Eis aqui a vigésima terceira edição da Revista do Instituto Histórico e Geográfico de Montes Claros que continua circulando dentro do prazo ajustado desde a sua fundação, graças a participação de seus colaboradores em favor do desenvolvimento intelectual do nosso povo. O resgate e a preservação da história é um trabalho árduo e gratificante ao mesmo tempo, desde a elaboração dos exemplares até o seu lançamento, a cada semestre. É sempre oportuno ressaltar que, a compreensão e a solidariedade na remessa dos textos enriquecem, de importância a cada publicação. E não é de estranhar que assim seja, pois a cidade da arte e da cultura (Montes Claros) possui a mais bela história dentre todas as outras cidades mineiras.
Nesta edição, comemoramos com muita alegria o septuagésimo aniversário da Associação Comercial e Industrial de Montes Claros, com um belíssimo texto do confrade Lázaro Francisco Sena. Não
menos importante, ainda destacam os textos de Dorislene Alves
Araújo, Edvaldo de Aguiar Fróes, Felicidade Patrocínio, Filomena
Alencar Monteiro Prates, Harlen Soares Veloso, Itamaury Telles,
Leonardo Álvares da Silva Campos, Mara Yanmar Narciso, Maria Clara
Lage Vieira, Maria da Glória Caxito Mameluque, Maria do Carmo
Veloso Durães, Wanderlino Arruda e do associado correspondente, o
cordelista José Walter Pires da cidade de Brumado – Bahia.
Dessa forma, o leitor encontrará um farto material sobre a
história de Montes Claros e da região do Norte de Minas, assim como
os dados genealógicos e biográficos de nossa gente, além de outros
temas de interesse geral. Por tudo isso, neste ensejo, manifestamos com
especial carinho o nosso agradecimento a todos aqueles que, de uma
forma ou de outra, contribuíram para que tornasse viável a publicação
desta Revista, pois temos a convicção de que jamais faltará o auxilio
e a atenção de quantos valorizam e prestigiam a pesquisa histórica de
nossa terra. Enfim, eis aqui o nosso propósito para construção de um
mundo mais humano e mais fraterno. Boa leitura!
Dário Teixeira Cotrim
Cadeira N. 93
Patrono: Simeão Ribeiro Pires
O meu coração está de luto! Um silêncio invade a minha alma ao saber da morte do meu tio Iracy Pereira Santos. Já estava tudo anunciado, é verdade, e mesmo assim nós não conseguimos acreditar nos desígnios do Grande Arquiteto Do Universo, isso porque, a notícia nos tomou de sobressalto neste amargo dia 17 de outubro – dia dedicado ao Santo Inácio de Antioquia, que mesmo depois da morte continuaria a orar pelos seus irmãos junto a Deus dizendo: “Meu espírito se sacrifica por vós, não somente agora, mas também quando eu chegar a Deus. Eu ainda estou exposto ao perigo, mas o Pai é fiel, em Jesus Cristo, para atender minha oração e a vossa. Que sejais encontrados nele sem reprovação”. Iracy, assim como Santo Inácio cuidou dos mais necessitados, você, na infinita bondade do seu florescente coração, também ajudou inúmeras pessoas em todos os segmentos da sociedade guanambiense. Por tudo isso eu insisto em dizer que o meu coração está, completamente, de luto!
Aprendemos na escola-do-tempo que o homem morre, mas
que o seu nome permanece imortalizado nas boas intervenções
aqui praticadas. O seu currículo, Iracy, é um dos mais fecundos de
ações humanas, de muitas caridades, de amor pleno e de amizades
profícuas. Por tudo isso os seus legados serão sempre lembrados no
batente constante do Banco do Nordeste, nas reuniões festivas do
Rotary Clube e da Maçonaria e, principalmente, no seio de nossa
família. O seu dinamismo com o colecionismo de carros antigos, a
sua participação discreta e firme nas decisões políticas do município,
o seu empreendimento robusto em construir pontes sem o bajoujo
dos incompetentes, a sua maneira fantástica de preservar a memória
das pessoas queridas, em especial o nosso saudoso avô Teixeirinha,
tudo isso lhe credencia uma entrada triunfal no céu, sem mesmo
pedir licença a São Pedro – você se lembra de Irene? Pois bem, Iracy,
você é um homem imortal em todos os sentidos. O povo sertanejo
tem por você um respeito incondicional, uma admiração sincera e um
carinho imensurável por tudo que você fez em vida e fará na morte.
Nota-se que, durante a minha peregrinação na vida, muitas
vezes eu ouvi os seus valorosos conselhos. De certa feita, lhe perguntei
sobre a possível dispensa voluntária no Banco do Brasil e você me
respondeu categoricamente: “fique lá até você se aposentar”. E eu
fiquei. Sorte minha!
Aliás, a tristeza pela sua partida revela em nós o canto estridente
e livre de cigarras na escuridão da estrada, ou o doce arrulhar de
uma indefesa pombinha fogo-pagou, desgarrada e bem no meio da
pobre e fatigante caatinga. Enquanto aqui, os nossos olhos tristes, em
chuvaradas de lágrimas, fazem dos espíritos perfeitos os mensageiros
de sua triste partida. Lá no infinito dos céus, melhor acolhida lhe
é reservado no espaço destinado aos homens bons, os que estarão
sempre na vanguarda da perfeita sintonia para com a vida aqui na
terra. Certamente que os céus ouvirão de você o que há de se fazer
no mundo dos mortos em benefício dos vivos deste vasto mundo.
Iracy, a nossa cidade de Guanambi lhe deve muito e certamente que o
seu nome será gravado no parthenon dos imortais para sempre. Tudo
justo e perfeito!
Dário Teixeira Cotrim
Cadeira N. 93
Patrono: Simeão Ribeiro Pires
HÉLIO VELOSO DE MORAIS
A filatelia está de luto. O Instituto Histórico e Geográfico de Montes Claros está de luto. De luto estamos todos nós com a partida do confrade Hélio Veloso de Morais. Um filatelista dedicado e totalmente apaixonado pelos selos postais dos Correios. Certamente que neste setentrião norte mineiro não haverá outro filatélico igual a ele por um bom tempo. Convivi muito com o confrade Hélio de Morais nas reuniões do saudoso Clube Filatélico e Numismático de Montes Claros, que eram realizadas nas dependências dos Correios. Lembro-me muito do ilustre companheiro conversando com o associado Francisco Gomes Calaça sobre as novidades no mundo da filatelia. Era comum nos entretenimentos a troca de selos e os elogios direcionados àqueles que mais se interessassem na catalogação de espécimes adquiridas. Era uma festa ao redor de uma mesa grande, festa que contagiava até mesmo aqueles que não se identificavam com a ciência de colecionismo.
Ademais, eu guardo com extremo cuidado, alguns envelopes obliterados pelos Correios e que hoje são peças raras para os novos
Hélio de Morais, Aragão (Correios), Júlia e Dário Cotrim na abertura da Exposição
Filatélica e Numismática na Caixa Econômica Federal de Montes Claros.
colecionadores. Não obstante a minha vocação ser apenas a numismática,
ainda tenho um pouco de conhecimento da filatelia e isso se
deu em vista da insistência de Hélio de Morais que, vez por outra, me
presenteava com selos e envelopes postais, incentivando-me à técnica
de catalogá-los com a rígida ordem que o assunto adrede requer.
Para os associados mais jovens, Hélio de Morais distribuía, gentilmente,
selos em duplicidade do seu arquivo particular, na esperança
de fomentar neles o gosto pelo colecionismo. Ele estudava, com minúcia,
cada peça do seu magote sempre com o proposito de contribuir
conhecimentos em beneficio da arte de colecionar. Admirados por
todos, quando faltava em uma das reuniões, a sua ausência era sentida
e questionada pelos membros do Clube.
A primeira exposição de selos e dinheiro (cédulas e moedas)
do Clube Filatélico e Numismático de Montes Claros aconteceu no período de 03 a 29 de junho de 1994, na Caixa Econômica Federal,
a convite do seu gerente regional, senhor Gilberto Nonato Ferreira
da Costa. Naquela oportunidade o mestre Hélio de Morais proferiu
discurso sobre a “Arte de Colecionar”, apresentando o nosso trabalho
para uma plêiade de pessoas ilustres (entre outros mortais o historiador
Olintho Alves da Silveira e sua esposa dona Yvonne de Oliveira
Silveira, Dr. João Walter Godoy, José Gonçalves de Ulhôa e Francisco
Gomes Calaça, todos os citados in memoriam) e que hoje o recebem
para botar o papo em dia.
No Instituto Histórico e Geográfico de Montes Claros, o confrade
Hélio de Morais ocupava a Cadeira de número 23, que tem
como patrono o saudoso o Dr. Carlos José Versiani, grande médico e
benfeitor de Montes Claros. A sua presença em nossas reuniões sempre
foi motivo de imensa alegria, pois ele nos contava as mais belas
histórias do passado de nossa cidade. Hélio de Morais era uma pessoa
inteligente e tinha a absoluta convicção da necessidade de resgatar
a história antiga do nosso povo. Hoje, ele deixa a vida terrena para
gozar as delícias do paraíso celestial ao lado dos que foram antes. O
seu augusto nome ficará para sempre na Galeria dos Imortais do nosso
egrégio Instituto Histórico e Geográfico.
