação.
Ao Mário Boy sucederam, como presidentes da Associação:
Felicidade Patrocínio, uma vez como substituta do presidente
por seu falecimento e posteriormente mais dois mandatos por eleição,
períodos de 1992 a 1993 e de 1995 a 1998. A seguir, o artista
Walmir Alexandre, que renunciou em dezembro de 1993. Amélia
Rúbia Brasileiro, que era a vice-presidente assumiu interinamente
a presidência, convocando imediatamente os associados para
outra votação, o que se procedeu no dia 8 do mesmo
mês, sendo eleito presidente o artista Argentino Sidônio;
a seguir foi presidente Fábio Assis Ribeiro Biolla; a seguir
Hélio Brantes (2 vezes) e depois Gemma Fonseca (2 vezes)
e agora, eleito por unanimidade, o companheiro nas artes, Carlos
Muniz. O período de
cada diretoria tem a duração de dois anos e se renova
a cada mês de maio. O seu estatuto original vigorou até
abril de 2008, quando sofreu algumas reformulações,
para assim atender melhor às necessidades da classe e ampliar
o seu raio de ação.
Durante esses anos de funcionamento, a Associação
ampliou o quadro de associados e muito realizou. Poderíamos
citar a criação da Galeria de Artes Mário Filho
que rendeu bons frutos para a arte da região. Funcionou nas
dependências da Amams (Associação dos Municípios
da Área Mineira da Sudene). Essa galeria foi inaugurada em
junho de 1993, funcionou por vários anos e realizou 43 exposições
com artistas da cidade e região.
Nasceu de uma profícua parceria entre Associação
dos Artistas Plásticos de Montes Claros, representada pela
sua então presidente Felicidade Patrocínio com os,
então, presidente e secretária da Amams, o deputado
Arlen de Paulo Santiago Filho e a Sra. Elbe Brandão, hoje
deputada estadual e secretária de Ação Social
do governo de Minas. Com o objetivo de apoiar, incentivar, oferecer
subsídios e divulgar as artes, favoreceu o enriquecimento
cultural da região. Foi denominada Galeria de Artes Mário
Filho, para assim homenagear o artista gráfico Mário
Filho, fundador desta Associação e artista que muito
lutou pela liberdade e possibilidade de criação artística
na região. Durante o seu funcionamento, esse espaço
contou com o patrocínio total da casa (Amams), no que se
referia a convite, divulgação nos meios de comunicação
e coquetéis de abertura de exposições. Essa
galeria foi inaugurada com uma grande retrospectiva póstuma
da arte de Mário Filho, à qual compareceram, além
de autoridades civis, militares, representantes do mundo cultural
da cidade e toda a família do artista falecido. Aconteceram
lá momentos de grande expressão para o mundo da arte
regional. Lá expuseram artistas iniciantes e consagrados.
Como Konstantin Cristoff, Yara Tupinambá, artistas de cidades
que compõem a área mineira da Sudene e todos os artistas
componentes da Associação, através de coletivas
e individuais. Foi o patrocínio desta galeria que possibilitou
a realização da grande exposição da
polêmica série artística” VIA SACRA “de
Konstantin Christoff no espaço do Shopping Center de Montes
Claros, só apresentada até então no Museu de
Arte Moderna do Rio de Janeiro e na grande Galeria da Cemig em Belo
Horizonte.
Para o aprimoramento das artes na cidade, a Associação
agenciou a vinda de autoridades da área, para cursos e palestras.
Por exemplo: Yara Tupynambá (a primeira dama da arte mineira),
Orlando Castanho (professor e diretor da Escola de Arte Guignard,
Jarbas Juarez (pintor e professor na Escola de Belas Artes da UFMG,
Luiz Geraldo Dolino Nascimento (grande nome da pintura geométrica
contemporânea no Brasil, além de curador de arte),
entre outros. Editou e publicou por algum tempo um jornal próprio,
o “Informativo das Artes Plásticas”. Promoveu
o Concurso de Arte Logotipo da Associação, com premiação.
Foi vencedor o artista Fábio Assis Martins Ribeiro Biolla.
É essa logomarca que perdura até hoje como signo da
Associação.
Logotipo da Associação dos Artistas
Plástico de Montes Claros
Criou
e manteve por certo tempo uma galeria comercial, nas dependências
do Shopping Center, para comercializar as obras dos artistas. Divulgou
as artes da cidade em outros centros, através de exposições
em espaços como. Banco Mundial em Brasília, Tribunal
da Alçada em Belo Horizonte, Espaço Cultural do Superior
Tribunal de Justiça (Brasília) e outros. Anualmente
(há mais de 10 anos), no mês de novembro cada associado
doa uma obra para o leilão de arte do Baile da Felicidade
do Rotary Clube de Montes Claros - Leste, cujos recursos são
revertidos em obras assistenciais do Asilo de São Vicente
de Paulo.
Dois dos seus associados já estiveram à frente da
Secretaria Municipal de Cultura: Wanderlino Arruda (na 2ª gestão
do Prefeito Luís Tadeu Leite) e João Rodrigues (gestão
Athos Avelino Pereira, ainda em exercício). Sempre que solicitada
por qualquer
gestão municipal, esta Associação respondeu
de maneira favorável e prestou serviço, independente
do prefeito ou partido da ocasião, demonstrando assim que
apesar de ser uma entidade política no que este conceito
tem de essencial, é apartidária. O seu
partido é a Arte e a Cultura Integram e integraram (entre
outros), o seu quadro de associados nomes como: Mário Boy,
falecido, (pintura, tintas gráficas), Fábio Assis
Martins Biolla (pintura e escultura com materiais de reciclagem),
Felicidade Patrocínio (cerâmica e escultura), Hélio
Brantes (pintura), Lúcio Saraiva (pintura), Sérgio
Ferreira (pintura), Konstantin Christoff, (pintura) Afonso Teixeira
(pintura), Antonio Mardem (modelagem cerâmica), Carlos Araújo
(escultura), Hélio Guedes, falecido (pintura), Lirs Helena
(pintura), Rogério de Castro (desenho), Amélia Rúbia
Brasileiro (pintura), Adriano Almeida (pintura e arte-objeto), André
de Aquino (pintura), André Luiz Aguiar (pintura), Áurea
Teixeira (pintura), Cristina Rabelo (pintura), Dalva Pereira (pintura),
Antonio Félix da Silva (pintura) Allan Veloso (pintura),
Aderbal Andrade, falecido (pintura), Darlan Rego, falecido (pintura),
Geny Tupinambá (pintura), Olímpia Arruda (pintura),
Carlos Muniz (pintura), João Rodrigues (pintura), Wanderlino
Arruda (pintura), Lúcia Cangussu (pintura), Nelson Evangelista,
falecido (pintura e arte-objeto), Samuel Figueira
(pintura), Conceição Melo (pintura), Celeste Rodrigues
(pintura), Lourdes Mota (pintura), Felicidade Silveira (pintura),
Gemma Fonseca (pintura), Argentino Sidônio (pintura), Tanísia
Guerra (pintura), Walmir Alexandre (modelagem em cerâmica
e pintura), Hotides Sacramento (pintura e instalações),
José Geraldo Carvalho (pintura), Regina Telma Vieira (pintura),
Maristela Teixeira Sacramento (pintura), Guilhermina Lúcia
(pintura), Igor Christoff (pintura), Júlio Vallin (atualmente
na França, mas em constante contato com a Associação,
pintura) Simon J.Barteling (residindo entre Montes Claros e Amstherdam,
freqüentemente presente, escultura), Márcia Prates (pintura),
Onofre Santos (pintura), Robim (pintura), Zora (pintura) Marco de
Souza (pintura), Henrique Torres (pintura e fotografia), Márcio
Antunes (pintura). Alguns assíduos participantes, outros
menos, estes nomes perfazem
um grupo que, unido, se reúne freqüentemente apontando
metas e buscando o desenvolvimento e aprimoramento das artes plásticas
na região.
O PRESIDENTE ATUAL: CARLOS MUNIZ
Carlos Muniz foi e é presença e apoio constantes em
todas as ações e realizações do grupo.
A sua obra e trajetória artísticas são exemplos
que justificam o slogan que põe Montes Claros em destaque
no Brasil, como cidade celeiro de arte. Vencedor de muitos e importantes
salões de arte por todo o Brasil, as telas de Carlos Muniz
viajam pelo mundo e se exibem em importantes galerias cujo acesso
exige qualidade e categoria, o que engrandece a nossa Associação
e muito nos envaidece. Para quem ainda não o conhece e a
sua obra, definida como minimal arte, informamos que ele se iniciou
nos salões de arte de Montes Claros (que, infelizmente não
mais existem), sob a influência da pintura de Raymundo Collares,
seu conterrâneo mundialmente conhecido.
Seu
compromisso com o belo descarta o conceito tradicional e se apresenta
de forma mais contemporânea. Sua arte se descortina em telas
muito grandes, diríamos painéis, polípticos
trípticos,
dípticos, onde extravasam retângulos e quadrados em
planos opostos, inclinados, rasgados ou cortados por cortes fragmentados,
ou retas paralelas e simétricas que Carlos vai colorindo
monocromaticamente ou elaborando contrastes intensos, que por vezes
vão se atenuando, adquirindo expressões mais leves,
até sutis, chegando aos neutros ou ao predomínio do
preto e branco.
Outro aspecto que causa admiração é o fato
deste artista, com uma produção tão vasta,
exercer paralelamente a medicina, o que faz com excelência,
aí também como esteta, já que se inclinou para
a cirurgia plástica.
É como espectadora atenta dessa arte e deste artista, que
eu e os demais companheiros de oficio manifestamos satisfação
por ter em nosso grupo esse artista consagrado e reconhecido, que
está, aqui no Brasil e lá fora, integrando as mostras
dos melhores geométricos brasileiros contemporâneos.
Sua obra já percorreu galerias e museus da África
do Sul, Marrocos, Japão, Portugal, Chicago (USA), Londres
(Inglaterra), grandes galerias do Brasil. Ainda neste ano de 2008,
a sua pintura foi incluída num acervo que reúne 40
importantes artistas brasileiros da atualidade e, em
forma de gravuras e serigrafias, que viajam pelo mundo.
Sobre a sua obra, assim discorreu o artista e curador de arte Luiz
Geraldo Dolino: “Carlos Muniz é um artista muito importante.
Não apenas pelo domínio do ofício, que é
visível para qualquer olhar, mesmo os mais desavisados, mas
sobretudo pela importância dos signos que ele escolheu como
linguagem. Carlos Muniz segue uma tradição importante
no Brasil e no mundo. No Brasil porque a configuração
geométrica faz parte do nosso imaginário ancestral
e integra uma corrente que rendeu grandes expressões da arte
brasileira, a partir dos anos 50 - inclusive Brasília. No
mundo, porque vem da tradição russa, consubstanciada
no Manifesto Construtivista de 1917, de Pesvner e Gabo e que, outra
vez entre nós, justificou a obra de grandes mestres: Volpi,
Sued,
Barsotti, Amílcar de Castro, Waldemar Cordeiro, exemplos
mais notórios.
Carlos
Muniz enfeixa tudo isso e de forma consciente, portanto arbitrária
como convém à grande arte. Carlos Muniz é descendente
e herdeiro dessa família de vastíssima cultura plástica”.
O que enche a Associação dos Artistas Plásticos
de Montes Claros de satisfação e orgulho por esse
seu ilustre associado, agora presidente, é que, dentro desse
artista tão completo, habita também um ser muito especial,
poderíamos dizer, o protótipo da elegância.
Da sua gestão como presidente da Associação
dos Artistas Plásticos espera-se um novo tempo, cheio de
boas realizações, espera-se que a marca elegante da
sua presença e trajetória, assim como a retidão
do seu traço, se estendam à condução
dos destinos desta importante entidade.
PORTEIRINHA:
UM ENSAIO HISTÓRICO
Itamaury Teles
Cadeira nº 84
Patrono: Newton Prates
Pouca gente sabe, mas Porteirinha foi sede de distrito antes mesmo
daquela data estampada em seu brasão: 22-9-1921. Este fato
intrigou-me bastante e motivou-me para a busca de maiores subsídios,
garimpando velhos livros na biblioteca mineiriana da Faculdade de
Ciências Econômicas da UFMG.
O resultado da nossa pesquisa revelou dados interessantíssimos
sobre os meandros que envolveram a primeira promoção
do arraial de Porteirinha a foros de distrito do vasto município
de Grão Mogol.
O primeiro aspecto interessante nessa história – e
que talvez seja o motivo do desconhecimento em nível local
- é que Porteirinha foi sede do distrito denominado Serra
Branca, território desmembrado do distrito de São
José do Gorutuba, por lei nº 2.107, de 7-1-1875.
Isso é o que nos dá conta o historiador Waldemar de
Almeida Barbosa, em seu “Dicionário Histórico-Geográfico
de Minas
Gerais”, acrescentando que a referida lei dividiu o distrito
de São José do Gorutuba em três, inclusive o
de Serra Branca. E acrescenta: : “Mais tarde, a Lei nº
3272, de 30 de outubro de 1884, transferiu a sede do distrito de
Serra Branca para o povoado de Jatobá, dando-lhe a denominação
de Nossa Senhora da Conceição do Jatobá. Em
1891, pela Lei nº 805, de 22 de setembro,
mais uma vez foi transferida a sede do distrito de Jatobá
para o povoado de Porteirinha”. A expressão “mais
uma vez” pode ser interpretada no sentido de Porteirinha já
ter sido, em data anterior, sede de distrito.
Há uma incorreção na data da Lei nº 805,
que é de 22 de setembro de 1921 e não 1891. Joaquim
Ribeiro Costa, no livro “Toponímia de Minas Gerais”,
ratifica essas informações, ressaltando que nessa
data a sede do distrito fora “novamente transferida para São
Joaquim da Porteirinha”. E traz informação relevante:
“Figura com o nome atual [ Porteirinha] no quadro da Divisão
Administrativa de 1923”, quando perdeu a primeira parte que
homenageava o seu santo padroeiro.”
Porteirinha aparece no mapa, em 1924, como sede do
Distrito de Jatobá
De
fato, em 1924, conforme consta do “Atlas Chorographico Municipal
– vol. 1”, o distrito aparecia no mapa do município
de Grão Mogol apenas como Porteirinha e com um acréscimo
entre parêntesis “(Sede do districto de Jatobá)”.
E este fato (Porteirinha como sede do distrito denominado Jatobá)
apenas corrobora nossa tese de que São Joaquim da Porteirinha
era a sede do distrito denominado Serra Branca, desde a sua criação
em 1875.
No livro “As denominações urbanas de Minas Gerais”,
editado pelo Instituto de Geociências Aplicadas, em parceria
com a Assembléia Legislativa de Minas Gerais, o estudo toponímico
de Porteirinha é ratificado: adoção do nome
- 1923; criação do distrito - 1875 (Lei 2107, de 07/01/75);
emancipação do município - 1938 (D.L. 148,
de 17/12/38).
Mas o que teria provocado a mudança da denominação
e da transferência da sede do distrito de Serra Branca para
Jatobá?
Segundo apurei, na página 718 do “Annuario de Minas
Gerais – 1918, 2º Tomo”, por meio de transcrição
de matéria publicada por um colaborador do semanário
montes-clarense A Verdade – jornal dos padres premonstratenses
– a mudança da sede do distrito fora classificada como
“injustiça inqualificável”, tão-somente
porque ali se situava a fazenda do Juiz de Paz.
Vejam o relato do colaborador, com a ortografia da época,
pois talvez tenha sido a primeira publicação na imprensa
de matéria elogiosa à nossa querida Porteirinha: “A
6 legoas de S. José (do Gorutuba) fica o arraial de Porteirinha,
que é uma localidade nova e risonha, tem um aspecto bellissimo;
a Egreja bem confortavel, todas as casas novas, o commercio bem
animado, parece ter um futuro esperançoso. Notamos, porém,
uma injustiça inqualificavel; a sede do districto é
Jatobá, n’uma Fazenda do Juiz de Paz, distante 4 legoas
do commercio e da povoação de Porteirinha!”
A primeira igreja de Porteirinha, que era “bem
confortável”, em 1918, conforme
reportagem do jornal A Verdade, dos padres premonstratenses, de
Montes
Claros (arquivo do autor).
SERRA
BRANCA
A seguir, o colaborador do A Verdade discorre sobre a região
de Serra Branca: “A 3 legoas de Porteirinha, fica o povoado
de Serra Branca, não distante de Riacho dos Machados e de
Matto Verde (este, na comarca de Rio Pardo e aquelle, no território
de Grão Mogol). Serra Branca é um arraial situado
a 3 legoas da Serra do Espinhaço, aqui chamada Serra das
Almas e que denomina a localidade ao lado do Norte. Não obstante
ser já muito antigo, o logar é pequeno e pobre, quasi
por completo inhabitado, fóra dos dias de festas e missões.
N’elle grassa o impaludismo e seo povo é bom e tratavel.”
O relato do jornalista de “A verdade” reforça
ainda mais a nossa tese de que São Joaquim da Porteirinha
era mesmo a sede do distrito de Serra Branca, pois, desde a sua
origem, Serra Branca sempre foi um lugarejo pequeno e desabitado,
exceto nos dias de festas e de missões. E o nome do distrito
apenas homenageava um dos mais belos trechos da Serra do Espinhaço,
a parte denominada Serra Branca.
Outro
detalhe que chama a atenção: embora Serra Branca fosse
conhecida em 1918, a cachoeira do Serrado, ali próxima, não
era conhecida oficialmente, pelo que se infere das quedas d’água
“de certa importância” no município de
Grão Mogol, quando são citadas apenas a de Maria das
Neves, no rio Itacambirussú, com 100 metros de altura; a
de Santa Martha, no rio Ticororó; a do ribeirão do
Inferno; a do córrego das Mortes...
Todavia, Urbino de Souza Vianna, na “Monographia Historica
de Montes Claros”, em 1916, faz relato do itinerário
provável da expedição Espinosa-Navarro, ocorrida
em 1553, e cita a região do Serrado. Vejamos seu relato:
“A expedição depois de atravessar o Pardo, inclinou
para o sul, fraldejando a Serra Gerral, ou pelos seus espigões
mais accessíveis onde vio rochas mui altas de pedra mármore
(A Serra Geral, em muitos pontos, tem quartzitos brancos, confundíveis
com mármore) com toda probabilidade na parte conhecida hoje
por Serra Branca, um dos contrafortes da Serra das Almas ou Geral
(Cordilheira do Espinhaço) distante dez leguas da cidade
do Rio Pardo, duas leguas do povoado que della tira o nome, servindo
para denominar o rio que lhe fertiliza a terra de contorno, indo
verter no Gorutuba após um percurso limitado. As águas
do Serra-Branca são negras, não sendo de máu
paladar; têm suas nascentes no lugar – Serrado –
na Serra Geral, abaixo duas leguas de Jatobá, pequeno arraial
no município de Grão Mogol. Entre este povoado e Serra
Nova, pelo caminho da cidade do Rio Pardo, o rio Serra-Branca passa
por um canhão muito alto e relativamente estreito, cortado
a prumo na serra, logar que se denomina – Talhado –
onde a abundância de quartzito de grande alvura é tal,
que parece ter nascido dahi o baptismo á serra, que de resto
é abundante desta rocha.”
Convém aqui fazer uma pequena correção no texto
do eminente historiador Urbino Viana, uma vez que o rio que atravessa
o Talhado – um belo cannyon norte mineiro – é
o Mosquito
que, coincidentemente, nasce no alto da Serra do Espinhaço,
muito próximo da nascente do rio Serra Branca. Este, já
inicia seu curso em três quedas d’água denominadas
Cachoeiras do Serrado.
DEPUTADO REPUBLICANO
O ex-deputado federal Wilson Cunha não foi o primeiro parlamentar
nascido em Porteirinha. O anuário estatístico do IBGE
traz informação importante nesse sentido, dizendo
que Porteirinha não é famosa apenas pelos bandoleiros
ali nascidos ou que ali viveram, mas também por ser o berço
de um deputado da primeira câmara republicana. O nome dele
– que merece ser homenageado com uma rua – é
Manoel José da Silva. Isso também reforça a
nossa tese de que Porteirinha já era distrito de Grão-Mogol
desde 1875, evidentemente com o topônimo de São Joaquim
da Porteirinha, senão seria quase impossível afirmar
que esse insigne representante do povo tenha ali nascido.
A antiga igreja de Senhora Santana, no povoado de
Serra Branca, nas missões
de 1957 (arquivo do autor)
EU
SOU O CERRADO
Ivo das Chagas
Cadeira nº 39
Patrono: Gentil Gonzaga
Eu sou o cerrado. Domino, abraço e protejo cerca de 2 milhões
de quilômetros quadrados de meu País, ou seja, aproximadamente,
23% do território de minha pátria. Sou, assim, a segunda
maior formação vegetal da América do Sul, depois
do conjunto florestal amazônico.
Algumas unidades de nossa Federação dependem de mim
para seu progresso, ou mesmo sobrevivência. Em Goiás/
Tocantins, cubro 88% do espaço geográfico; em Minas
Gerais, 53%; no conjunto Mato Grosso e Mato Grosso do Sul, 39%;
no Maranhão, 30%. É, porém, no Distrito Federal,
que não permito concorrência - estou presente em 100%
de seu território.
Concentro-me, principalmente, no Planalto Central do Brasil, onde
o solo, o clima, as altitudes e o relevo, me permaneceram favoráveis,
mas apareço sob a forma de enclaves em quase todo o espaço
tropical brasileiro, inclusive na Amazônia.
Sou acusado de monótono em minhas paisagens. Nada mais injusto.
Olhar de quem não me conhece.
Aqui,
sou eu mesmo, com todas as minhas características - o cerrado
típico ou, como querem alguns, stricto sensu. Árvores
pequenas, que quase nunca ultrapassam 8 metros de altura, folhas
grandes, geralmente espessas e duras, troncos e galhos tortuosos,
cascas grossas, corticosas e gretadas, recursos que me permitem
melhor suportar os rigores do tempo, como a inclemência da
radiação solar e as labaredas do fogo e, após
as queimadas, qual Fênix, renascer das cinzas. Um tapete de
gramíneas, de arbustos e subarbustos, com uma certa descontinuidade,
cobre e protege o meu chão. Mesmo nos horrores da sequidão,
quando o sol calcina meus viventes herbáceos, o cinza não
me domina completamente porque busco no fundo da terra, no meu pântano
subterrâneo, a água que dá o verde da vida,
pois sábia e zelosamente a conservo para o meu uso e para
as necessidades dos que vivem em meu reino e em outros reinos vizinhos.
Minhas árvores são bastante afastadas umas das outras
e suas copas raramente se tocam. Assim, abro-me para o céu,
o sol beija minha terra e enxergo amplos horizontes.
Nos imensos estendidos das chapadas, assentadas nos grandes interflúvios,
me mostro de forma contínua e homogênea, formando os
meus gerais. É aí onde a vesguice dos que nas roseiras
só distinguem os espinhos, me enxergam como monótono
e tedioso. Ouçam, porém, a voz de um gênio,
de um gigante da intelectualidade brasileira, chamado Euclides da
Cunha: “Estiram-se então, planuras vastas. Galgando-as
pelos taludes, que as soerguem dando-lhes a aparência exata
de tabuleiros suspensos, topam-se, a centenas de metros, extensas
áreas ampliando-se, boleadas, pelos quadrantes, uma prolongação
indefinida de mares. É a paisagem formosíssima dos
campos gerais, expandida em chapadões ondulantes - grandes
tablados onde campeia a sociedade rude dos vaqueiros”. Esse
humano foi magistral em sua descritiva e em sua conclusão,
pois a inclusão do vaqueiro campeando em campo livre e aberto
completa a idéia de que, outrora, aquele meu espaço
era geral, isto é, era de todos - terra do povo. É
aí que sou
o verdadeiro sertão de Guimarães Rosa, que em mim
viu todas as belezas do mundo, mas, também de Capistrano
de Abreu, pois é dos gerais que flui a maior parte da água
que vai alimentar o rio São Francisco, o rio dos currais
e do Ciclo do Couro, o construtor da inconfundível civilização
barranqueira.
Prosseguindo na descritiva de minhas paisagens, ali, meus seres
arbóreos são bem mais baixos, guardam maior distância
entre si, as gramíneas são mais contínuas e
os arbustos mais freqüentes. Sou o cerrado ralo ou campo cerrado,
expressão de solos estacionais mais seletivos ou da ação
perturbadora dos humanos.
Além, sou dominado pelas gramíneas, arbustos e subarbustos,
as árvores desaparecem, mas a beleza permanece - sou o campo
sujo, tendo, muitas vezes, caminhado de meu estado primitivo para
esse estágio, por via do machado, da foice, do fogo ou ainda,
naturalmente, pela herança do solo.
Mais à frente, as gramíneas imperam de maneira quase
absoluta, formando os meus campos limpos, um desígnio de
solos mais restritivos ou de interferências mais radicais
dos homens.
Em meu domínio aparece também o cerradão, que
é uma das mais belas expressões dos biomas florestais
do Brasil, com árvores que chegam a 18 metros de altura,
muitas das quais comuns às minhas formações
típicas, mas com troncos mais retilíneos e cascas
um pouco mais delgadas. Os estratos herbáceo, arbustivo e
arbóreo são bem mais distintos, ocorrendo, não
raramente, a presença de quatro andares vegetacionais. Como
o chão é muito sombreado, as gramíneas praticamente
não existem, exceto nas clareiras. Os solos exibem uma maior
concentração de elementos minerais e orgânicos
e são mais profundos do que aqueles do restante de meu domínio,
mas também com serventias mais variadas, como o uso agrícola
pelas comunidades sertanejas. Nesses espaços, o fogo praticamente
nunca passa, a umidade se conserva
por mais tempo, os epífitos, como as graciosas e inequívocas
orquídeas e os cipós lenhosos, permeiam e dão
beleza à mais suntuosa expressão vegetal sob meu reinado.
Minha natureza é plena de prodígios. Tenho que me
orgulhar de meus campos rupestres e campos de altitude que se colocam
nas altaneirias das chapadas, onde minhas árvores, em obediência
ao solo, se tornam arbustos e onde miríades de flores sorriem
no infinito verdejante, incluindo o milagre da sempre viva. É
desses campos que partem muitas de minhas águas, levando
a vida de porta-em-porta, como o rio São Francisco, o rio
de todos os brasis, que entreguei somente ao meu País, na
esperança de que dele cuidasse, pois é o maior e mais
precioso diamante que saiu de minha bateia.
Não deixo nada sem meu manto protetor, mas tenho um carinho
de primeiro amor por meus rios, córregos e riachos. As matas
de galeria, sinuosas como minhas árvores, acompanham os cursos
d’água, protegendo-os contra o dessecamento das margens,
evitando a erosão e impedindo que corpos estranhos maculem
as minhas águas, além de barrar a marcha do fogo,
servindo de refúgio para meus animais. Através delas,
exibo, sob a forma de amostragem, toda a exuberância das florestas
tropicais, não faltando, é claro, o deslumbre das
orquídeas. São refúgios de antigas florestas
que, em tempos pretéritos, cobriam parte de meu território.
Elas são cada vez mais amazônicas para o norte e cada
vez mais atlânticas para o leste.
A vereda, com toda razão, muito vaidosa, já está
pensando que dela vou me esquecer. Não poderia deixar de
me lembrar da mãe de minhas águas, do mais belo espetáculo
cênico do mundo tropical, meu oásis, de maior beleza
que o saariano. A ela confiei as mais nobres funções.
Eu a dotei de espécies não encontradas em nenhum outro
subsistema sob o meu comando, como o buritizeiro, a palmeira providencial
do sertão, pois dela tudo se tira tudo se faz. É também
a guardadora de água e de alimentos
frescos para meus bichos durante as quatro estações
do ano, defendendo-os também das ardências do fogo
natural ou ateado que, no esconder das chuvas, flameja e crepita
na macega seca de meus gerais, mas com muito respeito pelo úmido
que nela permanece. Ela é meu santuário.
Falam muito da pobreza e acidez elevada de meus solos, fatos que,
na perspectiva nebulosa e antropocêntrica dos humanos, não
posso negar. Saibam, porém, que exibo o mais rico patrimônio
genético de todas as manifestações savânicas
do mundo e até mesmo de grande parte dos sistemas florestais
existentes.
Aqueles que me conhecem um pouco mais sabem que sustento milhares
de espécies vegetais lenhosos e uma presença ainda
maior de plantas herbáceas. Somente no Distrito Federal mantenho
233 espécies de orquídeas terrestres, enquanto 440
aves diferentes alegram os meus campos. Mas não para aí,
esta riqueza eu a reparto por vários lugares onde estou presente,
com a finalidade de a todos servir.
Observem-me mais atentamente e verão que exibo, durante todo
o ano, as mais belas flores do Brasil. Flores para ornamentar a
minha vida e a vida dos que amam o belo.
Minha idade? Está guardada somente na memória dos
tempos. Sou uma das mais antigas formações vegetais
do Brasil. Vi o nascer da luxuriante floresta amazônica, pois
lá estava quando ela saiu de seus refúgios, nas partes
mais úmidas do grande período seco e quente que tisnava
o torrão amazônico. Um clima cada vez mais úmido
fez com que eu lhe cedesse lugar, recuando às minhas antigas
fronteiras no Planalto Central do Brasil, deixando ali apenas alguns
núcleos, testemunhos de meu antigo império.
Passei por muitos tipos de climas, solos os mais variados, adaptei-me
a múltiplos ambientes, por via de uma constante seleção
de minhas espécies e reações fisiológicas
verdadeiramente miraculosas.
Vi os primeiros homens chegarem, vindos de outras paragens. Ofereci-lhes
abrigo, frutos, caça fácil e as penas de meus pássaros
lhes serviram de ornamento.
Acolhi em meu vasto coração os homens ditos civilizados.
Não fui egoísta. Ofereci alimentos para os seus rebanhos
e para eles próprios; dei-lhes madeiras para os seus currais
e cercas; folhas e embira de buriti para a construção
de suas casas; lenha para seus fogões e rios que lhes conduziam
ao longínquo Atlântico.
Com os chamados civilizados veio o fogo induzido e sistemático,
o que me obrigou a novas adaptações, quando então
muitas de minhas espécies vegetais e animais desapareceram,
mas com grande esforço, não perdi minha identidade.
Resisti com galhardia à maria fumaça, aos vapores
do rio São Francisco, aos fogões caseiros, sempre
sedentos de lenha. Mas foi a partir de meados do século passado
que meu mundo começou a se desmoronar. Vieram as usinas siderúrgicas
que tinham o carvão vegetal como base energética.
Minhas árvores começaram a ser dizimadas, assassinadas,
numa extensão e rapidez nunca vistas em qualquer bioma brasileiro,
seguindo uma verdadeira política de terra arrasada. Meus
animais mais típicos, como o tamanduá mirim, o tamanduá
bandeira, o tatu canastra, o tatu verdadeiro, o tatu peba, o lobo
guará, o veado campeiro, o veado catingueiro, a onça-parda,
o gambá, a raposa-do-campo, o quati, a anta, a capivara,
a cutia, a ema, a seriema, o carcará, o gavião e o
urubu-rei, que já vinham em extinção, praticamente
desapareceram nos lugares mais aviltados, pois ficaram sem alimentos,
sem abrigo e sem áreas de refúgio, bem à vista
de caçadores impiedosos que fizeram verdadeiros festivais
de sangue quando dos grandes desmatamentos.
