INSTITUTO HISTÓRICO E GEOGRÁFICO DE MONTES CLAROS

Fundado em 27 de dezembro de 2006.

VOLUME XX

Montes Claros
Minas Gerais - Brasil
2018


NOTAS DOS
COORDENADORES DA EDIÇÃO

A ordem de publicação dos trabalhos dos associados efetivos obedeceu à sequência alfabética dos nomes dos autores. Em seguida, foram ordenados os trabalhos dos associados correspondentes e convidados; A Revista não se responsabiliza por conceitos e declarações expedidos em artigos publicados, nem por eventuais equívocos de linguagem nela contidos. A revisão dos originais foi feita pelos próprios autores dos artigos publicados.

FINS DO IHGMC

Art. 2º - O IHGMC tem como finalidade pesquisar, interpretar e divulgar fatos históricos, geográficos, etnográficos, arqueológicos, genealógicos e suas ciências e técnicas auxiliares, assim como fomentar a cultura, a defesa e a conservação do patrimônio histórico, artístico, cultural e ambiental do município de Montes Claros e região Norte de Minas.

.


INSTITUTO HISTÓRICO E GEOGRÁFICO DE MONTES CLAROS

Sobrado de Dulce Sarmento
Rua Cel. Celestino, 140 - Centro - 39400-014 - Montes Claros/MG
(Corredor Cultural Padre Dudu)

REVISTA DO INSTITUTO HISTÓRICO
E GEOGRÁFICO DE MONTES CLAROS

Publicação Semestral

Diretor e Editor
Dário Teixeira Cotrim

Conselho Editorial
Dário Teixeira Cotrim
Wanderlino Arruda
Sebastião Abiceu
João de Jesus Malveira

Editoração e Diagramação
Gráfica Editora Millennium Ltda.

Dário Cotrim, Clarice Sarmento, Felicidade Patrocínio, Marilene Tófolo, Sebastião
Abiceu, Cláudio Prates, Yury Tupinambá, Alberto Sena Batista, Beto Caldeira e
Wanderlino Arruda

Impressão
Gráfica Editora Millennium Ltda.
ISBN: 978-85-67049-89-2


CAPA: Praça da Estação


SUMÁRIO

Diretoria 2018–2019 - 07
Associados Efetivos - 10
Associados Eméritos - 12
Associados Honorários - 12
Associados Correspondentes - 13
Homenagem a Associados Falecidos - 15
Apresentação - 17

Amelina Chaves
Para os Amigos que se Foram - 21
Antônio Augusto Pereira Moura
A Expansão dos Domínios Fechados em Montes Claros - 25
Clarice Sarmento
A Boneca de Leonel - 46
Dário Teixeira Cotrim
A Boneca de Leonel - 49
Dóris Araújo
Ethomar Santoro - 53
Felicidade Patrocínio
Amelinha: Festa na Missa de Ressurreição - 57
Harlen Soares Veloso
“Soarinho”: Um Homem Zeloso Pelo Bem Comum - 60
Ivana Ferrante Rebello
Manoel Ambrósio de Oliveira: Um Escritor do Norte de Minas Gerais, do Início do Século XX - 68
Jânio Marques Dias
O Espaço Geográfico do Sertão Norte
Mineiro e Suas Múltiplas Visões de Mundo e de Sagrado - 78

José Ponciano Neto
Maçonaria: “Segredos” que Instigam. Eles Existem? - 88
Juvenal Caldeira Durães
O Talento que Surpreende - 95
Lázaro Francisco Sena
Cabo Santana, Você Conhece? - 98
Leonardo Álvares da Silva Campos
Prefácio - 106
Manoel Messias Oliveira
A Saga do Coronelismo - 111
Mara Narciso
Quando um Ídolo Vira Estrela, Torna-se Lenda - 117
Maria da Glória Caxito Mameluque
Lar das Velhinhas: Centro Feminino de Longa Permanência - 120
Maria de Lourdes Chaves
O Bardo Lola Chaves – Historinha Seresteira - 126
Marilene Veloso Tófolo
Mirabela - 128
Narciso Gonçalves Dias
Terra da Criatividade - 133
Wanderlino Arruda
O Livro “Reflexões” de Marcelo Freitas - 136
Virgínia Abreu de Paula
Crise de Saudade numa Tarde de Chuva - 141
Pedro Ribeiro Neto
A Arte Rupestre - 147


DIRETORIA DO INSTITUTO HISTÓRICO E
GEOGRÁFICO DE MONTES CLAROS


Fundado em 27 de dezembro de 2006.

COMISSÃO FUNDADORA 2006-2007

Dr. Dário Teixeira Cotrim
Dr. Haroldo Lívio de Oliveira
Jornalista Luís Ribeiro dos Santos
Dr. Wanderlino Arruda


DIRETORIA 2018-2019


PRESIDENTE DE HONRA Palmyra Santos Oliveira
PRESIDENTE Dário Teixeira Cotrim
1º VICE - PRESIDENTE Lázaro Francisco Sena
2º VICE - PRESIDENTE Sebastião Abiceu dos Santos Soares
DIRETOR-SECRETÁRIO Maria Aparecida Costa
DIRETOR-SECRETÁRIO ADJUNTO Maria da Glória Caxito Mameluque
DIRETOR DE FINANÇAS José Ferreira da Silva
DIRETOR DE FINANÇAS ADJUNTO José Jarbas Oliveira Silva
DIRETORA DE PROTOCOLO Wanderlino Arruda
Diretor de Comunicação Social Silvana Mameluque Mota
Diretor de Arquivo, Biblioteca e Museu Dorislene Alves Araújo

CONSELHO CONSULTIVO

Membros Efetivos
Maria de Lourdes Chaves
Terezinha Gomes Pires
Virgínia Abreu de Paula
Membros Suplentes
Magnus Dener Medeiros
Hélio Veloso de Morais
Maria Jacy de Oliveira Ribeiro

CONSELHO FISCAL

Membros Efetivos
Evaldo Jener de Fátima
Expedito Veloso Barbosa
Narciso Gonçalves Dias
Membros Suplentes
Américo Martins Filho
Antônio Augusto Pereira Moura
Roberto Carlos Moraes Santiago

COMISSÃO DE GEOGRAFIA E ECOLOGIA

Rita de Cássia Oliveira Bichara
José Ponciano Neto
Evany Cavalcante Brito Calábria
Maria Regina Barroca Peres
Vânia Rosália Veloso Assis Dias

COMISSÃO DE HISTÓRIA E ARQUEOLOGIA

Denilson Meireles Barbosa
Leonardo Álvares da Silva Campos
Clésio Kefren Paulino
Manoel Freitas Reis
César Henrique Queiroz Porto

COMISSÃO DE ANTROPOLOGIA,
ETNOGRAFIA E SOCIOLOGIA

Maria Ângela Figueiredo Braga
Hélio Antônio Maia
Jânio Marques Dias
Frederico Assis Martins
Eliane Maria Fernandes Ribeiro

COMISSÃO DE CLASSIFICAÇÃO E DE
ADMISSÃO DE SÓCIOS

Amelina Chaves
Marilene Veloso Tófolo
Juvenal Caldeira Durães
Zoraide Guerra David
Maria Lúcia Becattini Miranda

COMISSÃO DE DOCUMENTAÇÃO E PUBLICAÇÃO

Júnia Velloso Rebello
Yury Vieira Tupinambá de Léllis Mendes
Ivana Ferrante Rebello e Almeida
Daniel Tupinambá Lélis
Maria Clara Vieira Lage

COMISSÃO DE VISITA E APOIO

João de Jesus Malveira - Coordenador
Edvaldo Aguiar Froes
Ângela Martins Ferreira
Felicidade Maria do Patrocínio Oliveira
Harlen Soares Veloso

COMISSÃO DE PROMOÇÕES E EVENTOS

Ana Valda Xavier Vasconcelos
Josecé Alves dos Santos
Teófilo de Azevedo Filho (Téo Azevedo)
Maria de Lourdes Chaves (Lola Chaves)
Augusta Clarice Guimarães Teixeira (Clarice Sarmento)


LISTA DE SÓCIOS EFETIVOS DO IHGMC

CD
Sócios
Patronos
01
Edvaldo de Aguiar Fróes Alpheu Gonçalves de Quadros
02
Milene A. Coutinho Maurício Alfredo de Souza Coutinho
03
Antônio Alvimar Souza Antônio Augusto Teixeira
04
Maria do Carmo Veloso Durães Antônio Augusto Veloso (Desemb.)
05
Dóris Araújo Antônio Ferreira de Oliveira
06
Marcos Fábio Martins Oliveira Antônio Gonçalves Chaves
07
Maria Aparecida Costa Antônio Gonçalves Figueira
08
Jânio Marques Dias Antônio Jorge
09
Narcíso Gonçalves Dias Antônio Lafetá Rebelo
10
Maria Florinda Ramos Pina Antônio Loureiro Ramos
11
Sebastião Abiceu dos Santos Soares Ary Oliveira
12
Antônio Augusto Pereira Moura Antônio Teixeira de Carvalho
13
Cesar Henrique Queiroz Porto Ângelo Soares Neto
14
Ana Valda Xavier Vasconcelos Arthur Jardim Castro Gomes
15
Magnus Denner Medeiros Ataliba Machado
16
VAGA Athos Braga
17
Expedito Veloso Barbosa Auguste de Saint Hillaire
18
Frederico Assis Martins Brasiliano Braz
19
Paulo Hermano Soares Ribeiro Caio Mário Lafetá
20
Felicidade Maria do Patrocínio Oliveira Camilo Prates
21
Terezinha Gomes Pires Cândido Canela
22
Silvana Mameluque Mota Carlos Gomes da Mota
23
Hélio Veloso de Morais Carlos José Versiani
24
José Ponciano Neto Celestino Soares da Cruz
25
VAGA Corbiniano R Aquino
26
Harlen Soares Veloso Cyro dos Anjos
27
Regina Maria Barroca Peres Dalva Dias de Paula
28
Hélio Antônio Maia Darcy Ribeiro
29
VAGA Demóstenes Rockert
30
Maria Lúcia Becattini Miranda Dona Tirbutina
31
Clarice Sarmento Dulce Sarmento
32
José Catarino Rodrigues Edgar Martins Pereira
33
Wanderlino Arruda Enéas Mineiro de Souza
34
Geralda Magela de Sena e Souza Eva Bárbara Teixeira de Carvalho
35
Antônio Ferreira Cabral Ezequiel Pereira
36
Felicidade Vasconcelos Tupinambá Felicidade Perpétua Tupinambá
37
Evaldo Gener de Fátima Francisco Barbosa Cursino
38
Maria Inês Silveira Carlos Francisco Sá
39
VAGA Gentil Gonzaga
40
Maria da Glória Caxito Mameluque Georgino Jorge de Souza
41
Reinine Simões de Souza Geraldo Athayde
42
VAGA Geraldo Tito da Silveira
43
Benedito de Paula Said Godofredo Guedes
44
Roberto Carlos M. Santiago Heloisa V. dos Anjos Sarmento
45
VAGA Henrique Oliva Brasil
46
Eliane Maria F Ribeiro Herbert de Souza – Betinho
47
Amelina Fernandes Chaves Hermenegildo Chaves
48
Maria das Dores Antunes Câmara Hermes Augusto de Paula
49
José Ferreira da Silva Irmã Beata
50
Délio Pinheiro Neto Jair Oliveira
51
Evany Cavalcante Brito Calábria João Alencar Athayde
52
Ângela Martins Ferreira João Chaves
53
Vânia Rosália Veloso Assis Dias João Batista de Paula
54
Cláudio Ribeiro Prates João José Alves
55
Lázaro Francisco Sena João Luiz de Almeida
56
Ivana Ferrante Rebelo João Luiz Lafetá
57
Euprônio Costa Campos João Novaes Avelins
58
Maria Ângela Figueiredo Braga João Souto
59
VAGA João Vale Maurício
60
Manoel Messias Oliveira Jorge Tadeu Guimarães
61
Clésio Kefren Paulino José Alves de Macedo
62
José Jarbas Oliveira Silva José Esteves Rodrigues
63
VAGA José Gomes Machado
64
Palmyra Santos Oliveira José Gomes de Oliveira
65
Maria de Lourdes Chaves José Gonçalves de Ulhôa
66
Fabiano Lopes de Paula José Lopes de Carvalho
67
Denilson Meireles José Monteiro Fonseca
68
Benjamim Ribeiro Sobrinho José Nunes Mourão
69
Rita de Cássia Oliveira Bichara José (Juca) Rodrigues Prates Júnior
70
VAGA José Tomaz Oliveira
71
Edwirges Teixeira de Freitas Júlio César de Melo Franco
72
Júnia Veloso Rebello Lazinho Pimenta
73
VAGA Lilia Câmara
74
Filomena Alencar Monteiro Prates Luiz Milton Prates
75
Alceu Augusto de Medeiros Manoel Ambrósio
76
Manoel Freitas Reis Manoel Esteves
77
Maria Jacy de Oliveira Ribeiro Mário Ribeiro da Silveira
78
Américo Martins Filho Mário Versiani Veloso
79
Valdecy Gouveia Rodrigues Mauro de Araújo Moreira
80
Vaga Miguel Braga
81
Juvenal Caldeira Durães Nathércio França
82
Josecé Alves dos Santos Nelson Viana
83
Daniel Oliva Tupinambá de Lélis Newton Caetano d’Angelis
84
Itamaury Telles de Oliveira Newton Prates
85
VAGA Armênio Veloso
86
Zoraide Guerra David Patrício Guerra
87
VAGA Pedro Martins de Sant’Anna
88
João de Jesus Malveira Plínio Ribeiro dos Santos
89
VAGA Robson Costa
90
Teófilo Azevedo Filho (Téo) Romeu Barcelos Costa
91
Wesley Caldeira Sebastião Sobreira Carvalho
92
VAGA Sebastião Tupinambá
93
Dário Teixeira Cotrim Simeão Ribeiro Pires
94
Luiz Pires Filho Teófilo Ribeiro Filho
95
Marilene Veloso Tófolo Terezinha Vasquez
96
Yure Vieira Tupinambá de Lelis Mendes Tobias Leal Tupinambá
97
Leonardo Alvares da Silva Campos Urbino Vianna
98
Mara Yanmar Narciso Virgilio Abreu de Paula
99
Virgínia Abreu de Paula Waldemar Versiani dos Anjos
100
Maria Clara Lage Vieira Wan-dick Dumont