Dorislene Alves Araújo
Cadeira N. 05
Patrono: Antônio Ferreira de Oliveira
TOQUEMOS OS SINOS
Yvonne Silveira, antes de tudo mestra... no sentido amplo da palavra, que dos seus feitos não se vangloria, de cultura inigualável, de plena sabedoria. Minha professora na antiga Faculdade de Filosofia Ciências e Letras - FAFIL / FUNM, atual UNIMONTES. Foi ali, no interior daquele casarão, que tive a grata satisfação e a honra de conhecê-la, em 1980... Ano em que me ingressei no curso de Letras daquela Faculdade, onde ela era professora titular de Literatura Portuguesa e Teoria da Literatura. A professora Yvonne Silveira sempre foi uma figura ímpar. Sua energia e dinamismo nos impressionavam. Personalidade marcante na vida de todos nós, seus alunos. Nos fez empreender viagens magníficas pelo universo literário dos grandes escritores e poetas. Nossa grande incentivadora nas artes da declamação e da escrita.
Por seu intermédio conheci o saudoso João Valle Maurício, escritor e poeta, autor de vários livros de prosa e dos mais belos poemas sobre Montes Claros, e pelo qual, eu, desde menina, nutria profunda admiração e respeito. Atendendo a seus convites, ainda na faculdade,
apresentava-me nos mais importantes e significativos eventos culturais
de nossa cidade, muitos deles promovidos pela Academia Montes-
clarense de Letras, da qual dona Yvonne era membro.
Ao longo do tempo, nosso vínculo de amizade foi crescendo,
amadurecendo e consolidando-se. Em 1989, nossa mestra maior,
Yvonne Silveira, torna-se Presidente da Academia Montesclarense
de Letras, cargo assumido com dedicação e compromisso. Em 1996,
com seu apoio, lancei o meu primeiro livro, “A Dança das Palavras”,
obra agraciada em 1997 com o “Prêmio Cultura”, do Jornal de Notícias,
através da coluna da Jornalista Márcia Sá, “Gente, Empresas e
Negócios”.
Em seguida, também com seu aplauso, pleiteei, com suces¬so,
uma cadeira na Academia Montesclarense de Letras, tornan¬do-nos
assim, além de amigas, confreiras. Em 2002, a presidente da Academia
Montesclarense de Letras, Yvonne Silveira, ilustra mais uma vez a
minha história, prefaciando com beleza e generosidade o meu segundo
livro, intitulado “Canção do Amanhã”.
A professora Yvonne é mesmo uma pessoa extraordinária, dotada
de memória e cultura fabulosas. Referência máxima nos meios intelectuais
de nossa sociedade. Sócia de várias entidades e instituições,
como: Rotary Clube Sul, Instituto Histórico e Geográfico de Montes
Claros, Academia Municipalista de Letras, entre outras. Fundadora
da Associação ‘Amigas da Cultura’ e da Academia Feminina de Letras
de Montes Claros. Continua como presidente da Academia Montesclarense
de Letras, onde atua com brilhantismo. Recebeu inúmeros
prêmios literários, homenagens e títulos, por merecido reconhecimento
ao seu valor e à sua infatigável luta em prol da cultura.
Em 30 de dezembro, deste ano, a ilustre e querida mestra completará
cem anos! Uma vida longa e prodigiosa. Vida iluminada e
iluminadora. A nossa notável professora, aos cem anos de idade (tomando
emprestadas as palavras de S. Catarina de Sena), “tem um coração de criança e uma coragem indomável de viver.” Esses cem anos
reduziram a audição da nossa mestra; contudo, não enfraqueceram
sua fala, que conservou-se firme, clara, ativa e vigorosa, com a sonoridade
própria da voz da Yvonne de antanho.
Esses cem anos não diminuíram o brilho dos seus olhos, tornaram
seu olhar mais aguçado pela luz das virtudes conquistadas; não
tiraram da dona Yvonne sua lucidez, ao contrário, enriqueceram-na
com experiências, vivências e conhecimentos, avivando e tornando
ainda mais prodigiosa sua memória. Em absoluto, esses cem anos não
fragilizaram o seu coração; aprimoraram os seus sentimentos, conservando
sua integridade com a energia rejuvenescedora do amor. Amor
à cultura, aos amigos, à família, amor indestrutível ao esposo Olyntho
Silveira... E amor a Deus, sobre todas as coisas.
Os cem anos de Yvonne Silveira, definitivamente, não significam
velhice. Eles significam fundamentalmente sabedoria adquirida,
virtude que atua como poderoso elixir de rejuvenescimento do espírito.
Toquemos os sinos, todos os sinos... E celebremos o centenário
dessa nobre e admirável Mulher. Toquemos os sinos em louvor
Edvaldo de Aguiar Fróes
Cadeira N. 01
Patrono: Alpheu Gonçalves de Quadros
CRISES DE HIPOGLICEMIA:
UM CASO EXTREMAMENTE GRAVE
Todo Médico que atende em Pronto Socorro tem a oportunidade de diagnosticar e tratar, na crise, casos variados de hipoglicemia, seja devido ao tratamento com hipoglicemiantes orais ou injetáveis tipo insulina nos diabéticos, jejum prolongado, anorexia nervosa ou devido a neoplasias, fraqueza extrema, comas, etc. Geralmente, a injeção venosa de glicose hipertônica e a manutenção de soro glicosado a 10% IV e alimentos adocicados por via oral, quando possível, resolvem o quadro agudo.
A enfermeira que trabalhava com Jansen, começou apresentar crises de hipoglicemia que, no início, responderam bem ao tratamento. Entretanto, em uma delas, o quadro persistiu com sudorese fria profusa, sonolência , hipotensão arterial e taquicardia, apesar do uso de glicose hipertônica IV.
Foi providenciado, imediatamente, a sua remoção para um Centro Médico de maior recurso a 50 Km, onde foi internada, com exames laboratoriais frequentes , soroterapia glicosada e hidrocortisona endovenosa (Flebocortid ou Solucortef)- 100mg de 12/12 hs.
Tudo isso, há 02 dias da data do casamento de Jansen, impedindo o
comparecimento da amiga e eficiente profissional na cerimônia matrimonial
e recepção aos convidados!
Após aquela crise tão prolongada e grave, ela foi encaminhada
para avaliação por um renomado Endocrinologista em BH que solicitou
a dosagem de Insulina, devido a sua suspeita de tratar-se de
Insulinoma (tumor das ilhotas pancreáticas ou de Langerhans).
Naquela época não se realizava em BH a dosagem de Insulina
e a paciente foi para São Paulo, para outro famoso Endocrinologista.
A dosagem de Insulina foi normal, afastando-se a suspeita de Insulinoma
e o amigo de Jansen lhe enviou um relatório, sugerindo a
hipótese de ingestão compulsiva de hipoglicemiante oral, por se tratar
de enfermeira com fácil acesso a medicamentos, o que foi de imediato
descartada pelo Médico, pois tratava-se de pessoa da sua irrestrita
confiança, de personalidade e conduta invejáveis!
O diagnóstico foi de Hipoglicemia Idiopática ou essencial (termos
usados em Medicina quando não se consegue estabelecer a causa
de uma patologia)! Interessante comentar que o “terreno genético”
desse tipo de hipoglicemia, é semelhante ao da hiperglicemia ou Diabetes
e, assim, a paciente passou a fazer controles frequentes da sua
glicemia, constatando-se, às vezes, pequenos picos de hiperglicemia,
sem necessidade de medicação e quando iniciava os primeiros sintomas
da hipo, ingeria alimentos doces. Nada disso impediu a continuação
do seu admirável trabalho na bela profissão que abraçou!...
EDEMA AGUDO DO PULMÃO E TROMBOSE MESENTÉRICA
O paciente de 80 anos, cardiopata crônico, pai de um grande
amigo de Jansen, começou apresentar dispnéia intensa (falta de ar)
e dor abdominal difusa seguida de vômitos escuros e o médico foi
chamado para atendê-lo em sua residência em torno da meia noite.
Imediatamente para lá se dirigiu, constatando um quadro assustador:
sinais evidentes de insuficiência ventricular esquerda, com edema
agudo do pulmão, arritmia cardíaca e sopro diastólico no foco aórtico,
estertores crepitantes difusos, agitação e cianose nos lábios e polpas
digitais, além de dor abdominal e vômitos (hematêmeses) devido
a presença de sangue misturado com secreção gástrica. O paciente era
portador de insuficiência de válvula aórtica!
Não tendo O2 disponível para catéter nasal, foi feito o garroteamento
rotatório dos 03 membros para diminuir o retorno de sangue
ao coração insuficiente, com intervalos de 10 minutos e injeção de
cardiotônico e diurético venoso ( Cedilanide + Lasix) diluídos em
so-ro glicosado hipertônico. Feita sedação com meperidina (Dolantina)
intra muscular. Repetiu-se depois mais 1 ampola de Cedilanide e
Lasix, observando-se melhora lenta e progressiva do quadro. Somente
em torno das 05 horas da manhã o médico recomendou aos familiares
a transferência do idoso para um Centro Médico de maior recurso
a 50 Km de distancia e se dispôs acompanhá-lo, alertando-os que o
caso era gravíssimo, pois o seu diagnóstico para a dor abdominal com
hematêmese era de isquemia intestinal, devido trombose mesentérica!
E lá se foi uma verdadeira comitiva de carros pela estrada poeirenta,
até à Santa Casa, onde foi internado.