Sem
a cobertura arbórea, a gota de chuva começou a cair
diretamente sobre o meu solo, os ventos não tiveram mais
obstáculos, correndo mais livres e rapidamente e, numa interação
malfazeja, água e ar, antes os fundamentos da vida, pela
ação desastrada dos homens, se combinaram para compactar
e varrer os meus solos, acelerar os processos erosivos, colmatando
as minhas lagoas e assoreando meus rios e veredas, além do
rebaixamento do aqüífero, por via de uma intensa evaporação,
o que fez desaparecer muitos espelhos d’água.
As grandes estradas começaram a aparecer. Com elas vieram
as famigeradas caixas de empréstimo, o decapeamento de meus
morros para preparação de seus pisos; os cortes das
ondulações de meu terreno, sem sustentação
dos taludes; os barramentos e a morte das veredas pelos aterros;
as drenagens mal conduzidas e pior direcionadas - tudo isto contribuindo
fortemente para o arruinamento de meu solo e de meus corpos d’água.
O pior ainda estava por chegar - a implantação de
florestas homogêneas em grandes áreas do meu domínio.
Também desta vez nada foi respeitado. Topos de chapadas e
de morros, vertentes, veredas, fontes, tudo foi tomado de assalto.
A erosão aumentou, pois só as minhas gramíneas
têm a capacidade de segurar o meu chão, quase sempre
mais arenoso do que argiloso. Minha fauna foi mais uma vez sacrificada
e as veredas perderam sua função ecológica
de genitora das águas e de paraíso dos animais. Neste
aspecto não sou radical. Nunca fui contra as florestas homogêneas,
mas sim a maneira irresponsável como elas foram implantadas,
sem estudos prévios, sem zoneamento ambiental, sem planejamento
e sem critérios, ocupando, não raro, espaços
nobres e até mesmo autênticos santuários.
Mas outra calamidade veio chegando com uma rapidez impressionante
- a lavoura comercial monocultura. Esta, ao invés de adaptar-se
a meus solos, adaptou meus solos aos produtos de sua conveniência.
Adubos químicos e orgânicos, calagem, herbicidas,
inseticidas, fungicidas, tudo contrariando minha natureza, pois
nada teve o controle devido. As lâminas de tratores gigantes
rasgaram fundo minha alma; arrancaram pela raiz os meus viventes
vegetais; desestruturaram o meu solo, sem qualquer consideração
por meus princípios de vida. Entre uma colheita e outra,
meu chão fica exposto às intempéries, quando
sofre o dardejar dos ventos, varrendo a argila de superfícies
já arenosas. Com a utilização de meu espaço
agrícola para essas novas atividades, a área antes
ocupada pela pecuária extensiva ou semi-extensiva ficou cada
vez mais restrita, mas os rebanhos aumentaram, a partir do que,
o superpastoreio passou a ser uma realidade nefasta, especialmente
nas superfícies de solos mais instáveis. Como conseqüência
de tudo isto, a desertificação tem sido, em alguns
de meus endereços, a terrível resposta.
Nestas
paragens de minha fala, gostaria de fazer uma advertência.
Observem bem o mapa da vegetação de nosso País.
Vejam a condição de centralidade que ocupo em relação
às outras comunidades vivas. Agora vejam um mapa do relevo
brasileiro. Creio terem constatado que minhas altitudes são
superiores às de quase todas as superfícies que sustentam
os demais ecossistemas nacionais. Não creio ser necessário
dizer aos homens que tudo o
que me fizerem estarão fazendo contra todos os demais complexos
bióticos e abióticos do espaço geográfico
ocupado pelo Brasil. Em termos ecológicos, sou o bioma mais
importante do território brasileiro, o eixo de equilíbrio
ambiental do Brasil, o calcanhar de Aquiles da sustentabilidade
dos grandes ecossistemas vigentes nos ambientes de vida da grande
nação brasileira.
O homem é realmente uma criatura imponderável. Por
mais que eu viva, por mais que me esforce, por mais que filosofe,
não consigo entender os humanos. Parece-me verdadeiramente
inconcebível que tudo isso tenha me ocorrido nos últimos
40 anos, num período que se distinguiu pelo rápido
avanço do conhecimento científico, da tecnologia e
da expansão dos estudos na área das ciências
da natureza, da divulgação dos desastres ambientais
em nível nacional e internacional, mas, mesmo assim, ainda
insiste em minha total destruição.
Não posso terminar minha fala, sem dizer aos homens que sou
o pai das águas do Brasil, a grande caixa d’água
nacional. Abram qualquer mapa hidrográfico de meu país,
observem e verão que de minhas entranhas nascem alguns dos
grandes rios da margem direita do Amazonas, o Araguaia/Tocantins,
o São Francisco e seus principais afluentes, a maioria dos
tributários do Paraguai e ele próprio, ou seja, quase
todos os formadores do Prata, ocorrendo o mesmo com o Jequitinhonha,
o Paraguaçu, o Parnaíba e muitos outros rios das bacias
nordestinas. Não é necessário que eu ensine
aos humanos que, ao desequilibrar-se a cabeceira de um rio, desequilibra-se
todo o seu curso; ao desequilibrar-lhe o curso, desequilibra-se
toda a bacia hidrográfica. É bom que todos se lembrem
que, no planeta das águas, a potável representa uma
ínfima parcela e é cada vez mais escassa. Nenhuma
dúvida deve restar que, sem esse liquido, o SER, deixará
de EXISTIR.
Senhores racionais, senhores donos do mundo, não sou contra
a minha utilização para a satisfação
de suas necessidades. Creio que, ao longo de nossa história
comum, provei isto de maneira inquestionável. Quero continuar
sendo generoso. Para
isto aqui vai o meu grande apelo, um grito quase desesperado: ESTUDEM-ME,
CONHEÇAM-ME, RESPEITEM-ME. Façam um zoneamento ambiental
de meu espaço, deixem lugar para os meus bichos, conservem
bancos genéticos de minha flora e fauna, protejam minhas
áreas críticas e de risco, preservem amostragens significativas
de meus ecossistemas e subsistemas, cuidem bem de minhas coleções
de água, especialmente de minhas veredas e de meu querido
rio São Francisco, não arrisquem sangrias em meus
rios, dêem dignidade aos meus veredeiros, aos meus geraizeiros
e ao meus barranqueiros, resgatem os quase 500 anos de cultura que
surgiu de nossa convivência e que formou uma civilização
multifacetada, multicolorida, única em todo o mundo. Enfim,
AMEM-ME e eu prometo ser-lhes dadivoso de agora até a eternidade.
REFERÊNCAS
BIBLIOGRÁFICAS
____________________________________
Como não se trata de um artigo científico e sim de
uma divulgação a nível popular e literário,
não cremos caber aqui as normas da ABNT. De qualquer forma,
ao lado de nossa experiência pessoal adquirida ao longo de
mais de 70 anos de vivência nos cerrados, não podemos
deixar de citar autores lidos ao longo do tempo, tais como: AB SABER
Á.; DIAS, B. F.S.; GOODLAND, R.; CHAGAS, I.; CAMARGO, A.
P.; COUTINHO, L. M.; CUNHA, E.; EMBRAPA.; FERRI, M.; HERINGER, E.
P.; HUECK, K.; KOECKLIN, J.; KULHMANN, E.; NIMER, E.; RANZANI, G.;
RAWITSCHER, F. K, ; RIZZINI, L. M.; ROSA, G.; EITEN G.; SCHNELL,
R.; WAIBEL, L.; WARMING, E.
O
VELHO MERCADO MUNICIPAL
João Carlos M. Sobreira de Carvalho
Cadeira nº 53
Patrono: João Batista de Paula
A proximidade do Hotel São Luiz ao Mercado Municipal nos
proporcionava as mais diversas incursões de aspecto olfativo,
visual, tátil e, porque não dizer, histórico
e folclórico local. Com os cheiros que sentíamos,
conseguíamos distinguir os diferentes períodos de
safras. Naquela época havia poucas bancas no Mercado. As
mercadorias eram colocadas no chão nu, às vezes forrado
com um pano encardido ou uma esteira de palha. A gente podia distinguir
de longe as cargas de goiaba, manga ubá, pequi, panã,
pelo perfume, para uns ou odor desagradável para quem os
detestava. As diversas fragrâncias se misturavam vigorosamente:
o suor dos animais, seus excrementos e urinas, o peixe salgado e
a carne de sol, os queijos e requeijões, a fumaça
do preparo dos churrasquinhos e “pê-éfes”
e o cheiro enjoativo dos couros exalados das selas e arreios. Não
é novidade, pois tudo isto é cheiro de qualquer mercado.
Só que o nosso, além do cheiro, tinha atrativo ‘montesclarês
’.
Havia uma ala especializada em bordados e outra onde comercializavam
cestas, peneiras, esteiras e uma grande varieda de de baús
de vários tamanhos. Também havia o local de venda
dos potes, bilhas, pratos, cofrinhos com formato de leitão,
miniatura de jogos de chá e café, “cachê-pots”
para plantas ornamentais etc., tudo em barro cozido em forno próprio.
O prédio do Mercado Municipal era do século XIX, estruturado
com esteios de aroeira e pé direito muito alto. Na sua fachada
destacavam-se as portas altíssimas e a torre do relógio.
Ele tinha um sino que batia as horas e as meias-horas, ouvidas em
quase toda a cidade. Ao longo das ruas Cel. Antônio dos Anjos
e Rui Barbosa estavam os açougues e as lojas que vendiam
cereais. Havia, além delas, lojas de roupas e armarinhos,
materiais de construção e ferragens. Tinha de tudo
no mercado velho. No
miolo do prédio ficavam algumas bancas e os bruaqueiros fixos,
que funcionavam durante a semana. No sábado, que era o dia
de feira, as ruas laterais eram literalmente ocupadas pelos feirantes,
ficando, portanto, interrompida para o trânsito de veículos,
que, diga-se de passagem, eram poucos. O prédio ocupava a
metade do terreno onde hoje está construído o Shopping
Popular Mário Ribeiro. Na outra metade ficava um terreno
vago que, nos dias de feira, era ocupado pelos animais: burros,
cavalos e carros de boi que traziam os feirantes e suas mercadorias;
havia até cabritos, bodes e porcos vivos para serem comercializados.
Quando a Prefeitura construiu ali várias lojas (algumas deixaram
marca de sucesso e credibilidade como a Casa Amaral –especializada
na venda dos produtos da Camisaria Anita, fábrica dos próprios
donos da loja: D. Anita e ´Seu´ Amaral- e a Casa dos
Alumínios, da família Costa), os animais passaram
a ser estacionados no terreno vago onde hoje está o Quartel
do Corpo de Bombeiros. Do outro lado das ruas laterais, algumas
lojas também deixaram suas marcas: na Cel. Antônio
dos Anjos, a Casa 5 Irmãos da família de ´Seu´
Dé, na rua São Francisco a enorme loja, se não
me engano, denominada “A Esmeralda”, de Deraldo Calixto
de Carvalho, onde hoje se encontra a Casa Nina, do companheiro Waldir
Veloso e, na rua Rui Barbosa, a Sapataria Ely, de José de
Souza Zumba, o Armazém Loyola, de Loyola & Cia, a Casa
Zita, de Benjamim Rêgo e a loja, cujo nome não me lembro,
do amigo José Mário de Araújo, (não
sei porquê, todo mundo se referia a ele chamando-o de “Zé
Amaro”).
José Mário era uma pessoa extremamente simpática
e cordial. Ele se dava bem com todos e era muito expansivo. Todos
gostávamos daquele gordo baixinho, sorridente, de voz gutural
e com um diapasão extremamente alto. Certa ocasião,
na época das eleições, ele achou que estava
na hora de ser candidato a vereador, pois em todo lugar a que comparecia
era aplaudido e tinha o nome gritado pelo povo. Não atinou
que era pura gozação de alguns não tão
amigos. Pensou que poderia colaborar com o “meu amigo Toninho
Rebello”, candidato a prefeito. Pelo volume de aplausos onde
ele aparecia, nas solenidades e até nas sessões de
cinemas, “Zé Amaro” entendeu que já estava
eleito (como acontece ainda hoje com muitos candidatos). Para sua
frustração, teve uma votação ridícula.
Mas, isto não o desanimou. Ele concluiu que sua ação
política colaborou, de alguma forma, para a eleição
de Toninho Rebello. O que não deixa de ser verdade.
Como sua loja ficava próxima do Hotel São Luiz, “Zé
Amaro”, que sempre foi muito amigo de meu pai, na falta dele,
tornou-se parceiro de mamãe no bate-papo. Praticamente todas
as manhãs, por volta das 10:30/11:00 horas, quando o comércio
entrava numa espécie de letargia enquanto não chegava
a hora do almoço, ele ia para a porta do hotel “papear”.
Ele tinha uma enorme consideração e admiração
por mamãe.
Nesta ocasião, eu jogava basquete na praça de Esportes.
Como a maioria dos jogadores da seleção trabalhava
no comércio, éramos obrigados a fazer os treinos antes
das lojas abrirem e normalmente iniciávamos os exercícios
a partir das 5:30 da manhã. Dácio Cabeludo, Antônio
(Tutica) Amaral, Hélio Alcântara, Diu Colares, Mário
(Bode) Veloso, Tu Peixoto, Sabu (puxa! só citei quem já
foi para o andar de cima!), Zim Bolão, Roberto Amaral, Marquinhos
Valle, Buião, Bichara, os irmãos Joãozinho
e Gugu, Zé Teixeira (vou parar por aqui para não cometer
injustiça, deixando de citar alguém). Quem tinha de
trabalhar treinava até às 7:00 ou 7:30 horas e, o
restante, ficava mais um pouco. Eu, que estudava no científico,
à noite, no Colégio Imaculada Conceição
(aliás, era a única opção na época),
me dava ao luxo de ficar batendo bola até mais tarde, porque
eu não tinha horário fixo para começar minha
atuação diária na ajuda à administração
do hotel.
Certo dia, por volta de 10:00h, eu estava voltando correndo da Praça
de Esportes após um treino, uniformizado com camiseta, calção
e tênis, todo suado e muito vermelho (por causa de minha pele
de cor clara, qualquer esforço físico me deixa com
o rosto - como dizem aqui - com a cor de alemão). Ao chegar
à porta do Hotel, estava mamãe conversando com “Zé
Amaro”. E ele, ao me ver, disse, aparentemente apreensivo,
para mamãe: “Dona Nazareth, a senhora precisa ter cuidado
com o João Carlim (era assim que ele me chamava), pois ele
está muito sanguinário!” Quem estava por perto
não conseguiu segurar o riso!
Mercado Municipal de Montes Claros
O
MENINO PESCADOR E A MENINA DO VENTO
Karla Celene Campos
Cadeira nº 14
Patrono: Arthur Jardim de Castro Gomes
... e o Menino Pescador povoa até hoje o espírito,
a alma do Velho Pescador...
Reivaldo Canela
Gosto
de pisar o chão das ruas desta cidade nas manhãs de
sábado. As portas e as janelas param de fingir que não
têm vida e ficam espiando... Vigiando meu caminhar. As praças
também me olham. Meu olhar se cruza com os olhares das portas,
das janelas, das praças... Nunca tenho destino certo nas
manhãs de sábado. Aviso simplesmente em casa:
“-
Vou sair para beber o sábado.”
Percebo-me,
nesses instantes, plena de luz. Iluminadas também ficam as
portas, as janelas, as ruas, as praças, a cidade.
No sábado 28 de junho de 2008, no entanto, eu tinha destino
certo. Procurar o endereço de Reivaldo Canela. Falar para
ele de uma cena que nunca vi, mas que não sai de dentro de
mim. Tudo porque alguém me disse que, num tempo passado,
todo fim
de tarde, o poeta advogado espalhava alimentos para pássaros
na varanda de sua casa, e todos os passarinhos da cidade voavam
para
lá. Desde que soube disso, então, todas as vezes que
passava pela Praça da Santa Casa, parava na porta da casa
do poeta, singela como um desenho infantil, e ficava a imaginar
a cena...
Até que um dia, passando por lá, não vi a casa.
Fora demolida. Só escombros no chão...
Aí é que a imagem da casa com varanda, pássaros
soltos e poeta se firmou mais intensamente dentro de mim...
Precisava falar isso para ele... Mas como chegar ao poeta se a gente
nunca havia se falado?
Fui assim mesmo. Levando nas mãos exemplares de meus livros
Hibiscos Molhados e Montes Claros Retratos Poéticos, este
em parceria com a fotógrafa Ângela Martins. Do Ventos
e Vivências no Brejo das Almas eu sabia haver um exemplar
na estante dele.
Como se fôssemos velhos amigos, fui recebida. Um abraço
e, para minha surpresa, em suas mãos um exemplar do seu livro
Menino Pescador já autografado para mim “com carinho
e admiração”. E a data da dedicatória?
20 de abril: dois meses e uma semana antes... Parecia que desde
aquele dia esperava a minha visita.
E foi bom. Juntos bebemos toda aquela manhã de sábado.
Falamos de livros, de poemas, da passagem do tempo, da vida, de
pássaros, de rios e pescarias.
Prometi voltar.
27 de julho, 2008 - Abro o jornal e leio, comovida, uma crônica
escrita pelo meu mais recente velho amigo tecendo comentários
amáveis acerca do Montes Claros Retratos Poéticos...
Último
dia do julho de 2008 - aniversário do meu velho amigo. Converso
com ele por telefone. Agradeço-lhe as gentis palavras da
crônica de quatro dias atrás. Desejo-lhe feliz aniversário.
Falo do encantamento que experimentei com a leitura de seu livro...
De todas as qualidades de árvores, de pássaros, de
peixes, de tanta fartura de natureza e de vida, do tanto de amor
no coração que percebi em suas páginas... Leio
para ele meus fragmentos preferidos:
“O tempo vai passando e vem o escuro. Cessa a alegre sinfonia
dos passarinhos; começa a noturna, com soturnas vozes da
mata. Um socó-boi geme lá longe; a mãe-da-lua
lança seu grito alto e repicado, em melancólica escala
descendente...”
“Menino Pescador está sempre insistente, cobrando a
presença do rio, da mata, dos passarinhos cantadores, das
saracuras-três-potes, do espetáculo das garças
e de algum jaburu grandão e feioso...”
E falo da dor em mim por saber que o tempo, o progresso e os homens
insensíveis que fazem a cidade negaram à minha geração
a chance de conhecer os rios, os córregos e os regatos que
banhavam Montes Claros...
- Somos dois românticos, Karla. Gostamos das mesmas coisas,
mas nem todos gostam do que gostamos...
- Sabe, vou escrever sobre nós. Por uma dessas magias que
só a imaginação e a arte permitem, vou unir,
num mesmo tempo e espaço, numa mesma infância, a menina
do vento e o menino pescador. Vou juntar nós dois, com a
mesma idade, num conto, numa crônica, num poema, sei lá.
Você vai me mostrar todos os passarinhos e vai me ensinar
a pescar. E eu vou ensiná-lo a voar. Como leu em Ventos e
Vivências, sou da terra dos ventos. Geminiana, meu elemento
é o ar. Portanto, sei voar...
Acrescentei
mais um feliz aniversário e comentei: muito o que viver,
muito o que escrever por aí.
Ao que, então, retrucou:
- Não tenho muito tempo, Karla...
Não acreditei. Completando setenta e cinco anos naquele dia,
achei que poderia contar com ele por pelo menos mais uns dez. Tão
forte, tão falante, tão feliz!... O tom de sua voz
me permitia perceber, mesmo por telefone, o brilho azul de seu olhar.
“Não tem muito tempo...”. Não acreditei.
Continuei:
-Vou escrever sobre nós e levo aí pra você.
Já tem título: O Menino Pescador e a Menina do Vento...
Agosto chegou com os seus próprios ventos.
Setembro veio e levou para o Brejo das Almas os ventos
de lá.
O ajuntamento de palavras para a prometida crônica não
acontecia: compromissos outros impedindo-me.
Outubro chegou e levou meu amigo: Wanderlino me avisa com pesar
que Reivaldo Canela já não está entre nós
fisicamente...
Quer dizer, então, que não estava brincando quando
dizia que não tinha mais muito tempo... O safado só
não me avisou que já tinha pescaria marcada para o
22 de outubro...
Saiu para atender ao pedido do rio, da mata, dos passarinhos cantadores,
das saracuras-três-potes, do espetáculo das garças,
do jaburu grandão e feioso... Eles, sim, é que estavam
cobrando, na terra do encantamento, a presença do Menino
Pescador.
Dr.
JOÃO LUIZ DE ALMEIDA
PRÓCER DA EDUCAÇÃO
Lázaro
Francisco Sena
Cadeira N. 55
Patrono: Dr. João Luiz de Almeida
Montes
Claros, 6 de fevereiro de l930. Essa data marcou o ingresso de nossa
cidade no clima de violência política que ameaçava
todo o país, a partir dos movimentos revolucionários
da década anterior, que culminaram com a instalação
da longa ditadura do Sr. Getúlio Vargas na Presidência
da República, até o ano de l945. Do confronto entre
os partidários da “Concentração Conservadora”,
estrelada pelo Dr. Melo Viana, então vice-presidente da República
em visita a Montes Claros, e os integrantes da “Aliança
Liberal”, co-estrelando o Dr. João Alves e sua esposa
Da. Tiburtina, resultaram seis mortos e quinze feridos, dentre esses
o próprio vicepresidente. Foram discursos inflamados, insultos
verbais, foguetes e bombas, vivas e “morras”, passeata
de desordeiros e jagunços entrincheirados, enfim o tiroteio
e a debandada. Ninguém teve juízo, ninguém
tinha razão. O episódio foi chamado de “tocaia
de bugres” pelo chefe maior dos conservadores, o presidente
Washington Luiz, responsabilizando os liberais pelo lamentável
acontecimento. Ora, bugres foram todos eles, liberais e conservadores,
que não tiveram um mínimo de sanidade política
para evitar
o conflito e o conseqüente e criminoso derramamento de sangue.
Universidade Federal do Rio de Janeiro em l930. Enquanto Montes
Claros curtia as suas feridas, por um lado até vaidosa por
tornar-se manchete nacional, mas de repercussão vergonhosa
sob todos os aspectos, o jovem JOÃO LUIZ DE ALMEIDA ali concluía
o seu curso de Direito, com raro brilhantismo.Nascido a 21 de novembro
de l902, em Porto Santo Antônio, antigo distrito de Cataguazes,
hoje município de Astolfo Dutra, era filho de Norberto Luiz
de Almeida e Da. Maria José de Almeida. Ainda em l930, casou-se
na cidade do Rio de Janeiro com a carioca Iolanda Correa de Almeida,
com quem teve os seguintes filhos: Ionir Maria, João Luiz,
Nadir Luiz, Luiz Norberto, Maria José e Nélson Luiz.
Após vitoriosa carreira como advogado e educador, sem jamais
obscurecer a missão virtuosa de chefe de família exemplar,
o Dr. João Luiz veio a falecer, octogenário, em Montes
Claros, cidade que adotara por amor e honra, em 7 de janeiro de
l983.
Dr. João Luiz de Almeida
Prócer da Educação
A
jornada estudantil de João Luiz de Almeida começou
em Cataguazes, passando por Viçosa e Barbacena, até
chegar ao Colégio D. Pedro II, na cidade do Rio de Janeiro.
Foi aí que ensaiou os primeiros passos rumo ao Magistério
e à Educação, tornando-se professor daquele
estabelecimento de ensino, logo após terminar o curso colegial.
Matriculando-se na Faculdade de Direito da Universidade Federal
do Rio de Janeiro, viu ali prosperar a sua dúplice vocação,
para a Advocacia e para o Magistério, valendo-se, sobretudo,
do virtuoso conhecimento e perfeito domínio da Língua
Portuguesa. Esse era o caminho do futuro para o jovem bacharel em
Direito que trabalhou como redator e revisor do Correio da Manhã,
influente jornal da então Capital brasileira, enquanto se
preparava para o concurso de Promotor de Justiça do Estado
de Minas Gerais. Perdeu o Rio de Janeiro e ganhou Grão Mogol,
para onde foi nomeado após aprovação em concurso.
Dessa pequena cidade, descortinaram-se os horizontes do Norte de
Minas, tendo o Dr. João Luiz escolhido Montes Claros para
exercer a sua profissão de Advogado. Aí, quem perdeu
foi a Promotoria de Grão Mogol.
A partir de l935, podemos afirmar que nasceu o “montesclarense”
João Luiz de Almeida. Já no final daquele ano, vamos
encontrá-lo em campanha para a criação, nesta
cidade, de uma escola de comércio, face ao grande desenvolvimento
da atividade comercial em nosso meio. Inúmeras foram as dificuldades,
quer sejam de ordem externa, ou mesmo de ordem interna. Não
bastasse a má-vontade do Ministro Gustavo Capanema, somente
quebrada com as artimanhas de seu chefe de gabinete, o jovem poeta
Carlos Drumond de Andrade, predominava, à época, o
pensamento geral de que o comércio se aprendia no balcão.
Foi por insistência e perseverança do Dr. João
Luiz que o Poeta não resistiu e misturou a autorização
para funcionamento da Escola com vários outros processos
que o Ministro assinou sem perceber. Essa Escola, todavia, teve
duração efêmera, somente não se extinguindo
totalmente porque se transformou na semente germinadora do Instituto
Norte Mineiro de Educação, a partir de
1938, graças ao esforço sobre-humano do Dr. João
Luiz, que se tornou o seu proprietário e diretor. Para bem
dimensionar as dificuldades encontradas, ouçamos algumas
frases expressas pelo Dr. João Luiz, em editorial do jornal
A FOLHA, edição comemorativa do 30º aniversário
de criação do Instituto: “Como era difícil
abrir uma escola neste Brasil de analfabetos”; “Aqui,
os inimigos gratuitos alimentavam sua fogueira com os obstáculos
externos. Número de alunos caía dia a dia. Receita
da escola não dava para pagar os abnegados professores, mas
mantinham-se firmes.” “Para salvar a escola, aviventou-se
a criação do Instituto Norte Mineiro de Educação
em l938. E viemos do prédio do ‘Bar Aliança’,
na praça Dr. Carlos, para a Dr. João Alves, no histórico
prédio de seis de fevereiro, onde hoje está o magnífico
Automóvel Clube”.
Antigo prédio do Instituto Norte-Mineiro de
Educação
Quis
o destino que o local daquele malfadado e sangrento conflito político
se tornasse palco da algaravia estudantil; que os foguetes e bombas
insultuosos se calassem para sempre, com a chegada dos ensinamentos
escolares; que os gritos e provocações verbais se
transformassem em cantos patrióticos de exaltação
à civilidade; que a voz mansa dos professores sufocasse de
vez o eco maldito
do tiroteio que enlutou diversas famílias inocentes. Aí
funcionou o Instituto durante vinte anos. Para saber o que aconteceu
depois, busquemos mais uma vez o depoimento do Dr. João Luiz,
na mesma fonte antes citada: “Em 1958, era o INME ameaçado
de despejo, quando a matrícula de alunos subia. A sede fora
vendida. Fomos para o prédio do grupo escolar próximo.
Bem diz o povo em sua sábia filosofia: ‘Há males
que vêm para o bem’”. Foi a partir desse momento
que o Dr. João Luiz partiu para mais um arrojado empreendimento,
o desafio da construção da sede própria para
o seu Instituto. Não foi uma tarefa fácil, mas muito
gratificante para aquele que transformara a sua vida num sacerdócio
em prol da educação. Confessa ele que recebeu ajuda
de amigos e ex-alunos, mas destaca dois colaboradores essenciais
para o sucesso da obra: Dr. Simeão Ribeiro Pires, professor
do Instituto, chamado de “letrado culto” e o Capitão
Eneas Mineiro de Souza, a quem chamou carinhosamente de “analfabeto
sertanejo de grande cultura”. O resultado foi um prédio
majestoso para o desenvolvimento do ensino, que, embora construído
há cerca de sessenta anos, continua imponente e atendendo
às modernas exigências didático-pedagógicas
do Colégio que ali se estabeleceu, em continuidade ao saudoso
Instituto Norte Mineiro de Educação, onde tive a honra
e o prazer de lecionar Língua Portuguesa para o Curso Normal,
durante o ano de 1969, sob a sábia supervisão do Dr.
João Luiz de Almeida. Todos nós sabíamos que
esse eminente professor era “corpo e alma” do Instituto;
assim, quando o corpo de velho mestre feneceu, o Colégio
não resistiu. Mas a alma continua viva e radiante de bons
exemplos para toda a posteridade. Para bem ilustrar o trabalho do
Dr. João Luiz à frente de seu Instituto, transcrevemos
cópia de correspondência encaminhada pela Câmara
Municipal, sob a presidência do Dr. Francisco José
Pereira, a requerimento do vereador Pedro Narciso, por ocasião
do 30º aniversário daquela Escola: “Vimos, com
grande honra e satisfação, apresentar a V. Sa.e, por
seu intermédio, ao corpo docente e discente do Instituto
Norte Mineiro de Educação, as congratulações
e aplausos desta Edilidade, ao ensejo do 30º aniversário
desse conceituado estabelecimento de ensino, que tanto relevo tem
dado ao aspecto cultural de nossa
cidade, graças à sábia e dinâmica orientação
de V. Sa., considerado por justiça e por merecimento um dos
grandes baluartes do ensino em Montes Claros, dado os seus relevantes
serviços prestados à causa educacional.”
Instituto Norte-Mineiro de Educação
Muito
se poderia discorrer sobre o trabalho do advogado e professor João
Luiz de Almeida. Mas o presente artigo constitui apenas uma síntese
histórica que não pode prescindir de sua destacada
participação na luta pela criação da
Faculdade de Direito-
FADIR, uma das pioneiras escolas superiores que hoje integram a
Universidade Estadual de Montes Claros-UNIMONTES. Tal foi o seu
empenho e determinação que se elegeu o primeiro Diretor,
cargo que exerceu com maestria entre os anos de 1965 e l968, além
de ser também designado para titular da cadeira de Direito
Penal daquela Faculdade.
Dr.
João Luiz de Almeida, como Diretor e Professor da FADIR
Quando
foi criado o Instituto Histórico e Geográfico de Montes
Claros, buscou-se, para a constituição de seu patronato,
as figuras eminentes que construíram o passado de nossa cidade.
Ao Dr. João Luiz de Almeida, que tanto contribuiu para escrever
a história do ensino em Montes Claros, foi reservada a Cadeira
nº 55, que tenho a honra de ocupar, como sócio efetivo,
por deferência especial dos criadores e fundadores dessa ilustre
e necessária Instituição.