Sócios Correspondentes

Adriano Souto - Belo Horizonte - MG
Alan José Alcântara Figueiredo - Macaúbas - BA
Alberto Sena Batista -Grão Mogol - MG
André Kohene - Caetité - BA
Armênio Graça Filho - Rio de Janeiro - RJ
Avay Miranda - Brasília - DF
Carlos Lindemberg Spínola Castro - Belo Horizonte - MG
Carmem Netto Victória - Belo Horizonte - MG
Cláudia Correia Costa - Carvalho Luz - MG
Cintia Bernes - Belo Horizonte - MG
Célia do Nascimento Coutinho - Belo Horizonte - MG
Daniel Antunes Júnior - Espinosa - MG
Dêniston Fernandes Diamantino - Januária - MG
Enock Sacramento - São Paulo - SP
Eustáquio Wagner Guimarães Gomes - Belo Horizonte - MG
Fernando Antônio Xavier Brandão - Belo Horizonte - MG
Flávio Henrique Ferreira Pinto - Belo Horizonte - MG
Genoveva Ruisdias - Belo Horizonte - MG
Hermano Baggio - Pirapora - MG
Honorato Ribeiro dos Santos - Carinhanha - BA
Jeremias Macário Vitória da - Conquista - BA
João Martins - Guanambi - BA
José Francisco Lima Ornelas - África do Sul
Jorge Ponciano Ribeiro - Brasília - DF
José Walter Pires - Brumado - BA
Manoel Hygino dos Santos - Belo Horizonte - MG
Maria do Carmo de Oliveira - Porteirinha - MG
Moisés Vieira Neto - Várzea da Palma - MG
Pedro Oliveira - Várzea da Palma - MG
Regina Almeida - Belo Horizonte - MG
Reynaldo Veloso Souto - Belo Horizonte - MG
Terezinha Teixeira Santos - Guanambi - BA
Wellington Caldeira Gomes - Belo Horizonte - MG
Zanoni Eustáquio Roque Neves - Belo Horizonte - MG
Zélia Patrocínio Oliveira Seixas - Aracajú - SE
Zilda de Souza Brandão (Bim) - Belo Horizonte - MG


ASSOCIADOS HONORÁRIOS

Djalma Souto Santos
Edilson Carlos Torquato
Irany Telles de Oliveira Antunes
Girleno Alencar Soares
João Carlos Rodrigues Oliveira
José Antônio Correa Mourão
Luís Ribeiro dos Santos
Mardete Dias Silveira
Newton Carlos do Amaral Figueiredo
Pedro Ribeiro Neto
Raquel Veloso de Mendonça


HOMENAGEM A
ASSOCIADOS FALECIDOS

EPITÁFIO

Para um túmulo de amigo

“A morte vem de manso, em dia incerto e fecha os olhos
dos que têm mais sono...”

(Alphonsus de Guimaraens - ossa mea, I.)



Dário Teixeira Cotrim
Cadeira N. 93
Patrono: Simeão Ribeiro Pires

APRESENTAÇÃO

Estamos completando agora vinte volumes da Revista do nosso Instituto Histórico. É um trabalho árduo e ao mesmo tempo gratificante, pois é a realização de um sonho, superando todas as expectativas. É uma realidade. Podemos dizer que o Instituto Histórico e Geográfico de Montes Claros se alicerçou de uma vez por todas com a sua sede própria no antigo sobrado de Dulce Sarmento. Portanto, “entendemos que a história não representa apenas memória, porque esta pressupõe tradição, passado, apologética, valores no lugar dos quais se impõem verdade, tempo histórico voltado para o presente e visão crítica”. Em síntese, descobre-se que a história, além da arte memorialista, é o caminho mais curto para a perfeição e a valorização do conhecimento humano. Portanto, durante esses quase doze anos acreditamos que era possível fazer a história acontecer. E ela está acontecendo!

Dizer que Montes Claros é uma cidade sem memória chega a ser um acinte imperdoável. Aqui estão os mais consagrados escritores do Estado de Minas Gerais, quiçá do Brasil. Em razão disso o Norte de Minas e o Vale de Jequitinhonha terão uma biblioteca exclusiva na sede do Instituto para eternizar os valores de nossas letras. Por outro lado, é bom que se diga que as Revistas do Instituto têm publicados textos que resgatam a história e a memória da cidade e da região.

Portanto, esperamos que o leitor encontre nas páginas que se seguem os registros ou algo semelhante que possam lhe trazer o prazer da leitura e a oportunidade de conhecer melhor e mais a nossa história. Pois é sem dúvida que estamos contribuindo com uma parcela razoável de estímulo e dedicação à pesquisa, tão útil para o engrandecimento de nossa entidade. Se algum mérito possa ter esta Revista, o transferimos aos seus participantes. São eles: Amelina Chaves, Antônio Augusto, Clarice Sarmento, Dóris Araújo, Harlen Veloso, Ivana Rebello, Jânio Dias, José Ponciano, Juvenal Caldeira, Lázaro Sena, Leonardo Campos, Manoel Messias, Mara Narciso, Glorinha Mameluque, Felicidade Patrocínio, Lola Chaves, Marilene Tófolo, Narciso Dias, Pedro Ribeiro, Wanderlino Arruda e Virgínia de Paula. Enfim, essa circunstância nos conforta e nos recompensa e paralelamente afirmamos categoricamente que a cidade de Montes Claros tem, sim, memória!




Amelina Chaves
Cadeira N. 47
Patrono: Hermenegildo Chaves

PARA OS AMIGOS QUE SE FORAM
Elthomar Santoro , Haroldo Lívio,
Yvonne Silveira e Ildeu Braúna

“Tudo tem seu tempo determinado”.

Por mais que contestamos estas palavras, ainda assim nada podemos fazer, pois ninguém mudar o destino das coisas de Deus. Somos frágeis diante do poder maior. Por isso eles se foram, segundo a crença, voaram para o infinito em busca da sonhada paz celestial. Será que ela existe? Jamais alguém voltou para nos contar. O lado invisível das coisas está apenas na imaginação dos homens e na fé que os alimentam, como um lenitivo paras nossas dores.

ELTHOMAR SANTORO foi o primeiro adiantar sua partida. Lembro-me sempre da sua figura exótica, contestador e criativo, um grande músico, sempre que me encontrava me abraçava com força e cantava nos meus ouvidos, assim: “Meu amor se você for embora, eu me mato, eu me mato...”, em seguida ele me beijava, estouvadamente, roçando a barda no meu rosto. Gostava dos seus gestos, sabia que eram sinceros e autênticos. Pedia-me conselhos como se faz a uma pessoa mais velha. Admirava suas atitudes, incompreendidas por muitos. Como todos os poetas ele sonhava além da sua realidade. Será sempre um amigo inesquecível. É parte do cancioneiro popular.

HAROLDO LÍVIO DE OLIVEIRA foi um diplomata, de educação aprimorada e grande historiador. Nos o encontrávamos na Feira de Arte, chamava atenção pela sua elegância, sempre bem vestido, sua figura empunha respeito a nossa Academia de Letras pela sua sabedoria, sem ostentação, pois nada fazia para aparecer. Escrevia por amor a nossa história e seus personagens que marcaram uma época. Nas manhãs de domingo quando me encontrava sempre dizia: “Amelina, você é a dama da Cultura, escreve brincando qualquer tema, especialmente sobre os Amores Proibidos”. Palavras que me levaram a titular um dos romances. Elogios exagerados de quem ama a escrita, mas eu ficava feliz ao encontrar nas suas palavras o alimento para a minha ilusão de escritora. Foi um homem tão sábio e simples. A sua partida nos deixou um vazio imenso de saudade!

YVONNE DE OLIVEIRA SILVEIRA a doce mulher Que viveu um século entre nós, uma estrela que nada vai ofuscava seu brilho, além de amiga, éramos confidentes pelos conhecimentos familiares, pois Olinto Silveira era irmão de criação de minha mãe, ela pouco falava, mas a grande escritora Maria Luiza Silveira sua sobrinha, assim que me encontra fala do nosso parentesco de coração e convivência em Brejo das almas (Francisco Sá) Meu pai; Antônio Clementino. Primeiro soldado destacado em Francisco Sá. Como um dos admiradores da Professora Dizia: “Yvonne nasceu para ser rainha, seu porte altivo sustenta uma coroa”. Assim ela viveu entre nós sem nunca alterar a voz. Vez por outra, nos lançamento de livros, o confrade Wanderlino Arruda brincava com ela dizendo: “Yvonne tem inveja de Amelina”. Quando ela estava a sós comigo me dizia que Wanderlino estava certo e complementava: “Morro de inveja de você por ter tido tantos filhos”. Admirável mulher, amiga por longos anos. Fiz para ela um poema e o grande poeta Téo Azevedo musicou magistralmente tornando-se uma bela canção gravada em um disco em sua homenagem que diz:

“Yvonne mulher canção,
Que segue cantando a vida e o Amor
E estrela que nada ofusca
Porque busca da vida o doce sabor."

Assim segue todos os poemas e canções tornam-se poucos para a riqueza da sua vida. Tivemos uma amizade sólida, cercada de confiança e confidências recíprocas. Viajamos muito para o Brejo das Almas (Francisco Sá), no seu fusca verde. Ela sabia dos meus filhos e netos, tanto que publicou no seu livro “Cantar de Amiga” uma poesia para minha neta Ludimilla quando fez 15 anos. Admirava o Roldão pela sua arte, sempre elogiava a sua criação. Para falar de todos os momentos vividos das longas conversas, só mesmo um livro. De memórias assim ela se foi, deixando um vazio que jamais será preenchido.

De repente o mistério eterno chamado morte, vira sua atenção para nossa arte, sem aviso nem piedade e levou Ildeu Braúna, de forma abrupta.

ILDEU LOPES DE JESUS (ILDEU BRAÚNA) poeta que cantou a Lenda do Arco-Íris, fato que também causou um vácuo em nossos corações, pois sua partida provou que ele era muito amado. Poeta que não chegou no Sacolejo do Navio, apareceu de leve montado no burrinho pedrês emprestado pelo mestre João Guimaraes Rosa, quando se encontraram Lá Pelas Bandas do São Francisco. No susto da sua partida; penso que ele foi levado pelo arco-íris da sua grande criação. Com certeza foi Botar o Papo em Dia com os anjos travessos que moram nas nuvens, ou foi programar um grande Circuladô das Veredas ou levar o berrante para Nivaldo Maciel tanger o gado nas verdes matas do Senhor. Desculpas vãs para nos consolar dos desígnios
do Criador.

Enfim, voltando às lembranças apenas para aliviar a saudade do meu amigo querido Ildeu Braúna, das nossas longas conversas, onde qualquer assunto era válido: livros, política e os amores vividos entre um copo de cerveja e outro. Local? Pouco importava; Lugar chique, ou num barzinho qualquer da cidade. Valia à pena o carinho e a amizade pela mulher mais velha que podia ser sua mãe, mas o acompanhava como uma adolescente e cheia de sonhos. Sei que ele também me admirava profundamente. Sua marca na minha família jamais será esquecida. Como algo de bom que aconteceu na minha longa existência. Dizer mais o que? Senhor, que seja feita a sua vontade. Amém! - Montes Claros, numa noite de solidão!


Ildeu Braúna e Amelina Chaves.



Antônio Augusto Pereira Moura
Cadeira N. 12
Patrono: Antônio Teixeira de Carvalho

A EXPANSÃO DOS CONDOMÍNIOS FECHADOS EM
MONTES CLAROS - MG

AS “ILHAS DE SOSSEGO” E OS REFLEXOS
NA CONFIGURAÇÃO DA CIDADE
UMA ANÁLISE ESPACIAL

As modificações urbanas que acontecem nas cidades se caracterizam por assimilar as novas tendências e costumes dos seus moradores. A forma de ocupação residencial das cidades apresenta uma sinalização, portanto, a caminhar dentro desses novos costumes e modos de vida. Segundo Ferrari (1979, p. 208), “a cidade é um fato histórico, geográfico e, acima de tudo social”. Compreender a formação das cidades nos faz entender melhor o que acontece nos dias atuais.

Sabe-se que a maioria das pessoas hoje vive em cidades de diferentes tamanhos e formas e que se tornam grandes desafios para que os estudiosos, planejadores e teóricos consigam elaborar modelos e planos que possam traduzir esta complexa rede de relações.

Dentro desta ótica de crescimento e desenvolvimento, observam-se certos padrões e tendências que acabam por se repetir em lugares diferentes. Um desses padrões observados em, praticamente, todos os países é o da segregação espacial ligada às áreas residenciais. Caracteriza-se por ser mais disperso, fragmentado e excludente. São formados núcleos residenciais isolados. São os chamados Condomínios horizontais fechados1. Esses condomínios fechados se tornaram também o grande atrativo da especulação imobiliária e são responsáveis por novas configurações no espaço urbano. A terminologia ou definição pode variar de lugar – Gated Communities, nos Estados Unidos, Countries, na Argentina ou


Figura 1 - Mapa de localização de Montes Claros;
Fonte: LIMA, 2016.

Condomínios Fechados, no Brasil, mas sabe-se que essa realidade está presente por todo o ocidente. Montes Claros, cidade situada no Norte de Minas Gerais, integrante da Microrregião de Montes Claros, não foge a essa lógica.

O Município de Montes Claros ocupa uma área de 3.568,941km2, com uma população, segundo o IBGE (2015) estimada de 394.350 habitantes, sendo que aproximadamente 94% da população encontra-se na área urbana do município.

Observa-se que, nos últimos anos, a cidade de Montes Claros vem passando por grandes alterações, em função do seu desenvolvimento econômico. Os indicadores de renda, de novos investimentos e o aumento do número de alunos nas instituições de ensino superior têm sido considerados entre os maiores do Brasil. Destacam-se ainda os novos investimentos comerciais com a expansão e implantação de novos shoppings, os quais vem consolidar
a posição da cidade como uma referência para mais de 80 municípios de sua área de influência, incluindo alguns do Sul da Bahia. Existem hoje, apenas para exemplificar, 3 cursos de Medicina e 3 cursos de Arquitetura e Urbanismo, cursos tradicionalmente localizados em regiões cujo potencial de crescimento e desenvolvimento exigem grandes investimentos.

Segundo Corrêa (1989), o espaço urbano é:

_________________
1 “A utilização do termo “condomínio horizontal fechado” (CHF’s) é visto como uma questão que ainda não está totalmente resolvida, desta forma continua sendo objeto de discussão entre os estudiosos no assunto. Perante tal polêmica quanto à definição do termo, percebe-se o uso de diferentes denominações, tais como: condomínios fechados; condomínios horizontais; loteamentos fechados; condomínios urbanísticos; condomínios exclusivos; bairros fechados; condomínios especiais; ilhas fortificadas; guetos verdes; enclaves fortificados; entre outras. ” (BARROS, 2012, p.17)

espaço urbano capitalista – fragmentado, articulado, reflexo, condicionante social, cheio de símbolos e campos de lutas – é um produto social, resultado de ações acumuladas através do tempo, e ngendradas por agentes que produzem e consomem espaço. São agentes sociais concretos, e não um mercado invisível ou processos aleatórios atuando sobre um espaço abstrato. A ação destes agentes é complexa, derivando da dinâmica de acumulação de capital, das necessidades mutáveis de reprodução das relações de produção, e dos conflitos de classe que dela emergem.
(CORREA, 1989, p. 11)

________________

Esse espaço urbano de lutas e símbolos reflete, portanto, as demandas sociais, culturais e econômicas das populações. Ainda baseado em Correa (1989) e seu agentes produtores do espaço urbano, pode-se compreender que a cidade é o resultado da atividade destes agentes. É a partir do desequilíbrio entre os agentes em suas ações, mais fortes ou menos fortes em regiões do país, que ocorrem situações distintas nas cidades. Em áreas onde existe uma ação mais forte dos proprietários dos meios de produção, a cidade se configura diferente daquela onde os agentes imobiliários ou o Estado têm ações mais fortes. O equilíbrio entre as ações dos agentes tende a produzir uma cidade mais democrática. Quando ocorre o desequilíbrio, a especulação imobiliária e ocupações inadequadas podem surgir. Invasões de áreas, segregações e outras dificuldades surgem na medida que há uma distorção entre essas ações.