Um médico de confiança da família passou a cuidar do caso,
tendo havido regressão do quadro cardíaco e a dor abdominal, devido
à sedação do paciente, melhorou aparentemente. E Jansen regressou
para a sua cidade, pensativo e preocupado. Aquele médico constatou,
no exame do abdômen, uma bexiga muito cheia atingindo o umbigo
chamado entre os profissionais da área de “bexigoma”, fazendo uso de
uma sonda vesical de alívio e, ao toque retal constatou uma grande
aumento da próstata, o que é comum naquela idade, diga-se de passagem!
Concluiu que aquele quadro evoluiria satisfatoriamente, do
ponto de vista clínico. Mas o desfecho daquele caso foi péssimo: à
noite do mesmo dia, a dor abdominal voltou com grande intensidade
e Jansen percebeu, durante o telefonema do filho do paciente dandolhe
conta da evolução do quadro, os profundos gemidos de sofrimento
do seu pai, que veio a falecer em seguida! Realmente a prática da
Medicina nos dá lições frequentemente!
ÚLCERA TÍFICA PERFURADA NO ÍLEO TERMINAL
O paciente encontrava-se internado sob os cuidados do clínico
de plantão da semana, ainda sob observação, fazendo exames, quando
um acadêmico, estudante de Medicina, solicitou ao experiente Médico
já citado, para examiná-lo, pois o quadro estava se agravando.
Na anamnese, registrada na papeleta de internação, havia a história
de febre alta, diarréia súbita, vômitos, dor abdominal difusa,
anorexia e estado geral bastante acometido. Os exames já realizados, mostraram Leucopenia com anaeosinofilia (global de leucócitos dimiminuida,
com ausência de eosiniófilos), com a presença de granulações
tóxicas nos neutrófilos e VHS (velocidade da hemossedimentação)
aumentada, urina rotina com densidade elevada, anemia moderada. A
reação de aglutinação para Salmonella thyphi foi positiva.
O paciente com dieta oral suspensa e hidratação venosa, com
uso de antibiótico de largo espectro IV (Clorafenicol - 500mg de
06/06 horas), mas o seu estado geral se agravou com sinais de toxemia
e dor abdominal difusa e intensa. O experiente clínico, ao palpar o
abdômen, notou contratura muscular de defe-sa e timpanismo à percussão
na área hepática, sinal de pneumoperitônio e, imediatamente,
selou o seu diagnóstico: perfuração de víscera oca por úlcera tífica!
Mandou transferir o paciente para o Hospital de maiores recursos
do mesmo Grupo, solicitou um RX do Tórax que confirmou
o pneumoperitônio (presença de ar abaixo da cúpula diafragmática
direita) e telefonou para Jansen para operá-lo de urgência. Na Laparotomia
confirmou-se a perfuração de úlcera tífica no Íleo terminal,
procedendo-se a ressecção da área acometida, com segurança, seguida
de anastomose em 02 planos com fios adequados, aspiração de todo o
líquido extravazado, com uso de soro fisiológico em abundância para
lavar a cavidade, seguida de drenagem com exteriorização do dreno
por contra abertura e fechamento usual da parede por planos. Sondas
nasogástrica e vesical de demora.
Pós operatório, sob os cuidados daquele clínico e do cirurgião,
com hidratação venosa rigorosa, antibióticos (clorafenicol IV na mesma
dosagem anterior), analgésicos/ antitérmicos, antieméticos e observação
dos curativos e dreno. O referido antibiótico era o indicado
para combater a bactéria causadora da “Febre Tifóide”: a Salmonella
Thyphi murium. Houve a necessidade de Transfusão de Sangue Total,
durante o ato cirúrgico (500 ml) e 1.000 ml no pós operatório.
Tudo isso, numa época que não se dispunha ainda de CTI (Centro
de Tratamento Intensivo) na Cidade. O resultado foi satisfatório para
felicidade de todos!
UM CASO DE GRAVIDEZ TUBÁRIA ROTA,
ORGANIZADA OU GRAVIDEZ ECTÓPICA
A paciente chegou à consulta, acompanhada do seu esposo,
com história de dor no baixo ventre, à direita, iniciada há 30 dias,
com pequenos sangramentos vaginais e estado nauseoso, com vômitos
esporádicos. Tais sangramentos foram confundidos pela paciente
como menstruação. O exame geral mostrou mucosas ligeiramente
hipocoradas, com pressão arterial, pulso radial e frequência cardíaca
normais, com dor à palpação à direita no hipogastro. Ao exame ginecológico,
toque bimanual, notou-se uma massa parauterina direita,
dolorosa aos movimentos do útero, que encontrava-se ligeiramente
aumentado de volume, com colo amolecido. O Dr. Jansen aventou
sua hipótese diagnóstica: gravidez ectópica na trompa direita, provavelmente
rota e organizada!
Relatou ao esposo o seu diagnóstico, propondo levar a paciente
a um Centro de maior recurso, o que foi feito, acompanhado do Médico.
Foi internada na Santa Casa, onde procedeu-se uma punção no
fundo de saco vaginal posterior (Douglas), confirmando-se a presença
de sangue na pelve. Realizou-se a Laparotomia, confirmando-se o
diagnóstico pré operatório, retirando-se a massa que englobava a tuba uterina direita e limpeza cuidadosa da cavidade com soro fisiológico
morno e fechamento da parede. Um colega do Hospital, que auxiliara
a cirurgia, encarregou-se do pós operatório até à alta da paciente em
ótimo estado. Mais um caso resolvido, felizmente, com sucesso...
UM CASO DE TUMORES BENIGNOS
GIGANTES NA PELVE FEMININA
O presidente do Sindicato Rural da cidade, responsável pelas
autorizações dos internamentos hospitalares dos trabalhadores rurais,
além de vizinho do Hospital tornou-se grande amigo do Jansen, relatando-
lhe um caso de uma paciente que vivia numa fazenda distante
e que necessitava de uma consulta, para elucidação da sua patologia.
E, assim, foi agendada a sua consulta, acompanhada por um familiar.
Tratava-se de uma mulher de 45 anos, melanoderma, nulípara,
com história de aumento progressivo do volume abdominal, iniciado
há quase um ano, com dor tipo cólica e peso, acompanhada
de sangramentos frequentes vaginais. O estado geral era satisfatório, constatando-se mucosas hipocoradas. A paciente já havia recorrido a
diversos chás caseiros com plantas da região, além de benzeção com
curadores e rezas da crença popular, tão difundidas na zona rural!
O exame do abdômen revelou uma gigante massa que se estendia
do baixo ventre até a reborda costal, consistência endurecida
e bocelada e o toque vaginal constatou colo uterino ginecológico e
massa pélvica. Indicada a cirurgia, os exames pre operatórios foram
solicitados incluindo-se ABO-Rh, para transfusão de sangue total,
durante o ato.
Foi marcado o dia da cirurgia e combinado com o Anestesista
e auxiliar da vizinha cidade, com os 03 frascos de sangue devidamente
liberados. A laparotomia revelou as presenças de Mioma Uterino
bocelado, enorme e um Cisto do Ovário direito de grande volume,
líquido citrino no seu interior. Feita o esvaziamento do cisto e ooforectomia
direita além da Histerectomia subtotal. O pós operatório
transcorreu sem anormalidades, com diurese e cicatrização abdominal
normais. Os fragmentos da cápsula do cisto ovariano e do mioma
foram encaminhados para exames anátomo patológicos na Capital
(BH) e os resultados foram Benignos. Todos satisfeitos, inclusive,
é claro o jovem Jansen pelo sucesso do caso, que providenciou um
enorme frasco de vidro com formol a 10%, colocando a cápsula do
cisto e diversas bossas do mioma, bem tampado, em frente a sua mesa
do consultório, com a data e o título da Cirurgia, tão bem realizada
naquele pequeno Hospital, mirando o frequentemente, com uma certa
dose de orgulho e vaidade, tão naturais naquela idade!
UM CASO DE CÂNCER DE PULMÃO
DENOMINADO DE CABRONCOGÊNICO
O paciente era funcionário da Prefeitura local e procurou o Médico
apresentando quadro de Bronquite Aguda pós gripal com tosse produtiva, febre, anorexia e chiado nos peitos (roncos e sibilos à ausculta
pulmonar), com um detalhe: era tabagista (fumante) inveterado.
O RX de tórax em AP e PERPIL, mostrou imagem arredondada no
1/3 médio do pulmão direito, sendo solicitado o exame de escarro no
laboratório do SESP, para pesquisa do b.a.a.r, que foi negativa.
Foi feito o tratamento usual com antibióticos, analgésicos/antitérmicos,
repouso, expectorante e líquidos oral, recomendando-se o
retorno para controle. Na segunda consulta, o paciente foi encaminhado
para um Pneumologista num Centro Maior e o diagnóstico foi
de Carcinoma Broncogênico que evoluiu, rapidamente, com Metástases
(disseminação da neoplasia), levando ao óbito. É uma das graves
consequências do tabagismo, em todo o Mundo!
UM SURPREENDENTE E INESQUECÍVEL AGRADECIMENTO
Num dos seus plantões de sobreaviso, Jansen foi chamado para
atender um paciente, no Hospital da UNIMED, encaminhado da cidade
de Capitão Enéas, apresentando um quadro de Abdômen Agudo
Obstrutivo, devido a uma hérnia umbilical estrangulada: dor tipo
cólica intensa na região umbilical, náuseas, vômitos, parada de eliminação
de gases e fezes, desidratação e fácies de sofrimento.
E, ao exame abdominal, o cirurgião constatou uma massa irredutível
no umbigo, com dor intensa à palpação e história antiga
de uma hérnia umbilical que se reduzia facilmente até o início do
quadro agudo, após um esforço físico. Instituida soroterapia venosa
glicofisiológica, antiespasmódico preparo imediato para Laparotomia
de Urgência, pois o paciente já estava em jejum.