O presente artigo só foi possível graças à
paciência e contribuição do Dr. João
Luiz de Almeida Filho, advogado e professor que vem trilhando as
pegadas de seu pai, e que gentilmente nos forneceu preciosas informações,
além de ceder, de seu arquivo particular, todas as fotos
que ilustram estas poucas páginas de nossa Revista.
DE
ONDE VIEMOS E PARA ONDE VAMOS
Luiz de Paula Ferreira
Cadeira nº 19
Patrono: Caio Mário Lafetá
Hoje já se aprende na escola que o Universo surgiu há
cerca de 13,7 bilhões de anos e que os dinossauros dominaram
o nosso planeta durante 170 milhões de anos. Durante todo
esse tempo a Terra foi o reino dos répteis gigantes. Até
que há 65 milhões de anos toda a espécie desapareceu.
O ancestral comum do homem e do macaco começou a existir
entre 4,5 e 6 milhões de anos. E o “homo habilis”,
o primeiro a fabricar utensílios de pedras, terá vivido
a partir de 2 milhões de anos.
Somos filhos das estrelas, tal como tudo que existe no Universo.
O “homo erectus” viveu a partir de 500.000 a 400.000
anos. O “homo sapiens” desde 70.000 anos. E o “homo
sapiens sapiens” a partir de 40.000 anos até hoje.
Nosso
antepassado direto, o homem de CRO-MAGNON, vem de 35.000 anos. Há
10.000 anos deixou de ser nômade, criou aldeias, inventou
a agricultura e a domesticação de animais.
Nenhuma espécie terá vida permanente na face da terra.
A vida no planeta poderá findar-se dentro de um bilhão
de anos, quando o sol aumentar a luminosidade sobre a Terra, expondo-a
a um calor de até 1300 graus.
Nosso fim poderá vir também do espaço, na colisão
de um asteróide com o planeta.
A natureza não tem pressa. Tem todo um tempo infinito à
sua frente. Não estará fora de propósito que
depois de nós o planeta seja dominado por diferentes raças
de insetos. Por alguns milhões de anos.
Já pensou em Nova York entregue às baratas?
CAMINHO
DE VOLTA
Maria
Luiza Silveira Teles
Cadeira nº 42
Patrono: Geraldo Tito da Silveira
Estou
fazendo fisioterapia na Avenida Ovídio de Abreu. Resolvi,
no primeiro dia, ir a pé, bem cedo, aproveitando os ares
da manhã, exercitando-me e fazendo um passeio por meu passado.
Cheguei a Montes claros aos dezesseis anos e a nossa primeira casa
era uma chácara, que ficava onde é, hoje, o bairro
Santa Rita. Era uma casa enorme, de sete quartos, varanda ampla,
ao seu redor, e muitas árvores frutíferas.
Um dos muros laterais dava para o antigo Pátio da Central
do Brasil, onde residiam alguns de seus funcionários. E foi
ali que eu e meus irmãos fizemos as nossas primeiras amizades.
Na minha ida não chegaria até lá, mas haveria
de percorrer grande parte do caminho que fazia, outrora, em minha
adolescência.
Graças a Deus conservo, ainda hoje, as primeiras amizades
que fiz naquela época, ali: Milene e Miriam Carvalho, filhas
de
Dona Geralda e o saudoso Seu Teco, o chefe da oficina da Central;
Terezinha Santos, Divina Tanure.
Na Ovídio de Abreu, moravam minhas outras amigas, Lilá
e Carmem Teixeira, na casa de sua irmã mais velha, Lindaura,
uma “mãezona”, que deixou-nos precocemente, aos
trinta e um anos.
Na Barão do Rio Branco, fiz mais duas amigas: Iraci, que
já se foi há muito, e Menininha Gonçalves,
residente, hoje, no Rio de Janeiro.
Eu descia caminhando para dar aulas de Inglês no velho Instituto
Norte Mineiro de Educação, respeitada instituição
da época, onde agora está o colégio Indyu;
no colégio Imaculada e no Conservatório, em sua primeira
casa, na Coronel Prates, esquina com Presidente Vargas.
Eu e minhas amigas descíamos com nossos sapatos de salto
fino e meias de seda para o “footing” da Praça
Coronel, os bailes no Clube Montes Claros e as horas-dançantes
na boate da Praça de Esportes e no Automóvel Clube.
Tinha, também, a missa na Matriz, que antecedia a nossa ida
para a boate.
Todas nós nos arrumávamos com primor, cinturinhas
de pilão, sempre marcadas por cintos e os belos vestidos
godê, como se vê, atualmente, na novela “Ciranda
de Pedra”. Dançávamos felizes ao som dos antigos
boleros da banda “Les Chéries”.
Quando chegávamos à Avenida Francisco Sá, tirávamos
as flanelinhas das bolsas para acabar com a tonelada de poeira da
Ovídio de Abreu, que se acumulava em nossos sapatos. Já
na volta, pés cansados, no mesmo ponto, nos livrávamos
dos sapatos e seguíamos descalças até em casa.
Ali, na Ovídio de Abreu também, retocávamos
a maquiagem, aguardando os olhares ardentes dos rapazes, que nos
esperavam para o “footing”.
Mais
tarde, passei a morar na rua Dom João Pimenta. Lá
namorei e noivei com o pai de minha filha, sentados na varanda,
sob os olhares cuidadosos de meus pais. Então, dava aulas
no Colégio Tiradentes, logo na esquina, e fazia faculdade
no colégio Imaculada, o primeiro endereço da Fafil.
Embora meu pai sempre tivesse carro, saíamos sempre a pé,
pois tudo era muito perto.
Agora, faço o caminho de volta, passeando pelo passado, no
período dos meus 16 aos 23 anos.
Saí de onde moro, na Gabriel Passos, subi a Cel. Luiz Pires,
atravessei a Coronel Prates e a Afonso Pena e peguei a Dom João
Pimenta, repleta de lembranças, saudade, sonhos e fantasmas.
Lá fui eu passeando. Às vezes, dava uma paradinha,
com o coração aos pulos, não sei se pela idade
ou pela saudade... Por todo lado, via a mocinha de cabelos negros,
cheia de vida, sonhos e romantismo, devoradora de livros, ansiosa
por conquistar o Saber e o mundo. Aliás, pude perceber que
ela ainda não morreu, pois continua bem viva dentro do meu
coração.
Encontrei, feliz, alguns redutos do passado, que resistem, bravamente,
aos rompantes do modernismo. Lá está o Grupo Francisco
Sá, a casa de Cirênio Leite, o antigo casarão
do Tiradentes, pintado de novo, lindo, lindo. Hoje, uma unidade
da PMMG.
Nossa
antiga casa continua incólume. Até a varanda, onde
eu namorava.
A casa de Dr. Porto e Dona Dolores virou um imenso prédio.
O velho consultório de Dr. Mário Ribeiro, na casa
de Dona Fininha, transformou-se em um estacionamento.
E
lá ia eu subindo, envolvida nas lembranças e buscando
as marcas do passado. Onde a casa de João de Deus? Ah, em
demolição... E a casa de Alcione? Não a reconheço.
A de Geraldo Figueiredo e Elpídio da Rocha transformadas.
Diferentes, adaptadas. Ah, mas lá está o Bazar Crisóstomo
para a minha alegria!
E a casa de Seymando Sarmento? Virou uma clínica fisioterápica.
Já a do intelectual Ataliba Machado continua lá, com
um muro escondendo sua deterioração.
Vejam a casa do saudoso e querido Nathércio França,
onde viveu Dona Tiburtina, em seus últimos anos! Completamente
descaracterizada, assim como a Igreja Presbiteriana. Mas. lá
continua o Posto dos irmãos Frota Machado. E a casa do Professor
Antõnio Carlos de Souza Lima? Será aquela velhinha,
escondida pelo muro?... A Praça da Estação
mudou pouco, embora sem o nosso saudoso trem baiano.
Na Ovídio de Abreu, até à minha Fisioterapia,
poucas mudanças. Bem, tem o asfalto novo... Deparei-me, de
repente, com a casa de Lindaura, Lilá e Carmem. Pois não
é que conserva a varanda e até os degraus onde nós,
adolescentes, nos sentávamos para os nossos papos?!... Aí
não pude conter as lágrimas.
Cheguei, por fim, ao meu destino, leve e oprimida, ao mesmo tempo
A clínica era a mesma onde costumava levar meu pai, já
bem idoso, para seu tratamento.
Ao sentar lá dentro, tive a nítida sensação
de tê-lo ao meu lado. E as lágrimas se misturaram ao
sorriso. A dor à alegria de sentir-me tão viva.
Passo a passo, segui meus próprios rastros, na certeza de
que a vida vale a pena, sempre.
OFÍCIO
DO REGISTRO CIVIL DAS PESSOAS
NATURAIS, INTERDIÇÕES E TUTELAS
Maria
de Lourdes Chaves
Cadeira: Nº 65
Patrono: José Gonçalves Ulhôa
A partir das pesquisas feitas nos arquivos mortos e vivos, no Ofício
do Registro Civil das Pessoas Naturais, Interdições
e Tutelas, a meu cargo, foi constatado: Livro:01 (21/01/1889 a 09/10/1891)
Os livros do Cartório são numerados e, além
do número eles trazem também uma letra. Os de nascimentos
têm a letra “A”, casamentos letra “B”,
óbitos letra “C”, emancipação,
interdição, ausência e registro de estrangeiros,
letra “E”.
Os primeiros livros eram identificados apenas pelo número,
na sua primeira folha, no termo de abertura vinha expressa a sua
serventia.
No 1º livro de nascimentos, nada escrito na capa, no dorso
consta Nº 01 e embaixo do número NASC. Abreviatura de
“Nascimento”.
Na 1ª folha encontra-se o termo de abertura com os seguintes
dizeres:
“Há
este livro servir para nelle ser feito o registro dos nascimentos
na parochia da Cidade de Montes Claros, na forma do art. 3º
do regulamento Nº 9.886 de 7 de março último.
Vai com todas as folhas numeradas e por mim rubricadas e leva no
fim termo de encerramento. Secretaria do Governo em Ouro Preto,
08 de novembro de 1888. Assinatura ilegível.
Nessa mesma folha, ou seja, folha 1, foi lançado o primeiro
registro, aos 3 dias do mês de janeiro de 1889. Sendo declarante,
o Sr. José Philomeno de Araújo. A criança recebeu
o nome de: “Maria França de Araújo”, nascida
no dia 10 de dezembro de 1888, às 5 horas da manhã,
nesta cidade, filha legítima do declarante e de Thomázia
Trindade de Araújo. Esse termo foi assinado pelo escrivão
de Paz, José Mamede Evangelista Júnior, pelo declarante
e pelas testemunhas: Joaquim Cesário dos Santos e Servelino
Ribeiro da Silva.
Na última folha desse livro encontra-se o termo de encerramento,
com os seguintes dizeres:
“Contém este livro duzentas folhas, todas numeradas
e por mim rubricadas.” Secretaria do Governo 8 de novembro
de 1888. Assinatura ilegível.
O último registro lançado nesse livro foi de “Antônio”,
filho natural de Mariana Constância, nascido aos 14 de fevereiro
de 1894.
Esse termo foi assinado pelo escrivão, Manoel José
da Silva Pereira, pelo declarante: Joaquim Cesário dos Santos
e pelas testemunhas: Manoel do Nascimento e Silva e Alexandrino
José de Almeida.
E às folhas 89 foi lançado o registro de Lília
de Andrade Câmara, que no futuro projetou o nome de Montes
Claros em toda Minas Gerais, quando se tornou a primeira mulher
destacidade
a ser deputada. Nas folhas 108-V, encontra-se o registro de Feliciano
Gonçalves Versiane (avô de Zildete Versiane –
ex. aux de cartório). Nas folhas 154, está lançado
o registro de Plínio Ribeiro dos Santos, (futuro médico,
escritor, poeta e deputado).
O escrivão de Paz, José Mamede Evangelista Júnior,
esteve no cargo até o dia 1º de agosto de 1892, quando
assinou o termo nº 306, onde está registrado o nascimento
de Maria Ernestina Spyer.
O
registro de nº 307 foi assinado pelo escrivão substituto,
“Manoel José da Silva Pereira “, que escreveu
e assinou todos os outros registros desse livro.
Livro 01 de óbito – De 21/01/1889 a 09/10/1891, na
capa está escrito: Registro de óbitos – Livro
01.
Na 1ª folha encontra-se o termo de abertura e o 1º registro,
feito aos 21/01/1889, foi de “Domingos Pereira de Oliveira”,
tendo como causa de morte: “Uma intensa gastro enterite aguda
e syphilis inveterada”. O atestado foi assinado pelo Dr. Carlos
José Versiane.
O último registro foi de “Altina Angélica de
Jesuz”, feito aos 09/10/1891.
No verso da folha 200 foi escrito o termo de encerramento, com os
seguintes dizeres:
“Contém este livro duzentas folhas, todas numeradas
e por mim rubricadas. Secretaria do Governo, 8 de novembro de 1888.
Assinatura ilegível.
ALGUMAS CAUSAS DE MORTE (NOMES INTERESSANTES).
- Syphilis inveterada.
- Faleceu
violentamente e a causa não é conhecida.
-
Mal do séptimo dia
- Tétano dos recennascidos
- Em conseqüência de um conflito entre elle, José
Lopes da Silva, Carlos Lopes da Silva, Máximo Ramos de Siqueira
e Marcellino.
- Em conseqüência dos projectis de uma arma de fogo.
- Em conseqüência da idade
- Syphilis hereditária
- Faleceu em conseqüência de ter nascido antes do tempo
necessário.
- Em conseqüência de uma ferida no pé
- Em conseqüência de um tiro de arma de fogo
- Em conseqüência da dentição das presas
- De fome
- Em conseqüência de lombrigas
- Em conseqüência de sarna recolhida
- Escandicência
- Em conseqüência de catarro
- Em conseqüência de um parto q não chegou lançar
a criança
- Em conseqüência de um acesso catharral
- Em conseqüência de um catharrão
- Em conseqüência de retenção de urina
- Parto laborioso
- Em conseqüência de um encalho
- Catharrão suffocant ( irmã de João Chaves,
meu pai)
- Molestias do peito
- Hydropesia
Causas que mais mataram: Sifilis, febre, febre grave, febre typhoide,
tuberculose pulmonar, lesão cardíaca, tétano
dos recennascidos, volvo, congestão cerebral, inflamação
dos intestinos, dentição, escandicência, parto,
diarréia, tísica, inflamação
do fígado.
Obs.:
Alguns óbitos foram feitos com a apresentação
de atestado médico, assinados pelos doutores: Carlos José
Versiani, Pedro Versiani, Pedro Augusto Catta Preta Versiane.
Qualificando a morta: que ignora o nome do dito finado pai e que
a mãe é a finada Maria Clara de Jesuz.
Livro nº 1 – Casamento (21/01/1889 a 12/06/1899)
Na capa, nada consta. No dorso está escrito: Livro nº
1 – Casamento de 21/01/1889 a 12/06/1899.
Na primeira folha encontra-se o termo de abertura, com os seguintes
dizeres:
“Há deste livro servir para nelle ser feito o registro
dos casamentos na parochia da cidade de Montes Claros, na forma
do art. 3º do regulamento Nº 9.886 de 7 de março
último. Vai com todas as folhas numeradas e por mim rubricadas
e leva no fim termo de encerramento. Secretaria do Governo em Ouro
Preto, 8 de novembro de 1888. Assinatura ilegível.
Nessa primeira folha, está lançado o casamento de
“José Feliphe Sant’Thiago e Maria Thamázia
Fiusa do Espírito dos Sanctos.
O
termo foi assinado pelo Oficial José Mamede Evangelista Júnior,
Joaquim José Dias dos Sanctos, a rogo dos contraentes, Fernando
José de Oliveira e Manoel Caetano de Andrade Júnior,
como testemunhas.
Obs: Até as folhas 67, os casamentos foram realizados na
igreja e através de uma declaração do Padre
Jose Vieira da Silva, foram transcritos nesse livro (isso aconteceu
no período de 21/01/1889 a 23/05/1890).
A
partir do dia 30/08/1890, os casamentos passaram a ser celebrados
pelo Juiz de Paz. O 1º Juiz de Paz desta cidade foi o Major
João Antonio Ferreira Durães. E o primeiro casamento
por ele foi de: Antonio José Pereira e Rosa Ribeiro dos Santos.
O termo foi assinado pelo Oficial Jose Mamede Evangelista Júnior,
João Antonio Ferreira Durães, Juiz de Paz, pelo noivo,
por Dr. Antonio Augusto Velloso, a rogo da noiva e as testemunhas:
Gregório José Velloso, Tertuliano Ribeiro dos Santos,
(nesse casamento,
começou-se uma nova numeração, ficou sendo
o nº 1.
Às folhas 69-V foi transcrito o casamento de Sebastião
Ribeiro da Fonseca e Ilma Gomes da Fonseca, cuja celebração
foi realizada na igreja no dia 26 de maio de 1890 e transcrito no
dia 26 de outubro de 1890.
Nas folhas 200-V encontra-se o termo de encerramento com os seguintes
dizeres:
“Contém este livro duzentas folhas, todas numeradas
e por mim rubricadas”. Secretaria do Governo, 8 de novembro
de 1888. Assinatura ilegível.
O casamento civil completa 118 anos de existência no Brasil,
em 2008. Nos últimos 10 anos celebrações civis
aumentaram 21% segundo o “IBGE” de 2007, o aumento anual
de celebrações no Brasil foi de 6,5%. Há 118
anos como uma das principais conseqüências da Proclamação
da República, que propiciou a separação entre
Estado e Igreja Católica, o Decreto 181, de autoria de Rui
Barbosa e promulgado no dia 24/01/1890, instituía o casamento
civil no Brasil, como único ato válido para a celebração
de matrimônios.
Livro – 01 – A (15/06/1929 a 21/06/1930)
- Nada consta na capa.
- No dorso está escrito 01 – A
- Na página 01 está o termo de abertura com os seguintes
dizeres:
“Este
livro – A nº 1, destinado aos registros de nascimentos,
segundo o Decreto Federal nº 18.542, de 24 de dezembro de de
1928, contém cem folhas numeradas e com a rubrica “Luis
Pires”, de que uso como 3º Juiz de Paz em exercício
deste districto, levando no final o devido encerramento. Montes
Claros, 15 de junho de 1929. Diz a emenda 15 de junho de 1929. (Assinado)
Luiz Pires”.
- Logo abaixo vem o primeiro registro desse livro, feito aos 15/06/1929.
É o registro de Maria Norma Santos, filha de Adalberto Pereira
Santos e Felicidade da Silveira Santos, nascida aos 06 de junho
de 1929. O termo assinado pelo oficial José da Silva Braga,
o declarante, Augusto Patrício da Silveira e as testemunhas:
Domingos da Silva Braga e João de Medeiros Leite.
- O último registro desse livro é de “Manoel
de Souza”, filho de Celestino Souza e Patrícia Antunes,
nascido no dia 1º de maio de 1930.
Esse registro foi feito no dia 21 de junho de 1930, e teve como
declarante o cidadão Joaquim Antonio Alves, que assinou o
termo com o oficial, José da Silva Braga e as testemunhas:
Domingos da Silva Braga e João Gabriel Braga.
- No final da folha encontra-se o termo e encerramento, com os seguintes
dizeres: “Este livro – A – nº1, de cem folhas,
numeradas e rubricadas com a rubrica “Luiz Pires” é
destinado ao registro de nascimentos, conforme o termo de abertura.
Montes Claros, 15 de junho de 1929. Diz a emenda “15 de junho”.
(Assinado) Luiz Pires.
Encontra-se nesse livro, às folhas 56-V, a transcrição
da ata da instalação da mesa eleitoral da 4ª
Secção do município de Montes Claros.
Foram gastas nove folhas para a transcrição da referida
ata.
ESSA
ATA FOI LAVRADA NO DIA 1º DE MARÇO DE 1930.
E a referida reunião foi feita no Edifício do Grupo
escolar, situado na praça Dr. João Alves, nesta cidade,
designado para nele se efetuarem as eleições de Deputados
Federais, marcada para hoje, às nove horas da manhã.”
Na ausência do Presidente desta secção, senhor
Moyses de Andrade Câmara, assumiu a presidência da referida
secção o cidadão Philomeno Ribeiro dos Santos,
conforme desposição regulamentar, servindo de secretario,
eu José da Silva Braga, previamente designado para esse fim
e sendo pelo mesmo secretário entregue os livros remetidos
pelo Doutor Juiz de Direito desta Comarca, em número de treis,
destinados para as eleições de Deputado, Senador Federais
e Presidente e Vice Presidente da República. Fui pelo presidente
declarado instalador da referida meza eleitoral constando que se
lavrasse esta ata eleitoral.”
- Os candidatos a Presidência da República eram: Getúlio
Dornelles Vargas, Júlio Prestes de Albuquerque.
- O
resultado da eleição foi o seguinte:
- Para
Deputado Federal: Dr. Honorato José Alves – 355 votos.
-Dr.
Agenor de Senna – 149 votos
- Camillo
Philinto Prates – 59 votos
- Dr. Augusto Maia Caldeira Brant – 52 votos
- Dr. Elpídio Martins Cannabrava – 36 votos
- Dr. Auto Sá – 33 votos
- Dr. Nelson Coelho de Limma – 31 votos
- Dr. Clemente Soares de Faria – 5 votos
Para Senador:
- Dr. Olegário Dias Maciel – 141 votos
- Dr. Francisco Antonio de Salles – 42 votos
Para Presidente e vice presidente:
- Dr. Getúlio Dornelles Vargas – 141 votos
- Dr. Julio Prestes de Albuquerque – 43 votos
Para
Vice Presidente:
- Dr. João Pessoa Cavalcante de Albuquerque – 140 votos
- Dr. Victal Henrique Baptista Soares – 44 votos
Deixaram
de comparecer 306 eleitores.
Essa ata foi assinada pelas seguintes pessoas:
- Philomeno Ribeiro dos Santos (Presidente)
- Pedro Augusto Velloso (Mesário)
- José da Silva Braga (Secretario)
Emancipação – Livro 1-E (10-12-1936 a 27-12-1955)
- Na capa está escrito – Livro E-1 Emancipação
- Na fls. Nº 1 encontra-se o termo de abertura.
TERMO DE ABERTURA
“Servirá este livro, para nelle serem lançadas
as emmancipações, interdições e ausências,
que occorrerem neste distrito. Contém o mesmo cem (100) folhas,
todas por mim rubricadas, tendo concordado em que fosse aberto o
presente, que não contém o número de folhas
regulamentar, por absolutas falta de outro no momento. Montes Claros,
10 de dezembro de 1936. (a.a) Olympio Dias de Abreu – Juiz
de Paz em exercício.
- Na folha Nº 1 encontra-se a primeira emancipação,
e, o primeiro emancipado foi “Geraldo Rabello”, filho
de Antonio Virgulino Rabello e Theonilha Eponina Rabello.
O registro foi assinado pelo oficial José Dinis Maia e pelo
outorgado emancipado, Geraldo Rabello.
- Nas folhas 100-V, encontra-se o termo de encerramento.
TERMO DE ENCERRAMENTO
Contém o presente livro, cem folhas, todas por mim rubricadas
com a rubrica “O Abreu” que uso, e que serviu para o
fim
constante do termo de abertura. Montes Claros, 10 de dezembro de
1936. (a.a) Olympio Dias de Abreu – Juiz de Paz em exercício.
- Nas folhas 4 foi lavrada a 1ª interdição. O
interditado foi o Sr. José Cardoso de Moura, cuja interdição
foi requerida pelo seu genro, Benício Barbosa Braga. O registro
foi feito aos 12/10/1939, foi transcrito e assinado pelo oficial
Benjamin Versiani dos Anjos e pela advogada: Maria de Lourdes Pimenta.
- Nas folhas 100-V, encontra-se o termo de encerramento.
TERMO DE ENCERRAMENTO
Contém o presente livro, cem folhas, todas por mim rubricadas
com a rubrica “O Abreu” que uso, e que serviu para o
fim constante do termo de abertura. Montes Claros, 10 de dezembro
de 1936. (a.a) Olympio Dias de Abreu – Juiz de Paz em exercício.
Livro 1-C (de 15/01/1931 a 16/01/1932)
Na capa está escrito: “Registro de Óbitos”
– Livro 1-C
- Na 1ª folha, sem numeração, está o termo
de abertura nos seguintes dizeres:
TERMO DE ABERTURA
“ Este Livro de cem folhas, numeradas a mão, é
o número um C, do Cartório de Paz, destinado aos registros
de óbitos, suas folhas vão todas rubricadas por mim
com a rubrica Upra de que uso como Juiz de Paz em exercício
e leva no fim do termo de encerramento. Montes Claros, 15 de janeiro
de 1931 (a.a) Ulysses Pereira
-
O primeiro registro, feito aos 15/01/1931, foi de Eulina Elvia Guimarães,
filha de Ezequias Serafim Teixeira Guimarães e Luisa Dias
de Castro. A causa da morte foi “UREMIA”, conforme foi
atestada pelo Dr. Antonio Teixeira de Carvalho.
O último registro feito nesse livro foi de “João
Damião”. Teve como causa da morte “ARTEROSCLEROSE,
LESÃO CARDÍACA MITRAL”, conforme atestado do
Dr. João José Alves. Nessa mesma página encontra-se
o termo de encerramento. Com os seguintes
dizeres:
TERMO DE ENCERRAMENTO
Este livro de cem folhas, todas por mim rubricadas com a rubrica
Upra, é o nº 1-C, se destinando ao fim declarado no
termo de abertura. Montes Claros, 15 de janeiro de 1931 (a.a) Ulysses
Pereira
O Escrivão da época era: José da Silva Braga.
- Nas folhas 11 encontra-se o registro de óbito de “Luísa
Antoniana Chaves e Prates, filha de Antonio Gonçalves Chaves
e Maria Florência da Assumpção. Viúva
do Cel. José Rodrigues Prates, tendo deixado os seguintes
filhos: Luiza Maria Prates Costa, Jose Rodrigues Prates Junior,
Luis Milton Prates, Euzébio Castellar Prates e Judith Prates.
Quem declarou o óbito foi seu neto, Joaquim José da
Costa Junior.
A causa da morte foi “INSUFICIENCIA CARDIACA”, atestada
pelo Dr. Levy Queiroga Lafetá.
- O registro feito às fls. 33-V, foi lançado e assinado
pelo escrivão Ad-Hoc, Firmino Velloso.
Obs: 54% dos registros desse livro foram feitos à vista de
atestado médico, constando assim, o nome correto da doença;
e 46% (106 registros) tiveram como causa da morte, “SEM ASSISTENCIA
MÉDICA”. Os médicos que assinaram os referidos
atestados,
foram: Dr. Antonio Teixeira de Carvalho, Dr. Marciano Alves Mauricio,
Dr. João José Alves, Dr. Plínio Ribeiro, Dr.
Alfeu Gonçalves de Quadros, Dr. Humberto Cabral, Dr. Antonio
Pimenta, Dr. João Ferreira Machado, Dr. Levy de Queiroga
Lafetá.
- Muitos atestados foram assinados pelo Senhor J. Cunha, então,
Secretário do Posto de Saúde Pública, desta
cidade.
- O médico que mais assinou atestado foi o Dr. João
José Alves.
- Curiosamente notamos que, nesse livro, nenhuma “causa morte”
nos causou espanto, pois, foram na sua maioria, declaradas por médicos.
Anotamos algumas: Uremia, syphilis, nephrite aguda, carcinoma gástrico,
insuficiência mitral, lesão mitral.
FORAM OFICIAIS DO REGISTRO CIVIL, AS SEGUINTES PESSOAS:
1º - José Mamede Evangelista Júnior (03/01/1889
e 19/08/1892)
2º - Manoel José da Silva Pereira (08/09/1892) no livro
Nº 1 de casa mentos, ele começou no dia 19/09/1892 a
02/09/1894. Voltou em 12/10/1894.
3º - Antonio Gregório de Almeida Durães, (11/09/1894
a 24/09/1894), como Escrivão substituto. Voltou em 02/12/1894
a 25/01/1895.
4º - Álvaro José de Lima (05/02/1895 a 02/12/1896)
5º - Manoel José da Silva Pereira volta ao cargo em
09/12/1896 a 12/10/1908.
6º - Ezequiel José da Silva Pereira (Escrivão
interino) (18/10/1908 a 31/12/1909).
7º - Servelino Ribeiro da Silva (11/02/1910 a 28/02/1910)
8º - José da Silva Braga (03/04/1910 a 16/08/1924)
9º - José Prates (Oficial interino 06/10/1924 –
somente um dia)
10º - José da Silva Braga – Retornou ao cargo
no dia 15/10/1924 a 10/04/1926.
11º - Asclepíades Alcântara Fernandes. Escrivão
ad-hoc (16/04/1926).
12º - José da Silva Braga, retornou aos (17/04/1926
a 03/07/1935).
13º
- Cândido Simões Canella (Oficial interino) (090/7/1935
a 15/08/1935).
14º - José da Silva Braga, retorna aos 17/08/1935 a
22/08/1935).
15º - Cândido Simões Canella, retorna como interino,
aos 14/09/1935 a 28/10/1935.
16º - José Diniz Maia (iterino) de 08/11/1935 a 02/01/1936.
17º - José da Silva Braga, retorna aos 03/01/1936 a
08/01/1936.
18º - José Diniz Maia, retorna aos 11/01/1936 a 24/01/1936.
19º - Jônathas Gonçalves de Oliveira (Oficial
interino) 25/01/1936 a 24/02/1936.
20º - José Diniz Maia, retorna aos 28/02/1936 a 12/08/1936.
21º - Jônathas Gonçalves de Oliveira (ad-hoc)
20/08/1936 a 27/11/1936.
22º - José Diniz Maia, retorna em 01/12/1936 a 19/02/1937.
23º - Maria Alice Diniz Maia (substituta) 20/02/1937 a 20/04/1937.
1ª mulher a assumir o cartório.
24º - José Diniz Maia, volta aos 21/04/1937 a 30/06/1937.
25º - Lucrécio de Oliveira Reis (substituto) de 01/07/1937
a 31/08/1937.
26º - José Diniz Maia, retorna em 01/09/1937 a 09/02/1939.
27º - Pedro Spyer Rabello (substituto) aos 10/02/1939 a 24/05/1939.
28º - José Diniz retorna em 25/05/1939 a 21/06/1939.
29º - Benjamin Versiani dos Anjos (Oficial interino) de 23/06/1939
a 05/09/1969. Obs.: Faleceu como Oficial do Registro Civil.
30º - Terezinha Vasconcelos Rodrigues. Assumiu o Cartório.
31º - Maria de Lourdes Chaves “Lola”. Primeira
concursada a assumir cargo de Oficial do Registro Civil. Tomou posse
aos 25/10/1971. Está exercendo a função até
Deus sabe quando. Foi nomeada pelo Exmo. Governador Rondon Pacheco,
publicada no Minas Gerais aos 16/10/1971.