Dentro dessa fragmentação e segregação, o condomínio fechado surge como um produto imobiliário que tem como principal atrativo responder às demandas sociais presentes no momento de segurança e tranquilidade.

Os loteamentos fechados são um novo produto imobiliário e, como todas as outras mercadorias, são obrigados a, sempre, se renovar, lançando produtos cada vez mais atrativos no mercado. Esses produtos, cada vez mais elaborados e bem estruturados, provocam profundas transformações na estrutura das cidades, pois ocorre uma nítida passagem da segregação sócio espacial para a fragmentação urbana, inclusive nos espaços não metropolitanos

(SPOSITO 2006 Apud ESTEVES e NOGUEIRA 2013, p. 29).

___________________

Os condomínios fechados iniciam sua escalada no Brasil, inicialmente, nas grandes metrópoles. São Paulo, Rio de Janeiro, Belo Horizonte foram as pioneiras neste modelo de implantação. No entanto, com o crescimento das cidades de porte intermediário no Brasil, em importância econômica e estratégica no desenvolvimento da economia do país, este modelo de assentamento também começa a se tornar um fenômeno importante e que tem propiciado mudanças na configuração destas cidades.

Quando se fala em condomínios fechados, dois aspectos principais são levantados: a questão da segurança propiciada e a possibilidade da construção de “ilhas de sossego ou verdadeiros paraísos”. Este termo “ilhas de sossego” que é utilizado neste trabalho surge a partir da leitura de Becker (2005), de Quadros (2008), Moura (2003) que utilizam termos similares, como ilhas urbanas, ilhas de luxo e contraste, espaços de sossego e Barroso (2010) que se referência ao termo ilhas e também paraísos artificiais. Na sociedade atual e de acordo com a dinâmica imobiliária, os atrativos do lugar acrescidos da segurança e de construções de imagens de sonho e sossego permeiam as propagandas e conquistam os possíveis moradores.

Esses condomínios fechados representam uma espécie de modelo ou padrão de determinadas classes sociais e passam a ser objetivo ou meta para parte dessa população.

Para muitos, morar nesses loteamentos significa a realização de um sonho. As cidades médias têm apresentado esse fenômeno de forma mais ampla, também ligado ao conceito de segurança e status. Curiosamente, nas cidades médias, os loteamentos não se encontram muito longe do centro da cidade. Estes estão acontecendo ainda dentro do perímetro urbano em vazios ou áreas loteadas e ainda não totalmente ocupadas.

Essa configuração mais próxima dos centros, não mais em áreas de periferias, tem contribuído para a construção de cidade de muros e cercas onde bairros, que antes eram plenamente acessíveis a todos, têm-se tornado um emaranhado de quadras e grandes áreas cercadas, criando grandes espaços fechados e levando a uma “medievalização” dos espaços.


De cidadãos confiantes e seguros, passamos a ser consumidores do medo, e, aqueles que possuem maior poder aquisitivo, buscam proteção nos condomínios fechados (“medievalização” das cidades) que estão sendo construídos na cidade contemporânea, com um novo conceito de morar, com segurança, exclusividade entre os iguais, isolamento, lazer e serviços. Anunciados nos meios de comunicação pelo mercado imobiliário como ilhas de segurança, felicidade, liberdade e status social. (BARROSO, 2010, p. 88).

A proliferação desses espaços modifica a forma de relação do pedestre com a cidade, modifica a forma de deslocamento e a interação das pessoas com o espaço urbano.

A busca por essa tranquilidade do morar, pela segurança, pelo “viver entre iguais” tem provocado uma segregação espacial maior e modificado, em especial nas cidades menores, a relação de vizinhança que se percebia em outros tempos no interior do Brasil. Percebe-se, hoje, um sem número de pessoas que se deslocam de espaços fechados para outros (condomínio, edifício de escritório, campus universitário, shopping centers) sem vivenciar a cidade. Alguns desses condomínios têm abrigado além das residências, escritórios, comércios, escolas, minimizando ainda mais esse contato com a “cidade extramuros”.

Parece ressurgir dentro desta nova realidade um mundo utópico onde as questões e desejos ligados ao consumo e à realização pessoal permitem a “fabricação” de espaços de acordo com o grupo que faz parte dessa realidade.

Comparando as leis das cidades idealizadas, os condomínios, em termos de regras de conduta e ordenamento espacial, podem ser uma derivação do próprio pensamento utópico. As regras viabilizam a vida em comunidade, a vigilância promove a ordem e a disciplina, a paisagem homogênea, diminuindo-se a impressão das desigualdades econômicas entre os moradores, os muros possibilitam o isolamento da paisagem exterior, estabelecendo um plano finito protegendo o espaço residencial e os seus habitantes (DACANAL, 2004, p. 62).

Harvey (2009, p. 219), criou o termo “disneyficação” para definir aspectos associados a um espaço supostamente feliz, harmonioso e sem conflitos, apartado do mundo real; construção feita para entreter; história inventada; cultivo de nostalgia de um passado mítico; perpetuação do fetiche pela cultura da mercadoria; um agregado de objetos e coisas de todo o mundo numa ideia de diversidade e existência multicultural, mesmo que tudo se dê na forma de compartimentos; lugar limpo, higienizado e mitologizado, esteticamente perfeito.

Essa discussão caminha nos próximos parágrafos para Montes
Claros, buscando compreender os reflexos e as modificações impostas
à cidade a partir desse elemento que é o condomínio fechado.

A formação da cidade de Montes Claros se assemelha à formação tradicional das cidades coloniais brasileiras, em que as famílias de melhor poder aquisitivo constroem seus sobrados e casarões nos arredores da igreja na praça principal. A expansão das atividades comerciais trouxe o desenvolvimento, levando à abertura de novas ruas e acessos. Ao mesmo tempo em que a cidade se expandiu, o comércio se intensificou, e as residências localizadas nas áreas centrais passaram a ser utilizadas para este fim e as residências foram se afastando do centro para as chácaras do entorno.

De acordo com Leire e Pereira (2008), o Norte de Minas pode ser classificado como uma região de transição, por estar localizado na região Sudeste do país, mas possuir trações econômicos e fisiográficos bastante similares à região Nordeste. A relação desta região do Norte de Minas com a pobreza, seca e isolamento regional causa uma visão dualista, uma vez que, por outro lado se encontram presentes, também, nichos de riqueza e modernidade.

A cidade de Montes Claros, dentro deste contexto, reflete essa situação de dualismo, uma vez que, como principal centro urbano da região, agrega em suas características um polo comercial, político, econômico e cultural, gerando, portanto, condições e situações similares à da região.

Diferente de outras cidades que se caracterizaram por uma verticalização, Montes Claros não experimentou essa situação de imediato. Seja em função do sítio, seja em função da falta de leis de incentivo, a cidade acabou por crescer de forma horizontal, ocupando espaços e criando vazios entre os novos loteamentos que foram surgindo ao longo de sua história. Tais vazios puderam, mais tarde, ser loteados e ocupados dentro de uma conhecida política de especulação imobiliária. Hoje, 160 anos após sua emancipação, a cidade tem definida claramente sua área central, área de bairros residenciais
mais nobres, área industrial, área com faculdades e universidades e ainda não possui instrumentos claros de políticas públicas, e nem
serviços especializados. A vocação da cidade tem-se firmado como centro comercial e de prestação de serviços principalmente no setor educacional e de saúde. Essas transformações, ainda em curso, não diminuem o papel crucial da cidade como elemento polarizador. As direções preferenciais de crescimento urbano seguiram na trajetória norte, sul e leste. A região oeste, cujo o valor urbano é mais elevado, teve um crescimento mais lento.

A cidade foi-se formando com os problemas peculiares das cidades médias brasileiras, com um crescimento desordenado e as disparidades sociais são cada vez mais visíveis na paisagem urbana (Figura 02).

Figura 02 - Mapa de crescimento e expansão da malha urbana da cidade de Montes
Claros de 1970 a 2014. Fonte: Lima, 2016.

Assim sendo, a leitura que se faz hoje da cidade é de que ela apresenta um caráter predominantemente urbano, que já reproduz, em outra escala, os problemas das metrópoles. A intensidade do processo de urbanização sobrecarregou a estrutura urbana existente e as tentativas de planejamento urbano ficaram na retórica de meros discursos. Quando muito, foram desenvolvidos planos de intervenção urbanística setorial para resolver ou amenizar problemas já vivenciados pela população (PEREIRA, 2003). A cidade expressa, na atualidade, as profundas desigualdades existentes na sociedade brasileira. Onde, de um lado, tem-se a modernização e, do outro, a marginalidade, a segregação socioespacial, a degradação ambiental e a violência. A malha urbana, que já se encontra sem grandes vazios e ainda bastante horizontal em termos de tipologia de edificações, apresenta regiões com bairros pobres e ocupações irregulares inseridas no meio de áreas de ocupação consolidada.

Não são encontradas, em Montes Claros, áreas favelizadas como nas grandes cidades, onde estas estão localizadas em morros e encostas, visto que a cidade se situa em uma área de topografia favorável, com algumas exceções. As favelas e bairros pobres acabam se configurando em platôs, mas com ruelas e becos característicos das grandes cidades. A diferença é que estão “escondidas”, atrás de edificações de outros bairros vizinhos e não são visíveis de longe, no meio da cidade.

Ao se analisar a concentração e distribuição de renda do município, consegue-se perceber os setores de cada uma das faixas de renda e as tendências de expansão urbana.

Figura 03 - Mapa de uso residencial por classe de renda- Montes Claros
Fonte: Lima, 2016.

O mapa de uso residencial por classe de renda apresentado na Figura 03 esclarece bem o que foi discutido até o momento. A região oeste apresenta a concentração de mais alta renda e os setores nordeste e sudeste, uma expansão e crescimento de bairros de baixa renda.

Com isso, os condomínios fechados, objeto de estudo deste trabalho, se localizam exatamente na faixa descrita e especializada. Caracterizam-se, portanto, por uma baixa densidade de ocupação, em geral com lotes maiores que a média do restante da cidade e ocupado por uma população classificada pela alta renda.

O final dos anos de 1970 e início da década de 1980 foi bastante decisivo no crescimento urbano da cidade de Montes Claros. A ideia de condomínio fechado era antiga na cidade, mas se reduzia a um pequeno grupo de dez casas, localizadas na região próxima ao centro, denominados hoje Condomínio Jacinto Ataíde e o Condomínio Panorama. Ambos construídos no final dos anos de 1970 e se caracterizavam por uma ocupação predominantemente familiar. O projeto do Bairro Ibituruna datado do final dos anos de 1970 (16/05/1978) representava a expansão da região de mais alta renda do município e tinha, em sua configuração, um projeto bem ambicioso. Distinguindo-se da maioria dos outros bairros por apresentar lotes, em geral, maiores que a média usual até então praticada, o bairro Ibituruna foi sendo ocupado aos poucos e se caracterizou por abrigar residências espaçosas e com áreas de lazer. Os lotes, em geral, eram maiores que 500m2. Não se percebeu também uma ocupação imediata e, até o final dos anos de 1980, menos de 30% dos lotes estavam ocupados.


Figura 04 - Mapa de localização dos Condomínios de Montes Claros
Fonte: Lima, 2016.

Os condomínios localizados no bairro Ibituruna conforme as figura 04 e 05 se tornaram o grande fator impulsionador de ocupação dos vazios até então ali existentes.


Figura 05 - Mapa dos Condomínios – Bairro Ibituruna, Montes Claros
Fonte: Lima, 2016.

Os condomínios fechados em Montes Claros tiveram uma forma peculiar de se desenvolveram. Como os condomínios Jardim Panorama e o Jacinto Ataíde, citados anteriormente, apresentavam uma configuração quase familiar, considera-se, de fato como o primeiro condomínio de Montes Claros, o Portal das Arueiras, que acontece no final dos anos 1980, mas somente se consolida no final da década de 1990. Naquele momento as pessoas não viam o condomínio fechado como uma opção. A percepção de insegurança ainda não tinha o apelo que tem nos dias atuais. Logo, a população não via atrativo em adquirir lotes em condomínios fechados e o valor dos lotes era menor que o valor dos lotes fora do condomínio no mesmo bairro.

Na medida que se torna uma tendência, logo em seguida surgem outros: Portal das Acácias, Portal da Serra, Vale Verde, Vivendas do Lago e o Bairro Ibituruna passa por um novo processo de ocupação com loteamentos dentro do loteamento.

Em 2007, surge a lei de parcelamento municipal, que procura regular, regularizar e tentar disciplinar essa nova modalidade de ocupação.

O primeiro grande loteamento fechado construído em Montes Claros por uma grande empresa urbanizadora de outra região, foi o Condomínio Gran Royalle Pirâmide, tendo sido liberado para construções em agosto de 2012. É o primeiro, também, a propor novos serviços e áreas de lazer diferenciadas em relação aos demais. Ao mesmo tempo, são desenvolvidos projetos de condomínios horizontais menores com casas semelhantes, como o Vila Gardens ou com residências já projetadas e modelos semelhantes, como o Villa Toscana. Percebe-se ainda, na região leste da cidade, a ocupação similar com vilas com casas de menor porte, dotadas também de áreas de lazer e convívio.

Montes Claros observa, portanto, em um curto espaço de tempo uma tendência por esse tipo de ocupação similar a outras cidades de mesmo porte já citadas anteriormente como Divinópolis, Uberlândia, São José do rio Preto entre outras. A concentração dos condomínios de alta renda na região do Bairro Ibituruna se justifica muito em função das oportunidades encontradas. O bairro já possuía infraestrutura de asfalto, água e esgoto, era pouco ocupado e com quadras inteiras em posse de poucos proprietários. Além disso, a legislação local ainda funcionava sem muitas restrições e a percepção da nova tendência pelo mercado imobiliário possibilitou uma mudança na forma de sua ocupação.