Feita secção cuidadosa do anel que prendia as alças do delgado,
que se encontravam em sofrimento, cor arroxeada, aplicação de
compressas umedecidas em soro fisiológico morno, em abundância, até a completa recuperação das mesmas, com o típico aspecto róseo
avermelhado, sem lesões das suas paredes. Após a reposição das alças
na cavidade abdominal, procedeu-se ao fechamento da parede com
Herniorrafia pela técnica de Mayo (sutura da aponeurose em “jaquetão”,
com pontos separados, em U, fio inabsorvível: seda).
O pós operatório transcorreu dentro da normalidade, com alta
no 4º dia e marcado o retorno no 10º dia para revisão e retirada dos
pontos da pele. A agradável surpresa ocorreu quando Jansen, acompanhado
do seu filho adolescente, foi fazer a revisão do caso e retirada
dos pontos no mesmo Hospital e o paciente, num gesto surpreendente,
exclamou agradecido na singeleza do homem sertanejo: “o senhor
me viveu, doutor”. Jansen olhou para o filho e lhe disse, emocionado:
aí está a beleza da nobre profissão que abracei! Sempre valerá à pena...
Felicidade Patrocínio
Cadeira N. 20
Patrono: Camilo Prates
UM POUCO DE ZÉ
Há um sentimento visível de felicidade, muitas vezes confessado entre nós, os dez irmãos Patrocinio, devido ao berço de origem e ao amor e princípios que nos legaram nossos pais, Dário e Ditinha.
Como quinta filha e primeira mulher na escala sucessória dos nascimentos, eu tinha o cuidado dos meus irmãos mais velhos, Tuca, Carlinhos, Lô e Zé, e, é claro, eu ajudava no cuidado dos que vieram depois, Zélia, Tião, Fátima, Graça, Donério, Roberto e Márcia. Fátima, ainda criança, antecipou a sua viagem sem volta, e Tuca, o mais velho, companheiro de viagens do nosso pai, tomou a providência de acompanhá-lo, também, na viagem derradeira. Hoje somos dez os que sobreviveram às intempéries do mundo e, embora tenhamos vidas e personalidades diferentes e habitemos localidades distantes, honramos o amor de nossos pais, com a nossa incondicional união e mútua solidariedade.
Dentre todos os componentes desse contexto, quero destacar o Zé pela essência superior do seu ser. Ele é somente um ano mais velho que eu; quer dizer, eu tomei logo cedo o colo que era dele, o que
me enche de remorso. No entanto, ao invés de ciúmes, recebi desde
o primeiro instante o seu companheirismo. Desde bebês, estávamos
sempre juntos. Bagunçávamos o ambiente, por vezes derrubando e
quebrando coisas, e, quando descobertos, conforme relatos da velha
vó Dadinha, ele logo apontava para mim e dizia: “Foi Dade”.
Olhando para o túnel do passado, lembro-me de uma nossa
aventura em Serra Nova, onde nosso pai nos deixou enquanto viajava a
trabalho, bem pequenos ainda éramos. Simplesmente desaparecemos,
os dois, na mata que cobria parte da Serra Geral, naquela localidade
que depois se tornou reserva natural com o nome de Parque Serra
Nova. A avó Dadinha, responsável por nossa integridade física estando
nós no seu habitat, espalhou os moradores da vila em nossa busca.
O dia já findava quando nos encontraram perdidinhos em busca de
uma cobra muito linda que tinha balançado um atraente chocalho
(uma cascavel). Ao sermos levados à presença da avó em desespero,
não adiantou ao Zé dizer “Foi Dade”: ambos apanhamos feio. Para
mim, esse salvamento foi a primeira manifestação do poderoso Anjo
protetor que acompanha o Zé por toda sua vida.
Rumo à escola, eu sigo os passos de Zé no Grupo Escolar
Francisco Sá, onde ele se destacou pela inteligência e aplicação. Ao
final do 4º ano, foi premiado com um livro grande, de capa dura,
ilustrado, tão belo que acendia faíscas nos nossos olhos. Com esse livro
nas mãos, ainda pequenininho, internou-se no Seminário Diocesano
de Montes Claros para se preparar para ser padre, e lá permaneceu por
muitos anos. O regime do internato era austero e exigia dedicação.
O Zé adequou as suas necessidades e aspirações aos objetivos do
seminário, imprimindo excelência em tudo que lá produzia. Tinha
notas altas, participava com brilhantismo dos concursos de oratória,
em línguas. Lembro-me dele vencendo um concurso de oratória
em grego. Nas visitas mensais que os familiares podiam fazer ao
seminário, éramos brindados com peças teatrais esplêndidas, flashes
históricos dos tempos das Cruzadas. Nas férias, quando o Zé vinha para casa, a vizinhança se reunia para assistir a nossas missas. Digo
“nossas” porque fui sua sacristã. Lembro-me da vizinha dona Antônia,
das avós Sinhá e Dadinha, e mãe, contritas, comungando hóstias de
rodelas de banana, enquanto eu batia sonoramente o almofariz de
cobre e respondia “Et cum spiritu tuo”. A missa era perfeita, mesmo
assim eu, às vezes, por achar graça, soltava uma irreprimível risada no
meio da cena, ocasião em que o Zé me lançava um olhar fulminante.
E assim a vida foi passando. O Zé, sempre longe de nós,
transferiu-se para Diamantina, em busca do Seminário Maior, onde
iniciou os estudos de Teologia e Filosofia. Lá ele decidiu romper
com esse projeto e pensar num outro, mais condizente com a sua
expectativa de então. O choque inesperado para a família foi superado
e o Zé caminhou rumo a novo horizonte.
Mudou-se para Belo Horizonte e morou por um tempo com
a família de tio Antônio, cuja finura e generosidade facilitaram essa
etapa de sua vida. De lá o Zé foi para Brasília, onde explodiu na
liberdade do seu ser sempre contido. Classificou-se entre os primeiros
no vestibular para o curso de Economia da Universidade de Brasília
(UnB) e, numa época de grande agitação política, foi eleito presidente
de diretório estudantil na mesma universidade. Seu compromisso com
a ética e a liberdade levou-o a tomar parte em manifestações de repúdio
ao golpe de estado de 64 e à ditadura militar, que acabou resultando
na sua prisão pelos militares. Nesse momento, vi em minha casa, em
Montes Claros, longe de Brasília, os meus pais chorando e rezando,
confabulando segredos, queimando livros de capas vermelhas e
implorando ajuda e intervenção a deputados. O mano Carlinhos, que
estudava Medicina em Uberaba, estava em Brasília e intercedeu, mas
também foi preso até averiguação. Nessa passagem, eu percebi mais
uma manifestação do poderoso anjo protetor de Zé, que foi libertado
sem sofrer torturas.
O Zé, já conhecido e respeitado, tornou-se um namorador
contumaz. As moças se apaixonavam facilmente por ele e o disputavam
com determinação. Ele não tem a beleza de um galã, mas o seu ser especial, a educação extremada, a atenção que dispensa a todos, a
generosidade incansável, sua sabedoria e intelectualidade, até mesmo
a sua doçura, cativam e prendem para sempre.
Ao se formar economista, o Zé, através de concurso, foi
trabalhar na Receita Federal, iniciando sua carreira no serviço público,
para o qual tem grande vocação. Foi selecionado para estudos de pósgraduação
na Sorbonne por cinco anos e morou em Paris, onde se
casou com a paraibana Hermita Prazim, que para lá foi em busca
do seu amor, deixando para trás consultório de dentista. Ao retornar
ao Brasil, foi assessor de Mailson da Nóbrega, à época ministro da
Fazenda, e desde há muito é consultor legislativo do Senado, sendo
muito requisitado na área de tributação.
Tem um filho que adora, o Graciliano, lindo jovem ainda
estudante, em quem investe todas as suas expectativas. Adora arte,
conhece-a bem e com ela convive estreitamente, chegando a tornarse
um colecionador de obras de grandes nomes da história da arte
brasileira.
Joga bem o tênis e adora viajar, tendo me concedido a
oportunidade de acompanhá-lo em viagens memoráveis ao redor do
mundo. E foi nesta circunstância, de companheira de viagem, que
passei a admirá-lo e amá-lo mais e mais. Nessas viagens e através de suas
pacientes explanações, ele me ofereceu o esplendor do conhecimento
de parte do mundo. Assim, compartilhando do seu encantamento,
percorri grande parte do Canadá, Estados Unidos, Espanha, Portugal,
quase toda a Patagônia argentina e chilena, o Paraguai, e também
grande parte do Brasil. Ele adora dirigir nas estradas e todos os perigos
enfrentados foram sempre bem contornados com a ajuda nítida do
seu poderoso anjo.
Todos os irmãos a ele devem favores. Para beneficiá-los ainda
mais, adquiriu e ofereceu à família uma deliciosa casa de praia no sul
da Bahia. Assim também com a casa de Serra Nova, vila natal de nosso
pai, onde o Zé fez benfeitorias para um povo humilde e promoveu
a maior festa que aqueles arredores já viram, para comemorar o
centenário de nosso pai.