EXERCERAM A FUNÇÃO DE JUIZ DE PAZ DESTA SERVENTIA:
1 – Major João Antonio Ferreira Durães
2 – João Fernandes de Oliveira
3 – Domingos José Souto
4 – Capitão Silvio Teixeira de Carvalho
5 – Elizeu Cândido Rodrigues Valle
6 – Capitão Joaquim Soares da Costa
7 – Rodolpho Cãndido de Sousa
8 – Francisco Guedes Soares
9 – Francisco Peres de Souza
10
– Francisco Bento Nogueira Góes
11- Capitão Manoel José da Silva Dodô
12 – Francisco Augusto Velloso
13 – Christino Thiago Xavier do Ó
14 – João Augusto de Andrade
15 – Joaquim Sarmento Sobrinho
16 – Honor Sarmento
17 – Joaquim Ferreira dos Santos
18 – Álvaro José de Lima
19 – Sergio Alves Pereira
20 – Tertuliano Ribeiro dos Santos
21 – Augusto Dias de Abreu
22 – Olegário Augusto da Silveira
23 – Capitão Antonio Lucrecio de Oliveira
24 – Capitão José Rodrigues Prates Junior
25 – Antonio Versiani dos Anjos
26 – Ulysses Pereira da Silva Leal
27 – Pedro Augusto T. Guimarães
28 – Luiz Antonio Pires
29 – Benedicto Pereira Gomes
30 – Olympio Dias de Abreu
31 – Carlos Leite
32 – João Nobre de Oliveira
33 – Miguel Braga
34 – Etelvino Teixeira de Carvalho
35 – Sebastião Sobreira de Carvalho
36 – Vicente Ruas Sobrinho
37 – Canuto Nunes de Quadros
38 – José Joaquim Pereira De
39 – Pedro Alves Ferreira Paulino
40 – Joel Horizontino Lopes
41 – Pedro Prates Guimarães
42 – Vicente Ruas Sobrinho
43 – Argentino Rodrigues Rocha
44 – Jason de Souza Lima Pereira
45 – Argemiro Correa Machado
46 – Antonio Alves Paulino
47 – Pedro Xavier Mendonça
48 – Malaquias Pimenta
49 – Amândio Jose de Carvalho
50 – Tobias Leal Tupinambá
51 – Daniel de Carvalho Guimarães
52 – José Linhares Frota Machado
53 – Manoel Lima Almeida
54 – Felinto José Pereira
55 – Pedro Júlio Mota
56 – Nivaldo Maciel Araújo
57 – Raimundo Lopes da Silva
58 – Alfredo Neto Cardoso de Souza
59 – Carolino Alves Vieira (suplente)
60 – Valdevino Didi Pereira de Souza de 15/01/1985 até
os dias de hoje.
62 – Cassimiro Gusmão (suplente)
__________________________________________
Meus agradecimentos à Suboficiala, Lígia de Figueiredo
Chaves e Oliveira, pelas pesquisas feitas nos arquivos do Ofício
de Registro Civil, desta Comarca. Agradeço à escrevente
substituta, Aline Maria Chaves de Oliveira e Araújo, pela
digitação destas pesquisas. Agradeço à
Sra. Maria Eliza Rodrigues, pelo trabalho de transportar os livros
para as pesquisas.
Termo de Abertura do Livro de Emancipações
de 10 de dezembro de 1936
Termo
de Encerramento do Livro de Emancipações
de 10 de dezembro de 1936
Livro de Registro de Nascimento - Data: 08 de novembro de 1888
Livro de Registro de Óbito - Data: 08 de novembro de 1888
Registro de nascimento de
Eulina Elvia Guimarães no
dia 15 de janeiro de 1931
AUGUSTE
DE SAINT-HILAIRE
Um
francês, professor do Museu de História Natural de
Paris a documentar nossa história.
Marta Verônica Vasconcelos Leite
Cadeira nº l7
Patrono: Auguste de Saint-Hilaire
Escolhi Auguste de Saint-Hilaire como meu patrono para o Instituto
Histórico e Geográfico de Montes Claros1 pelo encantamento
e respeito que tenho por seres humanos que como ele, deixaram o
conforto de seu país em pleno século XIX para pesquisar
e documentar esse imenso e até então desconhecido
país. Mais do que isso, Saint-Hilaire nos visitou e deixou
uma documentação impressionante do que era o Norte
de Minas, os que aqui habitavam, sua cultura agropecuária,
fauna, flora e tudo mais que sua percepção de naturalista-escritor
foi capaz de observar.
Saint-Hilaire nasceu em Orleans, na França, dez anos antes
da Revolução Francesa e permaneceu no Brasil entre
1816 e 1822. Visitou Goiás, São Paulo, Rio Grande
do Sul, Espírito Santo e Minas Gerais, percorrendo 15.000
quilômetros no total. (GOMES, 2007) Professor de Botânica
do Museu de História Natural de Paris, Saint-Hilaire embarcou
para o Brasil depois da abertura dos Portos por Dom João
VI. Veio na companhia do Duque de Luxemburgo, nomeado embaixador
da França junto à Corte do Rio de Janeiro em 1816.
Por
onde viajou no Brasil, Saint-Hilaire coletou cerca de 30.000 exemplares
de 7.000 espécies dos três reinos da natureza para
estudos futuros. Viajando em lombo de burro pelas Estradas Reais,
registrou intensas vivências e impressões do contato
com a terra virgem e seus habitantes, impressões essas nem
sempre favoráveis ao modo de vida de portugueses, negros
e indígenas. Para os olhos de um francês acadêmico,
os costumes locais eram por demais “morosos”, o que
ele acreditava ter como causa as altas temperaturas do sertão.
Saint-Hilaire percorreu toda a Província de Minas Gerais.
Chegando à Vila do Príncipe do Serro Frio, hoje cidade
do Serro, ele assim a descreveu:
Vila do Príncipe é a capital da Comarca de Serro do
Frio, que se divide em dois termos, o do Serro Frio propriamente
dito, e o de Minas Novas. Basta dizer que o principal magistrado
da comarca e os funcionários do governo residem nessa Vila.
É ainda a sede de uma paróquia que tem trinta léguas
de comprimento, e compreende onze sucursais e uma população
de cerca de trinta mil almas; é necessário refletir
que o Tijuco está aí incluído, e essa Vila
é a mais importante da Província depois de Vila Rica.
(Saint-Hilaire, 2000, p. 141)
Pela descrição acima percebe-se que o escritor, mais
do que um ótimo botânico, também se tornou um
dos primeiros historiadores a registrar importantes dados sobre
a imensa região norte mineira e Vale do Jequitinhonha. Completam
a descrição gráficos e quadros estatísticos.
Na obra Viagem pelas Províncias do Rio de Janeiro e Minas
Gerais, reeditada no ano 2000 pela Editora Itatiaia, percebese a
enorme sensibilidade do autor ao tentar explicar como tantos europeus
aqui se fixaram a princípio na região das minas, depois
adentrando o sertão, deixando-nos entre outras coisas os
sobrenomes do velho continente:
Meus
hospedeiros eram dois homens pobres que não possuíam
escravos e se tinham associado para explorar a fazenda de Luís
da Mota, cujas terras são excelentes. Um deles correra mundo;
nascera no Porto; tinha estado em Angola e provavelmente terminaria
seus dias nessas matas. Uma coisa bastante curiosa é que,
guardada as proporções, encontrei na região
muito maior quantidade de europeus do que até então
vira. (idem, p. 175)
Essas notas foram escritas sobre o Serro e arredores, pois viajando
de Inconfidência (Coração de Jesus) a Contendas
(Brasília de Minas) ele nos relata ter encontrado poucos
homens brancos. O autor analisa que os brancos encontrados na região
estiveram vagando pelo país e com a facilidade em conseguir
terras no sertão, fixando-se ao solo, renunciando a ambiciosos
projetos e perigosas aventuras. Aqui se tornaram cidadãos
úteis, começando assim histórias tão
comuns entre nós.
Saint-Hilarie, a respeito da hospitalidade sertaneja, diz ter sido
recebido sempre com atenção por onde andou, todos
lhe ofereciam os melhores talheres e louças, cama com lençóis
e colchas limpas. Mesmo os mais pobres sempre procuravam uma forma
de serem gentis, como os hospedeiros que lhe serviram “uma
espécie de xarope (melaço) de cana, de cor vermelho
dourado que misturavam no prato com farinha de milho ou mandioca
cozida, formando uma pasta de sabor bastante agradável”
(p. 176), costume dos que viviam em áreas distante de tudo.
Em outra passagem, já em Capelinha: “A primeira pessoa
a quem perguntamos onde poderíamos encontrar abrigo ofereceu-nos
hospitalidade com a maior franqueza.” (p.206)
Em alguns momentos os relatos do botânico chegam ao romantismo
ao descrever cenas e lugares:
Vi numa grande árvore um bando numeroso de araras. Aquelas
de penas verdes ou azuis e vermelhas, confundiam-se com a cor das
folhas; de longe a árvore parecia coberta de pedaços
de veludo da mais bela cor. As araras aproximaram-se mais, e tive
o prazer de contemplar essas aves com suas graças naturais
e as ricas cores de que são ornadas. (p.173)
Em outra passagem pelas estradas rumo ao norte da província
de Minas, ele registrou:
A lua iluminava tanto, que sua claridade bastou-me para escrever
o diário. À grande distância avistara, sobre
o cume do morro, o fogo que se ateava a alguns carrascos, e que
produziam um efeito admirável; e, mais ao longe ainda descobria
uma claridade fraca, minhas cobertas e a capa, estendidas sobre
os matos, serviram-me de leito. (p. 305)
Quando descreve suas impressões sobre o Rio Jequitinhonha
é possível imaginar uma tela de belos matizes:
A vista que se descortina é encantadora. Diante do edifício
corre o Jequitinhonha, cuja largura é considerável.
Durante o tempo de chuvas esse rio tem leito cheio, e rola com majestade;
mas, por ocasião de minha viagem, rochedos elevam-se aqui
e ali do meio das águas e formam ilhas. À margem esquerda
aparecem colinas e montanhas cobertas de matas. (p. 247)
Em suas andanças pelo sertão, Saint-Hilaire foi descrevendo
com minúcias tudo o que aqui encontrou, como: índios
botocudos e Mochacalis e seus costumes, a caça e a pesca:
os negros com suas plantações de milho e algodão
e a forma como fiavam; os engenhos de açúcar; os poucos
pomares que encontrou e que comparou com jardins europeus; a descrição
de fazeres como: o queijo, a manteiga, os doces e a aguardente.
No capítulo XXX, a descrição do termo “sertão”
é de tamanha clareza e precisão que deveria fazer
dessa obra leitura obrigatória a todos que habitam essa imensa
região:
O
sertão compreende, nas Minas, a bacia do São Francisco
e dos seus afluentes, e se estende até a cadeia que continua
a Serra da Mantiqueira até os limites ocidentais da Província.
Essa imensa região constitui assim cerca da metade da Província
da Minas, e se estende aproximadamente, desde os 13º até
os 21º de latitude, mas não se deve pensar que o sertão
se restrinja à Província de Minas Gerais; prolonga-se
pela Bahia e Pernambuco, Província de Goiás, pela
qual se continua. (idem, p.307)
O autor ainda comenta que os que falam do sertão garantem
que ele se assemelha a um jardim, comparação que para
ele chega a ser mesmo proverbial. No entanto, admite que efetivamente
essa região possa ter o aspecto que lhe atribuem quando os
relvados estejam perfeitamente verdes e as árvores e os arbustos
tão numerosos, tão variados, fiquem cobertos de flores
vistosas.
O viajante, porém, esteve por esses caminhos em tempo de
seca e por isso se queixa do aspecto monótono, das longas
distâncias a percorrer e do calor difícil de suportar
para quem viajava no lombo de um burro já há bastante
tempo.
Saindo de Bonfim (Bocaiúva) e dirigindo-se a Formigas (Montes
Claros), Saint-Hilaire dormiu ao ar livre, porque em treze léguas
não avistou nem habitações nem lavouras, mas
pela estrada encontrou várias tropas de burros carregados
de couros e salitre. Também teve dificuldade em encontrar
água potável, pois a que encontrou tinha gosto salobro
e desagradável.
Viajando com tantas dificuldades é de se imaginar que a chegada
nas vilas como Formigas fosse sempre uma alegria, porém por
onde passou havia recebido as piores informações sobre
os habitantes desse local. Por isso ao entrar na vila imediatamente
seu arrieiro informou que Saint-Hilaire viajava com passaporte do
Rei, isso para protegê-lo. Passado esse primeiro momento,
o viajante observa que não achou nada de particular nos habitantes
de Formigas e que fora recebido por um jovem que lhe encheu de gentilezas,
presenteando-lhe com uma bengala feita de uma madeira belíssima
que chamaram Pereira.
Achei-me em Formigas no primeiro domingo do mês (3 de agosto
de 1817). A povoação de Formiga sucursal da Paróquia
de Itacambira, está situada à entrada de uma planície,
a quatro jornadas de Vila de Fanado (Minas Novas), a cinqüenta
léguas de Tijuco (Diamantina) e a mais de duzentas da Bahia
e do Rio de Janeiro. Um dos dois ramais da estrada de Tijuco a Bahia
passa por Formigas. Essa povoação, que pode compreender
atualmente (1817) duzentas casas, e mais de oitocentas almas, é
certamente uma das mais belas que vi na Província de Minas.
(idem, p. 327)
Percebe-se que, passada a primeira impressão Saint-Hilaire
conseguiu realizar seu trabalho com tranqüilidade, deixandonos
uma descrição completa do que viria a ser a cidade
de Montes Claros, que desde aquela época já exercia
grande influência na região e além dela:
...Formigas é um dos pontos principais da parte oriental
do sertão, e faz-se aí um comércio importante
de gado, salitre, couro e peles. O gado bovino e os cavalos vendem-se
para a Bahia; o salitre vai para o Rio de Janeiro e para Vila Rica,
e finalmente, parte do couro se consome em Formigas e outra para
envia para Minas Novas... O centro desse comércio é
atualmente Santa Luzia, perto de Sabará, donde se fazem remessas
para o Rio de Janeiro.(Saint-Hilaire, 2000, p 326)
Explicando um pouco mais como eram realizadas as transações
comercias naquela época ele documentou:
Os artigos de fabricação européia, os vinhos,
etc, que se vendem em Formigas para consumo local e de parte do
sertão, vêm principalmente da Bahia, porque é
a praça que fornece maior quantidade de mercadorias. Importam-se
também vários objetos europeus do Rio de Janeiro,
em troca do salitre, e de Santa Luzia, lugar de entreposto, em troca
de peles. (idem, p. 327)
É
digno de nota que o texto de Saint-Hilaire em muitas passagens confirma
a existência das chamadas estradas reais no norte da Província
de Minas Gerais.
Há referências de vários postos de registros
e locais de vigilância da Coroa Portuguesa, que serviam não
só para fiscalizar o contrabando de ouro e diamantes que
por aqui passavam em direção aos portos de Bahia,
mas também para cobrança de impostos do intenso comércio
registrado pelo notável francês.
Nos relatos acima, fica claro que a Estrada Real do Tijuco à
Bahia passava por Formigas. Mais precisamente, a estrada atravessava
o centro do largo da Matriz de Nossa Senhora e São José,
aliás a descrição da Matriz e da festa em homenagem
a Nossa Senhora da Conceição que o autor assistiu
logo no dia de sua chegada à vila confirma a longevidade
desses ritos e desfaz a impressão de Formigas como um local
perigoso. O autor documentou:
Em Formigas assisti a uma procissão que como em todas as
igrejas de Província de Minas, se faz nesse dia (3 de agosto)
em honra da Virgem... Durante a procissão cantou-se, segundo
o costume, o pater e dez aves em português; após cada
ave soava-se uma pequena sineta; os fiéis paravam, ajoelhavam-se
e entoava-se um glória patri igualmente em português.
A procissão fez circuito na praça e recolheu-se em
seguida como de costume e celebrouse uma missa ordinária.
(SAINT-HILAIRE, 2000, p.327)
Assim era Formigas vista por Saint-Hilaire. Passados quase dois
séculos, sua obra ainda muito nos auxilia na tarefa de construir
a memória dos primórdios do sertão norte-mineiro.
Além da obra Viagem pelas Províncias de Rio de Janeiro
e Minas Gerais que serviu de referência para esse artigo,
também indicamos as outras oito obras que completam a saga
de Saint-Hilaire por esse país. As obras impressionam pela
qualidade do texto, científico e encantador, revelando um
escritor original, que enfrentou intempéries, maus caminhos
e grandes perigos como as febres, águas contaminadas e animais
selvagens, para enfim voltar já idoso ao seu país
e poder dar esta grandiosa contribuição à ciência
que o tornou imortal. Como bem escreveu Vivaldi Moreira3 (1975)
Saint-Hilaire fez um mapa vivo de nosso passado.
Auguste de Saint-Hilaire
_______________________________
Legendas
[1] Instituto Histórico e Geográfico de Montes Claros,
casa de Simeão Ribeiro
tem por finalidade a promoção de estudos e a difusão
de conhecimentos de
história, geografia e ciências afins, do município
de Montes Claros e da região
Norte de Minas, assim como o fomento da cultura, a defesa e a conservação
do patrimônio histórico, artístico e cultural.
[2] Denominava-se Estradas Reis os caminhos controlados pela Coroa
Portuguesa
com postos de registros para cobrança de impostos.
[3] Vivalde Moreira em texto de apresentação do livro
Viagem às nascentes do
rio São Francisco. Belo Horizonte: Itatiaia, 1975.
_______________________________
Referências Bibliográficas
GOMES, Laurentino. l808 A corte no Brasil. São Paulo: Planeta,
2007
PAULA, Hermes Augusto.De Padre Chaves a Padre DuDu. Belo Horizonte:
Lettera Maciel,l982.
SAINT-Hilaire, Auguste. Viagem pelas Províncias do Rio de
Janeiro e Minas
Gerais. Belo Horizonte: Itatiaia, 2000.
SAINT-Hilaire, Auguste. Viagem as nascentes do Rio São Francisco.
Belo Horizonte:
Itatiaia, 2000.
LEITE, Marta Verônica Vasconcelos (Org.). Coleção
Sesquicentenária.montes
Claros: UNIMONTES, 2007
NO
MURAL DE CYRO DOS ANJOS
A Menina Do Sobrado
Miriam Carvalho
Cadeira N. 88
Patrono: Plínio Ribeiro dos Santos
Esta breve leitura procura percorrer o universo de palavras de Cyro
dos Anjos, buscando a imagem de um vasto mural exposto pelo autor,
em A Menina Do Sobrado. Para esse exercício de leitura, recorremos
ao crítico mexicano – Otávio Paz – autor
da obra O Arco e a Lira, de onde se colhem referências ao
conceito da palavra “imagem”
e suas implicações espaço-temporais, além
de apelos a outros posicionamentos críticos, noções
teóricas, por exemplo, as das formas simples, de JOLLES (1976),
no que se refere aos provérbios e à memória.
Em Otávio Paz (1982:119):
a palavra imagem possui, como todos os vocábulos, diferentes
significações. Por exemplo, vulto, representação,
como quando falamos de uma imagem ou escultura de Apolo ou da
Virgem. Ou Figura real ou irreal que evocamos ou produzimos
com a imaginação. Não são esses
seus únicos significados nem os que aqui nos interessam.
Convém advertir, pois, que designamos com a palavra imagem
toda a forma verbal, frase ou conjunto de frases, enfim expressões
verbais classificadas pela retórica. (...). A palavra
imagem é a que também tomada como frase em sua
pluralidade de significados, recolhendo e exaltando todos os
valores das palavras sem excluir os significados primários
e secundários.
No
Dicionário de Termos Literários, MOISÉS (1984:
119), declara que:
a imagem no texto corresponde como uma fotografia que se formou
na mente do escritor em contato com a realidade física.
Constituiria, por assim dizer, o grau zero da visão:
o ser das coisas que sensibilizaram o escritor equivale ao ser
refletido na imagem (mental e textual) como diante de espelho.
Vale lembrar que, ao lado dessas noções, aqui consideramos
a expressão “imagem/memória” em suas formas
especificas de pensar uma realidade com seus feixes de sentido.
O teor imaginário da narrativa em estudo – A Menina
do Sobrado – constitui de um tempo articulado por um discurso
que traz as marcas da memória de uma infância, da adolescência
e da mocidade, reveladas no “campo fabulístico de um
mural” (op. cit. p.32). Nesse mural, a imagem que, seletivamente,
foi escolhida pelo autor é a de “um menino guloso no
fundo da minha memória” (p. 14). Ora, essa imagem pode
desembocar em algo que a ultrapassa, principalmente, se considerarmos
que ela resulta escandalosa na perspectiva PAZ (op. cit), porque
desafia o princípio da contradição. O que é
visto no mural de Cyro dos Anjos é o escondido no vasto mural
de suas memórias. De alguma forma, isto contraria os fundamentos
de um pensar lógico. Na imagem deste “vasto mural de
essências lembranças” (p. 37), a verdade é
colocada pelo avesso. A obstinação do autor de trazer,
aos nossos olhos e aos seus, as cidades Santana do Rio Verde com
seu sobrado, e Belo Horizonte, como presentificação
de um tempo, revela que a imagem não pode, por ela mesma,
aspirar à verdade total porque, nesse confronto passado/presente,
o dizer o que é não se prende a tudo que é;
e muitas vezes, acaba dizendo o que poderia ser. Porque a previsão
de uma realidade artística pode ser a do “impossível
verossímil” de ARISTÓTELES (apud PAZ. Op. cit:121),
ainda que dados biográficos venham representar a expressão
genuína de uma visão e de uma experiência do
mundo.
Estes
dois elementos – visão e experiência do mundo
– estão inseridos no ato da escrita como forma de retenção
ou retomada de imagens, conforme as lembranças do escritor
(Op. cit: 236)”.
Guardo ainda, nos desvãos da memória, aqui, vagas
lembranças, ali, menos que lembranças, apenas
imagens, senão sensações em estado puro,
fugidias, imprecisas que toda a via me trazem melhor que fatos
ou episódios retidos, a genuína face daquele 1924,
tão decisivo na minha história particular: avenidas
ermas, afogadas no verde escuro dos fícus, ranger de
bondes a grimparem o longo aclive da rua da Bahia; certa lagartixa
esparramada no muro da república a insinuar-me que o
calorzinho da tarde era fruir, (...) a agulha do gramofone presa,
na ranhura a repetir sem parar, o mesmo fragmento Stabat Mater
de Rossini.
Se o propósito do autor é mostrar como as memórias
inoculam as imagens e como as imagens inoculam os sentidos das memórias,
o autor não poderia mesmo deixar de instituir na narrativa
o recorte de um espaço, rua da Bahia, pondo em evidência
as notações sensoriais, a lembrança de objetos,
o gramofone e até mesmo o ranger de bondes.
Outras histórias como a de Luiza Velha nos capítulos
“O Coelho e a Onça” (pp.18-21) e “O Círculo
das Fâmulas” (pp.22-25) orientam-se para descobrir a
via memorialística, regida pela gama de mobilidade dos relatos
variados, sabedoria expressa no vivido, casos concretos e perdidos
no tempo, tudo isso com pormenores históricos, ligados freqüentemente
a outras informações, como no fragmento (op. cit.:
18-9) a seguir:
Nesse tempo imemorial, uma voz preta e fatigada cantava:
João corta pau,
Maria mexe angu,
Tereza põe a mesa
para a festa do tatu
Retendo-me
ao colo com uma das mãos, a velha usava
outra para embalar o berço da caçula, que logo adormecia,
sob o
efeito do acalanto. (...). Sua idade ninguém sabia; supunha-se
que
viera do fundo dos séculos, se lhe perguntavam, a respostas,
pronta:
“Negro quanto pinta, tem três vezes trinta”. Noutras
ocasiões
dizia que deixara de completar anos: havia a era.
A
pergunta do autor sobre o que mais se destacaria no vasto mural
de seus tempos tem como resposta a experiência da identificação
com a realidade re-criada nas “imagens sôfregas”
(p.33). Essa experiência expressa-se e comunica-se pela imagem
de seus personagens como o Lucas, no capítulo “Lucas
Desce aos Infernos” (pp. 54-8), “O filósofo Tatá”
(pp.62-6), “As deidades” (pp.251-4) (mulheres quase
voláteis, idolatradas pelos jovens de seu tempo, companheiros
de república, colegas dos jornais, enfim grupos formados
por jovens intelectuais que viviam em Belo Horizonte. Nesta cidade,
o autor descobriu modos de pensar, de sentir e de rejeitar/aceitar,
aceitar/rejeitar a nova moda estética: o futurismo e o modernismo,
conforme se vê no capítulo “Entre o Passadismo
e Futurismo” (pp.270-4): “Ao embate entre passadistas
e modernistas assisti meio indiferente sem tomar partido”
(p.272).
E, assim, esse conteúdo memorialístico desprende-se
de uma visão de mundo sobre um acontecimento em marcha, recortado
da história, endurecido, condensado e tomado forma, segundo
JOLLES (op.cit). Memória como lugar onde tudo se concretiza;
memórias que se relacionam ao mesmo acontecimento, e este
que se desgarra do conjunto da história e vai se escalonando
a uma ordem superior até cristalizar-se em pontos determinados:
o acontecimento em movimento coagula-se e a língua apodera-se
dele para dar-lhes forma literária. Estes conceitos que atravessam
a obra A Intertextualidade das Formas Simples (MARINHEIRO: 1977),
serviram para levantar questões sobre as formas encontradas
em A Menina do Sobrado, tais como: histórias, provérbios
e noções de memória.
Se
nesta exposição fica evidente a noção
da via memorialística, pela qual se tem o conceito de memória
no sentido de acontecimento em marcha, recortado da história
com seus pormenores, preenchendo a realidade, na percepção
de JOLLES, é porque a manifestação dessas memórias
emerge também do caráter ficcional da própria
obra. Não se pretende delimitar fronteira entre campos tão
próximos, como imagem de uma memória ou memórias
de uma imagem, uma vez que ambas, com suas próprias diferenças,
ajustam-se aos três tempos do seguinte processo: o mural,
enquanto objeto representante da imagem, revela o momento atualizado
de uma realidade, onde se expõe o visto. Em sua essência,
e em sua qualidade (a palavra “vasto”), outro momento;
e de seu choque, isto é, do objeto, e da qualidade surge
a imagem: a nova realidade. A título de exemplificação,
tomemos a imagem do menino no colégio em 1910, com quatro
anos (ANJOS, op. cit: 36):
Volto agora ao colégio, para notar que ali já
me encontrava em fins de 1910, aos quatro anos, segundo a data
que se lê numa fotografia coletiva, tirada com as freiras.
Mesclam-se as imagens em célere desfile: o casarão
com o mirante, o pátio das árvores imensas, a
cuja sombra, a gente buscava durante o recreio.
As referências a dados e datas informativos, tomados de uma
fotografia e registrados na memória, detêm um conhecimento
desse tempo, condensado e recortado de uma imagem, resultante da
forma como ela foi visualizada no seu modo mimético de representação.
Como fenômeno literário, a imagem da fotografia, configurada
através da memória, comporta três elementos
nucleares: o primeiro, o olhar do narrador sobre objeto de suas
lembranças; o segundo, ele como receptor do que vê;
o terceiro, como sujeito do relato, avaliando aquilo que cria e
reconhecendo o visto no processo de aproximação e
afastamento. Segundo PAZ (p.137), “é o ouvido que escuta,
e a mão que escreve o que é ditado pela sua própria
voz” , que viu e deu vida a uma imagem gravada no mural.
M.
BOYD. (apud BARTUCCI,1966:23), afirma que: “Ver as coisas
como realmente são é ver que elas não são...
o que é dado não é a coisa, mas uma transformação
... da coisa na linguagem.”
BARTUCCI
(Id. Ibidem) diz ainda que “Dar realidade ao mundo em que
vivemos significa perder-se nas fronteiras entre a ficção
e a realidade entre o sonho e o real.”
E
esta realidade entre sonho e o real permite fracionar o universo
das imagens dilatadas em lembranças que invadem em memórias.
Em razão disso, o mundo e as coisas são vistos na
forma de um mural, em que as “imagens sôfregas se acotovelam”
(ANJOS, op. cit: 50). Para o autor é preciso “retomar
o fio do pensamento, buscando as próprias fronteiras de minha
memória, desvendando a derradeira camada, o último
tempo ainda captável”
(Id: 18).
Vêm, então, os enunciados, com a força de uma
reflexão, diluir os fatos e ação revelando
o conteúdo íntimo de uma consciência memorialística.
Coloquemos em destaque alguns deles:
“Se busco arrumar no tempo essas imagens, o que primeiro
vejo é um imemorial passeio à Porteirinha (p.33)”.
“A memória é manhosa tenho de negacear.
Primeiro reproduz o painel, assim como vem a mente, depois,
investigo pormenores, procuro restituir a pintura primitiva,
removendo as finas pinceladas com que, sobre ela, o tempo compôs
outros quadros. Cenas fugazes, que antes haviam cintilado apenas
– brinquedos no Largo de Cima, Ataualpa contando histórias
(...). (p.13)”.
“Quero da memória apenas a essência das lembranças”.
(p. 34)
“Vejo o universo da minha infância dilatar-se progressivamente
em círculos concêntricos”. (p.37)
“Com o tempo e por experiência própria aprendi
que essa melancolia
incausada que nos rói de mansinho não vem das
coisas de fora, nem mesmo das de dentro. Brota simplesmente
do existir”. (p.34)
“A memória não guardou muita coisa desse
imponente sarau (...)”. (p. 230)
“Que mofina memória dessa quadra”. (p. 52)
“(...) mundos que pareciam para sempre perdidos, vão,
aos poucos emergindo a superfície da lembrança”.
(p. 57)
“Imagens sem data, esculpido numa arcaica, ilocável
no
tempo, soem aflorar à lembrança”. (p.33)
Pelos enunciados, o sentido do acontecimento em marcha (JOLLES:
1976) funciona com uma dicção confessional, colhida
das “imagens que feriram a retina e o coração,
que marcaram o corpo, que aguçaram o espírito. É
o que se resgata, seletivamente, do esquecimento”. Aquilo
que se retém do percurso, segundo CURY (1984), num ensaio
intitulado “Mário de Andrade e A Memória de
uma Geração” (pp. 105-11).
Também, podemos considerar esses enunciados como procedimentos
técnicos narrativos, sob a ótica de SARAIVA (1990:
196), como sendo:
procedimentos que permitem flagrar a postura analítica
do narrador, porque introduzem dados auto-referenciais ou reflexivos,
quer dizer, elaboram menções do texto sobre si
mesmo. Todavia, embora decorram da reflexão do narrador
sobre o produto que realiza, tais procedimentos funcionam também
como refletores, visto que sintetizam a narrativa sob a forma
de resumos intertextuais, confrontam-se uns aos outros ou projetam
no espaço textual representações encobertas.