A seguir, apresenta-se uma tabela com a listagem dos condomínios fechados existentes (aprovados ou em aprovação) no Município de Montes Claros até a data de fevereiro de 2016 e considerações acerca de cada um deles.

Tabela 1 – Lista dos condomínios fechados e vilas implantados ou em
implantação em Montes Claros

Observações: * O Residencial Villa Gardens e o Residencial Vila Bella Toscana, O Condomínio Jacinto Ataíde e o Condomínio Jardim Panorama são Condomínios Horizontais ou vilas pela lei municipal. Não há alteração do sistema viário. Desenvolvemse em um lote ou gleba de maiores dimensões e os moradores possuem fração ideal das ruas não públicas e espaços comuns de lazer das vilas. ** Em fase de estudo e aprovação.

Os condomínios fechados tornaram-se uma parte significativa da realidade das cidades brasileiras. As cidades médias, como Montes Claros, já convivem com essa situação e não podem se abster de absorver tal situação em seu planejamento. Existe alternativa? Há algo que possa ser feito? A legislação municipal já prevê sua implantação?

Faz - se necessário, portanto, um estudo sobre esta questão e uma avaliação do reflexo dessa implantação na cidade. Reconhece-se que a região do Bairro Ibituruna é a que mais vem sendo afetada por essas ocupações.

Avaliando as entrevistas feitas com os moradores, constatouse que a segurança é o fator principal para que os condomínios sejam ocupados. Observa - se ainda que os novos condomínios têm aumentado suas áreas de lazer, uma vez que essa demanda também foi observada na pesquisa trabalhada.

Os loteamentos fechados iniciais na cidade se caracterizavam por apresentar uma pequena quantidade de lotes, não necessariamente muito maiores que os lotes dos bairros próximos, porém com áreas de lazer pequenas ou quase inexistentes. A chegada de grandes empresas loteadoras na cidade, como o Gran Viver Urbanismo que implantou o Gran Royalle Pirâmide, que se encontra em fase de aprovação e implantação do Gran Park Montes Claros. O Alphaville Urbanismo, com o Alphaville Montes Claros modificou o cenário, à medida em que foram apresentadas à população novas formas de ocupação e implantação nas áreas da cidade. No caso destas novas configurações, as áreas de lazer e as áreas de preservação confere pontos positivos ao marketing de vendas dos empreendimentos. Da forma como estão sendo implantados os loteamentos na cidade de Montes Claros, não se percebe ainda uma alteração da morfologia urbana da cidade. Observam-se, no entanto, novas lógicas de organização em determinadas regiões da cidade.

Espacialmente falando, os condomínios de alta renda apresentam um eixo dominante de ocupação ainda com áreas vazias e tal eixo deve ser objeto de planejamento, uma vez que sua implantação tenderá a refletir na malha urbana e na mobilidade de parte da cidade. A legislação em vigor, mesmo tratando dos condomínios, não abrange as possíveis questões de mobilidade que devem surgir em breve a partir dessa continuação da ocupação.

Com a sequência de implantação de condomínios e a vias serem ladeadas pelos muros, a ruptura do tecido urbano no quesito do transporte público e deslocamentos é um desafio.

Observa-se que os atuais condomínios preconizam um grande apelo pela natureza e pela importância ambiental e, oferecem vantagens como negócio imobiliário. Diferentemente dos primeiros condomínios cujos proprietários das glebas e incorporadores eram locais, a chegada das grandes incorporadoras alterou a forma de negócios, a partir de permutas de áreas com os proprietários locais e, com isso, ampliado as áreas dos condomínios. O avanço, portanto, para as áreas periféricas com atrativos ambientais e vizinhas dos espaços rurais é a nova tendência local.

Quando se analisa na cidade, voltando o olhar para a quantidade de condomínios e a perspectiva de novos, observa-se que a migração das pessoas, ainda que de forma lenta, mas contínua, evidencia-se em um quadro sem volta. Assim, o desafio está em fazer com que esses condomínios possam vir a compor a malha urbana de uma maneira em que haja possibilidade de não se ficar refém de uma estrutura intramuros, pois não se vê uma perspectiva, nos próximos anos, de reversão dessa tendência.

As novas relações entre os espaços públicos e privados nesses empreendimentos, bem como sua inserção no espaço da cidade são situações e desafios para o planejamento urbano.

À medida que se compreende o espaço urbano como algo coletivo e o espaço das cidades como ideais de liberdade e igualdade, sem separações ou segregações, essa realidade atual vem trazendo uma inquietação.

Pode-se dizer que os muros que separam os condomínios abrigam também uma separação daqueles que procuram um processo de marcar distinção, espaço e poder. A legislação própria e os códigos de conduta internos, também são elementos que reforçam esta ideia de sociedade paralela e diferente.

Os muros criam a sensação da segurança, estabelecem a distância entre o condomínio e o restante da cidade e delimita o uso, a apropriação e a sensação de pertencimento do morador e do usuário em relação ao condomínio e à cidade. Um misto de relações claras e objetivas de estar e pertencer, misto de relações objetivas e subjetivas que estão permeadas o tempo todo de símbolos que definem e determinam a construção da cidade.

Constatou-se, pela pesquisa, que o fato de uma homogeneidade de classe, o morar entre pares não necessariamente garante a sociabilidade. Percebe-se, no entanto, que as crianças naqueles condomínios que apresentam áreas de lazer, convivem mais entre elas e podem criar um clima mais sociável e de amizade.

Alguns incômodos da cidade, como barulho, discussão entre vizinhos, carros em porta de garagem, desrespeito ao patrimônio coletivo etc. não são, porém, deixados para fora dos muros. Acontecem também nos condomínios.

É inegável o apelo imobiliário hoje dos condomínios e se percebe como se torna importante para a gestão municipal que esse mercado seja atendido em suas demandas, uma vez que sua expansão gera empregos e movimenta a economia local, algo muito bem visto pelas administrações municipais. A legislação, portanto, neste quesito é sempre demandada de ajustes para atender a essas necessidades.

Esses condomínios têm hoje o preço do solo mais valorizado que os bairros abertos na mesma região, exatamente por venderem a ideia de segurança e apresentarem atrativos como áreas de lazer e vias mais bem cuidadas, por exemplo, mesmo com um custo a mais de uma taxa de condomínio.

A visão negativa dos loteamentos como áreas privativas, não democráticas, segregadas somente são percebidas por pessoas que estudam assunto, mas dificilmente pelo cidadão no seu dia a dia. Observa-se exatamente o contrário. Esses condomínios se tornam o sonho de consumo dessa população.

Segundo Da Silva et al. (2012) boa parte da população não conhece os condomínios fechados, além de suas muralhas e portarias. Poucos tem acesso e visão crítica sobre a legislação urbana, mas boa parte vê o condomínio assim como um produto na vitrine que desperta o desejo de adquirir.

Assim sendo, não cabe condenar ou julgar tal forma de ocupação. Entende-se que é bastante pertinente serem feitos ajustes na legislação local, em busca de resultados mais adequados. É essencial, no entanto, que a mobilidade e as centralidades sejam objetos de maior atenção e cuidado, para que se possa conseguir uma Montes Claros, mesmo separada por muros, mais democrática nas relações de ir e vir e de convívio entre as pessoas.

REFERÊNCIAS
BARROS, I. M. B. Caracterização dos Condomínios Horizontais Fechados de Classe Média Sob a Ótica do Transporte: um Estudo de Caso no Distrito Federal. Dissertação de Mestrado em Transportes, Publicação T.DM-026A/2012, Departamento de Engenharia Civil e Ambiental, Universidade de Brasília, Brasília, DF, 119p.

BARROSO, Luiz Fernando de Lemos. Expansão dos condomínios horizontais e loteamentos fechados em São José do Rio Preto – Dissertação (Mestrado) 189f. Universidade Federal de São Carlos. São Carlos,2010.

BECKER, Débora. Condomínios Horizontais Fechados: avaliação de desempenho interno e impacto físico espacial no espaço urbano. 2005. 240f. 2005. Tese de Doutorado. Dissertação (Mestrado em Planejamento Urbano e Regional) – Faculdade de Arquitetura e Urbanismo, Programa de Pós-Graduação em Planejamento Urbano e Regional, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre.

BLAKELY, E & SNYDER, M. Fortress America. Gated Communities in the United States.Washington, DC, Cambridge, Mass.: Brookings Institutions Press & Lincoln Institute of Land Police, 1997.

CALDEIRA, Teresa Pires do Rio. Cidade de Muros. Crime, Segregação e Cidadania em São Paulo. 2ª edição. São Paulo: Edusp/Editora 34, 2003. CORRÊA, R. L. O espaço urbano. São Paulo: Ática, 1989. 87 p.

DA SILVA, Marcos Roberto Alves et al. IMPACTOS SOCIAIS E URBANÍSTICOS DOS LOTEAMENTOS FECHADOS NO SETOR SUL DE UBERLÂNDIA–UM ESTUDO DE CASO. Caminhos de Geografia, v. 13, n. 43, 2012.

DACANAL, Cristiane. Acesso restrito: reflexões sobre a qualidade ambiental percebida por habitantes de condomínios horizontais. 175f. 2004. Dissertação (Mestrado em Geografia) – Instituo de Geociências e Ciências Exatas, Universidade Estadual Paulista, Rio Claro. 2004

DA SILVA, Marcos Roberto Alves et al. IMPACTOS SOCIAIS E URBANÍSTICOS DOS LOTEAMENTOS FECHADOS NO SETOR SUL DE UBERLÂNDIA–UM ESTUDO DE CASO. Caminhos de Geografia, v. 13, n. 43, 2012.

DELICATO, Cláudio Travassos. Faces de Marília: a moradia em um condomínio horizontal. Marília: UNESP, 2004. 111 p. Dissertação de Mestrado – Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais, Faculdade de Filosofia e Ciências, Universidade Estadual Paulista, Marília, 2004.

D’OTTAVIANO, Maria Camila Loffredo. Condomínios fechados na Região Metropolitana de São Paulo: fim do modelo centro rico versus periferia pobre?. 2006. 298 f. Tese (Doutorado) - Universidade de São Paulo, São Paulo, 2008.

ESTEVES, Maria Aparecida; NOGUEIRA, Marly. A proliferação e a consolidação de condomínios fechados: um estudo de caso em uma cidade média - Divinópolis (MG ). In: Geografias – Revista do Departamento de Geografia e do Programa de Pós Graduação em Geografia da UFMG. Belo Horizonte, 17 de janeiro - 06 de junho de 2013. Vol. 9, nº 1, 2013 disponível em Http://www. cantacantos.com.br/revista/index.php/geografias/article/view/268/231 Acesso em 10 de jul. 2014.

FERRARI, CÉLSON Curso de planejamento municipal integrado - URBANISMO. São Paulo, Livraria Pioneira Editora, 2ª edição, 1979, 631 p.

FERRAZ, Sonia Maria Taddei. Arquitetura da violência: os custos sociais da segurança privada. Anais: Encontros Nacionais da ANPUR, v. 11, 2013.

FRANÇA, Iara Soares de. O Espaço Intra-Urbano de uma Cidade Média e suas centralidades: Uma Análise de Montes Claros no Norte De Minas Gerais. Dissertação de Mestrado, Universdade Federal de Uberlândia, Uberlândia, 2007.

FREITAS, Eleusina Lavôr de. Loteamentos fechados. 203f. 2008. Tese de Doutorado- FAU – Universidade de São Paulo. São Paulo, 2008.

GOMES, Fernanda Silva. Discursos contemporâneos sobre Montes Claros: (Re) estruturação urbana e novas articulações urbano-regionais. 2008. 181p. Dissertação (Mestrado em Arquitetura e Urbanismo). Universidade Federal de Minas Gerais, Escola de Arquitetura.

GOTTDIENER, Mark. A produção social do espaço urbano. São Paulo: EDUSP, 1993.
LEITE, Marcos Esdras; PEREIRA, Anete Marília. Metamorfose do espaço intra-urbano de Montes Claros-MG. – Montes Claros, MG: Unimontes, 2008. 208 p.

LEMOS, Amalia Inés Geraiges de; SCARLATO, Francisco Capuano; MACHADO, Reinaldo Paul Pérez. O Retorno à Cidade Medieval: os Condomínios Fechados da Metrópole Paulistana. In: Latinoamérica: Países Abiertos, Cerradas. Coord. Barajas, L. F. C.,Unesco/Universidad de Guadalajara, 2002.

MIÑO, Oscar A. S. A segregação sócio-espacial em Presidente Prudente: análise dos condomínios horizontais. 1999. 213f. Dissertação (Mestrado em Geografia) – Faculdade de Ciências e Tecnologia, Universidade Estadual Paulista, Presidente Prudente. 1999.

MOURA, CP de. Ilhas Urbanas: novas visões do paraíso. Uma discussão etnográfica dos condomínios horizontais. 2003. Tese de Doutorado. PhD Dissertation. Museu Nacional/Federal University of Rio de Janeiro. MOURA, Gerusa Gonçalves. Condomínios Horizontais/Loteamentos fechados e a vizinhança (in)desejada: um estudo em Uberlândia/mg. 270f. Tese de Doutorado. Universidade Federal de Uberlândia. Uberlândia, 2008. PAULA, Hermes Augusto de. Montes Claros, sua história, sua gente, seus costumes. Belo Horizonte: Minas Gráfica, 1979.

PEREIRA, Anete Marília. Cidade média e região: O significado de Montes Claros no norte de Minas Gerais. 2007. Tese de Doutorado. Uberlândia, 2007. PEREIRA, Anete Marília; SOARES, Beatriz Ribeiro. Tendências e problemas da urbanização de cidades médias: o caso de Montes Claros.2003. In: Prefeitura Municipal de Montes Claros. Disponível em: <http://www. montesclaros.mg.gov.br>. Acesso em: 10 de feb. 2012.

PMMC – Prefeitura Municipal de Montes Claros. LEI Nº 3.720, DE 09 DE MAIO DE 2.007. Disponível em: <http://www.montesclaros.mg.gov.br/ publica_legais/leis_pdf/leis-2007/mai-07/lei-3720-07-parcelamento-do-solourbano. pdf >. Acesso em: 10 de jul. 2014.

QUADROS, Caroline Souza de. A vida em separado: estudo de caso de um condomínio em Porto Alegre. Monografia, Porto Alegre, 2008. Disponível em: <http://hdl.handle.net/10183/17524>. Acesso em 10 de jul. 2014.

SPOSITO, M. E. B. (Org.). Textos e contextos para a leitura geográfica de uma cidade média. Presidente Prudente: UNESP, 2001. p.193-213. SPOSITO, Maria Encarnação Beltrão. Capitalismo e Urbanização. São Paulo: Contexto, 1994.

SPOSITO, Maria Encarnação Beltrão. Loteamentos Fechados em Cidades Médias Paulistas – Brasil. In: SPOSITO, E, S; SPOSITO, M. E. B; SOBARZO, O. Cidades médias: produção do espaço urbano e regional. São Paulo: Ed. Expressão Popular, 2006.