Para mim, o Zé é um exemplo maior de ser humano. Na sua
companhia, presenciei gestos de paciência, educação e tolerância
incomuns, para com todos que o rodeiam. Sempre fui alvo da sua
generosidade. Houve um tempo em que, devido às dificuldades
financeiras, eu estava empurrando carro na rua, sem poder trocá-lo, e
o Zé chegou com um carro de presente. Mais à frente, ele trocou este
carro dado por outro mais novo e melhor. Ele vive perguntando se
estou precisando de dinheiro ou alguma outra coisa, e eu emocionada
respondo que sim ou que não. Então pergunto: como não ser feliz
tendo um irmão como esse?
Eu, sim, sou muito feliz porque tenho você, Zé, como meu
irmão e agradeço a Deus esse privilégio, implorando-Lhe que lhe
conceda vida bem longa com saúde, paz, amor e tempo para receber
nossa gratidão.
Capa do Livro: Histórias de Serra Nova, em comemoração ao centenário de nascimento do nosso
pai Dário Silveira, organizado por José Patrocínio da Silveira e Roberto Patrocínio Silveira.
Filomena Alencar Monteiro Prates
Cadeira N. 74
Patrono: Luiz Milton Prates
A VIDA É UMA ETERNA
E SÁBIA MESTRA
A vida é uma eterna e sábia mestra que está sempre a nos ministrar aulas e trazendo sempre novas surpresas. Surpresas essas como podemos comprovar através desse título de Cidadã Montes-clarense que hoje recebo o que muito me honra, principalmente saber, que a partir de hoje sou uma das mais “novas” (aspas) das irmãs de vocês meus caros amigos de Montes Claros.
De coração já sou mineira há mais de quarenta anos quando aqui cheguei, vindo do Nordeste, deixando para trás aquele povo sofrido e castigado pelas intempéries das estações do ano, quando muitos esperam pelas chuvas e elas vão para outras plagas, causando muitas vezes o caos trazido pelas enchentes, enquanto que no Nordeste o sertanejo continua a olhar para o céu esperando o milagre das chuvas, depositando suas últimas esperanças no dia de São José – 19 de março – que segundo a crença, se chover neste dia a colheita estará assegurada.
Mas, meus amigos, o que me trouxe à Minas Gerais não foi a
seca e, sim, a ingratidão da política.
Meu pai era um advogado, com um bem montado escritório;
pequeno fazendeiro nas horas vagas, mas, sobretudo, apaixonado chefe
político do nada saudoso do Partido Social Democrático – PSD.
Quando Parsifal Barroso foi eleito governador do Ceará, o meu
pai apesar de haver sido vitorioso na eleição teve a grande tristeza de
ver um ente querido seu, ser assassinado por adversários políticos.
O velho Zequinha Monteiro, na época com sessenta e poucos anos
de idade, não pensou duas vezes, fez como o patriarca Noé, reuniu a
esposa, filhos, genros, noras e netos e partiu sem olhar para trás em
busca do país dos Gerais.
Na época eu cursava a Faculdade de Serviço Social em Fortaleza,
no último ano; o então seminarista Antônio Alencar (hoje Padre
Alencar)estudava teologia no seminário da Prainha, também em
Fortaleza. Veio para o seminário de Diamantina onde completou os
estudos, ordenando-se sacerdote no ano de 1962.
Do Ceará meu pai veio direto para a cidade de Coração de Jesus
(hoje tão bem aqui representada por meus familiares) onde comecei a
lecionar no Grupo Escolar Coronel Francisco Ribeiro como professora
primária. No ano seguinte (1959), conheci o jovem advogado Adão
Múcio Prates que, ao ser informado pelo seu pai Flaminio Prates da
chegada de um outro advogado (o meu pai), na cidade falou: “Esse
velho veio atrapalhar meu início de carreira”. Nem pensava que esse
mesmo velho um dia tornaria seu sogro.
Fiquei conhecendo Mucio em abril de 1959 e em 31 de julho
de 1960 nos casamos. Em Coração de Jesus nasceram meus primeiros
filhos: Cid, Célia, Cecília Maria e Carlos Eduardo. Já Ana Cristina e
André Felipe nasceram aqui em Montes Claros. O que me torna cada
vez mais montes-clarense do coração e por adoção.
Adão Múcio Prates, marido de Filomena
Senhor presidente da Câmara, Dr. Iran Rego, esse título que
hoje recebo me dignifica ainda mais por me ter sido conferido por V.
Excia., pessoa a quem muito admiro pela sua dignidade e honradez
como político e grande devoto e leal discípulo de Hipócrates a quem
nunca traiu o juramento feito quando de sua formatura em medicina.
Minha gratidão aos Srs. Vereadores pela aprovação do meu
nome; sem deixar de mencionar os nomes dos meus queridos ex-alunos
João Hamilton e Lipa Xavier de quem fui professora quando lecionava
no Colégio Tiburtino Pena, em Francisco Sá, onde Mucio
atuava como juiz da Comarca.
Seria impossível destacar nomes, pois são pessoas tão queridas
que não haveria papel que coubesse tão grande lista.
No entanto preciso agradecer a vocês pela acolhida maravilhosa
na nossa querida Montes Claros: a família Prates Ataíde por parte
do meu marido; a Sociedade Amigos da Cultura e Grupo Lisieux de
quem sou um dos mais humildes de seus membros e me orgulho de
pertencer.
Portanto meus irmãos montes-clarenses de uma coisa podem
ter certeza: estou muito feliz com esse título e tudo farei para honrá-lo
e dignificá-lo como Montes Claros bem merece.
Agradeço a presença do meu esposo Adão Múcio, de filhos,
genros, netos, irmãos e cunhado que estiveram presentes. (Falar sobre
S. V. não fica de pé, no dizer do meu pai)
SALVE MONTES CLAROS
Terra acolhedora, quando te conheci já eras centenária.
Quando aqui cheguei vindo do nordeste, era ainda uma velha senhora
que andava em passos lentos, mas, sempre buscando dias melhores
para teus filhos.
Eles cresceram, saíram para outros lugares em busca da perfeição;
nas letras, nas artes, no cinema etc. Ciro dos Anjos, Yara Tupinambá,
Carlos Alberto Prates e tantos outros que seria impossível
enumerá-los. Olhando para o passado minha bela Montes Claros,
vemos quanta coisa mudou. Temos Academia de Letras, Museus,
Centro Cultural, Instituto Geográfico, Arquidiocese, Conservatório
Musical, Unimontes e muitas outras Faculdades, onde jovens de varias
cidades vem em busca das tuas Fontes Culturais, matarem a sede
de novos conhecimentos. Morei na cidade de Coração de Jesus, lá
me casei e nasceram quatro filhos, os outros dois já nasceram aqui,
são Montesclarenses como eu, cujo titulo me foi outorgado pelo
ilustre presidente da Câmara Municipal Dr. Iran Rego, uma comenda
de que tanto me orgulho. Morei em Porteirinha onde fiz grandes
amizades e depois meu marido foi promovido para a Comarca de Francisco Sá, cidade querida e acolhedora onde me tornei “Brejeira de
Coração”. Hoje morando aqui nessa cidade, sinto orgulho de pertencer
ao Instituto Geográfico ao qual me dedico com grande afeição e à
Academia Feminina de Letras, a qual considero uma grande família.
Devo ainda citar com bastante entusiasmo a Academia Montesclarense
de Letras, onde seus membros são verdadeiros ícones do saber,
sendo que, muitos deles já se encontram em outro Plano Espiritual,
mas deixaram seus nomes gravados nos anais da tua historia querida
Montes Claros. Sempre que posso participo das reuniões em Casas
de Cultura, e recentemente em uma dessas reuniões, adquiri alguns
volumes de uma verdadeira Antologia do colega José Ferreira, ao qual
parabenizo, e que na sua linguagem simples e autêntica, fala da sua
juventude, dos esportes e enaltece a figura de seu pai, Sr. Galdino.
Sou Grata e Feliz por viver e compartilhar com as inúmeras entidades
culturais desta cidade, repletas de bons autores, colegas e amigos. Salve
Montes Claros.
Harlen Soares Veloso
Cadeira N. 26
Patrono: Cyro dos Anjos
A ORIGEM DOS VELOSO
DO NORTE DE MINAS
Cavalhada é o nome de uma tradicional celebração portuguesa que teve origem nos torneios medievais, em que os aristocratas exibiam, em espetáculos públicos, sua destreza e valentia. Envolvia temas do chamado período da “Reconquista”, processo histórico de retomada dos territórios conquistados pelos mouros (berberes que professavam a religião muçulmana) na Península Ibérica.
Conforme expõe em seu blog a jornalista Raquel Mendonça, “A mais antiga notícia sobre as Festas (de Agosto) data de 1839, segundo o grande e saudoso historiador e folclorista, Hermes Augusto de Paula, em seu livro ‘Montes Claros, Sua História, Sua Gente, Seus Costumes’ (...). Ao se comemorar a coroação de Dom Pedro II, em 8 de setembro de 1841, foram permitidos oficialmente vários divertimentos durante três dias: ‘Catopês (...); Cavalhadas, Volantins e quaisquer outros divertimentos que não ofendam a moral pública’. As belas “Cavalhadas” desapareceram com o tempo, assim como a figura do ‘Bumba-meu-Boi’, que integrava o cortejo”.
A propósito dessa esquecida manifestação cultural, encontra-se
em registros históricos um interessante conto que descreve o modo
como se desenvolvia a sua representação em Montes Claros. A preciosidade
literária (de imenso valor cultural e histórico) está publicada
no jornal “A Manhã”, do Rio de Janeiro, edição do dia 7 de maio
de 1950, suplemento “Letras e Artes”. Seu autor é o montesclarense
Antônio Versiani dos Anjos (26/08/1891 - 08/1970), irmão de meu
patrono, Cyro dos Anjos. Era farmacêutico (diplomado em Ouro Preto)
e escritor. Carlos Drumond de Andrade o definiu como “um narrador
cheio de malícia, poder de observação e talento”, na orelha de
seu livro “Viola de Queluz” (1956). Para a crítica da época, Antônio
Versiani “revivia com suas estórias o homem do interior mineiro, um
tipo social de infinitas possibilidades do mais puro aproveitamento
literário”.