Observemos uma passagem em ANJOS (op. cit: 270-1) na qual as discussões
entre passadismo e modernismo revelam a memória invadindo
a história, reciprocamente, sob um atestado de credibilidade
provindo da abordagem estética:
“No
estrela, como no norte mineiro as discussões pouco variavam,
quase toda a noite eram repisadas. Sob os sarcasmos do Zeca já
se vê. O hábito nos imunizara ao veneno do seu risinho,
de resto amigável , senão medir sinal. Queríamos
era papiar. Machado seria ou não maior do que Eça?
Anatole valeria pelos dois, embolados, insistiu Ari, com brandura,
em matéria de Anatole, eu fechava o bico. Supremo vexame:
não degustara ainda aquele néctar, tão gabado
por Dr. Cantídio nas conversas de Santana, quando, recém
formado, ali chegara derramando novidades. Sobre Machado e Eça,
tinham o meu aviso.Sem penetrar as razões de escolha, pendia,
por instinto para o recente o ambíguo mestre de Dom Casmurro,
mais fidedigno, em seus entretons, às contradições
entra a alma, do que o rasgado o transbordante Eça, cuja
as páginas todavia me fascinava pela graças e luminosidade.
Newton, queirosiano radical, pouca simpatia mostrava a Machado,
talvez por julga-lo do ângulo do sentimento. Em palavras menos
explícita, que procura interpretar, pretendia que, ao exibir
o ridículo ou a vilania das criaturas, Eça não
se mostrava cruel de índole. Percebia-se em sua obra uma
generosidade subjacente que repontava sob a forma de comiseração
e indignação. Machado, visceralmente mau, deleitar-se-ia
como um sádico em produzir e dissecar seus vilões
e papalvos [...]. Eu retrucava: naqueles tapinhas residia a finura
do velho dizer não-dizendo. Instilar a dúvida deixar
que o leitor decidisse. Newton não dava o braço a
torcer. Jamais chegávamos a um acordo “.
Esse caráter metalingüístico do narrador, de
A Menina do Sobrado, é exemplar quanto à seleção
clássica de leituras feitas pelo autor. Puxando o fio do
pensamento, conforme ele mesmo afirma, tendo, como suporte, QUEIRÓS
e ASSIS, o texto, em seu
caráter significativo de auto-referencialidade, opera uma
recordação criadora. Segundo MEYERHOFF (1976:56):
não a reprodução passiva das respostas
habituais da memória. Pois construir uma obra de arte
é construir o mundo da experiência e do eu. Desse
modo, através do ato de recordação criadora,
traduzindo no processo de criação artística,
emerge um conceito do eu, exibindo características de
unidade e continuidade que poderiam não ser atribuídas
ao eu como determinadas pelas experiências imediatas.
Experiências recordadas na tranqüilidade revelam
uma qualidade que falta com freqüência no “ajuntamento”
de dados que constitui um mundo da experiência imediata.
[...].
Por isso, as memórias, muitas vezes, dão aparência
de serem mais verdadeiras do que as experiências originais
das quais elas se derivam. A passagem, a seguir, registra a instalação
da luz elétrica na cidade e é um bom exemplo dessas
experiências recordadas:
“Volto ao ano de 1917, registro o magno acontecimento
que foi instalação de luz elétrica na cidade.
Os postes para lampião – antiga lei da câmara
mandara iluminar a cidade a azeite “por ser mais barato
e mais patriótico” – foram substituídos
por outros mais altos, e, em lugar da chama baça, que
se deixava engolir pelas trevas da noite , viu-se 1uma luz fulgurante,
que, fazendo as sombras recuarem, arrancou o poeta Vilobaldo
esta lamentação fingida, pois, no íntimo,
estava ébrio de orgulho: “já não
se podem fazer serenatas. Maldito progresso”. ( ANJOS,
op. cit.: 126)
A recordação desses eventos, isolados em seu conteúdo
original – os postes mais altos, a luz fulgurante, o poeta
Vilobaldo, serve para transmitir um sentido de individualidade.
Esse universo efetivo, com suas qualidades específicas, é
pista para a reconstrução de uma memória no
mural construído por Cyro dos Anjos. Por exemplo, quando
o menino olha a torre do relógio, o ato da recordação
criadora não deixou de ser uma busca da reconstrução
daquele tempo que se tornou marca mediadora entre o mundo da experiência
e do eu entre a memória que serve para avaliar a imagem e
a imagem que emerge de uma memória flagrada por uma postura
analítica.
Pelas possibilidades evidentes, oferecidas por uma imagem flagrada
no tempo, é que se tem uma figura como a da Tia Perpétua,
ajustada àquela que vem das referências significativas
contidas nos provérbios e atribuídos a sua linguagem.
A Tia Perpétua, no capítulo assim nomeado (pp.39-42),
é vista como uma mulher
“emburrada, galega de procedência da gente dura dos
Fróis que com sua rispidez, a sua secura, a sua franqueza,
as suas birras, a sua sobranceria, enquadrava-se na melhor tradição
da agreste estirpe de que provinha. Ao ouvir-lhe as duras sentenças,
meu pai sorria, nelas reconhecendo a chancela avoenga” (p.41).
Selecionamos
alguns provérbios atribuídos a ela:
“Tiveste filho? Andarás em sarilho”.
“Com criança não há boa andança”.
“Festa acabada, músicos a pé”.
“Onde meninos saltam, apoquentações não
faltam”.
“O bom dorminhão dispensa colchão”.
“A quem te der uma pássara, dar-lhe sua asa”.
“Cale o que deu, e fale o que recebeu”.
“Dizem os sinos de Santo Antão, por dar, dão”.
“Não dar quem tem se não quem quer bem”.
“O bom andarim anda por ele por mim”.
“Melhor é bípede que velocípede”.
“A pirralhos melhor é palmatória do que
oratória”.
“Quem é menino dá mimo é tolo supino”.
Uma leitura sobre o provérbio, por MARINHEIRO (op. cit),
com base nas formas simples de JOLLES, mostra que: o enunciado
do provérbio relaciona-se a um estado de fato, de maneira
única e absoluta. Sua espécie é aquela
da afirmação, é apodítica e não
discursiva: a espécie afirmativa é a única
que permite à experiência exprimir-se. Para Jolles,
a locução proverbial e provérbios são
diferentes, embora procedam da mesma disposição
mental: a locução é de origem individual,
literária (“tempestade em copo d’água”,
de Montesquieu) e o provérbio é de origem popular.
Os provérbios, na “boca de Tia Perpétua”,
configuram uma visão de mundo que reforça o paralelismo
de situações e de circunstância ajustados às
convenções sociais e educacionais de um pequeno burgo
– Santana do Rio Verde. Os enunciados dos provérbios,
no mundo da infância, trazem em si uma imagem categórica
e se relacionam a um estado de fato. Como elemento referenciador
entre a criança e o adulto exibe uma verdade gene ralizada,
contendo lampejo de uma outra, pressentida de longa data, verdade
esta retocada por ter sido anunciada entre vivências e sensações.
O narrador, ao se defrontar com o universo das “tradições
avoengas”, rememora a figura de Tia Perpétua, evidenciando
uma verdade que pôde ser construída pelo já
vivido. Esta, por sua vez, incide sobre a personagem uma imagem
que é conferida pelo sentido peculiar dos provérbios,
pelo sentido de uma linguagem. Segundo JOLLES (op. cit: 29), “cada
vez que a linguagem toma parte de uma tal forma, todas as vezes
que ela intervém nesta forma para relacioná-la a uma
ordem ou mudar sua ordem e remodelá-la, nós podemos
falar de Formas Literárias, nelas, a linguagem é sólida,
particular e única”.
Daí
dizer que os provérbios, conferidos à modalidade de
formas, ganham um sentido. Este sentido não só fundamenta
uma linguagem como a da Tia Perpétua como também transcende
os limites de sua linguagem. Pensando em PAZ (op. cit.), as coisas
possuiriam um sentido.
Em A Menina do Sobrado (p.4), imagens figurativas aparecem representadas
por objetos, tais como: o relógio, a mesa do pereiro branco
e o sobrado, dentre outros. Estes presentificam um tempo dotado
de direção, e medido pelas coisas lembradas, cabendo
à imagem/memória decifrá-los inteiramente.
Em
torno da mesa de pereiro branco, larga e comprida, cabiam os
quatorze filhos e os parentes que se criavam na casa (...).
O pai fazia questão de transmitir ao clã o que
achara proveitoso nos livros mandados vir [...] do Rio. Lia
pausado, sem se preocupar com nossa ansiedade”.
Já o objeto – o relógio de pêndulo –
é marca de neutralidade, pois tanto serve para anunciar os
tempos da infância como outros momentos, indistintamente,
direcionando épocas em que se sobrepõem “essências/lembranças”.
Objeto magnético, lugar de
lembranças de forças contrárias, empurradas
pelo tempo que fluiu, sem se deter, como se observa no fragmento:
Casa, móveis, tudo foi a leilão. Inclusive a grande
mesa de pereiro branco, a que se assentava toda a prole, nos
antigos dias. Um parente arrematou o velho relógio de
pêndulo, que devolvido ao pai, hoje dá as horas
na casa do filho, em Copacabana, depois de tê-la soado
em Belo Horizonte e em Brasília. Agora, meio caduco,
às vezes bate doze pancadas em vez de onze, ou onze em
vez de dez. O timbre é o mesmo da minha infância”.
(p.353)
Finalmente, o sobrado. Sob o olhar que apreende o objeto de sua
sedução – a menina do sobrado – a escrita
do memorialista é alimentada de imagens que caminham ao imaginário
como se trafegassem por entre a representação do que
foi seduzido pelo olhar e as emanações provocadas
por essa sedução. Toma-se conhecimento dessa imagem
através do desejo revivido no campo das relações
pessoais. A menina encontra-se no trem em viagem a Santana do Rio
Verde. Desde o primeiro instante, naquela imagem do desejo nunca
mais se apagou dos olhos do memorialista. Vejamos:
“O trem cortava o tabuleiro, e o sol, nascendo, punha
dourados na capela antiga no esmaecido azul da serra de Diamantina.
Mas o que vi, e nunca esqueci, foi outro dourado, o dos cabelos
dela, também de ouro velho, também de capela antiga,
e de imagens da virgem [...] e um raio de sol horizontal metendo-se
pela fresta da janela, veio dourar-lhe a face. A carinha sarapintada
de sardas, os olhos travessos, o sorriso de covinhas, um alumbramento!”
(p. 370)
O desejo surge, na percepção do memorialista convertido
num corpo de notações visuais e imagens: o dourado
dos cabelos – de ouro velho comparado com a capela antiga
e as imagens da virgem.
Segundo os conceitos trabalhados por CHAUÍ (1990: 22),
a palavra “desejo” deriva-se: Deriva-se do verbo
“desidero” que, por sua vez, deriva-se do substantivo
sidus ( mais usado no plural, sidera) significando a figura
formada por um conjunto de estrelas, isto é
constelações. Porque se diz dos astros, sidera
é empregado como palavra de louvor – o alto –
e, na teologia astral ou astrologia, é usado para indicar
a influência dos astros sobre o destino humano, donde
sideratus, siderado: atingido ou fulminado por um astro. De
sidera, vem considerare – examinar com cuidado, respeito
e veneração.
Se a imagem do desejo abarcou o sentido de um desiderium –
(que é o desejo ou o apetite de possuir alguma coisa cuja
lembrança foi conservada ou então “é
aquele que se recorda de uma coisa com que se deleitou” (p.23)
e deseja possuí-la nas mesmas circunstâncias em que
na primeira vez com ela se deleitou), é porque há
uma relação estreita entre o que é visto e
o sentido sustentado pela memória da imagem. O objeto, o
sobrado é observado e examinado com cuidado. Nele a imagem
da menina é recriada como cifra de uma temporalidade, aberta
ao sentido de um desiderium. Recordando PAZ, “o sentido é
o nexo entre o nome e aquilo que nomeamos” (p. 136).
Assim é percebida A Menina do Sobrado, escrita que passa
a ser examinada pelo olhar da memória, e que, segundo ANJOS
(op. cit.: 382), seriam “Memórias finas que são
pura delícia.
Finas, penetrantes, umas, suculentas, copiosas, outras. Não
tentes imitá-las”. Mas aparecem também encobertas
e descobertas pelos laços do desejo que vêm do “alto”
de um sobrado. Alto como o astro sol ou um raio de sol horizontal,
trazendo a sua influência, marcando o destino de um homem/siderado;
atingido, no horizonte de seus sonhos, por uma menina/astro, a ponto
de sentir-se esponsalício como uma laranjeira cheia de flores.
O memorialista examina a menina num estado de “alumbramento”
(p.370), seduzido pelos dois objetos que são desenhados no
mural: Eu e Tu, eu escrevo, ela tece; Ela tece, e eu escrevo. E
nós, leitores, que somos esse outro em suas imagens, desejamos
o seu desejo: A Menina do Sobrado.
____________________________
BIBLIOGRAFIA
ANJOS, Cyro. A Menina do Sobrado. Rio de Janeiro: José Olímpio,
Brasília: INL, 1979.
BARTUCCI, Giovanna. Borges: a Realidade da Construção
– Literatura e Psicanálise.
Rio de Janeiro: Imago, 1996.
CHAUÍ, Marilena. . Laços do Desejo. In: O Desejo.
São Paulo: Schwarcz, 1990. pp. 19 - 66.
CURY, Maria Zilda Ferreira. Mário de Andrade e a Memória
de uma Geração. In: FIGUEIREDO, Maria do Carmo Lanna.
LOPES, Ruth Silviano Brandão (orgs.).O Eixo e a Roda. Belo
Horizonte: FALE/UFMG, 1984. (pp. 113 – 123). JOLLES, André.
Formas Simples. Trad. Álvaro Cabral. São Paulo: Cultrix,
1976.
MARINHEIRO, Elizabeth. A intertextualidade das formas simples. Rio
de Janeiro, 1977.
MAYERHOFF, Hans. O Tempo na Literatura. Trad. Myriam Capello. Rio
de Janeiro, 1976.
MOISÉS, Massaud. Dicionário de Termos Literários.
São Paulo: Cultrix, 1984.
PAZ, Octavio. O Arco e a Lira. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1982.
SARAIVA, Juracy Asmann. O Circuito das Memórias: Narrativas
Autobiográficas Romanescas de Machado de Assis. Porto Alegre:
PUCRS, 1990.
ALGUMAS
LEMBRANÇAS DA MINHA
MONTES CLAROS
Palmyra Santos Oliveira
Cadeira Nº64
Patrono: José Gomes de Oliveira
Já beirando os 90 anos, volta e meia recebo lampejos de uma
época distante, quando eu era menina e adolescente na minha
querida Montes Claros.
Sem preocupação com a forma, vou deslindando os fatos
conforme me vêm à memória.
A intenção é deixar registro dessas lembranças
de uma era bucólica, em que conhecíamos praticamente
todos os habitantes do lugar.
Como meu pai era comerciante, falarei das minhas recordações
sobre essa atividade, na Montes Claros do início do século
passado.
Antigamente, o centro comercial da cidade era nos arredores do antigo
mercado municipal, onde é hoje o Shopping Popular.
Eu
era pequena (6 a 7 anos) e circulava livremente pela Rua Bocaiúva
(atual Rua Dr. Santos) levando chá para o meu pai, Manoel
Gomes de Oliveira, que era negociante de secos e molhados em uma
das vendas do mercado.
Foto
tirade da torre do velho Mercado Municipal, vendo-se ao fundo a
construção
do Edifício Pedro Montes Claros (Foto: acervo Itamaury Teles)
Os
outros negociantes do mercado eram: Zé Boi, Aureliano Zuba,
João Cabreiro, Izidro Gonçalves Pereira, Epifânio,
Zezé Guimarães, Artur Amorim, etc. Os “negociantes”
lojistas eram: Manoel Higino, Chico Peres, Cocó, Deraldo
Calixto de Carvalho, Bendito Gomes, Sr. Ramos, Sr. Herculano Trindade,
Zé Alves, Sr. Dé Pereira, Antônio Paulino, Sr.
Jorge Santos e sua esposa D. Julieta, etc; Donato Quintino (loteria),
Betinho, Joaquim de Pretinha, João de Pretinha, Edígio
Prates, Helvécio, Sr. Tito dos Anjos, Sr. Nuno Pereira, João
Felix etc.
Havia três farmácias: a do Dr. Plínio Ribeiro,
a do Sr. Mário Veloso e a do Sr. Fróis Neto. Anos
depois, o Sr. Juca de Chichico
abriu a quarta farmácia. Não havia sapatarias. Os
calçados, escassos, eram vendidos nas lojas de tecidos e
armarinhos. O primeiro sapateiro foi o Sr. Potito Vilani, italiano,
pai de minhas amigas e vizinhas Rosinha e Florentina. Depois vieram
outros: Sr. Genésio Dumont, Penalva, Iôiô –
que lançou a moda das sandálias “flageladas”.
Muitos anos depois chegaram de Garanhuns,
Estado de Pernambuco, o Sr. Tiago e Zé da Eclética
(José de Souza Zumba). A Eclética já vendia
bons calçados, de excelentes marcas. Havia a ourivesaria
onde o Zé Chalub trabalhava, a alfaiataria do Sr. Cecílio
Barbosa e a alfaiataria Montes Claros, do Sr. Custódio Pinheiro
onde minha amiga Dinha Amorim era recepcionista e o Vicente Vargas,
de Figeira do Rio Doce (atual Governador Valadares), Dásio,
Dely e Milton Andrade – irmãos de Haydê –
minha amiga, todos trabalhavam lá, inclusive o outro Milton,
irmão de minha amiga Rita, uma moça muito bonita que
encantou o Nescésio Morais.
Ela se casou com o Amaurílio e foi-se embora. Nunca mais
a vi.
Casas
comerciais na Praça do velho Mercado Municipal, vendo-se
ao fundo
a Rua XV e a torre da ZYD-7 (Foto: acervo Itamaury Teles)
Havia
também algumas vendas espalhadas pela cidade. Na praça
Cel. Ribeiro, a do meu tio Ulisses Pereira e a do meu Tio Tião
(Sebastião Gonçalves de Oliveira) e, na Rua Mangabeira,
as do meu Tio Cula, do Sr. Hermínio e do Sr. João
Guimarães e, bem perto, na Rua Januária, a do Arestides.
Eram essas as casas comerciais que conheci.
Naquele tempo, só havia um caminhão, do Sr. Castro,
e um “Ford Bigode”, do meu pai, que o havia adquirido
de D. Carlota, viúva que o comprara para passear pelas ruas
de Montes Claros, porque tinha cravos nos pés, que a impediam
de andar muito e ela queria ver o progresso de sua terra.
O CINE-THEATRO MONTES CLAROS
Ocorre-me contar agora o motivo pelo qual meu pai comprou o único
cinema da cidade. Penso que foi em 1926. O meu irmão José
Gomes de Oliveira, na época com uns 10 anos, foi barrado
na porta do cine Montes Claros por ser, então, menor de idade.
Chegou em casa muito triste, contou ao meu pai, Manoel Gomes de
Oliveira, o ocorrido e este prometeu comprar o cinema. Convidou
o meu padrinho Aristides Lucrécio de Oliveira para ser seu
sócio e ambos compraram o cinema. A firma chamava-se “Gomes
e Lucrécio”.
A primeira noite foi de graça para todos e eu, com mais ou
menos 6 anos, fui também. Ao final, vi meu pai fechando as
portas e perguntei se ele era empregado de lá. Disse-me que
era o dono.
Na ocasião, o cinema era mudo e havia pessoas que tocavam
os instrumentos: o piano era com Dulce Sarmento, o violão
com Asclepíades Pinto, o bandolim tocado por Ducho.
Meus pais, Manoel Gomes Oliveira e Laura Pereira
dos Santos, meus irmãos,
José Gomes e Osvaldo Gomes e eu, aos dois anos de idade,
em nossa casa,
na Praça Cel. Ribeiro (Álbum de família)
O antigo prédio do Cine-Theatro Montes Claros. (Reprodução
do livro “Album
de Montes Claros”, de Urbino Vianna)
Meu pai, Manoel Gomes de Oliveira.
Nas
cenas de tiroteio, lembro-me que tocavam depressa e nas cenas românticas,
lentamente. O filme do qual ainda me lembro o nome é “O
sol da meia-noite”, com Laura Laplante (não sei a grafia)
– o mocinho da época era Tomix (idem). Sei também
que o meu irmão saía com Evandro Câmara, nosso
vizinho, para distribuir os “porogramas” como eles falavam.
Lembro-me também que certa noite, no cinema, distribuíram
brindes, caixas de pó de arroz “Reny”.
Dentro havia surpresas: brincos, anéis e catitos (bonequinhos
de celulóide). Então, fui para casa com o meu anel.
Dormi. Sonhei que eu havia ganho uma caixinha que, ao abrir, vi
um catito e quando peguei... decepção. Minha mãe
me acordou. “Ô mãe, por que a senhora me acordou?
Eu queria pegar meu catito primeiro”. Ela me disse: “Mira,
foi só um sonho!” Então, Dasdores, esposa do
Cocó, que era comerciante, deu-me um catito de massa com
o qual brinquei muito.
O meu padrinho Aristides Lucrécio que era primo do meu pai,
faleceu de repente e a parte dele foi adquirida pelo Sr. João
Ferreira Paculdino. A firma passou a chamar-se: “Gomes e Ferreira”.
Depois, meu pai queria mudar-se para Presidente Bernardes –
SP onde morava o seu primo Joãozinho do Sr. Crisauto e vendeu
sua parte para a então viúva do seu ex-sócio
e a firma deles passou a ser conhecida por “Viúva Paculdino
e Filhos.”
O
TELEGRAMA
Paulo Costa
Cadeira Nº83
Patrono: Newton Caetano d’Angelis
O sol queimava a Praça da Matriz, que se chamava, àquela
época, Largo-de-Baixo. Já era março e o calor
no começo da tarde parecia querer espremer e esmagar as pessoas.
A praça estava deserta. No seu lado inferior, salientava-se
um casarão colonial onde funcionavam os “Correios e
Telégrafos”. Pouca gente. Correios e Telégrafos
sempre apareciam juntos, mas funcionavam, ao contrário, sempre
separados. Os Correios com o agente postal e seus estafetas, que
cuidavam de entregar as correspondências e conduzir as malas
postais para as comunidades vizinhas, o que era feito a pé
ou a cavalo; e o telégrafo, com seu telegrafista, um mensageiro
e três guarda-fios.
Passara já do meio dia. O silêncio era total e convidava
mais para uma soneca do que para labutar com parca correspondência.
O telegrafista fechou a linha para Tremedal e, pontualmente, ligou
o morse, dando início ao horário das 14 horas, deixando
que a fita fosse recebendo os sinais. Sentou-se pachorrentamente
noutra mesa com visíveis sinais de preguiça, mantendo,
todavia, os ouvidos atentos ao tim tim tim do aparelho. Estava quase
cochilando quando, de repente, ouviu a sucessão de sinais
que formavam as palavras de uma notícia dolorosa. De um salto,
correu para o morse, apanhou o formulário e começou
a verter os sinais para a linguagem comum de telegrama, mal esperando
que a fita se desenrolasse completamente. Depois fechou a folha,
grampeou-a e foi levar, pessoalmente, ao destinatário, deixando
o mensageiro perplexo, sem entender o que se passava na repartição.
Afinal, em seu pouco tempo de serviço, como mensageiro
do telégrafo, nunca vira o chefe entregar uma mensagem, não
sabendo que a importância da notícia e a pessoa do
destinatário bem justificavam aquele cuidado.
O Coronel Edmundo Blum era uma figura imperturbável. Nada
abalava sua tranqüilidade, salvo, obviamente, os lances mais
emocionantes de sua maior paixão, a política. Era,
por ocasião dos fatos aqui narrados, presidente da Câmara
de Vereadores e, como tal, pelo Regimento das Câmaras Municipais,
então em vigor, cabia-lhe desempenhar o papel de Chefe do
Executivo Municipal, o cargo mais importante da administração
dos municípios, correspondente, hoje, ao cargo de prefeito.
Fora ele deputado à Assembléia Legislativa por quatro
legislaturas e, como representante do distrito eleitoral, com sede
em Rio Pardo, era muito estimado e respeitado pelo povo.
Quando o telegrafista surgiu no lado inferior do Largo-de-Cima,
rumando em direção ao sobrado onde residia o Coronel,
este percebeu logo que havia algo anormal, algum fato, alguma novidade...
O passo apressado do telegrafista o denunciava e informava que,
com toda certeza, trazia alguma mensagem importante.
O Coronel aguardou impassível, caminhando de uma extremidade
a outra do passeio. Era costume colocar algumas cadeiras
na calçada em frente ao sobrado, aonde vinham cavaquear todas
as tardes os amigos envoltos em longas discussões. Entretanto,
conforme certificara o coronel, a sombra da tarde em frente ao prédio
ainda não convidava à colocação dos
assentos. Caminhava, pois, para lá e para cá, na sombra
estreita projetada pelo beiral, quando o telegrafista, com respeitoso
mas apressado cumprimento, entregou-lhe a mensagem.
O Coronel abriu o telegrama calmamente. Leu-o e releu-o sem dizer
nada. O funcionário aguardava qualquer reação,
porém conhecia o Chefe do Executivo muito bem. Continuou
esperando. Afinal, o Presidente da Câmara nem lhe dera, ainda,
recibo da mensagem, o que justificava a espera sem se fazer passar
por abelhudo.
O Coronel deu mais uma ou duas voltas na calçada e disse
simplesmente:
- Uma perda irreparável!
E repetiu:
- Uma perda irreparável!
O telegrafista tomou ares de decepcionado, mas concordou, repetindo,
em tom mais baixo, como que demonstrando sua solidariedade na dor
do Coronel:
- De fato, uma perda irreparável!
Depois, despediu-se respeitosamente e saiu, desculpando-se por precisar
voltar para completar o horário das duas e desligar o morse,
dando linha para Tremedal, se houvesse solicitação.
O Coronel continuou caminhando no passeio, com as mãos nas
costas, segurando a mensagem, meditativo. De súbito, como
quem decidiu por uma determinada idéia, conferiu a hora no
relógio de bolso dependurado por imensa corrente de ouro
atracada num botão do colete, seguiu a passos firmes mas
graves, rumo ao Sobradão, na extremidade norte da praça,
onde funcionava o fórum da comarca, servindo também
de residência do Juiz de Direito. Era uma construção
sólida, majestosa, de amplas dependências. Na parte
superior, três cômodos davam para a sala. Um servia
de escritório, outro de biblioteca, outro de arquivo, onde
se guardavam autos processuais e montanhas de publicações,
especialmente o “Minas Gerais” e algum número
avulso do Osservatore Romano, gentileza do padre Horácio
Giraldi. A sala, enorme, clareada por três janelas grandes,
altas, como se fossem portas, protegidas até meia-altura
por gradil de ferro fundido, com molduras, e que abriam a vista
para o vale do Rio Preto, se juntando com o Rio Pardo, lá
em baixo, servia de sala de audiência. Das janelas se via,
perfeitamente, em toda sua extensão, a pontegrande atravessando
o Rio Preto e prosseguindo pela baixada. Fora construído
o edifício pelo Coronel José Trancoso, de São
João do Paraíso, nos últimos anos do século
19, por ocasião de sua designação para as honoráveis
funções de Coronel Comandante da Guarda Nacional.
Ninguém recebia patente alguma sem sua assinatura em conjunto
com o Ministro da Guerra e o Presidente da República, na
vastíssima área sob sua jurisdição.
Ninguém na sala de audiências, exceto o juiz e um oficial
de justiça. O visitante subiu as escadas e entrou para o
salão. Não era raro ele aparecer por lá, de
modo que não causou estranheza ao juiz aquela presença
inesperada do Presidente do Conselho.
Não demorou a entrar no assunto que o levara à presença
do juiz.
- Dr. Cantídio, - disse na voz metálica que emitia
quando queria introduzir um discurso – trago-lhe má
notícia!
Repetiu,
estridente:
- Má notícia!
Ato contínuo, passou a folha do telegrama ao juiz e aguardou,
sem se assentar. O Dr. Cantídio recebeu o telegrama, tirou
os óculos para ler melhor, como costumava fazer. Leu e releu,
emocionado. Exclamou, como com um nó na garganta:
- Uma grande perda! Uma grande perda!
Sem perder tempo, chamou, com energia, o oficial de justiça
e ordenou:
- Vá, às pressas, dizer ao dr. Coutinho que faça
a gentileza de comparecer, às 4:30 horas à sala de
audiências.
Mandou, ainda, ao oficial Boaventura, que além do Promotor
de Justiça, dr. Alfredo Coutinho, convidasse, também,
o Delegado de Polícia, o Juiz de Paz, o Inspetor Escolar,
o Avaliador Judicial, o Vigário Paroquial, Pe. Horácio
Giraldi, o Pastor Presbiteriano, dr. Alexander, o compadre Alfredo
Costa... estavam todos convidados para uma audiência especial
designada para as 4:30 da tarde.
Meia hora antes já estavam começando a chegar as pessoas
que haviam sido convidadas, instigadas não só pela
honra de serem convidadas para alguma solenidade mas, igualmente,
pela curiosidade, uma vez que ainda não sabiam qual era,
de fato, o motivo da audiência que deveria realizar-se em
tão curto espaço de tempo. Dessa forma, acrescido
por curiosos, formou-se um considerável grupo de pessoas,
nas suas melhores indumentárias.
Pontualmente, às 16:30 horas, o juiz mandou ao oficial de
justiça que fizesse o pregão da audiência. Boaventura
tomou a sineta
e tocou três vezes, enquanto apregoava, alto, bem distintamente:
“Audiência especial de Sua Excelência o Meritíssimo
Juiz de Direito da Comarca de Rio Pardo, dr. José Cantídio
de Freitas, de leitura e publicação de telegrama”.
Feito o pregão, o juiz deu por aberta a audiência,
esclarecendo, em breve alocução, que era dever cívico
das sociedades civilizadas registrar em atas de audiências
e inscrever em livros próprios, como forma de propiciar a
construção da história, todos os fatos notórios,
os acontecimentos relevantes, os feitos gloriosos dos heróis,
o reconhecimento público dos benfeitores, as descobertas
científicas, os prodígios dos santos, da mesma forma
como cumpre repudiar e execrar-se, publicamente, tudo que for contrário
às leis e aos bons costumes, e encerrou, inquirindo, pateticamente,
de como não seria pobre a cultura ocidental sem as inscrições
e os registros dos romanos. “Imagine”, - acrescentou
– .Imagine o cristianismo sem os Atos dos Apóstolos”;
imagine a descoberta do Brasil sem a carta de Pero Vaz de Caminha!”
O salão explodiu em “palmas”, acompanhadas de
gritos de “muito bem”, “muito bem”. Acrescentou,
em seguida, que desejava registrar em ata para constar para a posteridade
um fato extremamente doloroso. Fez-se uma pausa. A ansiedade parecia
aumentar com o silêncio que reinava no ambiente.
Ninguém ousava respirar, os olhos pregados no juiz, envergando,
impecavelmente, um fraque preto, salientando a alvura do colarinho
de pontas engomadas e levantadas. Nesse momento, sacou o telegrama
do bolso do colete, tirou os óculos e leu, solene e pausadamente:
“ Belo Horizonte, 2 de março de 1923, 10 horas.