Clarice Sarmento
Cadeira N. 31
Patrono: Dulce Sarmento


A Boneca de Leonel

O fato folclórico tem as seguintes características, aceitas e tornadas oficiais pelos folcloristas nacionais e internacionais: Tradicionalidade, Oralidade, Anonimato, Funcionalidade e Aceitação Coletiva.

Examinando a representação (tida por alguns como fato folclórico) da Boneca de Leonel, vejo que esta foge aos padrões que motivam os demais gigantões de armação de manifestações populares brasileiras, tais como a Maria Angú, o Boi e a minhota - folguedos das festas do Divino em São Paulo, ou os bonecões do carnaval de Olinda. Senão vejamos:

Tradicionalidade: Esta manifestação não tem origem nem antecedente citadino ou regional. Tal como se apresentava, era uma cópia ou teve forte inspiração na Maria Angú paulista; as mesmas feições e o mesmo tipo de acompanhamento instrumental. E Leonel viajava muito a São Paulo, vindo talvez daí a inspiração para sua boneca.

Também não foi passada através das gerações, já que não teve antecedentes e seus filhos ou outros não continuaram a representação.


Foto de Alberto Sena

Anonimato e Aceitação Coletiva: O único que se apresentou com esta boneca foi o próprio Leonel, o acontecimento tendo morrido, portanto, com seu criador. A transmissão não se efetivou, não foi aceita e continuada pelo povo, não se multiplicou, nem nos mesmos padrões ou outros semelhantes, por esvaziamento da finalidade a que se destinava (propaganda de casas comerciais)

Funcionalidade (razão, destino, função). Esta existia, mas não nos padrões típicos das demais manifestações, que são: Em louvor a um Santo de devoção, pagamento de promessas, na perpetuação de costumes e crenças ou, ainda, nas soluções populares para as práticas e afazeres diários da vida social.

Pelo exposto, não considero a Boneca de Leonel uma manifestação folclórica, baseando minha opinião nestas considerações acima expostas e opiniões de folcloristas de renome, alguns dos quais consultei.


Dário Teixeira Cotrim
Cadeira N. 93
Patrono: Simeão Ribeiro Pires

A BONECA DE LEONEL

Lembro-me perfeitamente quando aqui desarrumei o meu farnel de viagem, isso no ano de 1968, para trabalhar no Armazém Itapoã do meu saudoso tio Zinho e estudar no Colégio Tiradentes da Polícia Militar de Minas Gerais. Naquela época apreciar a desenvoltura da Boneca de Leonel, desfilando animadamente pela rua Rui Barbosa, anunciando as promoções das Casas Pernambucanas, era o que mais interessava a nossa curiosidade de chegante. Pelo que se sabe, a história da Boneca de Leonel teve inicio no ano de 1952 e a sua última apresentação aconteceu no dia treze de dezembro de 1970. Esporadicamente, depois desta data, ela aparecia algumas vezes dando o ar de sua graça para depois esvaecer-se por definitivo.

Leonel Beirão de Jesus nasceu no dia 25 de dezembro de 1918 e morreu no dia 29 de outubro de 1969. Pela importância do seu trabalho, os edis de Montes Claros, por unanimidade, denominaram a rua em que ele morava de Avenida Leonel Beirão de Jesus.

Registra a escritora Maria Generosa Ferreira Souto que a história da boneca começou com Seu Nuno, um jovem português que tinha muitos admiradores na cidade de Montes Claros e dentre eles o proprietário da Casa Ramos e o amigo comum Francisco José de Oliveira (Chico Preto), este que tinha a incumbência de manejar a boneca (que naquela época se chamava Boneca Maria Bambah Sororó), na feitura das propagandas das casas comerciais pelas ruas do centro comercial da cidade. Depois, com a morte de Seu Nuno, o rapazola Leonel Beirão de Jesus que já ensaiava o manejo de suas engrenagens, assumiu o comando da boneca e passou, com a participação de Francisco José de Oliveira e a conduzi-la pelas ruas da cidade, em substituição ao seu criador. Também a participação do garoto João Pereira de Aguiar carregando os cartazes das promoções foi muito importante. Com a mudança de comando, o nome original – Maria Bambah Sororó – deixou de existir e as pessoas passaram a chamá-la de Boneca de Leonel, em homenagem a Leonel Beirão de Jesus.

Era uma vibrante festa a presença da Boneca de Leonel nas ruas centrais da cidade de Montes Claros, com as suas belas evoluções e o encantamento de suas cores, conquistando os meninos medrosos e a admiração dos adultos, no ritmo alucinado do bloco Estrela do Mar, que depois ficou conhecido como sendo o conjunto da Família dos
Bicudos. O ilustre confrade Téo Azevedo explica a origem desse apelido, afirmando que todos os componentes do conjunto eram irmãos e tinham os lábios salientes. Eram eles: o Velho João (na sanfona), o Zezinho (na caixa), o Orlando (no surdo) e o Geraldo (no violão). Ainda fazia parte desse conjunto de músicos o Dimas (no pistão) que não era parte da família dos “bicudos”. Comum mesmo era a presença de Leonel Beirão de Jesus à frente do folguedo, sempre vestido de branco, anunciando as promoções das Casas Pernambucanas.

No livro A Questão Folclorística à Luz da Escola, a sua autora Maria Generosa considera a Boneca de Leonel um tema folclórico, fazendo coro com o que pensa a professora Maria José Colares Moreira. Entretanto, segundo a acadêmica Clarice Sarmento, a Boneca de Leonel não faz mais parte do calendário folclórico de Montes Claros. E a professora Clarice tem razão em afirmar isso, haja vista que a continuação da tradição é que credencia a folia a essas condições naturais. Entretanto, o cantador de viola, Téo Azevedo, afirma que “após a sua morte – de Leonel Beirão – transformou-se em folclore, cultivado por vários Grupos Folclóricos do Norte de Minas”. Ora, desde o ano de 1970 que a Boneca de Leonel não mais alardeia pelas ruas da cidade e, em razão disso tem crédito a afirmativa da maestrina Clarice Sarmento. Sobre a asseveração de Saul Martins de que a folclorização dos eventos acontece depois que o folguedo “generaliza-se e incorporase a tradição do povo” é genuinamente correto. Mas, não foi isso que aconteceu com a Boneca de Leonel.

Há muitas informações sobre a origem da Boneca de Leonel. Outra, não menos importante, encontra-se no livro Montes Claros

do Meu Tempo, do jovem escritor José Jarbas Oliveira Silva. Informanos ele que “Leonel Beirão de Jesus fez, mandou fazer ou importou de Olinda, em Pernambuco, uma boneca de uns três a quatro metros de altura”. Realmente, pode ter sido desta forma a percepção de Seu Nuno na criação do seu invento. Assim como Maria Generosa Ferreira Souto, o confrade Jarbas Oliveira também não assinalou a fonte da informação em sua obra, todavia, o leitor pode, com certeza, aceitar como verdadeiras as observações obtidas e registradas neste despretensioso documentário por Jarbas e Maria Generosa.

O poeta Mário de Andrade, que foi um dos primeiros a lutar pela propagação dos estudos da “coisa popular” já tinha a convicção de que “nada melhor [do] que as tradições para retemperar a saúde da alma brasileira”. Pois bem, independente de ser ou não ser parte da tradição da “coisa popular” de Montes Claros, a Boneca de Leonel fez a alegria de muita gente miúda durante quarenta anos. Entretanto, há outros quarenta anos que ela não mais tempera os entretenimentos do nosso povo, como antes fazia. Esse afastamento tirou-lhe a condição de ser um tema folclórico.

Leonel Beirão de Jesus, antes de sua morte, recebeu a Câmara Municipal de Vereadores, em sua morada, no dia primeiro de outubro de 1969, quando lá os ilustres vereadores foram lhe entregar o título de Cidadão Benemérito de Montes Claros, atendendo projeto do eminente vereador Wanderlino Arruda. “Leonel Beirão sempre foi um homem do povo – e ainda disse naquela ocasião o vereador proponente – que a homenagem era uma demonstração de gratidão e apreço pelos relevantes serviços prestados ao Município de Montes Claros, com Assistência Social por meio de sua empresa funerária”. Viva Montes Claros, a cidade da arte e da cultura!



Dóris Araújo
Cadeira N. 5
Patrono: Antônio Ferreira de Oliveira

Elthomar Santoro

Elthomar Santoro Júnior, nasceu no dia 06 de dezembro de 1957, em São João da Ponte – MG. Ele foi o pioneiro do Rock em Montes Claros. Compôs mais de 500 canções, várias delas de sucesso nacional. Contudo, ficou mais famoso com a música “Disparate”, mais conhecida como “Rapariga do Bonfim”, música feita em parceria com seu irmão Ismoro da Ponte .

Elthomar era considerado o avô do Rock montes-clarense. Além de poeta, compositor, ator, cantor e roqueiro, Elthomar Santoro era teatrólogo, chegou a ganhar o prêmio Mambembe de teatro da Secretaria de Cultura de São Paulo, com a peça de sua autoria “O caso das galinhas do Prefeito.

Elthomar viveu a maior parte da sua vida aqui, em Montes Claros, onde também faleceu , na manhã de segunda-feira, do dia 29 de setembro, de 2014. Foi nesse dia, orvalhado pelo pranto, ou melhor, na noite desse dia, que escrevi este meu adeus ao Poetamigo
Santoro.


Ao Avô do Rock Montes-clarense, Elthomar Santoro

Hoje, dia 29 de setembro de 2014, às 22 horas, cá estou no pronto- socorro do hospital São Lucas. Paciente, impaciente, aguardando atendimento.

Há, exatamente, três dias que ando perrengue. Uma tossezinha “infuzada” que não me larga. Uma ”marvada” indisposição que me toma todo o corpo, talvez por culpa da febre intermitente... E uma bruta e “indigna” de uma dor de cabeça, que só alivia a troco de analgésico.

O jeito foi procurar ajuda especializada, já, que, a automedicação não estava resolvendo, não estava surtindo o efeito esperado.

Passei o dia inteirinho querendo e precisando ir até o Centro Cultural dar o meu último adeus ao poeta, no entanto, meu corpo desobedecia e contrariava a minha vontade.

Foi, assim, que, presa em um hospital, permiti que o meu pensamento vadiasse em busca das lembranças de um passado não muito distante. E, lá, estava ele, o poeta. Seu sorriso estampou- se nítida e instantaneamente em minha memória. Ouvi o seu riso fácil, espontâneo, treteiro e sonoro como água de riacho sertanejo. Seu olhar travesso repousou em mim o seu inquieto brilho. Veio, quase vacilante, o corpo miúdo, franzino, guardador de uma alma gigante. Senti o poder do seu abraço, e o frescor do seu beijo em minha fronte... O poeta veio até mim... Veio se despedir. Então compreendi o autêntico ser humano que era ele.


Projeto Livros na Praça, com Charles Boavista, Raphael Reys, Sebastião Abiceu,
Dóris Araújo e Elthomar Santoro.

O poeta, mesmo sem o saber, era um enfrentador de moinhos. Um domador de palavras. Um amansador de rimas. Um colecionador de utopias.

O poeta, como todo poeta, acreditava na Arte como objeto transformador do mundo. Era um fazedor de pontes . Um demolidor de muros.

O poeta tinha a língua afiada feito navalha, e um destemido coração de menino.

Partiu o poeta. Em silêncio, sem alarde, sem pompas, levando consigo o que realmente possuía, o que era realmente seu por direito: sua genialidade.

Deixou- nos estupefatos, surpresos, saindo de fininho. Galgando os degraus do infinito, foi animar outras plagas.

Partiu, hoje, Elthomar Santoro Junior, o avô do Rock montesclarino. Ao poeta, o nosso adeus!

Montes Claros, 29 de setembro de 2014



Felicidade Patrocínio
Cadeira N. 20
Patrono: Camilo Prates

AMELINHA: FESTA NA MISSA
DE RESSURREIÇÃO

Eu a conhecia à distância, nossa aproximação se deu pela mútua participação na Academia Feminina de Letras e o seu desejo de ingressar no Instituto Histórico e Geográfico de Montes Claros.

Chamou-me a atenção a sua personalidade exuberante, as suas vestes e ornamentos vistosos, a alegria incontida e a sua autenticidade. Desde o inicio fizeram-se aparentes as nossas afinidades, destacando entre todas, a cultura e o gosto pela vida.

Naquele, pouco mais de metro e meio de pessoa, latejava um coração de menina, de adolescente ardorosa e ao mesmo tempo de uma mulher vigorosa que adquirira, ou sempre possuíra a sabedoria do bem viver. Pouco sei da vida de Amélia Prates Souto, mas sei que foi por um bom tempo, diretora e educadora em uma das mais importantes escolas fundamentais da cidade, o Grupo Escolar Gonçalves Chaves. Sei também, que era viúva, genitora e progenitora de uma extensa e fértil descendência, com filhos e netos espalhados pelo Brasil e até Europa. No entanto, o primordial sobre si mesma ela oferecia desde o primeiro contato, no acolhimento e na alegria. No seu abraço largo, cabiam todos, sem discriminação de raça, cor, credo e preferências, era o seu sorriso um convite à amizade.

Vaidosa, gostava da cor e se vestia de maneira jovem. Braceletes nos braços, colares e brincos que variavam conforme a ocasião. Gostava de escrever. Tive o prazer de conhecer muitos dos seus artigos publicados em jornais da cidade retratando uma Montes Claros antiga e bucólica.

Ausente da cidade no dia do seu repentino falecimento, ao retornar, eu fiquei chocada com a notícia. Não tendo podido acompanhar o seu sepultamento, no sábado compareci a sua missa de ressurreição na capela do asilo de São Vicente de Paula.

Fiquei impressionada com tudo que vi. Pessoas em quantidade lotavam o recinto, amontoavam-se pelos cantos das paredes, nas portas e janelas, tentando encontrar espaço espremiam o padre num diminuto canto do altar. Todos queriam fazer-lhe uma última homenagem. .Música no ar, luzes, cantoria, leituras emocionadas de belos textos sobre sua pessoa e vida, destacando-se o artigo de Yedde Zuba que a retratou fielmente.

Tocada pela beleza do momento retirei os olhos do pároco oficiante e percorri com muita atenção todo o ambiente. Lá estavam parentes, amigos, autoridades, religiosos, a cultura da cidade. As pessoas estavam todas bem arrumadas, até mesmo, elegantes.

Aos meus olhos, uma festa, mais do que isto, uma linda festa e não poderia ser diferente em se tratando de Amelinha. Quem viveu intensamente como ela, quem foi ao mesmo tempo a Marta e a Maria, figuras bíblicas evocadas no evangelho da sua missa, só poderia mesmo festejar esta passagem como uma mudança de vida. É que Amélia, além de ter escolhido viver com alegria, acreditava na ressurreição, pois tinha já se tornado ministra da eucaristia.