Sem mais delongas, passo à transcrição do primoroso conto do
ilustre conterrâneo (com a grafia original da publicação fluminense).
“CAVALHADA
Iam em quente os últimos preparativos para ser levada a efeito a
festa da cavalhada moirana, velha evocação das pugnas entre mouros
e cristãos, que se realizava todos os anos nos meados de agosto em
Montes Claros, velha cidade mineira plantada num vale cheio de encantos,
debaixo de um céu azul marinho de beleza rara, jamais visto
em outras plagas que não as daquele sertão.
Os ensaios, que por espaço de dois meses foram feitos com regularidade
na várzea do Motoso já tinham sido dados como terminados,
prenunciando-se um êxito completo do drama ao ar livre que
ia reconstituir a tomada de Floripa, filha do rei cristão, e lutas que se
seguiram até à derrota do rei mouro, sua conversão à fé católica, para
finalizar com o casamento do soberano com a princesa.
Havia dois partidos políticos na cidade: o dos ‘estrepes’, que
torciam pelo grupo dos mouros, e o dos ‘pelados’, que o faziam com
igual entusiasmo, mas pelo lado dos cristãos. É que tomavam parte
naquela função pessoas de prol pertencentes aos partidos antagônicos.
Dentre os partidários mais ferrenhos dos cristãos, destacava-se
Bento Cafubá, mendigo acatado que tinha assento na farmácia do
Nandú, cujos traços marcantes da sua personalidade eram a sua intransigência,
gênio irrequieto e linguagem um tanto descomedida.
Lá estava ele refestelado a um canto do gradil, com a sua indefectível
manguara, assuntando o tempo, quando aparece o major Exupério,
um caboclo de modos estabanados à procura de digestivo. Exupério
iria desempenhar o papel de rei mouro nas corridas. Aparece solícito
Nandú para atende-lo, enquanto Bento Cafubá o olha de soslaio e,
já enervado que nem cascavel em cima da rodilha, à espera da bocada
que o ‘estrepe’, sempre que se oferecia oportunidade, lhe ativava.
- Então seu major, que me conta de novo? – disse Nandú.
- Muito ocupado com os ‘apreparativos’ da cavalhada, seu Nandú,
‘mas porém’ acho que o ‘trem’ vai agradar. Me arranja aí um amargo.
A uma ordem do farmacêutico, o caixeiro trouxe a beberagem
que o major sorveu de um trago.
- ‘Marga’ que nem ‘fel’, ‘mas porém’, é remédio superior. A gente
tomando ‘ele’ em antes, pode comer o que quiser que o estômago
‘constroe’. O senhor carece de tirar patente dele antes que qualquer
vadio carregue a receita e saia por aí a fazer milagres à sua custa.
Já foi a primeira bodocada para o Bento, que com supremo esforço
se fez de distraído para evitar discussão. Não satisfeito, virou-se
para ele:
- Tu ainda não foi para o asilo, ‘esse menino’?
- Não senhor. – respondeu Bento. Não quero ir para lá en
quanto não assistir a corrida de uns cavalinhos manquitolas que vai
ter amanhã, porque quero ver muita gente graúda borrar na retranca.
O Nandú, que é homem de boa paz, procurou mudar de assunto
e o major saiu pouco depois cuspindo grosso e olhando de banda
para Cafubá, que indiscutivelmente tirou vantagem nesse último embate.
- Mas você pintou com o major. É capaz dele ter saído agastado
com aquela sua resposta.
- Uai! Eu estou no meu quieto, o senhor bem viu. Prá que é
que aquele besta vem ‘jogar ponto’ por cima de mim? Eu sou pobre,
mas não como disaforo nem levo eles para casa. Respondo é no ‘sufragante’.
Continuou resmungando Bento Cafubá, quase em solilóquio,
porque Nandú atendia naquele momento a outros fregueses, dessa
vez clientes que vinham fazer consultas, como é frequente no interior.
O afluxo de gente, nessa ocasião, como sói acontecer em vésperas de
festa, era grande.
Não podendo desabafar com o farmacêutico, dirige-se ao coronel
Zacarias, velho procurador de partes que acabava de chegar:
- Pois é, coronel. A gente está ‘seus quieto’, chega umas ‘cria’
e entende de fazer pouco caso só porque é rico. Pode ‘insuquir’ os
dinheiros dele que eu, graças a Deus, posso passar sem ele porque
ainda tenho muitos amigos para me valerem. Não careço de adjutório
de ‘estrepe’ nenhum. O mal que ele pensa que eu tenho é ser pobre.
Pobreza algum dia foi defeito coronel?
- Não é defeito não, Bento. É aleijão. – respondeu o coronel
galhofeiro, a quem não faltava presença de espírito.
Bento não quis ouvir o resto das gargalhadas provocadas pela
piada do advogado. Saiu bufando – ‘Teve melhor’, – disse entre dentes.
Chega o grande dia das corridas. O Largo de Baixo, onde se
situava a velha igreja matriz, todo embandeirado, tendo em uma das
extremidades da praça, já armado o palanque, à guiza de castelo do
Rei cristão, devidamente ornamentado com varas de bambu, festões
(trecho truncado) o palanque, à guisa de castelo do trave para argolinha,
à semelhança de goal de futebol e, em cada ângulo do largo,
os bonecos de papelão espetados em postes para servirem de alvo aos
guerreiros, finalmente, a um canto, o rancho de capim do ‘espia’.
A banda de música ‘Euterpe’, tida como a melhor das duas existentes,
ricamente equipada com seu instrumental de metal amarelo
luzidio, também estava a postos com todas as ‘figuras’ devidamente
uniformizadas.
A grande praça se achava estivada de gente de toda a condição
social, tipo e raça, indumentária variadíssima, desde a que caracteriza
o povo das cercanias até a usada nos sítios mais distantes, numa redondeza
de trinta a quarenta léguas, emprestando um colorido heterogêneo
e original àquele cenário de festa regional. Não faltavam também
os granfinos da cidade e dos burgos circunvizinhos, quase todos
desafiando a canícula daqueles dias de verão com ternos de casemira
preta tresando a naftalina.
Tudo, porém, na melhor ordem, sem nenhuma necessidade de
assistência policial, tão somente na alegre expectativa do torneio que
ia realizar-se dentro de alguns momentos.
Havia também em torno da liça uma profusão de bancas de
refrescos, onde predominava a gengibirra, ‘quitandas’ (biscoitos e bolos),
afora os ambulantes de tabuleiro a cabeça oferecendo toda a sorte
de guloseimas e frutos diversos.
- Oólha a gengibirra, feitio do Leolino do Beco! ...
- Oólha os biscoito fofão ...
- Oólha os ‘panam’, cem réis cada um! ...
- Chega freguesia, óia o dinheiro e a vazia! ...
- Oóia as brevidade, feitio de Siá Mariquinha do Ó! ...
De súbito, cessaram os pregões quando a banda de música executou
um vibrante dobrado e Neco de Maria Enfeitada começou a
queimar os foguetes do Bernardo Calango. Era prenúncio da aproximação
dos cavaleiros.
Surgem, afinal, os cavaleiros cristãos em primeiro lugar, em torno
do seu rei, embaixador e princesa, todos montados em corcéis ricamente
ajaezados, os homens usando dolmans azuis, calças brancas,
botas de montaria, armados de lanças enfeitadas de fitas multicores,
espadas e pistolas a cinta. Dirigem-se para o lado do palanque, onde
se instalam o rei, a princesa e o embaixador. Em seguida aparece o
grupo mouro precedido do seu soberano, o major Exupério e respectivo
embaixador. Seus dolmans são vermelhos para se distinguirem
dos cristãos, assim como o revestimento dos arreios, que é também
encarnado.
Compareceram também o ‘espia’, que se foi alojar na palhoça, e
o ‘careta’, um cavaleiro avulso, apalhaçado e mascarado, como se fosse
o bobo do rei.
O entusiasmo era grande e empolgava a todos sem embargo,
entretanto, da bisbilhotice característica do sertanejo, que tudo esquadrinha,
comentando a seu modo, mansa e pacificamente, as menores
coisas, mas com regular dose de jocosidade.
- Ói, Tião, ói o Bento Cafubá no palanque do Siô Juca Feroz.
Véerge! Ta que nem cabe um alfinete e ‘pelado’ véi dos infernos, somentes
porque o coronel Nolasco cumprimentou ele.
Deixe ele, coitado. Está matando a saudade do tempo em que
foi embaixador. Hoje, com aquela perna esquecida perdeu o ‘prestígio’
prá correr.
O coronel Nolasco era o rei cristão. Figura desempenada, boa
altura e têz clara, usava uma bigodeira bem frisada e um andó. Às
vezes, algum ‘estrepe’ mais irreverente se aventurava a chamá-lo de
‘barba de bóde’ não encontrando, porém, guarida mesmo entre os
seus companheiros. Desempenhava satisfatoriamente o seu papel, o
que vinha já fazendo há anos, podendo considerar-se como a figura
central daquele tradicional torneio. Sabia na ponta da língua o que
teria a dizer quando fosse assaltado o seu castelo pelo rei mouro.