Ao Coronel Edmundo Blum, digníssimo presidente da Câmara
Municipal de Rio Pardo. Comunico Vossa Excelência falecimento
senador Rui Barbosa ocorrido ontem vg em Petrópolis pt.
Decretei luto oficial por 3 dias
pt. Peço divulgar infausta notícia vg promovendo
reuniões cívicas em escolas e Câmara Municipal
pt. Saudações republicanas pt. Fernando de Melo
Viana vg Governador do Estado pt”
Discurso
acadêmico
O ESTREITO CAMINHO DE UMA ACADEMIA
Petrônio Braz
Cadeira Nº18
Patrono: Basiliano Braz
Não foi sem ausência de obstáculos, que necessariamente
existem, que a convite da escritora Amelina Chaves apresentei-me
como candidato a uma Cadeira na Academia Montesclarense de Letras.
O voto aprovador dos acadêmicos, amigos uns, conhecidos outros,
todos grandes no campo das letras, permitiu-me transpor os umbrais
da Casa de Yvonne Silveira.
Observa Fábio Lucas, da Academia Mineira de Letras, que “a
Academia não é mais o caminho necessário de
quem deseje cumprir a vocação e o destino de escritor.
Minha formação espiritual, ideológica, consolidou
em mim a convicção de que o homem das letras deve
participar. Ninguém é o senhor de um destino quando
procura as comodidades ilusórias do isolamento”.
Não desejo o isolamento, mas a participação,
daí porque resolvi, como devem fazer todos os amantes das
letras em nossa região, passar pelo estreito e disputado
caminho da Academia Montesclarense de Letras.
Sabe-se
que o nome Academia teve origem na escola fundada por Platão,
na Grécia clássica, que funcionava nos jardins da
residência, que havia pertencido a Academus. Sabe-se, também,
que ao contrário da Escola de Isócrates, onde o conhecimento
se reduzia ao repassar do saber, na Escola de Platão, em
presença da dialética socrática, os seus freqüentadores
iam ao encontro do conhecimento pelo questionamento, pela busca
do esclarecimento, criando novos saberes, que geravam novas discussões.
Dentro desse posicionamento, quando o Ocidente se debruçou
sobre a cultura grega, teve origem na França, em 1620, a
Académie de France, fundada por iniciativa do Cardeal Richelieu.
Em 1897 é criada, no Brasil, a Academia Brasileira de Letras
e, na sua esteira, inúmeras Academias foram sendo criadas
pelo interior do País, nascendo, em 1909, a Academia Mineira
de Letras.
Em 13 de setembro de 1966, uma plêiade de personalidades ilustres,
intelectuais iluminados, que navegavam pelas águas claras
e transparentes da literatura, entre eles Alfredo Vianna de Góes,
Antônio Augusto Veloso, José Raimundo Neto, Padre Joaquim
Cesário, Geraldo Avelar, João Valle Maurício,
Hermes de Paula, Maria Ribeiro Pires, Orlando Ferreira Lima, Heloisa
Neto Castro, Francisco José Pereira, Avay Miranda, fundaram
e instalaram em Montes Claros a Academia Montesclarense de Letras,
importante sodalício norte-mineiro, que conta com quarenta
membros, a exemplo da Academia francesa.
Os fundadores da Academia Montesclarense de Letras, em um ato de
fé, firmaram disposições iniciais vinculadas
ao propósito de fixar neste Norte um espaço voltado
para a intelectualidade. Por esta razão, senhoras e senhores
Acadêmicos, preocupa- me a aculturada visão do ser
humano civilizado de nossos tempos com os bens materiais, em detrimento
da busca racional do conhecimento de tudo que se encontra ao seu
redor.
Eça de Queirós em “Prefácio dos «Azulejos»
do Conde de Arnoso” sentenciou: “A arte é tudo
- todo o resto é nada. Só um
livro é capaz de fazer a eternidade de um povo. Leónidas
ou Péricles não bastariam para que a velha Grécia
ainda vivesse, nova e radiosa, nos nossos espíritos: foi-lhe
preciso ter Aristófanes e Ésquilo. Tudo é efémero
e oco nas sociedades - sobretudo o que nelas mais nos deslumbra.
Podes-me tu dizer quem foram, no tempo de Shakespeare, os grandes
banqueiros e as formosas mulheres? Onde estão os sacos de
ouro deles e o rolar do seu luxo? Onde estão os olhos claros
delas? Onde estão as rosas de York que floriram então?
Mas Shakespeare está realmente tão vivo como quando,
no estreito tablado do Globe, ele dependurava a lanterna que devia
ser a Lua, triste e amorosamente invocada, alumiando o jardim dos
Capuletos. Está vivo de uma vida melhor, porque o seu espírito
fulge com um sereno e contínuo esplendor, sem que o perturbem
mais as humilhantes misérias da carne!”
Sócrates, na defesa apresentada em seu julgamento, afirmou
que “enquanto tiver um sopro de vida, enquanto me restar um
pouco de energia, não deixarei de filosofar e de vos advertir
e aconselhar, a qualquer de vós que eu encontre. Dir-vos-ei,
segundo o meu costume: Meu caro amigo, és ateniense, natural
de uma cidade que é a maior e a mais afamada pela sabedoria
e pelo poder, e não te envergonhas de só cuidares
de riquezas e dos meios de as aumentares o mais que puderes, de
só pensares em glória e honras, sem a mínima
preocupação com o que há em ti de racional?
E, se algum de vós me replicar que com tudo isso se preocupa,
não o largarei imediatamente, não irei logo embora,
mas interrogá-lo-ei, analisarei e refutarei as suas opiniões
e, se chegar à conclusão de que não possui
a virtude, embora o afirme, censurá-lo-ei de ter em tão
pouca conta as coisas mais preciosas e prezar tanto as mais desprezíveis”.
Porque buscava a razão, a verdade de todas as coisas, a Academia
de Platão foi fechada, novecentos anos depois de sua fundação,
pelo imperador bizantino Justiniano I, por considerar que ela administrava
ensinamentos pagãos.
Nos
tempos atuais, as nossas escolas, as nossas faculdades, as nossas
universidades, como ocorria com a Escola de Isócrates, reduzem
os ensinamentos ao simples repassar do saber conhecido. Nelas não
ocorre a perquirição, a busca de novos conhecimentos.
Nossas escolas não chegam sequer a transmitir os conhecimentos
existentes, pecam pela omissão construtiva de uma nova sociedade
de homens. Não ensinam a pensar.
Na Era da Globalização, via Internet, as informações
deixaram de ser um privilégio de poucos para se transformar
em um direito de todos. Informar é hoje um direito universalizado
e a comunicação está se individualizando através
dos blogs e das redes sociais como Orkut, MySpace e Facebook. O
computador transformou-se em uma importante ferramenta para estudantes
e profissionais de todas as áreas. O e-mail está substituindo
as cartas e o site está levando o estudante a desprezar os
livros. Mas o computador não ensina a pensar.
É importante ser lembrado e ressaltado que a Academia de
Platão não era apenas um grupo de membros de intelectualidade
avançada. Ali ele não era o chefe, o sábio
dos sábios, ao contrário, a Escola, como assim era
chamada a Academia, era uma comunidade de iguais, de estudiosos,
mesmo quando se tinha o grande mestre como o “primeiro entre
iguais”. Nela os membros eram unidos pela amizade, por um
forte vínculo afetivo e é isto o que ocorre, para
felicidade nossa, com a Academia Montesclarense de Letras, onde
a amizade une a todos pelo espírito, pelas virtudes e pelas
idéias. Aqui, pelo que se observa, a igualdade leva à
unidade, um corpo organizado que congrega os conhecimentos maiores
da terra dos Figueiras.
Não
preciso dizer, por desnecessário, da grande satisfação
de que me encontro possuído, de ingressar no quadro seleto
de membro efetivo desta Casa do Conhecimento. Pesa sobre meus ombros
o compromisso de ocupar a Cadeira nº 25, como sucessor de Geraldo
Tito Silveira.
Curvo-me
reverente ao falar de Geraldo Tito Silveira, não apenas do
coronel, mas principalmente do literato. O coronel honrou a Polícia
Militar mineira; o literato dignificou a aldeia montes-clarense
com suas obras de repercussão nacional.
Declara o coronel Antônio de Pádua Falcão, em
1966, então Comandante Geral da Polícia Militar do
Estado, que os ledores ocasionais dos livros de Geraldo Tito Silveira
“com ele ficam impressionados ao primeiro contato, como no
meio daqueles que se dedicam às pesquisas históricas
da terra mineira”.
Lendo “Tocaia de Bugres” nos identificamos com os fatos
ocorridos em 6 de fevereiro de 1930, na Praça Dr. João
Alves, envolvendo a caravana do Dr. Fernando de Melo Viana e verificamos
não serem verídicas as informações do
envolvimento de D. Tiburtina como mandante do episódio.
Em “Memórias de Cláudia Prócula”
o historiador montesclarense alça vôos nos campos da
história universal para ir buscar as memórias da mulher
de Pôncio Pilatos.
Nas páginas de “O Quarto Mosqueteiro”, que eu
deveria ter lido antes de concluir o meu livro “Serrano de
Pilão Arcado – A saga de Antônio Dó”,
ele traça o perfil do coronel Otávio Campos do Amaral,
que comandou uma das patrulhas que combateram Antônio Do,
nas duas primeiras décadas do século passado.
Sem sombra de dúvidas o historiador Geraldo Tito Silveira,
através de um trabalho sério de pesquisas, nos legou
valiosa contribuição à história. A Cadeira
nº 25, que ele dignificou e que tenho a honra de ocupar agora,
tem como patrono o cônego Augusto Prudêncio da Silva,
montes-clarense de nascimento. O cônego Augusto Prudêncio
da Silva ingressou no Seminário de Diamantina aos 12 anos,
tendo sido ordenado aos 25 anos, regressando a Montes Claros para
substituir o vigário Antônio Augusto Alkimim. O mesmo
prelado que tempos antes havia sido pároco
na freguesia de São José das Pedras dos Angicos, hoje
cidade de São Francisco.
Com a proclamação da República e a separação
da Igreja do Estado, os padres passaram a atuar de forma ativa nas
lides políticas e o padre Augusto Prudêncio da Silva
não fugiu à regra, tanto que se elegeu presidente
da Câmara Municipal da terra dos Figueiras, cargo que exerceu
de 1901 a 1904. Ele ocupou por algum tempo a diretoria da Escola
Normal de Montes Claros, mas já em 1904 era transferido para
São Gonçalo do Brejo das Almas, então distrito
de Montes Claros. Foi vigário de Coração de
Jesus, mas retornou ao Brejo e ali exerceu atividades políticas.
Foi amigo inseparável do coronel Jacinto Silveira.
Augusto Prudêncio da Silva e Geraldo Tito Silveira são
imortais.
José Luís Lira em “Imortalidade Literária”,
artigo publicado no jornal “O Povo”, lembra que a palavra
imortal, de acordo com o lexicógrafo Aurélio Buarque
de Holanda quer dizer “que não morre; eterno, imorredouro”.
Ao ser humano tal hipótese é impossível, mas,
às suas facetas, não. Afirma José Lira que
“pode um homem morrer e as ações por ele empreendidas
permanecerem. Por isso nos dizem imortais os que pertencemos a uma
Academia de Letras. Nós todos morreremos um dia, mas, o que
produzimos em termos literários permanecerá ou, pelo
menos, nosso nome, pois, todas as vezes que houver sucessão
nas cadeiras que ocupamos, seremos lembrados”.
Senhoras e Senhores Acadêmicos.
Senhoras e Senhores Convidados.
Mesmo sem explicações, eu quero enumerar sete razões
para justificar a minha posse, hoje, na Academia Montesclarense
de Letras: a amizade de Amelina Chaves, o respeito à cultura
montes-clarense,
a consideração pela presidente Yvonne Silveira, o
respeito aos acadêmicos Wanderlino Arruda e Dário Teixeira
Cotrim, a submissão à vontade manifesta da maioria
dos ilustrados membros da Academia, a necessidade de aprender com
os mestres que compõem o corpo efetivo desta Casa e minha
vinculação afetiva à terra dos montes claros.
Por que sete razões? Não posso negar que tenho uma
vocação mística pelo número sete. Mística
por mera contemplação espiritual, sem me afastar dos
objetivos maiores da razão. Sete é o número
da preferência divina. Sete são os pecados capitais;
sete são os dias da semana; sete são as maravilhas
do mundo antigo; sete também são as maravilhas do
mundo moderno; sete eram os sábios da Grécia; sete
foram os dias da criação do mundo; sete foram as quedas
de Jesus em seu caminhar para o Gólgota; foram sete as últimas
palavras que Jesus proferiu na cruz do Calvário; são
sete as notas musicais; sete são as cabeças da Hidra
de Lerna; sete são as trombetas do Apocalipse; eram sete
as vacas e sete as espigas de trigo do sonho do Faraó, desvendado
por José do Egito; sete são os anões de Branca
de Neve; sete são as cores do espectro solar; sete pessoas
foram as únicas que se salvaram juntamente com Noé,
das águas do Dilúvio; sete foram os pães que
Jesus multiplicou; sete foram os anos, como nos lembra Camões,
que Jacó teve que serviu a Labão pai de Raquel; sete
são os palmos com que se mede a profundidade de nossas sepulturas
e, por derradeiro, sete foram as pessoas salvas pelo transplante
de órgãos da menina Eloá.
A Metafísica, quando procura definir o que é real,
o que é natural, o que é sobrenatural; a Parapsicologia,
quando analisa os fenômenos que há séculos intrigam
a humanidade e a Metapsíquica, quando observa os fenômenos
psicológicos, devido a forças que parecem inteligentes,
ou a poderes desconhecidos, latentes na inteligência humana,
analisam o que existe de subjetividade em nosso mundo objetivo.
Alguma coisa existe de concreto na Numerologia, que nos foi trazida
do Egito por Pitágoras.
Não
temos sido capazes, desde o Iluminismo, de esclarecer a subjetividade
presente na objetividade da razão e de explicar as relações
existentes entre os números e a vida humana. Isto serve para
que possamos reconhecer que o ser humano ainda é incapaz
de conhecer a si mesmo. Com todos os conhecimentos científicos
que julgamos possuir, ainda não conhecemos cinco por cento
do Universo, assim como desconhecemos o nosso próprio cérebro.
Todavia nos qualificamos como seres pensantes.
E, porque pensamos, somos seres humanos evoluídos ou criados,
presentes nesta hora em que, na minha individualidade, sinto-me
integrado a esse conjunto homogêneo de cultura, que é
a Academia Montesclarense de Letras.
Prezadas amigas.
Prezados amigos.
Passo os olhos pelos presentes e orgulho-me dos amigos que aqui
se encontram. Mas a minha satisfação se completa quando
vislumbro entre os amigos meus filhos, netos e bisnetos. Eles, os
filhos, os netos e os bisnetos, para me servir de um poema de Olyntho
da Silveira, são “o Universo em mim, na pouca vida
que me resta ainda”.
Muito obrigado.
CACHAÇA
DE SALINAS: HISTÓRIA,
CULTURA E AGRONEGÓCIO
Roberto Carlos Morais Santiago
Cadeira N. 44
Patrono: Heloísa Veloso Anjos Sarmento
Anísio Santiago, Amorycana, Artista, Asa Branca,
Baluarte, Bandarra, Beleza de Minas, Beija-Flor, Biquinha, Boazinha,
Brinco de Prata, Brinco de Ouro, Cachoeira, Cana de Ouro, Canardente,
Canarinha,Contendas, Cubana, Erva Doce, Estrela do Norte, Flor
de Salinas, Fortaleza, Furadinha, Havana, Hanavilhana, Indaiazinha,
Indiana, Java, Lua Cheia, Lua Nova, Meia Lua, Montana, Monte
Alto, Nativa, Paladar, Peladinha, Piragibana, Preciosa, Pulusinha,
Puricana, Sabiá, Sabor de Minas,Sabor de Salinas, Sabinosa,
Saliboa, Salicana, Salimel, Salinas, Salineira, Salinense, Saliníssima,
Salivana, Seleta, Serra Morena, Só Luar, Teixeirinha,
Terra de Ouro, Valiosa
O agronegócio da cachaça desempenha importante papel
na estruturação de milhares de propriedades rurais
em Minas Gerais. Levantamento estatístico realizado pelo
IBGE em 1985 identificou a existência de cerca de 8.500 alambiques
no território mineiro. Regionalmente, os alambiques concentram-se
principalmente nas mesorregiões Norte de Minas (30%), Jequitinhonha
(18%) e Rio Doce (14%), economicamente carentes. As três mesorregiões
possuem mais de 4 mil alambiques.
Salinas,
principal município produtor de cachaça em Minas Gerais
na atualidade, possui área geográfica atual de 1.891,33
quilômetros quadrados. Localiza-se na mesorregião Norte
de Minas, na microrregião do Alto Rio Pardo. Pertence à
bacia hidrográfica do rio Jequitinhonha. A sua população
atual é de 38 mil habitantes (Censo 2008). Figura como um
dos mais prósperos municípios da região norte-mineira
e tem a sua economia baseada na agropecuária, comércio
e produção de cachaça artesanal.
Na atividade econômica de produção de cachaça,
possui cerca de trinta produtores registrados. A produção
atual estimada é de cerca de cinco milhões de litros,
sendo comercializada sob mais de cinqüenta marcas. Porém,
estima-se que mais de uma centena de produtores não registrados
(informais) produzem “pinga solta”, sem registro e rótulo.
A cachaça de Salinas é um produto tipicamente rural.
Os alambiques espalhados no município estão localizados
em propriedades rurais, utilizando-se a cana-de-açúcar
por elas produzidas. O porte dos alambiques e o volume de produção
estão limitados aos recursos disponíveis na propriedade
rural. Pode-se afirmar que o modus operandi rural é a personalidade
mais marcante da bebida produzida no município.
O aumento do consumo de cachaça artesanal no Brasil, ao longo
dos últimos anos, tem provocado a expansão da produção
e o surgimento de novas marcas no município. A principal
característica da região de Salinas para a produção
de cachaça é a uniformidade do solo e do clima semi-árido.
O município apresenta baixo índice pluviométrico,
com uma média anual em torno de 700 mm de chuvas. Costuma
chover de novembro a março, época ideal para o plantio
da cana-de-açúcar. No período da colheita,
entre junho e novembro, as águas não são bem
vindas.
O solo, o clima semi-árido, a utilização de
variedades de cana-de-açúcar apropriadas, a utilização
de fermento orgânico natural,
a obsessiva higiene dos alambiques e a tradição dos
produtores são fatores que vem fazendo diferença no
processo de produção de cachaça artesanal em
Salinas. Surgida na década de 1930, a principal variedade
de cana utilizada no município é a java, que se adaptou
muito bem ao solo e ao clima da região, embora outras variedades
já estejam sendo implantadas com sucesso.
Segundo a consultora e extensionista salinense Patrícia Guimarães:
“O solo e o clima diferenciados respondem pela superioridade
da cachaça de Salinas. As condições naturais
favorecem para que tenhamos uma melhor fermentação.
Além disso, existe aqui uma estabilização do
brix (açúcar) da cana, devido ao clima semi-árido
da região”.
A produção de cachaça artesanal no município
iniciou-se no final do século XIX, seguindo os rastros da
atividade pecuária. Os primeiros rebanhos bovinos de Salinas
vieram da Bahia, por ocasião do povoamento da região,
no século XVII.
Em 1876, fugindo da seca na região de Caculé, Bahia,
o agricultor Balduíno Afonso dos Santos chegou à região
e se instalou no atual distrito de Nova Matrona. Às margens
do rio Serra Ginete, criou a Fazenda Santa Cruz. Ali ergueu uma
casa de taipa de sopapo, construiu curral, casa de farinha e paióis.
Mais: plantou mudas de cana-de-açúcar “caiana”
que trouxera da Bahia. Passou a produzir cachaça para consumo
próprio e de escravos, pois a bebida, naquela época,
não tinha grande valor comercial.
No início do século XX, já havia alguma produção
e comércio de cachaça no município. Na década
de 1930, o fazendeiro João da Costa Fernandes trouxe da cidade
mineira de Viçosa a variedade de cana “java”.
Esta variedade se adaptou muito bem
ao clima e solo e em pouco tempo se espalhou na região de
Salinas. Alguns produtores obtinham renda extra com a venda para
comerciantes locais, na sua maioria tropeiros que faziam
distribuição de produtos diversos pelas cidades e
povoados da região. Mas não havia marca que identificasse
a bebida. Toda a produção era comercializada em barris.
As boas perspectivas econômicas para o processo de fabricação
de cachaça em Salinas tiveram início a partir da década
de 1940, por meio do fazendeiro Anísio Santiago, que iniciou
produção de cachaça artesanal na Fazenda Havana.
Foi o primeiro produtor de cachaça de Salinas a identificar
o seu produto através de uma marca: Havana.
Desde
os primórdios da produção, a cachaça
produzida por Anísio Santiago se destacou pela qualidade
e por isso sempre teve boa demanda. A experiência positiva
de Anísio Santiago propiciou o surgimento de novos produtores
na década de 1950, que viam na atividade uma alternativa
de renda viável. Iniciava-se em Salinas
uma nova atividade econômica que iria mudar todo o panorama
econômico do município: o agronegócio da cachaça.
Até meados da década de 1970, havia poucos marcas
de destaque: a Havana, do produtor Anísio Santiago, a Indaiazinha,
do produtor Valdete Romualdo, a Piragibana, do produtor Ney Corrêa,
a Seleta, do produtor Miguelzinho de Almeida e Sabiá, do
produtor Juca Marcolino, dentre outras. São marcas que ajudaram
a construir a reputação de Salinas. Algumas marcas
mudaram de mãos, como a Piragibana e a Seleta.
Historicamente, a marca Havana se firmou como referência para
que outras marcas surgissem a partir da década de 1970, tais
como: Asa Branca, Boazinha, Lua Cheia, Pulusinha, Salinense, Teixeirinha,
dentre outras, todas seguindo a trilha deixada pelo pioneiro Anísio
Santiago. Algumas dessas marcas não existem mais, enquanto
outras ainda permanecem no mercado e se tornaram tradicionais.
Desde o surgimento da atividade de produção de cachaça
até os tempos atuais, os produtores seguem todas as etapas
do modo artesanal de produção, impondo uma lógica
de produção peculiar no município, resistindo
às mudanças tecnológicas que foram surgindo
ao longo do tempo, alcançando um padrão de qualidade
já reconhecido por consumidores em todo o país e no
exterior. Pode-se afirmar que as marcas de cachaça de Salinas
são as mais famosas do Brasil e possuem demanda cativa.
O aumento da produção verificado no últimos
anos deve-se ao aumento da demanda pelo produto. A maioria dos produtores
possuem estrutura de produção inferior a cinquenta
mil litros por safra que é sazonal. Poucos produtores possuem
grande escala de produção. Pode-se citar dois grandes
produtores que, aliás, são os maiores do estado: o
produtor Antônio Eustáquio Rodrigues, que comercializa
as marcas Boazinha, Saliboa e Seleta. Outro grande produtor é
Heleno Medrado Fernandes, que comercializa a marca Salinas.
O
interessante é que, até meados da década de
1960, o município de Januária, localizado às
margens do rio São Fancisco, foi o grande produtor regional
da cachaça artesanal do Norte de Minas. Até então,
a cachaça de Januária gozava de alto conceito entre
os apreciadores em todo o país.
Verena Glass, em reportagem publicada no Jornal de Notícias,
de Montes Claros, aborda com muita propriedade os motivos da decadência
da qualidade da cachaça de Januária:
“O alto conceito que a cachaça de Januária gozava
entre os apreciadores de aguardente em todo o país duraria
até meados da década de 1960, quando a ganância,
inerente ao lucro fácil, começou a corroer as estruturas
do seu reinado. Duas são as versões que explicam o
acontecido. Há os que afirmam que o sucesso econômico
do produto acabou por estimular as falsificações,
bebidas de terceira categoria que destruíram a boa imagem
da legítima Januária. Já outros creditam a
decadência às engarrafadoras mesmo, que, para aumentar
o volume da produção, teriam começado a comprar
cachaça industrializada de outros estados para misturá-la
ao produto
local. Tal adulteração, dizem, não só
custou a credibilidade da cachaça de Januária, como
desencadeou o processo de decadência que viria a fechar várias
indústrias de engarrafamento, bem como dos centenários
alambiques”. (Jornal de Notícias, Montes Claros, 24
out. 2004, pag. 7).
Com a lacuna deixada pelos produtores de Januária, o município
de Salinas foi aos poucos despontando no mercado regional e nacional.
Em 1985, a produção de cachaça era estimada
em cerca de 200 mil litros. Quinze anos depois, em 2000, a produção
saltou para cerca de um 1,5 milhão de litros. Na safra de
2007, estima-se que a produção atingiu 5 milhões
de litros, segundo a Associação de Produtores de Cachaça
de Salinas (Apacs).
O ICMS, imposto de competência estadual sobre circulação
de mercadorias, é excelente instrumento para mensurar o nível
da atividade econômica no município.
ARRECADAÇÃO
DE ICMS PRODUÇÃO DE CACHAÇA
EM MINAS GERAIS E SALINAS
(VALORES CORRENTES EM R$) |
Ano |
MINAS
GERAIS |
SALINAS |
REL.
% |
2007 |
R$
2.283.684,31 |
R$
1.042.286,78 |
45,64% |
2006 |
R$
1.494.687,37 |
R$
693.638,12 |
46,41% |
2005 |
R$
1.242.512,91 |
R$
196.526,96 |
15,82% |
2004 |
R$
1.173.933,26 |
R$
100.885,99 |
8,59% |
2003 |
R$
836.601,67 |
R$
81.393,76 |
9,73% |
2002 |
R$
759.278,91 |
R$
81.940,55 |
10,79% |
2001 |
R$
624.053,19 |
R$
72.869,01 |
11,68% |
2000 |
R$
635.220,70 |
R$
45.687,42 |
7,19% |
FONTE:
INTRANET.FAZENDA.MG.GOV.BR/SIEF
Em
2000, a tabela acima demonstra que Salinas teve pequena participação
na arrecadação de ICMS do setor com apenas 7,19%.
Em 2005, a participação saltou para 15,82%. Nos últimos
dois anos, 2006 e 2007, a participação atingiu 46,41%
e 45,64%, respectivamente.
Isso representa quase metade da arrecadação de ICMS
no setor em todo o território mineiro.
Os dados acima são reveladores. Constatam que o agronegócio
da cachaça no município já é uma realidade
e já desponta como segunda atividade econômica, sendo
superada apenas pelo comércio. Novamente, a arrecadação
de ICMS confirma tal afirmativa. A tabela abaixo faz correlação
do ICMS total arrecadado no município com o ICMS oriundo
da cachaça.
ARRECADAÇÃO
DE ICMS NO MUNICÍPIO DE SALINAS
(Valores correntes em R$) |
Ano |
ICMS
TOTAL (1) |
ICMS
CACHAÇA |
REL.
% |
2007 |
R$
2.644.089,10 |
R$
1.042.286,78 |
39,42% |
2006 |
R$
2.197.588,47 |
R$
693.638,12 |
31,56% |
2005 |
R$
2.294.013,85 |
R$
196.526,96 |
8,57% |
2004 |
R$
1.740.743,36 |
R$
100.885,99 |
5,80% |
2003 |
R$
1.605.423,23 |
R$
81.393,76 |
5,07% |
2002 |
R$
1.608.731,76 |
R$
81.940,55 |
5,09% |
2001 |
R$
1.488.948,85 |
R$
72.869,01 |
4,89% |
2000 |
R$
1.111.381,48 |
R$
45.687,42 |
4,11% |
Fonte:
intranet.fazenda.mg.gov.br/sief
Nota: (1) ICMS principal, exceto multa, juros e dívida ativa.
Em
2000, o setor de cachaça contribuiu somente com 4,11% do
ICMS arrecadado. Em 2006 e 2007, a contribuição do
setor saltou para 31,56% e 39,42%, respectivamente, demonstrando
espetacular salto no montante global de ICMS arrecadado. O fato
evidencia que o setor produtivo de cachaça participa com
mais de um terço de toda a cadeia econômia do município.
Salinas vem sendo dotada de estrutura produtiva que permite a expansão
da cadeia produtiva sem contudo perder a qualidade do produto. Evidentemente
que cada produtor estabelece o seu padrão de qualidade. De
uma maneira geral, estão conscientes da necessidade de manter
determinado padrão de qualidade.
Quanto
menor a escala de produção, maior é a possibilidade
de manter a qualidade. Que o digam as marcas Havana-Anísio
Santiago, Canarinha, Indaiazinha, Salineira, dentre outras.
Antônio Eustáquio Rodrigues, maior produtor de Salinas
e Minas Gerais, sob as marcas Boazinha, Saliboa e Seleta, diz que:
“Uma cachaça começa a ficar boa ainda na terra,
onde a cana é cortada. Depois, é necessário
muito cuidado com a fermentação e com o envelhecimento.
Faço o que gosto e confio no produto que vendo. Além
disso, tenho bons vendedores.”
Juventino de Queiroz, antigo produtor da marca Asa Branca, ratifica
as palavras de Antônio Eustáquio Rodrigues, mas acrescenta
um ingrediente a mais: a limpeza. Para ele “O alambique deve
estar muito bem lavado, livre de impurezas”.
Já o tradicional produtor Anísio Santiago (1912-2002)
sempre dizia que o segredo de uma boa cachaça está
no “capricho e falta de usura. O envelhecimento é fator
primordial para garantir a qualidade”.
Osvaldo Santiago, filho e atual sucessor de Anísio Santiago,
diz que “O produtor que tem paciência e deixa a cachaça
envelhecer consegue um produto diferenciado e com maior valor agregado
no mercado”.
Independente da escala de produção individual de cada
produtor, percebe-se o compromisso com a qualidade. Sabem que a
cachaça produzida no município, para continuar sendo
aceita no mercado, precisa ser diferenciada pelo fator qualidade,
quesito indispensável nestes tempos de globalização
em mercado extremamente competitivo que é o da cachaça.
Somente no mercado mineiro existem cerca de novecentas marcas e
mais de cinco mil no mercado brasileiro.
No
agronegócio da cachaça existe a concorrência
perfeita, uma vez que há um elevado número de marcas
disponíveis para um elevado número de consumidores.
Segundo o economista Sandroni (2000:119), “A concorrência
perfeita é um modelo econômico da economia clássica
em que há um grande equilíbrio entre oferta e demanda
de um determinado produto”. No caso da cachaça, o consumidor
pode facilmente substituir uma marca por outra em face do grande
número de marcas disponíveis no mercado. Por isso,
a manutenção da qualidade é vital para a permanência
de determinada marca no mercado, sob pena de ser substituída
pela concorrência pelo consumidor que está sempre atento
a novos produtos.