Por tudo isto, profundamente emocionada eu fiquei a imaginála no último instante, a olhar para o alto e a dizer-lhe como o grande poeta Bandeira.


Amelinha Souto

“O meu dia foi bom, pode a noite descer.
(A noite com seus sortilégios.)
Encontrará lavrado o campo, a casa limpa,
A mesa posta, com cada coisa em seu lugar.”


Sua presença valeu, Amélia. Muito obrigada!



Harlen Soares Veloso
Cadeira N. 26
Patrono: Cyro dos Anjos

“SOARINHO”: UM HOMEM
ZELOSO PELO BEM COMUM

Recém-chegado ao Instituto Histórico e Geográfico de Montes Claros, eu observei atentamente a produção textual de seus valorosos membros em algumas das revistas já publicadas. Percebi um grande número de artigos a respeito de figuras marcantes do passado da região e das famílias dos respectivos autores.

Admiro e considero louvável esse resgate da memória dos antepassados, pois eles foram, cada um ao seu modo, protagonistas da História. Merecem homenagem e recordação que mantenha viva a força inspiradora de seus bons exemplos.

Nessa mesma toada, inauguro a minha participação no IHGMC com um registro a respeito da vida de meu bisavô materno.

Gregório Soares Caldeira nasceu em Juramento/MG no dia 30/12/1891. Recebeu o mesmo nome do pai e sua mãe foi Senhorinha Rodrigues Caldeira.

Em livros paroquiais antigos encontra-se a anotação de seu batismo, ocorrido no dia 09/09/1892, na Fazenda Canoas (região de Juramento/MG):


Fonte: familysearch.org

Casou-se com Emerenciana Rodrigues Soares (“Dona Bela”) e o casal teve numerosa descendência a partir dos filhos Azamor Soares Caldeira (pai de Zelita, minha Mãe); Jaime Soares Caldeira; João Batista Soares Caldeira; e Leônidas Soares Caldeira, além de Iolando Soares Caldeira.

Era conhecido como “Soarinho”, apelido diminutivo que contrasta com a grandeza de sua pessoa. Foi homem de reconhecida capacidade de empreendimento e de espírito caridoso, sendo merecedor do respeito e admiração dos que com ele conviveram, eternizada em relatos que perpassam gerações através dos testemunhos de familiares e amigos.

Foi proprietário da fazenda Decamão, em Juramento/MG, onde edificou uma sede em que consta a inscrição do ano de sua construção: 1923. Transferiu-se posteriormente para Montes Claros/MG, adquirindo uma área que atualmente corresponde às imediações do Colégio Marista, abrangendo os bairros São José e Roxo Verde. Sua casa localizava-se em frente à Praça existente na confluência da Rua Padre Champagnat com a Av. Santos Dumont. Ali providenciou a perfuração de poço artesiano e, por se tratar de ponto geograficamente mais elevado do bairro, fornecia água para muitos vizinhos, gratuitamente.

Soarinho é reconhecido como benemérito da Sociedade São Vicente de Paulo, cuja sede no bairro São José encontra-se em terreno por ele doado. Está registrado em ata da referida instituição o elogio à sua “operosa atividade, boa vontade, honra e dignidade”.

O atual presidente da instituição, Hermelindo Rodrigues Malveira, registrou o depoimento de um de seus Confrades mais antigos, o Sr. Laurindo Martins da Conceição, a seguir transcrito:

“Confrade Gregório Soares.

Soarinho, como ele era conhecido, foi o fundador da Conferência Santa Terezinha da Sociedade São Vicente de Paulo no ano de 1953, juntamente com os Confrades Malaquias Pimenta, Chiquinho Pinto e Gentil Calixto de Carvalho. Ele doou o terreno para construir a Conferência e pagou os pedreiros Laurindo Martins da Conceição e Manoel Raposo (todos os dois eram confrades Vicentinos) para levantar as paredes da sede. Antes, a Conferência Santa Terezinha se reunia na Escola Simeão Ribeiro, na Praça do Roxo Verde. Mais tarde um pouco, Soarinho comprou dois barracões ao lado da sede e doou para a Conferência. Soarinho era uma pessoa zelosa pelo bem comum. Ele doou, ao lado dos barracões da Conferência, um terreno para a Prefeitura construir um posto de saúde do bairro e adjacências. Mais tarde, o posto foi desativado e passou a ser uma escola, onde muitos dos nossos contemporâneos estudaram. Depois de um bom tempo, com o desativamento da escola, Soarinho comprou o prédio da Prefeitura e doou para a Conferência. Ele pensou no futuro. Hoje, a Conferência é uma das poucas de Montes Claros que têm um patrimônio, que é alugado para três moradores, cuja renda nós revertemos em favor dos mais pobres, como construção de várias casas, doação de materiais de construção para pessoas que não têm como comprar, além de cestas básicas todos os meses para nossos assistidos”.

A propósito, ‘Seu’ Laurindo faleceu em maio de 2017, aos 90 anos de idade, cerca de um mês depois de dar esse depoimento (e aqui abro um parêntesis para ressaltar a importância do registro da história oral, pelo valioso testemunho dos idosos).

Também merece destaque o fato de que Soarinho contribuiu para a edificação do Colégio São José, através da venda por preço simbólico de parte do terreno onde está construída a escola. Por esse gesto, recebeu, juntamente com a esposa Emerenciana, uma dedicatória no Livro dos Benfeitores do então Ginásio São José, dos Irmãos Maristas, assim redigida:


Foto: arquivo de Jaime Prates Caldeira

“Ao venerando montesclarense Gregório Soares Caldeira e Exma. esposa Emerenciana Rodrigues Soares. A Associação dos Amigos do Progresso de Montes Claros faltaria ao seu dever de gratidão se omitisse, neste momento festivo em que as obras do ginásio São José, dos Irmãos Maristas, caminha para a sua conclusão, pelo que, recebam esta homenagem singela, porém nascida do desejo unânime dos associados para firmar no tempo a colaboração expressiva dos nobres montesclarenses que, efetuando uma venda por preços mínimos de terrenos de alto valor, tornou possível esta grande realização. Em testemunho do que acima está expresso, juntamos dois exemplares da ‘gazeta do povo’ que publicou a 6ª ata de gratidão, oferecida aos Beneméritos vendedores dos terrenos do patrimônio do ginásio. Que esta visita histórica de 26-6-952 do nosso Bispo Dom Luiz Vitor Sartori, seja uma bênção de Deus para os estimados amigos e toda família. Montes Claros, 3-8-952. Pela Associação dos Amigos do Progresso, Gentil Gonzaga, Tesoureiro”.

Um interessante relato familiar nos dá conta de que, por ocasião das Bodas de Ouro de Soarinho e Emerenciana, ele providenciou um grande almoço para os assistidos pela Conferência de São Vicente de Paulo. O banquete aos pobres foi servido um dia antes da festa com os parentes. Cioso de sua reputação, ele quis com isso evitar qualquer tipo de suspeita de que porventura teriam sido oferecidas aos assistidos as sobras da comemoração.


Reunião familiar nas Bodas de Ouro (foto de arquivo pessoal)

Católico fervoroso, “Soarinho” tinha o hábito da oração diária do Terço em família. Eram comuns suas romarias para Bom Jesus da Lapa/BA e Aparecida do Norte/SP. Nas atas da Conferência de São Vicente, há registros de sua firme orientação no sentido do comparecimento obrigatório à missa aos domingos, sinalizando a importância da comunhão. No âmbito da atuação na entidade, ressaltava ele a necessidade de visita aos pobres assistidos, enfatizando para os Confrades a grande importância do ato.

Este ano de 2018 marca o cinquentenário do falecimento de Soarinho, ocorrido em 26/10/1968, em Montes Claros. Na ocasião, suas roupas foram doadas à Conferência Vicentina para distribuição aos necessitados. Em ata de 15/12/1968, foi registrada a sugestão de mudança do nome da Rua São Vicente de Paulo para Rua Gregório Soares Caldeira, como “condecoração de honra ao fundador da Conferência”.

É este, pois, um breve relato sobre a vida de Soarinho, que marcou sua passagem por esse mundo com a vivência autêntica da fé Cristã, sedimentada em obras de caridade, deixando um edificante exemplo de amor a Deus e ao próximo.


Foto: arquivo pessoal


Foto: arquivo pessoal



Ivana Ferrante Rebello
Cadeira N. 56
Patrono: João Luís Machado Lafetá

Manoel Ambrósio de
Oliveira: um escritor do
Norte de Minas Gerais, do
início do século XX.

Manoel Ambrósio de Oliveira nasceu na cidade de Januária, norte de Minas Gerais, em 8 de dezembro de 1865. Atuou como professor, historiador, folclorista, escritor e jornalista. Ocupou a cadeira 75 no Instituto Histórico e Geográfico de Minas Gerais e antecipou trabalhos em várias áreas como antropologia, ecologia, economia e sociologia. Sua obra mais conhecida é o livro de contos Brasil Interior, objeto deste estudo, escrito em 1912 e só publicado em 1934. Foi reeditado e publicado em 2015, pela Universidade Estadual e Montes Claros/UNIMONTES.

O januarense é também autor do livro Brasil do Vale (1909), ainda inédito, que apresenta um conjunto de contos populares nos quais aparecem registro de adivinhações, parlendas, ditados populares, orações e rezas. O livro conta com 390 folhas datilografadas, divididas em 3 seções, requerendo estudo e publicação. Publicou pela Imprensa Oficial o romance Hercília (1923), editado anteriormente em formade folhetim no Jornal a Luz, e, pela Editora Moção, Ermida do Planalto
(1945) e Os Laras (1938).

No livro Brasil Interior, lê-se o relato de palestras populares e lendas do povo barranqueiro – conforme é conhecido o morador das barrancas do Rio São Francisco – além de evidenciar crenças, ritos, mitos e expressões vocabulares. Em sua literatura, ele irá trazer ao lume aspectos culturais, sociais, geográficos, históricos e linguísticos da região sertaneja que compreende o Norte de Minas, ou seja, do “interior” mineiro, constituindo-se, assim, um exemplar do que se poderia chamar de literatura regional.

A prosa regionalista supera, segundo Alfredo Bosi, vestígios idealistas românticos do passado, imergindo vigorosamente na realidade brasileira. No entanto, Bosi distingue o termo regionalismo, considerando a presença de duas tendências: o regionalismo “sério”, que implica íntimo sentimento da terra e do homem e o regionalismo exótico e “pitoresco”, apenas simulacro da nossa consciência local.

Semelhante à abordagem de Alfredo Bosi, Afrânio Coutinho (2004) assevera que há várias maneiras de interpretar as chamadas produções regionalistas. Em sua análise, duas acepções são destacadas: a primeira é a visão errônea de um regionalismo medíocre, que se vale de um provincianismo de “mau sentido”, portador, segundo o crítico, de um conteúdo limitado capaz de acirrar a rivalidade entre as regiões. Outro sentido que se dá ao regionalismo é aproximá-lo de localismo literário e da exposição do pitoresco, que para ele, é uma forma do escapismo romântico de gerações ultrapassadas.

A publicação, em 1912, da obra Contos Gauchescos, de João Simões Lopes Neto, traz ao regionalismo brasileiro novas tendências, que, para a crítica especializada, estariam associadas às requisições do pré-modernismo brasileiro, seguido do livro Urupês (1918), de Monteiro Lobato. Equiparando-se aos dois livros supracitados, o livro Brasil Interior, de Manuel Ambrósio, é composto de 22 contos e suaescrita também data de 1912, coincidindo com a publicação da obra de Simões Lopes. A coletânea de Ambrósio retrata mitos da região norte-mineira, representado cenas e paisagens típicas das margens do Rio São Francisco. Resulta em 12 lendas recontadas, que compõem a primeira parte, 13 contos e 15 contos do imaginário regional e universal. A linguagem da obra prima pelo veio dialetal e poético, rico em substrato humano.

Não se pode deixar de mencionar o lapso temporal existente entre a redação da coletânea e sua edição, que somam 22 anos. O decurso de tempo talvez encontre ressonância nas distâncias territoriais impostas aos habitantes do sertão norte-mineiro, decorrentes do atraso, da ausência de políticas públicas que amparassem o homem do sertão em suas necessidades e o colocasse em diálogo efetivo com setores urbanizados do país e até mesmo com o restante do estado de Minas Gerais. Este afastamento, por outro lado, ocasionou na preservação de um linguajar diferenciado, que contém ressonância do falar português, de tradição humanística, com alguma influência do espanhol.

Nos contos de Manoel Ambrósio, encontramos diferentes registros linguísticos que representam as graduações sociais e suas nuances: a do narrador, a dos oficiais, a dos fazendeiros, a dos vaqueiros, a dos pescadores, entre elas. Como cada grupo social retratado utiliza formas e expressão próprias, vê-se, no final da edição, um glossário de termos. Essa riqueza linguística e o tratamento poético que, às vezes, a linguagem assume, leva-nos a uma irrefutável aproximação entre a escrita de Manoel Ambrósio e a de Guimarães Rosa, salvaguardadas todas as diferenças.

Os temas da obra de Ambrósio são ligados à paisagem, às relações sociais locais e ao cotidiano dos habitantes, mas não têm a conotação filosófica e a densidade emocional que caracterizam a ficção rosiana.

No entanto, não se justifica o fato de Manoel Ambrósio de Oliveira ser quase um desconhecido nas letras nacionais.

A leitura de Brasil Interior é suficiente para se pensar que a escrita de Ambrósio não foi indiferente às influências de um realismosocial que se disseminava na época, mesmo sem alcançar devidamente seu lugar ao lado de notáveis prosadores regionalistas e padecendo da atenção arrefecida da crítica.

Para Diogo Vasconcelos, em “O FOLCLORISTA Manoel Ambrósio”(1974), a análise converte-se para aspectos da vida e obras de Manoel Ambrósio, ressaltando sua atuação como educador, jornalista, historiador, poeta, autor teatral e prosador. Caracterizando o mineiro como um “homem a frente de seu tempo”, Vasconcelos afirma que o januarense, antecipando-se aos antropólogos, sociólogos e economistas e ecologistas de hoje, numa época em que tais ciências praticamente não se existiam, empreendeu estudos profundos nessas áreas. Todavia, faltam estudos sobre a obra ficcional do autor, sob o fulcro da literatura, inclusive para refletir sobre sua importância e influência, conforme se pretende demonstrar no presente texto.

É preciso destacar que no processo de composição do livro Brasil Interior sobressaem os “causos”, conforme o próprio autor os trata, admitindo sua profunda relação com a literatura oral. Dividido em três partes – “Palestras Populares”, dedicada à recolha de lendas ribeirinhas, “Narrativas”, constituída de contos, nos quais se privilegia a figura do narrador e contador de histórias e, novamente, “Palestras Populares”, em que se destacam a recolha de elementos folclóricos, reencenados em narrativas curtas. Os títulos de cada parte fornecem uma ideia da organicidade da obra e enfatizam o propósito de o escritor fornecer suporte à memória local, a partir de um conjunto de costumes, ritos, e valores, nos quais a experiência humana, contudo, sobressai.