Não acontecia o mesmo, porém, com o major Exupério, caboclo
estabanado e bom peão, mas pouco versado em matéria de letras.
Velha ‘diferença’ do Bento Cafubá, este não tirava os olhos do
seu adversário sem perder os menores detalhes da sua atuação na doce
e ansiosa expectativa de um completo fracasso. Os debates eram longos
e não seria possível ao major guardar em sua cachola primária
todo o fraseado empolado do dramalhão medieval. Acompanhava
com indisfarçável interesse os vai-e-vem das personagens integrantes
da cena que ia em breve se desenrolar.
- Ta na hora dos debates, seu Juca. Ancê põe sentido no que vai
fazer o véi Exupério. Prá mim, ele vai ter um ‘fracasso’.
Acometem os mouros, seu rei à frente, para tomar ‘de surpresa’
o castelo e levar à viva força a princesa. Seguem-se os primeiros diálogos,
saindo-se com toda a naturalidade o coronel Nolasco. Já o major
Exupério, antevendo a breve e inevitável tomada da princesa, deixava-
se empolgar pelo arrebatamento emprestando mais ênfase a outras
frases que se sucederam, as quais já cheiravam a invectivas:
- ‘Insolente cristão! Não obstante terdes falado atrevidamente,
declaro: Eu sou o rei da Turquia, perseguidor dos cristãos! Governo os
astros, governo a terra e toda a força humana vem tombar aos meus
pés. Nasci pagão e pagão hei de ‘morrerei’. Nas guerras me nutri e
nelas prendo a perder o medo da morte’.
Bento Cafubá, esfregando as mãos de contente, grita entusiasmado
para o Juca Feroz.
- ‘Hei de morrer’, seu Juca!
- Deixa de ‘bestage’, menino. Ainda é cedo prá isso.
- Não é isso não, seu Juca. É o velho que já começa a errar o papel,
‘distiorando’ o tempo do verbo. Já começa a feder o ‘disgramado’.
Seguem-se outros lances, ao cabo dos quais a princesa, tentando
suicidar-se, é obstada pelo rei mouro, compelida depois a segui-lo.
Exclama:
- ‘Meu Deus! Que será de mim! Amparai-me! ...’
- Nesse momento Juca Feroz não se conteve, desabafando:
- Miserável! Se eu tivesse no lugar de compadre Nolasco, tu não
levava a princesa no fácil, ainda que fosse preciso espichar teu couro!
- Não se altere não seu Juca, que isso é do papel. Ela tem que
voltar de novo e no fim tudo vai dar certo. – disse o Bento Cafubá
para acomodá-lo.
Uma salva de palmas da parte dos torcedores do major Exupério
coroou sua saída triunfal levando consigo a princesa, ao som de
um dobrado da banda Euterpe e ao espoucar de foguetes. Juca Feroz
não deu de mão às armas porque estava desprevenido. Ficara previamente
estabelecido que ninguém as conduziria naquele dia, deixando-
as em casa.
Bento Cafubá acompanhou lívido o desenrolar dos outros lances
antes do entrevero final em que teria lugar a derrota do exército
mouro.
Antes de se ferir a batalha houve sucessivas trocas de mensagens
verbais por intermédio dos embaixadores de um e outro soberano. O
rei mouro, cada vez mais cheio de empáfia, respondia com arrogância
às intimidações do embaixador. Sua exaltação atingiu o clímax quan
do este, usando do mesmo diapasão, disse, brandindo raivosamente a
lança em tom de provocação:
- ‘Eu sou o Embaixador Cristão, que venho da parte do meu
Rei dizer-vos que entregueis a sua filha ou que vos rendais à fé católica
e que, se o contrário fizerdes, estará disposto a atravessar-vos com sua
vencedora espada’.
Antes esse ultimatum, o major Exupério perdeu de vez o domínio
de si.
Dirigiu-se furioso ao embaixador cristão e começou a gaguejar
porque se esquecera naquele momento do que deveria responder de
acordo com a deixa:
- ‘Atrevido embaixador... ousadamente me deste a... a tua embaixada.
Volta e diz a teu rei que... que... vai à....’
O nomaço saiu com grande estardalhaço sob o estrondo de
uma gargalhada contagiante que empolgou toda a assistência.
O embaixador cristão sorriu e disfarçou. Deu de rédea e volveu
ao seu soberano para transmitir a resposta, não a real, porque o rei
mouro, ao invés de enunciá-la, cobriu de pesado labéu a rainha mãe.
Cessada a agitação motivada pela mancada do major Exupério,
as outras partes da peça tiveram seu desempenho normal, rematando
a última com a apresentação do rei mouro depois da estrondosa
derrota. Humilhado, em frente ao palanque do rei cristão, dirigiu-se
à princesa:
- ‘Eis-me submisso aos vossos pés, soberana princesa. Maior
dos mortais, fui finalmente vencido por vosso pai porque sómente êle
poderia fazê-lo. Eu me sujeito aos vossos preceitos e juro fidelidade às
vossas leis’.
Seguiram-se as corridas para tirar argolinha e tudo acabou bem.
Contudo, ainda pairava uma dúvida no espírito de Juca Feroz.
Pediu esclarecimentos ao Bento Cafubá:
- No final, esse ‘suplicante’ depois de andar de deu em deu com
uma moça donzela ‘arreparou’ o mal? Quero saber como é que ficou
esse acerto.
- Uai, seu Juca! Foi batizado e depois se casou.
- Prá mim, não está bem certo esse final. ‘Vadiação’ dessa natureza
padece sangue. Compadre Nolasco devera de ‘sentar’ nele a ‘ferrage’
com aquele espadagão que tinha na cintura. Aliás, essas espadas
da guarda-nacional, que foram feitas prá brigar, acabam perdendo a
serventia. Enfim, como lá diz, ‘em todos causo, causo’. Deixa prá lá.
Acabou-se a festa memorável. Bento Cafubá, impando de satisfação,
reassumiu seu lugar na farmácia do Nandú, onde se vingou
das humilhações do major Exupério fazendo com incontida alegria a
narrativa do seu fracasso”.
Itamaury Telles de Oliveira
Cadeira N. 84
Patrono: Newton Prates
DE DR. CHAVES A DARCY RIBEIRO
Montes Claros, cidade “da arte e da cultura”, numa síntese genial cunhada pelo saudoso jornalista e teatrólogo Reginauro Silva, sempre foi um celeiro de grandes talentos.
Não é de hoje que a gente forjada no sertão norte - mineiro vem-se destacando não só em meio aos montanheses, mas muito além das montanhas de Minas, deixando rastro luminoso de perene brilho, nos variados campos do saber.
Tirante o evidente “jucapratismo” - bairrismo que nos é peculiar, inaugurado pela destacada figura de Juca Prates, para quem, devido ao seu acendrado amor pela terra natal, Montes Claros e seus números demográficos e econômicos eram vistos sempre com lupa de alta capacidade de ampliação -, a cidade é berço de destacadas figuras.
O montes-clarense de maior expressão nacional, que a história registra, e até hoje insuperado, é o jurista Antônio Gonçalves Chaves, filho do Cônego Chaves – que administrou a cidade por 12 anos ininterruptos. O Dr. Chaves, que seus conterrâneos o homenagea
ram dando seu nome à principal praça da cidade – a da Matriz -, foi
Presidente das Províncias de Santa Catarina e de Minas Gerais (cargo
que equivale ao de Governador, atualmente). Em 1890, foi eleito ao
Congresso Constituinte Nacional, sendo aclamado primeiro Presidente
da Câmara dos Deputados Federais. Quando se organizou o
Código Civil, ficou a seu cargo o capítulo sobre “Direito de Família”.
Rui Barbosa, em discurso, certa vez, chamou o Dr. Chaves de “mestre
de Direito Civil”. Foi depois eleito Senador Federal pelo Estado de
Minas Gerais, exercendo o mandato até 1903. Foi um dos fundadores
e Diretor da Faculdade de Direito de Minas Gerais. Em 1906, foi
eleito para o Senado Estadual Mineiro, cuja presidência ocupou, até
sua morte, em 1911.
No jornalismo, muitas estrelas montes-clarenses brilharam em
redações de jornais belorizontinos, com destaque para Newton Prates,
que acolheu e orientou, no extinto Diário da Tarde, o imberbe Rubem
Braga, e o transformou no maior cronista brasileiro. Em determinada
cerimônia, quando Braga recebia os louros de ser o Príncipe dos cronistas
brasileiros, não se esqueceu de agradecer àquele que considerava
o Rei da Crônica, o montes-clarense Newton Prates.
Também nos Diários Associados, mais especificamente na redação
do Estado de Minas, até hoje é lembrado um dos mais destacados
editorialistas daquele jornal, o montes-clarense Hermenegildo Chaves,
conhecido mais pelo epíteto de Monzeca.
Em tempos mais recentes, muitos repórteres, egressos de O Jornal
de Montes Claros e do Diário de Montes Claros, atuaram, com
raro brilho, em redações de jornais da Capital, conquistando prêmios
de abrangência nacional com suas reportagens.
Nas letras, escritores como Cyro dos Anjos e João Valle Maurício
ocuparam uma cadeira na Academia Mineira de Letras. Atualmente,
o grande representante de Montes Claros, na Academia Mineira,
é o jornalista e escritor Manoel Hygino dos Santos – um prolífico
cronista diário, autor de livros de grande aceitação pelo público leitor.