O grande segredo da cachaça de Salinas está no aspecto
geográfico (clima e solo) do município, na utilização
de variedades de cana apropriadas (principalmente a java), na tradição
e na disciplina dos produtores, cuja concepção de
produção é ainda secular, que pouco mudou desde
1876, quando Balduíno Afonso dos Santos começou produzir
rapadura e cachaça para o consumo próprio e dos escravos
na região de Nova Matrona, distrito de Salinas.
O método de produção pouco mudou até
hoje. É passado de geração para geração.
A estrutura de produção é familiar, seguindo
uma metodologia artesanal. Assim, a “resistência à
mudança” é peça importante na lógica
da produção da cachaça em Salinas, apesar de
terem sido incorporadas novas tecnologias em benefício da
estrutura da produção e da cadeia produtiva.
Outro aspecto positivo do processo produtivo da cachaça,
segundo Oliveira e Ribeiro (2000:9-10), é:
“O destaque na ocupação da mão-de-obra.
Esta importância é maior ainda quando se leva em conta
que a atividade de alambicagem se dá num período em
que os trabalhadores rurais encontram-se ociosos pelo fato de praticamente
não existirem atividades nas lavouras, próprias ou
de terceiros, dado o caráter de cultivo
em sequeiro predominante no município. Normalmente o período
de alambicagem vai de junho a novembro. Portanto, são seis
meses durante o ano em que os alambiqueiros desempenham a importante
função social na ocupação social.”
Com o lançamento do PRÓ-CACHAÇA, pelo governo
mineiro em 1992, o setor produtivo de cachaça artesanal na
região de Salinas ganhou grande impulso, surgindo novas marcas.
Em 2001, foi lançada em Salinas a primeira edição
do Festival Mundial da Cachaça. O evento vem se afirmando
como importante instrumento de marketing na divulgação
do produto local no mercado interno e externo. Os objetivos principais
do evento são: promover a expansão e a divulgação
do agronegócio da cachaça artesanal de Salinas; consolidar
a posição de Salinas como importante região
produtora de cachaça no cenário nacional; criar painel
de discussões sobre o agronegócio da cachaça
artesanal.
O agronegócio da cachaça artesanal está transformando
a estrutura da economia de Salinas e se firmando como importante
pólo gerador de renda, emprego e divisas ao município.
Ao longo das últimas décadas adquiriu no mercado nacional
e internacional status de bebida de qualidade. Os produtores de
Salinas, conscientes da responsabilidade, não pensam em mudar
a característica artesanal de produção. Pelo
contrário, querem aprimorar o processo sem contudo perder
as suas características originais.
Já existe movimento no sentido de criar em Salinas e nos
municípios adjacentes (Fruta de Leite, Novorizonte, Rio Pardo
de Minas, Rubelita, Santa Cruz de Salinas e Taiobeiras) o certificado
de origem geográfica da cachaça artesanal de qualidade,
a exemplo do que ocorre no norte da Escócia, onde existem
as highlands (terras altas), responsáveis pela produção
dos melhores uísques do mundo e no norte da França,
na região de Champagne, produtora do melhor vinho do planeta.
No
Brasil, no ramo de cachaça, somente o município de
Parati, no Rio de Janeiro, possui o certificado de origem geográfica.
Demarcar a região de Salinas como grande produtora de cachaça
artesanal de qualidade propiciará novos rumos à economia
da região, com forte impacto na geração de
novos investimentos e empregos.
O aspecto artesanal do processo de produção conferiu
a Salinas uma importância ímpar na valorização
da cachaça artesanal brasileira ao longo das últimas
décadas. Poucas cidades brasileiras possuem símbolo
que reflete a economia e a cultura local. Neste aspecto, Salinas
têm a cachaça artesanal como expressão de suas
potencialidades no contexto econômico, social e cultural.
A genuína bebida nacional ali produzida é cada vez
mais cobiçada pela sua qualidade, tradição
e pela variedade de marcas.
O
processo de expansão e diversificação da economia
brasileira ao longo das últimas décadas, conjugado
com o fenômeno da globalização, vem forjando
a incrementação de atividades econômicas e propiciando
a inserção de produtos típicos da cultura do
Brasil no mercado, com forte impacto nas economias locais. Nesse
aspecto, através de diversos fatores como clima, solo, conhecimento
e tradição, Salinas vem promovendo o seu desenvolvimento
sócio-econômico e ocupando espaço no mercado
nacional e internacional através de bebida que expressa parte
da cultura e da identidade brasileira: a cachaça artesanal.
A seguir, alguns depoimentos de especialistas e degustadores sobre
a cachaça de Salinas:
“O pioneirismo do produtor Anísio Santiago firmou a
cachaça artesanal como produto nacional de qualidade, levando
a nossa cultura para várias partes do Brasil e do mundo.
Soube valorizar a cachaça artesanal ao extremo, conquistando
milhares de admiradores. Sinalizou que a cachaça artesanal
de qualidade é um ótimo negócio. A cachaça
Havana é a locomotiva de todas as nossas cachaças
de Salinas” (JOSÉ ANTÔNIO PRATES, prefeito de
Salinas).
“Anísio Santiago, através de um produto de altíssima
qualidade, conseguiu, com mérito, colocar Salinas no cenário
nacional como a mais importante região produtora de cachaça
artesanal do Brasil. Ele é o maior representante de Salinas
no país e no exterior, pois representa a tradição
e a história da cachaça de Salinas” (EILTON
SANTIAGO, produtor da cachaça Canarinha e presidente da Associação
de Produtores de Cachaça de Salinas – Apacs).
“Salinas é referência no Estado de Minas Gerais
e no Brasil na produção de cachaça artesanal,
criando sempre, ou melhor, despertando, o desejo de apreciar a cachaça.
Com isso, difundese a bebida, principalmente, para as classes sociais
acostumadas a degustar destilados ‘estrangeiros’, e
isso fortalece nossos produtos e a nossa cultura” (CLÁUDIO
LUIZ DE SOUZA OLIVEIRA, Sebrae/MG).
“Salinas
é a capital de Minas e do Brasil na produção
de cachaça artesanal de qualidade. No município há
um grande número de produtores da bebida e também
pelas características do solo, clima e variedades de cana
utilizadas que permite produzir um destilado diferenciado. Anísio
Santiago por ter sido o timoneiro da cachaça artesanal de
qualidade, fez com que a auto-estima dos produtores de Salinas se
elevasse e com isso se empenhassem em ter um produto de qualidade
superior” (GERALDO MATOS GUEDES, economista e professor de
economia da Universidade Estadual de Montes Claros – Unimontes).
“É indiscutível a importância de Salinas
para o desenvolvimento do mercado da cachaça no Brasil. A
busca dos produtores da região em desenvolver marcas e produtos
de qualidade diferenciada colocou Minas Gerais na liderança
da produção de cachaça artesanal” (MARIAS
DAS VITÓRIAS CAVALCANTI, Programa Brasileiro de Desenvolvimento
da Cachaça).
“Salinas é referência indiscutível e incontestável
na produção de cachaça artesanal de qualidade
não só de Minas Gerais e do Brasil, mas do mundo.
Já visitei vários países como a Alemanha, Bélgica,
França, Itália e Suíça e constatei que
a cachaça de Salinas é muito apreciada por lá
pelo diferencial da sua qualidade. Quando era parlamentar, fui presenteado
pelo Dr. Élcio, da assessoria parlamentar de Minas Gerais,
com revista norueguesa constando reportagem que afirma que a cachaça
Havana, produzida em Salinas, é considerada uma das ‘cem
maravilhas do mundo’. Com Anísio Santiago, Salinas
ganhou repercussão mundial em face da qualidade da cachaça
Havana, marca pioneira que influenciou no surgimento de inúmeras
marcas de qualidade no município e região” (PÉRICLES
FERREIRA DOS ANJOS, ex-prefeito de Salinas).
“A cachaça produzida em Salinas mantém-se fiel
às tradições, desde o cultivo da cana, destilação
e envelhecimento – processo de fabricação inteiramente
artesanal. A natureza como coadjuvante
neste processo reúne no solo, no clima, na tradição
solar, dentre outros fatores naturais, as condições
ideais para a produção desta bebida. Logicamente que
estas condições, por si só, não bastariam
para se produzir uma boa pinga em Salinas, daí porque o elemento
humano configura-se como de grande importância, uma vez que
dele demandam o conhecimento, a técnica e o saber acumulado
por gerações a fio. Esses atributos que permeiam o
conjunto dos produtores de Salinas na arte de fazer pinga têm
na marca mais famosa – de reconhecimento unânime nacionalmente,
a Havana – sua máxima expressão” (ELIAS
RODRIGUES DE OLIVEIRA, mestre em Administração Rural).
“Salinas vem a ocupar lugar de destaque po seu pioneirismo
na produção de cachaça comprovadamente de qualidade.
Este fato está intimamente relacionado com a fama adquirida
pela cachaça Havana, bem como, pelos inúmeros outros
produtores que , de forma honesta e permanente, preservam a maneira
tradicional de produzir cachaça artesanal. A criação
da Cooperativa dos Produtres de Cachaça de Salinas é
outra atitude louvável que irá proporcionar um crescimento
seguro e harmonioso de produção, sem prejuízo
das qualidades organolépticas tão apreciadas em todo
o Brasil e no exterior” (JOSÉ BONIFÁCIO DOS
SANTOS, presidente da Confraria Clube da Cachaça de Brasília
– DF).
_________________________________________
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
OLIVEIRA, E. R. de. A marvada pinga – produção
de cachaça e desenvolvimento
em Salinas, Norte de Minas. Lavras: UFLA, 2000.
SANDRONI, Paulo. Novíssimo dicionário de economia.
São Paulo: Best Seller, 2000.
SANTIAGO, Roberto Carlos Morais. O Mito da Cachaça Havana-Anísio
Santiago. Belo Horizonte: Cuatiara, 2006.
SEBRAE/MG. Diagnóstico da Cachaça de Minas Gerais.
Belo Horizonte, jul. 2001.
WEIMANN, Erwin. Cachaça: a bebida brasileira. São
Paulo: Teceiro Nome, 2006.
REIVALDO,
A REALIDADE DOS SONHOS
Wanderlino Arruda
Cadeira N. 33
Patrono
Enéas Mineiro de Souza
A maior e mais verdadeira prova de seu amor, Reivaldo, esteve sempre
delineada e aplicada no ato diário de seu viver e conviver.
Uma linda viagem terrena em que você doou, recebeu, compreendeu,
compartilhou, apoiou, aceitou e foi aceito, olhou em torno e dentro
de si mesmo. Sua existência, Reivaldo, foi uma lembrança
sempre presente da infinitude do amor de Deus perante cada manifestação
da natureza: nas flores, nas águas, na dança das folhas,
nos vôos e nos cantos dos passarinhos, nas presenças
e nas manifestações de carinho dentro de casa e no
brilho dos olhos de seus amigos. Sua vida, Reivaldo, foi uma colheita
de esperanças e alegrias, tudo positivo, ambição
só a necessária para as despesas de cada dia. Sua
vida, Reivaldo foi construída nos sonhos e concretizada no
amor. Afinal, a fé sem obras é morta. Qual o proveito
em dizer que tem fé, mas não tem obras? Seu pensamento,
religiosamente ou não, foi o mesmo do apóstolo Tiago.
Não bastava crer, era preciso realizar.
Você nem imagina como foi sempre a minha alegria e o sentimento
da riqueza do amor sempre que visitei você em manhãs
de domingo, casa cheia de olhares vibrantes de toda a sua família,
às vezes do Reinine e até de um ou outro amigo mais
próximo. Todos, mesmo parecendo com os pés na terra,
tinham as cabeças nos sonhos. Quanta dignidade, quanta coerência
no exercício de amor e na certeza de que a vida só
é válida quando vem condimentada com os sabores da
felicidade. Sabe o que foi sempre o mais bonito em você? Nunca
se empolgou com o próprio brilho, nunca se envaideceu da
maravilhosa inteligência que lhe dourou palavras e idéias,
ações e realizações. Ser humano justo,
em todas as horas você inspirou, estimulou, energizou, pessoas
e coisas, proporcionou conforto a tudo que a natureza o rodeou e
pôs no seu contato.
Pensando em você com saudade, lembro-me da Parábola
do Bom Samaritano, daquele viajante que tendo saído de Jerusalém
para Jericó, fora assaltado por ladrões no meio do
caminho, ficando ferido e desfalecido, à beira da estrada,
o que não sensibilizou os dois religiosos que, mesmo vendo
a cena, desfilaram pela outra margem, sem preocupação
ou vocação para o bem servir ou para a fraternidade.
O atendimento foi feito por um passante originário da Samaria,
uma região pobre e nunca considerada pelos importantes da
época. O samaritano limpou-lhe as feridas, aplicou os remédios
de que dispunha, colocou na alimária e seguiu viagem com
ele até um ponto de apoio. Lá, hospedou-o, pagando
as despesas, deu o atendimento complementar e, tendo de logo viajar,
recomendou ao estalajadeiro bem cuidasse dele, prometendo, caso
houvesse novas despesas, pagar-lhe na volta. Neste episódio
há três filosofias: para os ladrões (partidários
da distribuição social), a idéia é de
que “o que é seu é meu”; para os religiosos
(não responsáveis diretos pela violência ocorrida),
“o que é meu é meu e o que é seu é
seu”, o problema é do dono do problema; para o samaritano,
entretanto, sofredor do dia-a-dia, só vale uma decisão
de amor, “o que é meu é seu”. Cito este
relato bíblico, Reivaldo, para lhe dizer que a sua vida foi
efetivamente a de bom samaritano, três quartos de século
de eterna doação. Sua alegria, sua gentileza, seu
conhecimento, seu amor, todos os seus sentimentos
de cidadania e de fraternidade sempre pertenceram às outras
pessoas.
Nobre Reivaldo Canela, os que viveram próximo a você
e todos nós, companheiros e amigos, continuaremos por aqui
vivendo e saudando-o mais do que calorosamente. Você foi sempre
amado e admirado. E árvore plantada com amor nenhum vento
derruba. Nem mesmo num grave momento de despedida.
CONSUL
FERNANDA RAMOS
Wanderlino Arruda
Cadeira N. 33
Patrono Enéas Mineiro de Souza
Segundo Aristóteles, a grandeza não consiste em receber
honras, mas em merecê-las. E conforme Edith Wharton, há
duas maneiras de irradiar a luz: ser a própria fonte de brilho
ou o espelho que a reflete. Grandeza, honra, luz, fonte, espelho,
reflexo, um universo de palavras indicativas de valor e mérito.
Em todas estas idéias e seus significados posso emoldurar
a mulher corajosa e cheia de ideais, que é D. Maria Fernanda
Reis de Brito Ramos, Cônsul Honorária de Portugal no
Norte de Minas, minha amiga e mestra de longo tempo em vários
setores da vida. A mesma D. Fernanda que é capaz de elogiar
sem rodeios ou demonstrar uma inconformidade sem indecisões.
É para esta mulher guerreira, que fazemos uma festa espiritual
em comemoração aos seus oitenta anos, mais do que
bem vividos. Multipliquemos os seus janeiros por meses e dias ou
por horas e minutos, e podemos estar certos de que qualquer medida
de sua existência vem gravada de proveitoso construir, do
muito amar, de um esforço incrível para melhorar a
vida e o viver. Dela mesma
e de muitos. Dona Fernanda é um dínamo sem medida
de voltagem, uma criatura sem limites na busca da perfeição,
exigência própria, exigência com quem estiver
à sua frente ou seu lado. Sempre chuva, nunca neblina, nada
em D. Fernanda é calmaria, nada. Para ela, a vida é
busca incessante do que fazer, do como agir, do assinalar exemplos,
uma corrida olímpica de pistas e de pódios. É
vencer ou vencer!
A Montes Claros já chegou D. Fernanda, jovem esposa de Artur
Loureiro Ramos, para ser grandeza do comércio e da indústria,
vivência e trabalho na Casa Luso Brasileira, centro e coração
da cidade. Forte acento no caprichado falar da Universidade de Coimbra,
onde a Faculdade de Engenharia lhe permitiu belíssima formação
intelectual e liderança. Aqui o seu maior contato com a realidade
regional e brasileira, a sua consolidação no trato
de tudo e com todos. Atitudes fortes, cada atuação
mais do que definida: a família, os amigos, as companheiras
e os companheiros de intelectualidade, o trato social mais do que
valorizado. Mínima a distância entre o ser e o atuar.
Até no dia-a-dia foi moça de sorte, porque a Casa
Ramos ficava exatamente na única esquina das duas ruas calçadas,
a Rua Quinze e a Rua Simeão Ribeiro, quando toda inteireza
urbana era vermelhidão de poeira.
Dona Fernanda esteve sempre de bem com a vida, Algum descanso na
Fazenda Vista Alegre, algum tempo em reuniões do Clube Montes
Claros, do Automóvel Clube, da Associação Comercial
e Industrial. Importante na fundação do Elos de Montes
Claros, na Sociedade das Amigas da Cultura, na Associação
de Dirigentes Cristãos de Empresas, no Instituto Histórico
e Geográfico. Importantíssimas as atividades de D.
Fernanda como líder elista: conselheira, diretora, presidente
internacional. Sempre presente em encontros regionais e inter-países,
principalmente em convenções. Como presidente internacional
tomou várias iniciativas de elevada repercussão, valorizando
grandemente o Brasil e Portugal, além de benefícios
aos países irmãos de fala lusitana. Um valioso exemplo
de solidariedade e amor!
Três
fatos marcam definitivamente o seu prestígio: a vinda do
Cônsul Sá Coutinho e esposa na fundação
do Elos de Montes Claros, a homenagem que a dra. Manuela Aguiar,
deputada federal em Lisboa, veio trazer-lhe pessoalmente na Sociedade
das Amigas da Cultura de Minas Gerais e a sua escolha pelo governo
português para o cargo de Cônsul Honorária no
Norte de Minas. Quantos e quantos dirigentes do Elos Internacional
vieram a Montes Claros a seu convite, por força do seu valor!
Lembro-me
como se fosse hoje da grande festa de inauguração
do Consulado, na sua antiga residência da Avenida Cel. Prates,
agora Praça Portugal. Muito difícil repetir o sucesso
de D. Fernanda Ramos como o da sua presidência na ADCE, dias
realmente dourados para o prestígio da instituição.
Com que entusiasmo D. Fernanda planejou, construiu e vem mantendo
o Hotel Fazenda Vista Alegre, local aprazível não
só para hospedagens, como também para realização
de eventos.
Léon Denis, o sábio pensador francês, sempre
achou que não basta crer e saber. É sempre necessário
viver e fazer praticar na vida princípios superiores. Nossa
existência tem que ser alegre, harmoniosa, plena de bênçãos
de paz e de amor, sempre e sempre despertando esperanças.
Não há como negar ser o amor a realidade mais pujante,
porque o amar é o grande desafio. O amor deve ser causa,
meio e fim. É por isso e por muito mais que Maria Fernanda
Reis de Brito Ramos, nossa querida Cônsul, Companheira e Amiga,
vive e sobrevive em razão dos seus muitos sonhos. Agora nos
seus bem norteados oitenta anos e ainda por muito tempo mais. Bem
haja
D. Maria Fernanda Reis de Brito Ramos, Cônsul
Honorária de Portugal no
Norte de Minas
A
PRIMEIRA EXECUÇÃO DA PENA DE MORTE
EM MONTES CLAROS
Wesley Caldeira
Cadeira N. 91
Patrono: Sebastião Sobreira Carvalho
No final do século XVIII, o direito penal europeu experimentou
uma profunda revisão em seus conceitos, sob a inspiração
de tendências humanistas.
Os ordenamentos jurídicos anteriores projetaram na coletividade
a sombra medieval, através de legislações que
não diferenciavam o crime e o pecado, configurando instrumentos
de repressão híbrida, de pretensões políticas
e religiosas.
Despotismo, beatice e ferocidade eram os alicerces normativos do
direito de punir, constituindo a crueldade das penas a estratégia
para inibir os comportamentos que os segmentos sociais dominantes
julgavam indesejáveis.
Com o Iluminismo, um novo viés filosófico remodelou
o pensamento jurídico, reconhecendo limites ao poder punitivo
e reclamando a adoção de medidas efetivamente úteis
ao combate da criminalidade.
No
Brasil, os ares novos chegaram com a Constituição
de 1824, que retratou o gosto de Dom Pedro I pelo Utilitarismo de
Jeremy Bentham, sintetizado no famoso lema: “A maior felicidade
possível para o maior número possível de pessoas”.
Antes de 1824, por mais de dois séculos, a colônia
brasileira fora submetida à inclemência das Ordenações
Filipinas, cujo Livro V compendiou leis odiosas de várias
procedências.
Com a Constituição do Império, nenhuma lei
deveria ser estabelecida “sem utilidade pública”;
a lei deveria ser “igual para todos”, eliminando-se
o direito penal exclusivo para as linhagens da nobreza; seriam “abolidos
os açoites, a tortura, a marca de ferro
quente, e todas as mais penas cruéis”; e, embora sem
cumprimento até hoje, as cadeias deveriam ser “seguras,
limpas e bem arejadas”, devendo ser construídas “diversas
casas para separação dos réus, conforme as
circunstâncias, e a natureza de seus crimes”.
Dom Pedro I ordenou a preparação de um código
penal que traduzisse essas orientações, surgindo o
Código Criminal do Império, que alçou o Brasil
no cenário jurídico internacional, em face do encantamento
que causou à cultura jurídica e política da
época. O Código recebeu, em 1834, tradução
para o francês e publicação em Paris, passando
a inspirar legislações da Europa e da América
Latina.
A nova legislação penal brasileira, entretanto, não
agradou à aristocracia rural, que empregava o açoite
como meio de coação e controle das populações
escravas. A interferência da elite agrária impediu
que o novo código abolisse a pena de morte, um dos pontos
mais polêmicos entre os congressistas que o elaboraram.
O enforcamento foi adotado como o único método de
execução da pena capital. A chamada “morte natural
atroz”, antecedida de
açoites e seguida de esquartejamento, e a “morte natural
para sempre”, em que o corpo, ou partes dele, ficava exposto
em locais públicos estratégicos, foram abolidas.
Decretos imperiais sistematizaram a forca e seus rituais.
Escada de treze degraus, patíbulo com 1,80 metros. Poste
firme e alçapão.
A condenação à morte obrigava a um enterro
simples, fora do cemitério público.
Depois de 1835, a legislação proibiu que a estrutura
física da forca permanecesse exposta ao público: era
levantada na véspera da execução e desmontada
após o suplício.
Fazia pouco tempo, 1831, que o arraial das Formigas havia sido elevado
à condição de vila. Na Vila dos Montes Claros
das Formigas, a forca era erguida nas adjacências da atual
rua Governador Valadares, próximo à Lanchonete Cristal.
Em 1890, quando a pena de morte foi abolida no direito brasileiro,
os tocos sobre os quais a forca era sustentava foram serrados rente
ao chão e seus restos ficaram abandonados, escondidos entre
as pedras redondas do calçamento. O prefeito municipal, Dr.
Santos, em 1940, implantou o calçamento com poliedros de
calcário e os referidos restos de tocos foram retirados e
guardados na Prefeitura para incorporar o acervo de futuro museu
histórico da cidade.
A primeira execução da pena de morte nestas terras
se verificou em 30 de maio de 1836.
São José do Gorutuba, a atual Janaúba,
compunha a comarca do São Francisco, com sede na Vila dos
Montes Claros das Formigas.
A
22 de abril de 1835, Joaquim Antunes de Oliveira, respeitado cidadão
de São José do Gorutuba, foi encontrado morto em sua
fazenda.
O autor do homicídio seria o africano Joaquim, da tribo Nagô,
da África, com vinte e poucos anos de idade, morador nas
Lagoas, sendo escravo de Manoel Lopes de Oliveira, fazendeiro vizinho
à vítima. Nagô fora o último a ser visto
em companhia do coronel Joaquim Antunes, e, coincidentemente, desaparecera
nas matas nos dias imediatos ao crime. Mas ninguém presenciou
o fato.
Joaquim Antunes desfrutava de especial conceito e confiança
pública.
A testemunha Tomás de Cantuária Alves tinha ouvido
da parceira de Nagô (o título de esposa era privativo
das mulheres livres) que o casal vinha brigando muito, culminando
as brigas em agressões violentas à parceira. Ela,
então, pediu ao coronel Joaquim Antunes para interceder junto
a Nagô, aconselhando-o à paz doméstica.
Foi assim que Joaquim Antunes foi à casinha dos dois, em
meio ao mato, e conversou com Nagô, chamando-lhe a atenção
com boas palavras. Enquanto a conversa prosseguia, a parceira foi
ao rio Gorutuba e quando voltou já não encontrou mais
o coronel nem o africano. Todavia, um pouco adiante no caminho a
parceira percebeu uma forma no chão, que lembrava gente caída.
Aproximou-se e encontrou o cadáver do coronel, ferido mortalmente
três vezes no pescoço e uma no abdômen.
Em 15 de junho de 1835, a viúva Ana Francisca da Encarnação
requereu ao Alferes Manoel Mendes Lourenço, o bisavô
do Ministro Francisco Sá, que realizasse as medidas legais
para apurar e punir o delito.
Joaquim
Nagô foi preso e interrogado, e confessou que havia esfaqueado
o coronel quatro vezes. Os dois estariam caminhando pela estradazinha,
estando o coronel à frente. Nagô o teria atacado, porque
Joaquim Antunes havia se intrometido nas brigas de Nagô com
a parceira, bem como por ter-lhe chamado a atenção
por haver deixado os cavalos do seu senhor por dois dias sem água.
Estranhamente, o escravo afirmou que não tinha inimizade
com a vítima e pôs-se a elogiá-la em suas declarações.
Formados os autos do processo criminal, eles e Nagô foram
remetidos, em 17 de junho de 1835, ao magistrado da Cabeça
do Termo, isto é, da sede da comarca, a vila de Montes Claros
das Formigas.
O Dr. Jerônimo Máximo de Oliveira e Castro foi o primeiro
advogado bacharelado da comarca, tendo sido nomeado o primeiro juiz
da comarca, depois, em 1834.
Carlos de Almeida Leite foi o primeiro promotor de justiça
da vila, em 1831.
A cadeia, a câmara dos vereadores e o fórum ocupavam
um mesmo sobrado. Só em 1920, foram transferidos para a antiga
sede do Colégio Tiradentes, na rua Dom João Pimenta.
O primeiro advogado formado da própria cidade foi Antônio
Gonçalves Chaves, bacharelado na Faculdade de Direito de
São Paulo, em 1863.
Para se ter uma idéia do progresso local na época
em que a cidade produziu seu primeiro advogado, basta recordar que
a primeira bicicleta apenas chegou em 1900. Vinte e dois anos após,
veio a primeira motocicleta. O rádio apareceu em 1928. E
a primeira fábrica de doces gelados (como eram chamados os
picolés) foi inaugurada em 1931. Um ano depois, a seção
da Ordem dos Advogados do Brasil foi instalada.
Uma
vez em Montes Claros, Joaquim Nagô passou a negar a autoria
do homicídio.
Ainda em junho de 1835, Martiniano Antunes de Oliveira, filho da
vítima, nomeou como seus procuradores na Corte, em Vila Rica,
José da Silva Souto, o segundo acusador público da
comarca, e João Evangelista Figueiredo.
A primeira audiência foi realizada em 25 de agosto seguinte.
Reuniu-se o Conselho de Acusação, composto de 23 integrantes,
tendo por presidente Torquato Nunes de Azevedo, e decidiu-se que
havia elementos suficientes para justificar a imputação.
No dia imediato, o procurador José da Silva Souto apresentou
o libelo acusatório, destacando-se o último quesito:
P. que o Reo deve ser punido com a pena do artigo sento e noventa
e dous no grao Maximo, para exemplo dos outros, pois que de outra
forma não pode haver segurança para Paes de familias,
e principalmente neste Centro a onde ainda não se tem feito
exemplo algum.
O acusador público queixa-se de que na comarca não
se havia condenado ninguém à morte, para exemplificação
do rigor legal, por isso não havia segurança, e um
negro matava um branco.
Mesmo hoje o argumento do “exemplo” é utilizado
largamente no tribunal popular do júri, quando os fatos e
a prova dos mesmos deveriam constituir o móvel da sentença
condenatória.
A sessão de julgamento foi marcada para 2 de setembro de
1835.
Nesse dia, absurdamente, é que foi nomeado defensor a Joaquim
Nagô. O nomeado, o Sr. Salvador Alves da Silva, no entanto,
escusou-se da função de defender um negro, pedindo
dispensa ao argumento de “ter sido na passada noite insultado
de huma grande indigestão”.
Hoje,
há quem critique as garantias jurídicas que o mundo
contemporâneo estatuiu aos cidadãos acusados criminalmente.
Somente na ausência dessas garantias é que se pode
avaliar a importância delas na construção de
um Estado justo. Shakespeare, com razão, disse em Hamlet
que a loucura dos grandes deve ser vigiada.
Pois, pasme-se!, recusada a defesa de Joaquim Nagô, o juiz
presidente do processo nomeou para assisti-lo o advogado de acusação
João Evangelista Figueiredo, que apenas mudou de cadeira,
durante a sessão plenária, nada apresentando em favor
da negativa de autoria em que Nagô insistia.
Entre sessenta pessoas, sorteou-se nove jurados, que formaram o
corpo de julgadores: João dos Santos Vasconcelos, Manoel
Nunes de Azevedo, Porfírio Fernandes dos Anjos, Joaquim Dias
Cardoso, José Orsini Grimaldo, Antônio José
Barbosa da Cunha, Manoel F. da Costa, Pedro José de Oliveira,
sendo jurado presidente José Antônio de Almeida Saraiva.
O Conselho de Sentença, ouvidas a negativa do acusado e a
exposição do acusador, e tendo se mantido em silêncio
o advogado de defesa, julgou procedente a postulação
do órgão acusador e condenou Joaquim Nagô à
pena de morte.
A parceira de Nagô, única testemunha apta a fornecer
indícios contra o escravo, não foi ouvida.
O artigo 181, item oitavo, da Constituição do Império,
exigia a concordância do imperador para a validade das condenações
à morte, podendo ele perdoar ou modificar a sentença.
Era regente do país, na ocasião, o padre Diogo Feijó.
Em nome de Dom Pedro II, ainda menor, o regente ratificou a pena
de morte, em 26 de março de 1836, e ordenou a execução
de Joaquim Nagô, que foi designada para 30 de maio seguinte.
A
execução da pena capital era organizada para infundir
temor. Mas, nos ignorantes, a natureza tem mais força que
a razão e a consciência. As comunidades assistiam às
execuções como se fossem espetáculos públicos,
reinando o clima de festividade.
Toques de clarim abriam e encerravam a solenidade, desenvolvida
sob o ritmo de tambores de guerra.
A tradição facultava ao condenado um último
pedido. Entre os homens brancos quase sempre se lhes oferecia um
copo de vinho.