Sobre o livro, Vasconcelos reconhece que não se pode negar que nele haja folclore, mas se trata de um “folclore literatizado”, trazido a lume sob o manto do pitoresco, do insólito, sem perder a perspectiva da representatividade literária.

Ao dar ênfase à figura do contador de histórias, sempre presente nos contos que integram o livro, Ambrósio revivifica o hábito peculiar brasileiro de contar histórias, celebrando a matriz oralizante que, conforme sabemos, patenteia a narrativa escrita ocidental. Tal hábito ainda resiste na região conhecida como o sertão do Urucuia, local em que se desenvolvem as histórias do livro Brasil Interior que, anos depois, seria celebrizado na ficção de Guimarães Rosa.

No trecho em destaque, verificamos uma descrição desse contador de histórias, que atua como narrador dos contos de Ambrósio:

Contava com gosto, como um dos mais antigos homens do seu tempo, suas velhas xistosas lendas com o sorriso e simplicidade de crédula creança com limpeza e graça taes, que não era muito possível a qualquer tentar uma dúvida que sahisse de sua boca. Assim, em dias de bom humor, de pachorra e minuciosidades entre amadores de tradicções, costumava contar uma das suas e cuja palestra ainda que pouco desfigurada no fundo, todavia, corporizava-se por assim dizer em suas palavras sérias, calmas, intelligentes e inflexíveis. (AMBRÓSIO, 1934 p.30).

O narrador, portador de instrumental sofisticado de linguagem, transfere a voz para um contador de casos que, de posse de sua faculdade de narrar, utiliza termos regionais, provérbios locais e expressões populares que colocam o leitor em contato com os feitos extraordinários e os elementos fantásticos que compõem as narrativas.

O livro resulta, então, como um singular hibridismo que alia à narrativa realista, os apelos da fantasia e as seduções dos jogos verbais. Na organicidade da obra, que condensa surpreendente variedade, encontramos histórias que beiram o documental, outras que assimilam o registro folclórico; algumas funcionando como o quase-drama da difícil vida ribeirinha e ainda outras que integram narratividade e poesia, numa linguagem interessante e vivaz.

Tais elementos são suficientes para que se identifiquem, na ficção de Ambrósio, novas perspectivas sobre o sertanejo, resultando num produto de relativa originalidade, performatizado no plano da enunciação. Os contos do livro são aglutinadores de uma realidade mais vasta que a do seu mero argumento, e, por isso, influem no leitor uma força que faz suspeitar da modéstia de seu conteúdo aparente e da brevidade do seu texto.

Os personagens do livro dividem-se em pescadores, que se aventuram em busca de riquezas; vaqueiros que se metamorfoseiam em seres fantásticos; monstros e seres imaginários, como serpente, o caapora, o bicho-homem, o dourado; gente que faz mandigas e recorre a todos os sortilégios para se proteger dos perigos que existem nas profundas águas do Rio São Francisco.

As histórias evidenciam as forças que evolam do sertão adentro, onde predominou a cultura do gado vacum e cavalar e a mitificação da relação do homem e da natureza, como vemos no conto “Mãe D’Água”. Na narrativa, um pescador deseja a riqueza, por meio da descoberta do ouro e do diamante, que estão nas profundezas do Rio São Francisco e bem guardados pela Mãe d’Água. No fundo do Rio, existe um palácio de pedras preciosas, em que mora a guardiã das águas, com suas vestimentas preciosas e seu canto sedutor. O pescador, em sua lida cotidiana, ambiciona a riqueza fácil, mas esta não está ao alcance dos homens comuns.

As narrativas, ainda que contenham enredos simplificados e efeitos moralizantes, são, no entanto, reflexões sobre a vida. Durante a leitura das histórias, percebe-se um desejo puramente humano de escapar a um cotidiano enfadonho, que abre espaço ao sonho e aos acontecimentos insólitos. Mas, como se conclui, ao cabo da leitura, a repetição da existência cria comportamentos essenciais à compreensão do mundo e à sobrevivência social.

Há casos em que os conflitos sociais são sobressaltados, como é o caso de “Três Bundas”, cuja trama se passa em 1835. O protagonista é um negro, “roliço e de singular musculatura, com andar majestoso e grave, mais parecia um general à frente de um exército, do que um comum cidadão”. Sua altivez torna-o figura ameaçadora às autoridades locais e, por tal motivo, é sentenciado à morte pelo frágil delegado português. O contraste interposto entre as estruturas físicas do negro e do português são argumentos para se representar as relações de força e fraqueza, poder e submissão, características da sociedade do século XIX.

A questão étnica surge com alguma frequência no livro de Ambrósio, como também percebemos em “O Rei do Rosário”, onde o mulato, eleito rei da festa de Nossa Senhora do Rosário, mostra-se indignado, conforme se vê no excerto:

Ele, doente da branquidade, manteiga de sebo, homem da alta sociedade, estava no caso de fazer uma festa, porém, condigna, do império; pois que, festas de negros não passavam de um abuso de confiança, um desaforo intragável, um insulto direto e falta de consideração à sua pessoa qualificada [...]. De tais honras absolutamente não precisava; seria um imenso favor não se lhe tocar nesse sentido; que sua cabeça jamais cingira uma coroa da santa negra. (AMBRÓSIO, 1934, p. 64).

O fim do mulato é a metamorfose em um “cadáver tão disforme pelo rosto como nunca se vira antes”, condenado a trabalhar incansavelmente no dia da festa de Nossa Senhora, por força de uma maldição. O lobisomem e o diabo, representantes do lendário universal, surgem também, tipificando, no entanto, tensões própriasdo viver ribeirinho. Também se registra a figura do caapora, descrito como caboclo pequeno, encantado, de pé redondo, cocho, com um olho único no meio da testa. Como registra Manoel Ambosio, nas narrativas populares representam-se:

Sonhos, aparições de almas do outro mundo, contos reais, contos mentirosos, contos de contos, historietas absurdas, casos virgens, ignorados, infalíveis descrições, velhos e novos retiros, velhas e novas tentativas, exemplos aos milhares, aos milhões, toda essa farandulagem de grandeza e interminável sede e desejos de opulências que transpiram da indigência, como da abastança, usuraria, poderia dar um verdadeiro tesouro, realíssimo: de formosas lendas, de belos episódios edificantes, necessários, de homens, de usos, de costumes, de lugares, de remotíssimas eras, repintadas de quadros da vida nacional com suas emoções, suas reminiscências, seus sofrimentos, afrontas, vinganças e heroísmos patrióticos, que os séculos vão envolvendo na poeira esmagadora de seus mistérios (AMBRÓSIO, 1934, p. 10).

As lendas e narrativas populares registram processos de integração do homem com a natureza e o espaço em que vive, as formas de apropriação e o domínio sobre o invisível. No conto “Caboclo D’Água”, o personagem, caprichoso e vingativo, é responsabilizado pelas tragédias decorrentes das enchentes do rio:

Na ocasião das enchentes grandes, rói furiosamente a base dos barrancos, quebra formidáveis barreiras, abre solapões profundos, devasta ilhas e margens até derrubar o rancho, beira no chão o desditoso; depois, satisfeito, qual grosso tronco de árvore bóia parado, ou então resvala pelo meio do rio (AMBRÓSIO, 1934, p. 33).

Mesmo sendo vasta a relação de autores mineiros que figuram no cenário da literatura nacional como expoentes na produção literária brasileira, ainda assim, alguns escritores mineiros têm sua trajetória literária pouco conhecida, no período que antecede a metade do século XX, como parece ser o caso do escritor Manoel Ambrósio de Oliveira. A lacuna encontra muitas explicações; a maior parte com respaldo na distância geográfica de certas cidades mineiras aos grandes centros de consumo e nas questões, sempre problemáticas, que dizem respeito ao estabelecimento do cânone literário, com todas as suas especificidades.

Independente de tais questões, os estudos literários voltam-se, atualmente, para a revisão de alguns conceitos, além de se ter, já, como ponto pacífico, a necessidade de se estabelecer outros lugares, para que autores, de alguma forma segregados das universidades, das salas de aula ou das bibliotecas, encontrem um jeito legítimo de circularem e serem lidos.

Determinadas circunstâncias como a localização geográfica, os meios de distribuição e as condições dessa distribuição podem interferir na forma como um autor é lido ou recebido em sua época. O escritor Manoel Ambrósio de Oliveira e suas obras foram relegados ao esquecimento, figurando como um nome quase desconhecido no cenário da literatura de Minas Gerais e da brasileira.

Não se pode, nesses casos, separar o homem de sua obra, mormente porque não se sabe, claramente, se foi o homem e suas circunstâncias provocadores do descaso sobre seu produto literário, em seu tempo – como ocorreu com os escritores Cruz e Souza e Lima Barreto, por exemplo, ambos dotados de um talento inquestionável – ou se devido ao fato de sua literatura ser mesmo desprovida de maiores qualidades, o que decretaria definitivamente seu esquecimento.

Há um grupo de estudos, criado e coordenado por mim, que se dedica aos “Intérpretes dos Gerais”, cujo foco se orienta por destacar e valorizar autores da literatura dos Gerais mineiros, esquecidos pelo tempo. No caso específico desta pesquisa, destaque-se a necessidade de se ler mais a ficção de Manoel Ambrósio de Oliveira. Sua obra revela seu lugar de origem, suas vivências culturais e o linguajar característico de sua região, bem como ilustra as vicissitudes sociais, o descaso político e a miséria que circundavam seu lugar de origem. Os contos de Manoel Ambrósio de Oliveira representam para a literatura de Minas Gerais o que representou João Simões Lopes para a literatura do Rio Grande do Sul. É preciso, entretanto, que se tire das bibliotecas a grossa camada de poeira que as escondem, para deixar que se contem, novamente, as histórias que foram esquecidas.


Manoel Ambrósio de Oliveira

 

REFERÊNCIAS:
AMBRÓSIO, Manoel. Brasil Interior: Palestras populares-folclore das margens do rio S. Francisco. São Paulo: Editora Nelson Benjamim Monção, 1934. ASSIS, Machado de. Instinto de nacionalidade In: Obra completa.III, 1962. p. 806.

CORTÀZAR, Julio. Alguns Aspectos do Conto. Valise de Cronópio. São Paulo: Perspectivas, 2004.

COUTINHO, Alfredo. A literatura no Brasil. In: Historiografia Literária em novo Rumo. 7ed. São Paulo: Global, 2004. GOTLIB, Nádia Battela. Teoria do Conto, 1990.

VASCONCELOS, F. O FOLCLORISTA Manoel Ambrósio. Separata de “Itaytera”, nº 18. (Edição do instituto cultural do cariri patrocínio da comunidade de Januária Minas Gerais, 1974).



Jânio Marques Dias
Cadeira N. 08
Patrono: Antônio Jorge

O ESPAÇO GEOGRÁFICO DO
SERTÃO NORTE MINEIRO E SUAS
MÚLTIPLAS VISÕES DE MUNDO
E DE SAGRADO

A natureza sertaneja nos apresenta diversos eventos que com o passar do tempo adquiriram horizontes místicos e nos deram uma observação de um mundo imaginário capaz de transformar o conhecimento humano em uma experiência especial com o transcendental. Para constatar a veracidade desta afirmativa iremos buscar, nos teóricos, informações para legitimação e construção do cenário místico sertanejo encontrado desde a preparação da terra para o plantio até a colheita do produto semeado.

No entanto, ao falar da mística sertaneja, devemos ter uma preocupação para não perder o foco ou cair em uma armadilha, tratando o tema simplesmente com o olhar voltado para o moderno, pois nosso intuito aqui é mostrar as afinidades entre práticas cotidianas e a religiosidade local. Simbolicamente, a sociedade sertaneja apresenta uma devoção a terra e reafirma sua amplitude no entendimento, na identificação e na experiência com o sagrado.

Para nosso conhecimento e aplicabilidade do objeto em estudo vamos dar ênfase, no primeiro momento, a relação entre sertão-sertanejo-sagrado que formam o eixo de nossa indagação e reflexão. Esses termos são ligados pela situação particular da região, parte norte do Estado de Minas Gerais, beneficiada pelo Rio São Francisco, por nascentes de córregos e veredas cujas águas possuem um significado místico. Como a região é muito rica em recursos naturais, particularmente florestais, é fundamental analisar neste estudo a relação das florestas e seu mundo invisível, criado a partir da necessidade de satisfazer a mente humana.

Nos dizeres de Luis da Camara Cascudo, sertão é o interior, composto por uma fauna e flora nada semelhante ao restante do mundo, “é folcloricamente mais ligado ao ciclo do gado e com a permanência de costumes e tradições antigas” (CASCUDO, 1984). Na atualidade, o nome fixou-se no Nordeste Brasileiro e aqui destacamos o sertão do Norte de Minas Gerais que durante boa parte da história do Brasil foi considerado como um espaço hostil e marginal. Um território onde violência e religiosidade fizeram parte da construção da memória e da narrativa sertanista.

As imagens sertanejas dos homens e mulheres construídas pela literatura e pelo poder vigente fizeram ver um território estratificado com pequenos núcleos urbanos nos quais apresentam uma ordem desigualitária, que coronéis, padres e pobres, estão sempre sob custódia das fronteiras municipais, por nascentes, rios e monumentos arquitetônicos construídos a partir da especulação religiosa. Individualizado pela Coroa Portuguesa, o sertão foi rejeitado e por vários séculos foi isolado da chamada modernização metropolitana.

Os pequenos núcleos urbanos e as comunidades rurais demarcaram o território e transformou o sertão norte mineiro numa propriedade inviolável com uma classe econômica que exerceu sua superioridade, baseada no exclusivo e no excludente. A identidade do superior foi marcada pela propriedade, limites, terror e invasão. O rico e o pobre, o urbano e o rural só sentiam iguais nos espaços chamados sagrados ou durante as missas e festividades religiosas, mas permaneciam incomunicáveis entre si, por uma forte divisão mental que censuram os contágios entre meios diferentes que permaneceram intactos até recentemente.

Padres e Coronéis eram homens predominantemente portugueses, “embora tenha havido presença residual de espanhóis, franceses, holandeses e ciganos” (WEHLING, 2005), reproduziram no sertão uma sociedade estamental de onde provinha, adaptando-a às novas condições. Trouxe seus valores, sua organização, suas regras familiares, patrimoniais e obrigacionais, “tudo temperado por duas situações contraditórias: de um lado, a sensação de liberdade do Novo Mundo, onde as péias sociais seriam mais frouxas, a mobilidade mais fácil, a presença do Estado mais tênue, e do outro, a sensação resumida na expressão que afirmava não haver pecado além do equador” (WEHLING, 2005).