Onde Montes Claros se destaca, em nível nacional, todavia, é
na Academia Brasileira de Letras. A cidade é das poucas do interior
do País a ocupar, por duas vezes, uma cadeira na Casa de Machado de
Assis. Primeiro, com o escritor Cyro dos Anjos, que ocupou a cadeira
no. 1, em 1969; depois, com o antropólogo Darcy Ribeiro, eleito para
ocupar a Cadeira no. 11, em 1992.
Enquanto os romances de Cyro dos Anjos foram equiparados,
em qualidade, aos de Machado de Assis, Darcy Ribeiro - com obras
traduzidas para diversos idiomas - figura entre os mais notórios intelectuais
brasileiros.
Como se vê, é com sobra de razão que o montes-clarense se
ufana com a grandeza de sua gente...
Ao contrário de outras cidades, que erigem monumentos a seus
imortais, Montes Claros está em débito não só com Cyro dos Anjos,
mas também com Darcy Ribeiro. Ambos merecem estátuas em logradouro
público, para que seus admiradores possam fazer “selfies”
interagindo com “eles”.
Sugeri, há tempos, que Cyro fosse homenageado com estátua,
sentado em banco a contemplar o Solar dos Oliveira – onde morava a
“Menina do Sobrado”; e Darcy, com estátua na entrada do “Campus”
da Unimontes – que leva o seu nome – com aquela imagem descontraída
que ilustra a capa de “Confissões”, seu último livro.
Numa era em que a Prefeitura enche praças e avenidas com
gigantescas borboletas metálicas, homenageando destacadas figuras
femininas locais, está na hora de serem lembrados os imortais da Academia
Brasileira de Letras, que nasceram sob a sombra de tuas asas...
Lázaro Francisco Sena
Cadeira N. 55
João Luiz de Almeida
OS SETENTA ANOS DA ACI
Dia 30 de dezembro deste ano de 2019, a Associação Comercial, Industrial e de Serviços – ACI de Montes Claros está completando 70 (setenta) anos de fundação e exercício de suas atividades nesta cidade. É um marco notável, que precisa ser registrado nos anais do Instituto Histórico e Geográfico – IHGMC, para conhecimento da posteridade.
A cidade de Montes Claros, pela sua privilegiada situação geográfica, já nasceu sob a égide de entreposto comercial da região, desde os tempos coloniais do ouro e do diamante, quando se transformou no maior fornecedor de produtos agropecuários para exploração e manutenção das minas. E o exercício dessa sua pioneira vocação logo despertou a necessidade de criação das primeiras indústrias, muitas delas de caráter rudimentar e artesanal, como eram os curtumes para couros de gado bovino. Mas o “campo” era propício para o desenvolvimento das duas atividades, tanto a comercial como a industrial, criando-se logo a necessidade de organização e controle, para evitar a desordem em seu crescimento.
EXPERIÊNCIAS ANTERIORES
Conforme registram os historiadores Hermes de Paula, em sua
obra “Montes Claros: sua História, sua Gente e seus Costumes”, e
Henrique de Oliva Brasil, com a sua “História e Desenvolvimento
de Montes Claros”, há mais de setenta anos a cidade já vivenciara a
criação de algumas entidades associativas voltadas para as atividades
comerciais, sem lograr continuidade, por motivos diversos. Em 1905,
por iniciativa de Antônio Augusto Teixeira, foi criada uma entidade
patronal associativista, que nem iniciou suas atividades, talvez em razão
da inexperiência e falta de conhecimentos específicos dos associados.
Em 12 de setembro de 1920, o professor Cícero Pereira reuniu
alguns comerciantes, para retomar o ideal de associativismo, levando
adiante o ideal de Antônio Augusto Teixeira e criando a primeira associação
de Montes Claros, contando com nomes importantes da época
para sua diretoria, como o presidente Francisco Ribeiro dos Santos.
Sabe-se que uma de suas conquistas foi o fechamento do comércio
aos domingos, depois do meio-dia. Embora com bom trabalho, essa
entidade também não prosperou. Em 14-01-1935, criou-se mais uma
instituição, denominada Associação Comercial de Montes Claros,
sob a presidência de João Paculdino Ferreira. Essa associação apresentou
bom desempenho, como foi a criação da Escola de Comércio da
cidade, mas não motivou os seus associados, encerrando suas atividades,
por falta de interesse e frequência. Só mais tarde, por iniciativa
do Rotary Club, a associação voltou ao debate público, como órgão
necessário ao desenvolvimento de Montes Claros.
O RENASCIMENTO
Consta do artigo 1º de seu estatuto que a entidade associativa
foi “reorganizada aos trinta dias do mês de dezembro do ano de
1949”, com o nome de “Associação Comercial de Montes Claros”.
Essa, portanto, seria a data oficial de sua “reorganização”, consideran
do que outra entidade homônima já então existira, “fundada” em 14
de janeiro de 1935. Acredita-se que essa última data não prevaleceu,
em razão da falta de um estatuto próprio, que fosse registrado em
cartório.
A seguir, transcrição dos artigos 100 e 101 do estatuto em vigor,
com termo de aprovação pela Assembleia Geral realizada em 28 de
janeiro de 1951. O nome do secretário não aparece no termo, mas a
grafia apresenta alguma semelhança com a assinatura do presidente
Plínio Ribeiro dos Santos. Embora se faça referência à ata da reunião,
que teria sido lavrada em “livro competente”, tal livro não foi localizado
na sede da ACI:
***
SEDE PRÓPRIA: O GRANDE DESAFIO
Conforme se pode verificar na relação de assinaturas do termo
de aprovação de seu estatuto, a nova Associação Comercial de Montes
Claros renasceu forte, pela presença e participação das principais
lideranças da cidade na assembleia geral realizada em 28 de janeiro
de 1951. O passo seguinte seria a construção da sede própria. Após
exercer a presidência durante o biênio 1950/1951, o professor Plínio
Ribeiro passou o cargo para o comerciante Antônio Loureiro Ramos,
que assumiu a responsabilidade por aquela obra. Com esforço, dedicação
e exemplos, o novo presidente conseguiu o apoio e a colaboração
dos associados e, durante os cinco anos de seu alongado mandato,
conseguiu construir um majestoso prédio de três pavimentos, situado
na rua Carlos Gomes, nº 110, mesmo local onde ainda se encontra,
por sinal, bastante imponente. A inauguração da sede própria aconteceu
a 16 de julho de 1955, em solenidade festiva, com a participação
do governador do Estado, o doutor Clóvis Salgado, que substituiu o
titular Juscelino Kubitschek, em campanha para a eleição de presidente
da República.
A SUDENE COMO PARCEIRA
A partir de 1959, com a criação da Superintendência de Desenvolvimento
do Nordeste-SUDENE, cuja área de abrangência incluía
também o Norte de Minas, a Associação Comercial se transformou
em parceira daquela autarquia federal, pois as duas instituições visavam
a um mesmo objetivo: o desenvolvimento econômico e social da
região. Quando a SUDENE aqui chegou, instalando o seu escritório
em 1965, já encontrou uma Associação Comercial consolidada, conhecedora
dos problemas regionais que emperravam o seu desenvolvimento,
como era a carência de energia elétrica para implantação
de grandes projetos. Essa questão, porém, ficou solucionada, com a
ligação da rede de transmissão diretamente de Três Marias, naquele
mesmo ano de 1965. Estava, portanto, criada uma parceria bastante
promissora. Como a maioria absoluta dos projetos aprovados com os
incentivos fiscais e os benefícios da SUDENE eram de caráter industrial,
não restou outra alternativa à Associação Comercial senão assimilar
esse novo segmento do progresso e transformar-se em Associação
Comercial e Industrial. A consequência esperada da parceria logo
se fez sentir, com a cidade se transformando em metrópole regional a
exigir o surgimento de inúmeras prestadoras de serviços, pelo seu progresso
e crescimento. Mais uma transformação, agora para Associação
Comercial, Industrial e de Serviços – ACI de Montes Claros.
FENICS: EVENTO MAIOR
A Feira Nacional da Indústria, Comércio e Serviços – FENICS
de Montes Claros, realizada anualmente pela ACI, transformou-se em
evento de caráter nacional, trazendo para a cidade as amostras mais
notáveis das inovações tecnológicas que promovem o desenvolvimento
e gerando um ambiente de negócios altamente favorável para todos
os participantes. Neste ano de 2019, entre os dias 12 e 15 de setembro,
realizou-se a 24ª edição da FENICS, no parque de exposições
João Alencar Athayde, ocupando uma área de 12.000 metros quadrados,
somente para a instalação dos 250 estandes, todos eles comercializados
para os expositores interessados. Assim como as “Festas de
Agosto”, a “Exposição Agropecuária” e a “Festa do Pequi”, a FENICS
já se incorporou ao calendário dos grandes eventos anuais capazes de
mobilizar toda a sociedade montes-clarense.
Newton Carlos Amaral Figueiredo
PARABÉNS, ACI, PELO SEU ANIVERSÁRIO!
O Instituto Histórico e Geográfico de Montes Claros, como
observador do processo desenvolvimentista do presente, para se transformar
em guardião da memória histórica no passado, vem cumprimentar
essa mola mestra do desenvolvimento regional, a Associação
Comercial, Industrial e de Serviços – ACI, pelo seu aniversário, na
pessoa de seu atual presidente, o doutor Newton Carlos Amaral Figueiredo.
Não importa quanto tempo de atividades estamos festejando,
mas a marca dos setenta anos de trabalhos ininterruptos e produtivos
realmente merece muita comemoração.