O nó da corda, no sistema inglês, era colocado sob
o queixo do executado. Os portugueses aperfeiçoaram a técnica,
passando o nó sob a orelha do condenado, permitindo, com
a queda no alçapão, a ruptura da medula e a súbita
perda da consciência. Entre convulsões e estertores,
o coração funcionava por mais ou menos vinte minutos,
até o óbito. Se a medula não se rompia, o sofrimento
era maior, porque, além da consciência, a morte se
dava por asfixia.
Os carrascos brasileiros empregavam a técnica portuguesa.
Um deles, porém, ganhou notoriedade, por haver “incrementado”
o método português. Quando a queda não quebrava
a medula, o carrasco cearense de nome Pareça subia na trave
que sustinha a corda e, com os dois pés apoiados nos ombros
do executado,
balançava-se, sinistramente, sobre eles, forçando-os
até o estalido inconfundível da medula rompida.
Diferentemente da França, em que o ofício de carrasco
era concedido a um nobre, que formava uma equipe de subalternos
para o cumprimento das penas, representando disputada fonte de renda,
no Brasil, os carrascos eram, na maioria das vezes, negros condenados
à morte que comutavam suas penas por prisão perpétua
e um pequeno soldo.
O
carrasco de Joaquim Nagô chamava-se Fortunato José,
de Vila Rica, onde assassinou sua senhora e, condenado à
morte, aceitou a comutação de sua pena e o ofício
de carrasco, no que se comprazia.
Na execução de Nagô um fato surpreendente ocorreu.
Formalizada a cerimônia e enlaçado o pescoço
do africano, o seu corpo, reduzido a trapos pela fome e maus tratos,
não encontrou resistência na corda, que cedeu, jogando-o
no chão. Fortunato José emendou a corda e tentou outra
vez, sem êxito, pois a corda arrebentou-se de novo.
É de se imaginar a comoção que essas circunstâncias
provocaram.
Desde a Antiguidade, os povos conviviam com a idéia dos ordálios
ou juízos divinos, intervenções dos deuses
ou de Deus para anunciar que um acusado era inocente. Entre as provas
dos ordálios, usava-se atirar o acusado amarrado em um rio:
se afundasse era culpado; também se costumava colocar o suposto
criminoso em caldeirões com alguma substância fervente,
mais comumente um óleo: se não se queimasse, era inocente.
Quando a corda no enforcamento se quebrava, o povo concluía
que o executado era inocente e clamava por sua libertação.
E com Nagô, igualmente, se ouviu protestos de sua inocência.
Em algumas cidades brasileiras, àquela época, existiam
confrarias piedosas de cristãos que pediam esmola para a
família do condenado, ou clemência para ele. Se a corda
eventualmente se rompesse, a confraria incitava os presentes a exigir
a libertação do executado, explorando a crendice popular,
e jogava sua bandeira sobre o corpo do réu. Diversas execuções
eram adiadas, por isso.
Muitas
vezes, as cordas não se quebravam naturalmente. Familiares
do condenado subornavam os carrascos para que eles molhassem as
cordas, na véspera, em líquidos corrosivos, facilitando
que partissem.
Fortunato José não teve dúvida, foi à
prisão e de lá trouxe uma corda nova, recentemente
ensebada, e Joaquim Nagô, enfim, foi enforcado.
Anos mais tarde, em Diamantina, um tropeiro agonizante, dominado
por uma febre mortal, confessou a autoria do assassinato de Joaquim
Antunes de Oliveira, o fazendeiro de São José do Gorutuba,
para roubá-lo.
Joaquim Nagô foi, aparentemente, supliciado inocente.
Até meados do século XX, em Montes Claros, a fama
de Nagô era de santidade, razão porque as pessoas evocavam
sua alma nos transes difíceis, em busca de amparo.
Do mesmo modo, em São José do Gorutuba, hoje Janaúba,
o povo evocava o espírito de Joaquim Antunes, rogando proteção
e auxílio.
Um documento do Ministério da Justiça, produzido em
1839, informa que naquele ano 22 pessoas sofreram execução
na forca. Proporcionalmente à população atual,
isto corresponderia a 12 mil condenações por ano.
E qual seria a comunidade alvo para ocupar as novas estatísticas,
se a pena de morte fosse readmitida no Brasil para os crimes praticados
por civis?
Pesquisa na cidade do Rio de Janeiro revelou que, entre 1810 e 1821,
80% dos julgados eram escravos, e 95% deles eram nascidos na África.
Além, 19% dos julgados eram ex-escravos. Somente 1% eram
homens livres.
Matéria
publicada pelo Jornal Carioca o Pão D’assucar, de 7
de abril de 1835, deplorava o comportamento da população
negra na capital do Império. Reclamava das políticas
públicas frouxas e descuidadas, cobrava por uma polícia
ativa e vigilante, que observasse com cuidados todos os passos que
os africanos dessem, a fim de coibir suas condutas indesejáveis,
“empregando para esse fim todos os meios que mais convenientes”
e valendose de “huma força armada sufficiente, que
pela sua disciplina,
gente escolhida de que se compozer, nos inspire confiança,
e aos escravos infunda terror”.
O tempo passou, mas as coisas não mudaram muito.
_________________________________
BIBLIOGRAFIA
Montes Claros — sua história, sua gente e seus costumes
/ Hermes Augusto de Paula. — Rio de Janeiro: 1957.
Serões Montesclarenses / Nelson Vianna. — Belo Horizonte:
Editora Itatiaia, 1972.
História do Brasil / Rocha Pombo. — São Paulo:
Editora Melhoramentos, 1958.
A Agonia da Forca / Luciano Suassuna. — Revista Isto É:
número 1518, de 04/11/1998.
Tratado de Direito Penal: parte geral, volume 1 / Cezar Roberto
Bitencourt. — São Paulo: Saraiva, 2007.
Você Tem Medo de Quê? / Vera Malaguti Batista. —
Revista Brasileira de Ciências
Criminais: número 53, março/abril de 2005.
A
OCUPAÇÃO DESORDENADA
DO CERRADO
Avay Miranda
Sócio Correspondente
Brasília - DF
Eu nasci e me criei numa cidade que é cercada pelo cerrado,
conhecido na região como “Gerais”.
Trata-se da cidade de Taiobeiras, no Norte de Minas Gerais.
O município de Taiobeiras tem um cerrado que era rico na
sua biodiversidade, destacando-se a flora e a fauna.
Com efeito, a flora do município de Taiobeiras foi muita
rica, porém ainda hoje se encontram diversos tipos de madeira
no cerrado (gerais), nos carrascos e nos vales. O cerrado está
quase todo coberto pelo reflorestamento promovido pelas grandes
empresas, ligadas às siderúrgicas, na década
de oitenta, utilizando-se dos incentivos fiscais do Governo Federal.
Esperava-se que a utilização do cerrado seria um grande
motivo para a promoção do desenvolvimento do município,
porque as empresas adquiriam grandes extensões de terras,
por meio de contrato de ocupação com a RURALMINAS,
um órgão estadual, encarregado de administrar
as terras devolutas.
Entretanto,
elas passaram a implantar o reflorestamento, com a plantação,
em primeiro lugar de eucaliptos e, secundariamente, de pinus, transformando
o cerrado em mono floresta.
Observou-se, depois, que o reflorestamento foi feito sem nenhum
planejamento para o seu aproveitamento no futuro. Parece que as
empresas aproveitaram apenas os incentivos fiscais para a sua implantação.
Esperava-se que alguma fábrica de papel, papelão e
cortiça fosse implantada na região, para o aproveitamento
das grandes florestas artificiais localizadas nos municípios
de Taiobeiras, Águas Vermelhas, Rio Pardo de Minas e São
João do Paraíso, depois em outros municípios.
O eucalipto foi plantado, ofereceu-se muitos empregos para a implantação
do reflorestamento, mas, quando ele ficou pronto, provocou-se uma
onda de desemprego em Taiobeiras e nas cidades vizinhas, porque
as empresas não necessitavam mais da mão de obra,
porque o reflorestamento estava completo.
Não tendo o que fazer com as árvores, elas ficaram
adultas, as empresas passaram a transformá-las em carvão
vegetal, instalando as diversas carvoeiras na região, transformando
aquela riqueza num subproduto para alimentar as siderúrgicas
de Sete Lagoas e Belo Horizonte, ao invés de aproveitar a
madeira para transformar num material mais nobre e as folhas das
árvores para a extração de essências
destinadas às fábricas de produtos de limpeza.
No cerrado, que na região é conhecido por “gerais”,
encontram-se, nas poucas áreas preservadas dos reflorestamentos,
as árvores características, sendo baixas e de galhos
tortuosos, como cabeluda, cagaiteira, caviúna, copaíba,
gonçalo, jacarandá, jatobá, murici, pau-terra,
pequi, tingui e muitas outras. Nos carrascos, que ocupam a área
intermediária entre o cerrado e a terra cultivável,
encontram-se árvores mais altas e a vegetação
é mais densa, contendo araçá, baraúna,
caboclo, canela de velho, jacarandá ja taipeba,
jatobazinho, laranjeira, louro, maracujá, mocambo, pau de
leite, pau de sangue, pindaíba, sucupira-branca e outras.
Já nos vales ou nas terras de cultura, ainda se encontram
amargoso, angico, aroeirinha, bálsamo, barriguda, candeia,
caraíba, carne-de-vaca, gameleira, imbaré, ipê
amarelo e roxo (pau d’arco), jequitibá, juá,
jurema, moreira, pau-d’oleo, pau-ferro, pereira, peroba, sucupira
preta, tamboril, vinhático e muitas outras, com as características
de serem bem altas.
Com o reflorestamento do cerrado, houve uma verdadeira devastação
da flora natural, com a quase extinção das árvores
frutíferas, como o araticum, cagaita, jatobá, mangaba
murici, pequi, rufão, e muitas outras. O pequi é uma
verdadeira riqueza para a região. Ele é aproveitado
para diversos tipos de comida. Pode ser ingerido como alimento,
cozido com arroz, com farinha, ou puro e pode-se, ainda, fazer doce,
bolo e outros tipos de alimento. Pode-se, ainda, extrair de sua
castanha um óleo que é delicioso, que serve para tempero.
No tempo do pequi, que vai do mês de dezembro a março,
as pessoas mais carentes têm o seu produto natural para colher
no mato e vender nas estradas ou na cidade. Observa-se, visivelmente,
que as pessoas ficam mais nutridas, com uma pele bem diferente do
restante do ano.
Naqueles meses, não se vê pedintes nas ruas. Eles estão
ocupados na apanha do pequi e têm a sua renda garantida com
a venda do fruto ou com a extração do óleo
da castanha para armazenar e vender mais tarde. Comenta-se que o
pequi é afrodisíaco, isto é, proporciona o
incentivo à procriação. Este fato provoca muitas
discussões, mas, se as mulheres e os homens são bem
mais alimentados, a lógica indica que daí haverá
uma maior possibilidade das mulheres engravidarem-se.
Com a pequena área que restou do reflorestamento no cerrado,
para a preservação do pequi, e com o costume de se
colherem os
frutos ainda verdes para venderem para caminhoneiros que levam o
produto para outras cidades, surgiu a possibilidade concreta da
extinção do pequi no município de Taiobeiras
e de não ter o povo a oportunidade de saborear o fruto mais
conhecido da região.
FESTA DO PEQUI
As lideranças do município de Taiobeiras despertaram
para lançar campanhas de preservação do pequi,
conscientizando os moradores da região para não deixarem
cortar o pequizeiro e impedir a colheita do fruto verde, reservando
a sua apanha na época correta.
Surgiram várias idéias. Mas, a melhor até agora,
foi a realização anualmente da Festa do Pequi. Coube
à Associação dos Moradores de Lagoa Grande,
Lagoa Dourada e Lagoa Seca, tendo à frente o seu presidente,
Silvano Ferreira, atualmente vereador naquela cidade, a iniciativa
de promover a primeira “Festa do Pequi”, na Lagoa Grande,
em 1994. Contou com a pronta colaboração da EMATER-MG,
da Prefeitura Municipal e do Centro Cultural Maciel Rêgo,
de Taiobeiras.
A Primeira Festa do Pequi foi realizada nos dias 26 e 27 de fevereiro
de 1994. A programação foi muito sugestiva. Dia 26,
às 16:00 horas - abertura. 17:00 horas barraquinhas. 18:00
horas, jogos beneficentes e 20 horas, cantoria com artistas do Vale
do Jequitinhonha. Dia 27, às 10:00 horas, palestras educativas.
Às 12:00 horas, concurso “Roedor de Pequi”. Às
13:00 horas a venda de refeição, arroz com pequi.
Às 15:00 horas, sorteio de mudas de pequi. Às 16:00
horas, Jogo de futebol. Às 18:00 horas, concurso de redação
sobre o pequi. Neste horário também houve jogos beneficentes
e, às 20:00 horas, encerramento com o “Forró
do Pequi” e apresentações culturais.
Desde a sua criação que a Festa do Pequi acontece
em todos os anos, no mês de fevereiro, seguindo-se o mesmo
ritmo,
com palestras e gincanas sobre aquela fruta do cerrado, como meio
de conscientização das pessoas.
Com a ocupação desordenada do cerrado, criou-se a
possibilidade concreta da extinção do pequi. Então,
alguns municípios tiveram a iniciativa de promover a defesa
daquele fruto, aprovando leis municipais de sua proteção.
Tenho conhecimento da existência de leis municipais em Montes
Claros e em Taiobeiras, que proíbem o corte do pequizeiro
e a colheita do fruto verde.
PROBLEMAS COM A OCUPAÇÃO DO CERRADO
Com o criminoso desmatamento, especialmente com o reflorestamento
de eucalipto nas nascentes dos rios da região do cerrado,
quase todos os rios e córregos tornaram-se periódicos.
Assim aconteceu com o então caudaloso rio Itaberaba, no município
de Taiobeiras, que vem secando em todos os anos. Até mesmo
o pomposo rio Pardo, devido ao desmatamento e à utilização
de sua água para irrigação em suas margens,
no pique da seca ele vem cortando do município de Taiobeiras
para baixo.
O rio Itaberaba começa com o córrego do Atoleiro ou
Lameiro, depois vai engrossando suas águas com os córregos:
da Lagoa Suja, córrego Vargem Grande, formado pelos córregos
Santo Antônio, Pau Alto e Covão, se junta com o córrego
Novato,
Mariante, córrego do Cubículo e da Cachoeira, todos
do lado
esquerdo. Esta região foi totalmente desmatada, com a retirada
da vegetação natural e reflorestado com o plantio
de eucalipto, o
que ocasionou a secagem do rio, que antes era caudaloso.
A ocupação desordenada do cerrado, no Norte de Minas,
causou vários transtornos para os municípios. Se para
a sua implantação o reflorestamento gerou empregos
periódicos no início, depois de implantado, o reflorestamento
produziu desemprego na região, com a agravante de que as
terras eram de domínio da RURALMINAS
e foram arrendadas às reflorestadoras por períodos
de 30 anos, alguns contratos renováveis.
Outro transtorno causado pelas reflorestadoras, pois elas ocuparam
as terras arrendadas da RURALMINAS, adquiriram todas as posses e
as pequenas glebas que circundavam o cerrado, onde o micro produtor
mantinha sua família com um pequeno
sítio, que possuía a sua chácara de café,
criava o seu porco e galinhas, tinha a sua pequena roça de
cana-de-açúcar, que dava até para fabricar
cachaça, que é muito famosa na região.
Tendo vendido a sua pequena propriedade, o agricultor foi obrigado
a ir para a cidade, proporcionando uma inchação da
zona urbana, exigindo mais infra-estrutura e serviços sociais
das prefeituras. Aquelas várzeas que ficavam nas nascentes
e ao longo dos córregos, fazendo o limite do cerrado com
a terra de primeira qualidade, contribuíam para que os municípios
do Vale do Alto Rio Pardo fossem grandes produtores de farinha de
mandioca, rapadura, requeijão, queijo, cana-de-açúcar,
para o fabrico de cachaça e semente de capim, no ano que
chovia normalmente.
Com as constantes exigências dos órgãos governamentais
para o funcionamento de carvoeiras, com estreita vigilância
na qualidade de vida oferecida aos trabalhadores na extração
e transformação da madeira em carvão, bem como
da observância dos princípios da preservação
do meio ambiente, que as empresas reflorestadoras estão se
adaptando a um reflorestamento mais adequado e que não agride
tanto o meio ambiente.
A área do cerrado está distribuída, principalmente,
pelo planalto central brasileiro. Mas ela abrange 10 estados e o
Distrito Federal, o que representa 25% do território nacional,
sendo encontrado na Bahia, Ceará, Goiás, Maranhão,
Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Minas Gerais, Piauí, Rondônia,
São Paulo, Tocantins e o Distrito Federal. É o segundo
maior bioma do país em área, apenas superado pela
floresta amazônica.
O
cerrado tem importância fundamental, já que é
uma
área transitória entre a floresta amazônica,
a caatinga e a mata
atlântica, cobrindo uma área de mais ou menos dois
milhões de
km².
Conforme o tipo de vegetação, ou dos acidentes geográficos,
ou da topografia, as localidades do cerrado vão tomando denominações
diferentes. As denominações mais conhecidas são:
boqueirão, brejo, cabeceira, campina, capão, capoeira,
campo,
carrasco, cerrado, chapada, charravascal, espigão, gerais,
mata,
monte, morro, serra, pântano, restinga tabuleiro, vargem,
vazante
e vereda. Alguns municípios tomaram o nome da localidade,
como Chapada Gaúcha e Vargem Grande em Minas Gerais, Morro
Agudo, em Goiás, Tangará da Serra, em Mato Grosso
e Capinas,
em São Paulo.
A CONSTRUÇÃO DE BRASÍLIA
Acima escrevi sobre os acontecimentos relacionados com a ocupação
do cerrado no município de Taiobeiras, onde tenho maior vivência.
O que aconteceu em Taiobeiras, certamente, aconteceu com maior ou
menor incidência em todos os municípios, onde a ocupação
do cerrado foi desordenada.
Entretanto, o maior espelho do que aconteceu com a ocupação
do cerrado foi a construção de Brasília, numa
área do Estado de Goiás, limitando-se com o estado
de Minas Gerais.
A feliz iniciativa do presidente Juscelino Kubitschek em construir
Brasília no planalto central foi a maior contribuição
para a ocupação do cerrada. Para construir Brasília,
foi necessário abrir estradas asfaltadas, ligando a capital
federal com todas as capitais dos estados do Centro Oeste, Norte,
Nordeste e Sudeste, uma vez que esta última região
já estava ligada ao Sul por aquele meio de comunicação.
A
mudança da capital da República para Brasília
possibilitou a real descoberta e utilização da região
Centro Oeste, o que proporcionou a ocupação do cerrado,
entretanto, proporcionou o desenvolvimento de todos os estados,
componentes daquela região.
O progresso do Centro Oeste foi e está sendo visível,
tanto que houve a necessidade de se criar mais dois estados, o Mato
Grosso do Sul e Tocantins, devido ao aumento populacional. Além
disto, todas as capitais dos estados da região tiveram um
aumento substancial na sua população.
Brasília
atraiu pessoas de todos os estados da Federação, especialmente
dos estados do Nordeste, de Minas Gerais e de Goiás, redundando
esta concentração de pessoas na maior ocupação
de grandes extensões de terras.
Assim, a ocupação do cerrado serviu para a expansão
espetacular da fronteira agrícola, em todos os estados componentes
de sua área, especialmente Goiás, Mato Grosso e Tocantins.
Anteriormente a soja somente produzia em terras boas, especialmente
no Sul, com destaque para os estados do Paraná e Rio Grande
do Sul.
Entretanto, as áreas cultivadas eram poucas e não
tinha como expandir a cultura desta oleaginosa. Coube à EMBRAPA
desenvolver tecnologia para a correção do solo e produzir
um tipo de variedade de semente de soja que se adaptasse com o clima
e o terreno do cerrado.
A experiência foi tão feliz que hoje o Centro Oeste
é o maior produtor de soja do país. Aliás,
a ocupação do cerrado beneficiou mais o estado do
Mato Grosso. Este estado do Centro Oeste, nos últimos anos,
foi o campeão na produção de soja, de algodão,
de gado de corte, de milho e agora está sendo um grande produtor
de cana de açúcar, que poderíamos chamar de
“cana
de álcool”, porque a cana se destina à produção
do álcool, combustível.
A população em torno da Capital Federal cresceu tanto
que no Distrito Federal, além da sede, outras cidades satélites
foram criadas, como: Águas Claras, Brazlândia, Candangolândia,
Ceilândia, Cruzeiro, Gama, Guará, I e II, Núcleo
Bandeirante, Paranoá, Planaltina, Riacho Fundo, I e II, Recanto
das Emas, Samambaia, Santa Maria, São Sebastião, Sobradinho,
Sudoeste, Taguatinga e Varjão, comportando uma população
de cerca de 2.500.000 habitantes.
Também houve um aumento substancial da população
do entorno, englobando várias cidades do estado de Goiás
e de Minas Gerais, que recebem a influência de Brasília,
entre elas as mais novas, como Águas Lindas de Goiás,
Cidade Ocidental, Novo Gama, Santo Antônio do Descoberto e
Valparaíso de Goiás, calculando-se em cerca de 3.500.000
habitantes, a população do Distrito Federal e do entorno.
CONCLUSÃO
Como se vê, no Norte de Minas é o reflorestamento que
degrada o cerrado, enquanto que no Centro Oeste, é a abertura
de estradas asfaltadas, o aumento da população, com
expansão das zonas urbanas e a atividade agropastoril, que
produzem o mesmo efeito.
Assim, estamos diante de um dilema. De um lado, o país necessita
de grandes extensões de terras planas para a expansão
da sua fronteira agrícola, visando abastecer o país
e várias partes do mundo, com cereais, para alimentar a população
e combustíveis para veículos.
De outro lado, a expansão agrícola, pelos métodos
atuais, implica no avanço, cada vez maior, sobre as matas
e vegetações nativas,
o que poderá comprometer o futuro da humanidade, por causa
da degradação do meio ambiente.
Resta torcer para que os cientistas da EMBRAPA e dos órgãos
ligados à pesquisa agropecuária do país, juntamente
com as autoridades do meio ambiente, encontrem um método
que possibilite a expansão agrícola, com a preservação
do meio ambiente.
*Avay Miranda é taiobeirense, Juiz aposentado
e sócio correspondente do IHGMC.
PERSONAGENS
HISTÓRICOS
E DATAS NACIONAIS
Zanoni Eustáquio Roque Neves
Sócio Correspondente
Belo Horizonte - MG
As datas e personagens históricas são utilizados por
grupos, etnias e classes sociais em consonância com seus interesses
e necessidades específicos. Ganham força simbólica
na medida em que são relevantes para a identidade e visibilidade
desses segmentos da sociedade. Em geral, as datas que ensejam maior
participação contêm um forte apelo à
liberdade, à resistência sociocultural e política,
à justiça, ao patriotismo e ao nacionalismo.
O 21 de abril é comemorado nos quartéis por ter sido
Joaquim José da Silva Xavier um militar (alferes), tornando-se
o patrono da Polícia Militar de Minas Gerais, em cujo fardamento
está inscrita a sua imagem. A República reconheceu
sua condição de mártir da inconfidência
e protomártir da independência do Brasil. Durante o
período da ditadura, Tiradentes tornou-se personagem da dramaturgia
brasileira numa de suas vertentes mais críticas e criativas,
que se opunha ao regime discricionário: o Teatro de Arena,
dirigido por Augusto Boal e Gianfrancesco Guarnieri. A peça
teatral que reverenciou aquele personagem ganhou o título
Arena
conta Tiradentes. Mas o dia 21 de abril é também celebrado
nos palanques pelos governadores que desejam consolidar
alianças e homenagear correligionários, fazendo discursos
e distribuindo medalhas à sombra da estátua da grande
personagem histórica em Ouro Preto. Por outro lado, a data
e a personagem são enaltecidas por grupos sociais na mesma
praça, onde tremulam bandeiras do MST - o Movimento dos Trabalhadores
sem Terra - ao lado de faixas empunhadas por professores e funcionários
públicos reivindicando condições de trabalho
mais dignas. Para esses grupos sociais, Tiradentes é o herói
que encarna os ideais de liberdade e justiça. Mas há
campo até mesmo para a irreverência política.
Certamente, muitas pessoas lembram-se da notícia de que os
estudantes de Ouro Preto exibiram seus bumbuns de todas as cores
nas janelas da Escola de Minas da UFOP precisamente no momento em
que as autoridades discursavam em praça pública.
Há, portanto, uma disputa pela apropriação
da data e da figura do grande mártir da inconfidência.
O mesmo grupo teatral acima mencionado homenageou duas personagens
históricos que lutaram contra a escravidão no Brasil:
nos anos 1960 e 1970, foram montadas as peças teatrais Castro
Alves Pede Passagem e Arena Conta Zumbi. O país vivia então
sob a ditadura militar. Assim, as montagens cumpriram uma função
sociopolítica muito evidente, a exemplo da peça em
homenagem a Tiradentes: exaltar a luta pela liberdade confrontando
o regime autoritário. Vale lembrar que o dramaturgo Augusto
Boal foi preso pelos militares por sua oposição ao
regime.
O 20 de novembro, dia da morte de Zumbi, foi eleito o Dia Nacional
da Consciência Negra. Por que? Em que pese a importância
da lei de 13 de maio de 1888, que aboliu a escravatura, Dona Isabel,
a princesa branca, ofuscou de alguma forma a visibilidade histórica
da luta dos negros por sua liberdade, que - vale lembrar –
resistiram nos quilombos em todo o Brasil.
Em
2000, a Fundação Palmares/MinC mencionou a existência
de 743 comunidades remanescentes de quilombos em todo o território
nacional. (Fundação Cultural Palmares, 2000, p. 7)
Assim, o dia 20 de novembro tornou-se símbolo de resistência
para os afro-descendentes, que ainda hoje repudiam a discriminação
e clamam por igualdade e justiça.
Do ponto de vista simbólico, o 7 de setembro tem um limitado
apelo libertário para grupos diversos da sociedade civil,
em virtude da natureza do processo da independência, resultante
de um arranjo da família imperial com as elites. Vale lembrar
que Dom João VI e Dom Pedro I tornaram-se os principais protagonistas
da independência do Brasil, retornando ambos a Portugal para
assumir o trono naquele país, responsável pela colonização
do Brasil. Ainda assim, vale notar que não apenas as crianças
com bandeirinhas e os militares de armas em punho participam da
data da independência nos dias atuais. Alguns grupos sociais
que se sentem marginalizados na sociedade brasileira ocupam as ruas
e praças das grandes cidades, protestando e questionando
a ordem social – são as caminhadas e os atos públicos
do movimento social autodenominado “Grito dos Excluídos”
apoiado pela Igreja Católica. Afinal, já que se comemora
a independência do Brasil, todos deveriam ter direito ao seu
quinhão no território pátrio – parece
ser este o raciocínio subjacente às manifestações
populares.
Na Bahia, as comemorações da independência do
Brasil não acontecem no dia 7 de setembro, mas em 2 de julho,
data em que os portugueses foram expulsos em 1823, depois de sangrentas
batalhas e atos de heroísmo e sacrifício como o de
Sóror Joana Angélica. Assim, os baianos afirmam sua
identidade no concerto da federação brasileira. O
centenário de fundação da comunidade de Canudos
foi comemorado em 1993 com uma romaria e a presença de 7.000
pessoas, reunindo camponeses e representantes de grupos étnicos.
Vale perceber que o movimento liderado por Antônio
Conselheiro ainda inspira grupos e camadas sociais que o tomam como
exemplo de resistência. (Diocese de Juazeiro, 1993, p. 1)
Pode-se concluir que as datas e as personagens históricas
são acontecimentos relevantes, do ponto de vista simbólico,
para classes sociais, etnias e outros grupos da sociedade brasileira
nos dias atuais.
______________________________
BIBLIOGRAFIA
FUNDAÇÃO CULTURAL PALMARES / MinC. “Quilombos
no Brasil”. Revista Palmares. Brasília: nº 5,
2000.
DIOCESE DE JUAZEIRO. “Centenário de Canudos”.
Caminhar juntos – Boletim informativo. Juazeiro (BA): Ano
XVIII, nº 187, novembro/dezembro de 1993.
ÍNDICE
Diretoria
do Instituto Histórico e Geográfico de Montes Claros
- 05
Lista de sócios efetivos do IHGMC- 07
Sócios correspondentes do IHGMC - 09
Notas dos coordenadores da edição - 09
Homenagens - 10
Apresentação da Revista - 11
Amelina Chaves
- Um século de Godofredo Guedes - 15
Dário Teixeira Cotrim
- GG: Uma Arte Total - 17
Haroldo Lívio
GG, o Letrado - 21
Haroldo Lívio
Patão, o Brucutu - 24
Itamaury Teles
Godofredo Guedes e Porteirinha - 27
Luiz Ribeiro dos Santos
Godofredo Guedes, um artista simples e completo - 32
Wanderlino Arruda
Godofredo Guedes: Nosso Miguel Ângelo - 38
Augusto José Vieira Neto
Godofredo Guedes - 42
Dário Teixeira Cotrim
O poeta Reivaldo Canela - 47
Felicidade Patrocínio
Associação dos Artistas Plásticos de Montes
Claros
criação e Funcionamento - 51
Itamaury Teles
Porteirinha: Um ensaio histórico - 63
Ivo das Chagas
Eu sou o cerrado - 69
João Carlos M. Sobreira de Carvalho
O velho Mercado Municipal - 79
Karla
Celene Campos
O menino pescador e a menina do vento - 83
Lázaro Francisco Sena
Dr. João Luiz de Almeida - prócer da educação
- 87
Luiz de Paula Ferreira
De onde viemos para onde vamos - 95
Maria Luiza Silveira Teles
Caminho de Volta - 97
Maria de Lourdes Chaves
Ofício do Registro Civil das Pessoas Naturais, Interdições
e Tutelas - 101
Marta Verônica Vasconselos Leite
Auguste de Saint-hilaire - 119
Miriam Carvalho
No Mural de Cyro dos Anjos: A menina do sobrado - 128
Palmyra Santos Oliveira
Algumas Lembranças da minha Montes Claros - 142
Paulo Costa
O Telegrama - 149
Petrônio Braz
O Estreito Caminho de uma Academia -155
Roberto Carlos Morais Santiago
Cachaça de Salinas: História, Cultura e Agronegócio
- 163
Wanderlino Arruda
Reivaldo, a realidade dos sonhos - 178
Wanderlino Arruda
Consul Fernanda Ramos - 181
Wesley Caldeira
A Primeira Execução de Pena de Morte em Montes Claros
- 185
Avay Miranda
A Ocupação Desordenada do Cerrado - 196
Zanoni Eustáquio Roque Neves
Personagens Históricas e Datas Nacionais - 206
Impresso
na oficina da
GRÁFICA EDITORA MILLENNIUM LTDA.
Rua Pires e Albuquerque, 173 - Centro
39.400-057 - Montes Claros - MG
E-mail: mileniograf@viamoc.com.br
Telefax: (38) 3221-6790
_______________________________________________
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e Geográfico de Montes Claros,
Praça Dr. Chaves, 32
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39400-005 – Montes Claros – Minas Gerais
|