Refugiados dos espaços produtivos, negros, marginais e indígenas formaram a camada pobre do sertão, dominaram espaços, criaram palavras e vulgarizaram a fé. A religiosidade popular surgiu a partir de uma necessidade de adaptação do espaço sagrado português com a realidade sertaneja. No primeiro momento, pela escassez do clero, que visitavam os lugarejos de época em época e vomitando o ódio através das pragas e maldições e demais gêneros verbais, proliferava o medo do sobrenatural e a necessidade da salvação da alma. As diferentes violências religiosas, durante o período colonial no sertão, produziram práticas religiosas diversificadas, de acordo com a realidade de cada comunidade e sua predominância étnica.

A cultura negra, marcada pela macro-religiosidade africana, “sofreu e sofre processo de mestiçagem com índios e brancos, alterando alguns diferenciais e fazendo complexas combinações” (LIBÂNIO; MURAD, 2003. p. 263). As consequências desta mestiçagem foi o surgimento de um fenômeno religioso apropriado de inúmeras místicas. As múltiplas crenças que invadiram o sertão travaram diversas batalhas político-sócio-culturais e religiosas. Como consequência dessas batalhas, em primeiro lugar vai desaparecer o espírito colonizador, nasceu uma sociedade sertaneja, com um convívio social e com os apadrinhamentos que solidificaram as limitadas solidariedades urbanas e rurais. Em seguida, invadidos pela universalidade, travam-se lutas pelo direito de cultuar e respeitar a significação da fé sem interpretações atravessadas pela chamada violência simbólica fruto da dominação e personificação cristã.

O perfil do sertão progressista, o investimento na pecuária e na agricultura e o crescimento populacional no período colonial atraíram pessoas de muitas regiões do Brasil e do mundo. Viajantes, comerciantes, judeus, turcos chegaram ao sertão mineiro, promissora fronteira mercadológica. Trouxeram divisas, movimentaram o comércio e praticaram suas religiões longe do elemento aniquilador. Essas práticas estão representadas no cotidiano do homem sertanejo como costumes ancestrais. O exercício dessas práticas religiosas adicionadas às práticas católicas foi à condição primeira para nascimento da tradição religiosa sertaneja. Outro grupo destacado aqui são os ciganos, presentes no sertão desde o período aurífero, que segundo Rodrigo Corrêa Teixeira, apresenta múltiplas identidades. “Não são um grupo religioso ou uma nacionalidade” (TEIXEIRA, 2007). A diferença é muito grande, pois na realidade não existem ciganos, mas sim diversas comunidades chamadas de ciganas mantendo relações de semelhança e/ou dessemelhança com as outras. A história do cigano no sertão é uma viagem nas diferentes religiões com as quais vários grupos ciganos, sucessiva e contraditoriamente, tiveram contato. Outro destaque, no meio cigano, é a concepção de mundo manifestada na sua universalidade. A influência na língua e na estética e notadamente percebida em alguns lugares onde os acampamentos ciganos eram mais freqüentes no sertão.

Quanto às questões dos valores e princípios religiosos vamos destacar Fernando de Azeredo que afirma: A religião teve, no período colonial, uma influência sem dúvida predominante e quase exclusiva na organização do sistema de cultura que, tanto no seu conteúdo como nas suas formas e instituições, acusa fortemente essas relações de estreita dependência entre cultura e a religião (AZEREDO, 2010). No sertão não é diferente, contudo, é bom frisar que a religião estava de mãos dadas com a violência, devido a dispersão geográfica, padres e administradores de capelas acumulavam bens e possuíam escravos. Os homens de negócios (judeus) mantinham relações de amizade com os Cristãos e não era de se assustar quando era avaliada a extensão dos negócios e o nível da fortuna acumulada pela a igreja católica durante o período colonial no sertão norte mineiro.

Atualmente podemos perceber como foi o envolvimento dessa igreja colonial, quando encontramos várias cidades que surgiram e desenvolveram em terrenos tidos como “terra de santo”. Nesse território desenvolveu-se uma cultura e uma religiosidade própria de cada lugar de acordo com a história e a devoção ao santo proprietário, transformado mais tarde em padroeiro. As diversidades de atividades econômicas são bem visíveis no final do século XVIII, terras de plantar, casas de viver, paiol, senzalas, estrebarias e capela para demonstrar sua devoção ao santo protetor constituíam os bens que pertenciam um senhor de família no sertão mineiro.

Nesse sistema de relações vamos encontrar uma sociedade patriarcal organizada a partir de bens adquiridos e transformados em poderes políticos e religiosos. Arno Wehling ao enfocar ao enfocar a sociedade brasileira do período colonial, debate o tema é chega a seguinte conclusão: Sob a égide de um estado que impunha determinado modelo social e religioso às comunidades que viviamnos seus limites legais, mesclaram-se ou apartaram-se portugueses transplantados, indígenas e africanos de diferentes culturas, cada qual trazendo consigo suas instituições e seus quadros mentais (WEHLING, 2005).

A partir das considerações de WEHLING (2005), podemos afirmar que a sociedade Sertaneja, implantada a partir do modelo colonial, foi à fusão de várias populações, com mobilidades e miscigenação tão ou mais intensas que outras sociedades coloniais brasileiras. Essa sociedade apresentou-nos uma capacidade de habitar um espaço inédito, de segredos e de reflexões em torno desses segredos, com linguagens e poderes. Sem intervenção do elemento dominador, sem a imposição dos saberes sagrados legitimados pela cristandade católica. O sertão criou seu modo de conquista com gestos e palavras revestidos de poderes e de autoridades que ficaram registradas na tradição de cada localidade.

Assim registrou Vera Lúcia Felício Pereira pelas suas andanças pelo sertão:

Um dos mais respeitados narradores do lugar recusa-se a contar seus casos para pessoas desconhecidas, gente diferente que ele sabe não fazer parte da comunidade onde viver. Essa atitude fundamenta-se na crença de que aqueles que escutam se tornam donos da palavra ouvida e, ao partirem, levam consigo a essência vital, a força de uma linguagem inerente ao contexto de vida do grupo. (PEREIRA, 1996. p. 49)

Essas narrativas funcionam como um elemento mantenedor da vida cotidiana, que mesmo inseguros a respeito das “energias” que são liberadas, ao contar pequenas histórias, são ligadas a outras culturas, correndo o risco de perder seu valor sagrado e dominador, a partir das múltiplas infrações assumidas pelas diferentes pessoas “estrangeiras” que desafiam o local com questionamentos e perguntas, produzem violências e censuram a tradição e a mística de um povo.

A paisagem sertaneja, inserida ao contesto nacional a partir de meados do século XX, apresentou eventos frente a um discurso cultural, transformando a marginalidade sertaneja em algo sagrado. Apossou e reajustou o saber, o conhecimento e a crença local em função das provocações religiosas e culturais, das demandas pentecostais e da desmaterialização do mundo globalizado. Com a inserção do sertão norte mineiro no calendário cultural e religioso nacional, um dos primeiros saldos favoráveis para o sertão foi a conscientização do sertanejo, amplamente discutida e compartilhada com outras culturas mineiras, através de festivais, festas de padroeiros e de santos locais culminou-se com a chamada invenção da tradicionalidade sertaneja.Reunidos para celebrar a identidade local, os sertanejos apresentam publicamente através de gestos, palavras e objetos sagrados ou não as características que marcaram e marcam a vida sertaneja.

O sagrado foi revestido de peculiaridades, priorizando sua potência ordenadora e a conservação das características de cada grupo social surgido a partir da crença de cada comunidade, aqui destacamos a etnia predominante, principal elemento condutor do sagrado. No território sertanejo é notadamente explicito que a manifestação do sagrado está diretamente ligada ao meio rural, mundo da pecuária e da agricultura, espaço marcado pela partilha da fé.

Com a popularização dos costumes sertanejos, o poder público conduziu as crenças e as tradições religiosas para outros universos culturais e sociais. As roupas coloridas, cuja cor indica o santo de devoção e a música com os instrumentos utilizados para produzila e transformá-la em prazer, foram vistas, durante muito tempo, pela maioria dos sertanejos como indicio de atraso e inconvenientes a fé padronizada pela cristandade católica. Nas manifestações das religiosidades locais, o sertanejo consagra seus bens e sua vida através de rituais que para Carlos Alberto Steil “são fundamentais não só porque situam seus participantes num universo simbólico que configura a sua realidade, mas sobretudo por causa de sua forma performativa, o que os torna essenciais para construção das identidades dos próprios grupos.” (STEIL, 1996. p.115)

Graças às manifestações religiosas realizadas por homens e mulheres, dentro do espaço sertanejo, fica evidente que a tradição sagrada com suas raízes etnográficas tendem a crescer e sair da marginalidade a partir de acumulação de informações e documentações como forma de resistência e preservação da fé e da cultura dos diferentes povos que apropriaram do sertão norte mineiro. Nas últimas décadas, os lideres religiosos ligados em alguns grupos com preceitos religiosos determinados por uma religião têm apresentado um desejo crescente de controlar as vidas dos povos sertanejos em geral, apropriando de informações e documentações, fosse para preservá-las ou para destruílas.

Contudo, o fato de apropriação da fé local pelo “estrangeiro” e a tentativa de transformá-la em algo maléfico, resultou-se no surgimento de vários movimentos de afirmação de determinadas etnias, com recriações de mitos e reafirmações étnicas fundamentalmente expressas na conservação, na expressão, na valorização e na forma de manifestação da fé e da cultura originária. “Corpo vivo, etnias e culturas correspondentes, fortemente enraizadas na tradição, apresentam novas configurações diante de mudanças nos processos civilizatórios e no contato com outras culturas” (LIBÂNIO; MURAD. 2003.p. 263).

No sertão em uma mesma época, como por exemplo, o da tradicional festa do padroeiro, apresenta uma multiplicidade heterogênea de modos de lidar com o sagrado e sua inter-relação com a realidade, que sofrem diferenças de localidade para localidade cujos os ritos e experiências com o sagrado quebram a aparente uniformidade na seqüência temporal dos relatos apresentados por devotos e observadores. Nem tudo do que se apresenta ou é formulado apresenta concordância com os lugares comuns ou de origem do sagrado, e é por isso que devemos prestar ação nas vozes, nas brechas do vocabulário local e nos pensamentos que modelam os sentidos e as alternativas sagradas do sertanejo.

Para os sertanistas, existe uma urgência em resgatar a memória daqueles que são as vozes do sertão e alinhando com elas entender os conflitos de significação dos atos sagrados que solidificaram a partir de um contingente constituído e instituído de uma cultura heterogênea e sob o controle de um estado que, somente de longe, parecia inalterável. Para homens e mulheres sertanejas que aderiram ao metafísico a partir da consciência, espírito, história, técnicas de lidar com a terra, plantio, semente e fruto. Foi partir de suas ideologias que mentalmente elaboraram um projeto civilizatório, que imprime sistematicamente seu outro lado mais obscuro e sertanejo (natureza, corpo, inconsciente, rito e mito). O que deveria incorporar uma ideologia do modelo colonial, que é um modelo branco, dominador e urbano não aconteceu. A pluralidade etno-cultural impôs sua força através de corpos/ línguas e cultura/sagrado, uma pluralidade que simboliza a contra memória do colonizador.

Antes de abordar o que uma produção literária referente ao sertão nos apresenta e analisar a ótica sertaneja dentro de um mundo globalizado a partir de regras do mercado cultural e religioso. Nosso olhar deverá estar voltado para o sertanejo, não com um homem marginal, armado e cheio de representações negativas, mas como um ser que interroga e dar sentido sua identidade. Nada mais real entre os registros sertanejos que: a heterogeneidade humana, a cultura plural e as contradições religiosas.

A identidade religiosa, analisada a partir das representações sociais, é o resgate vivencial de uma consciência sertaneja. De um sertão marginal para o sertão cultural, de um sertão cristão para um sertão hibrido. A força da mistura reuniu conhecimentos e ensinou homens e mulheres a valorizar cada instrumento e gesto entre o profano e o sagrado, como motivo e oportunidade de traçar um caminhoque reúne todos os elementos fundamentais e ilimitáveis para a valorização simbólica e diversificada da vida sertaneja.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRAFICAS:
AZEVEDO Fernando. A Cultura Brasileira. 7ed. São Paulo: Edusp, 2010. CASCUDO, Luiz da Camara. Dicionário do Folclore Brasileiro. 5ed. Belo Horizonte: Itatiaia, 1984.

LEITE, Fábio. A Questão Ancestral - África Negra. São Paulo: Palas Athena, 2008. LIBÂNIO, J. B. e MURAD, Afonso. Introdução à Teologia - Perfil, Enfoques e Tarefas. 4ed. São Paulo: Loyola, 2003.

PEREIRA, Vera Lúcia Felício. O Artesão da Memória no Vale do Jequitinhonha. Belo Horizonte: Editora UFMG, 1996.

STEIL, Carlos Alberto. O Sertão das Romarias - Um Estudo Antropológico Sobre o Santuário de Bom Jesus da Lapa/ Bahia. Petrópolis-RJ: Vozes, 1996.

TEIXEIRA, Rodrigo Corrêa. Ciganos em Minas Gerais. Belo Horizonte: Crisálida, 2007.

WEHLING, Arno e WEHLING Maria José C. M. Formação do Brasil Colonial.
4ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2005.


José Ponciano Neto
Cadeira N. 24
Patrono: Celestino Soares da Cruz

MAÇONARIA: “Segredos” que
instigam. Eles existem?

“A Maçonaria proclama a prevalência do espírito sobre a matéria,
pugnando pelo aperfeiçoamento moral e social da humanidade, por
meio do cumprimento inflexível do dever, da prática desinteressada da
beneficência e da investigação constante da Verdade”.

Mesmo enlaçados pelo juramento a não revelar os segredos - alguns maçons revelam a complexidade da sociedade que chegou ao século 21 com o mesmo poder e influência de milhares de anos atrás, e, este poder de aglutinação - quando forte - é para o bem.

Oriundas da Grécia, Egito, Pércia, Roma e mundo Judeu de outrora; as práticas ritualísticas, principalmente a iniciação, enfim, desde antiguidade até hoje na maçonaria moderna permeiam os seus mistérios.

Todos os maçons fazem um pacto de não revelar o que acontece dentro dos templos maçônicos, porém, alguns membros da Lojaajudam a desmitificar o comportamento e rituais desta sociedade secreta mais cobiçada do globo terrestre. - Neste sentido vou esclarecer alguns equívocos.

Mas, qual o significado de maçom? O significado de Loja? O que é a iniciação? - Vou ficar rico se entrar para a maçonaria?

- A palavra “freemason” é de origem inglesa que significa pedreiro – que em grafia portuguesa Maçom. Os maçons foram responsáveis pelas construções de Templos (inclusive de Salomão), catedrais, castelos e Fortes de defesa, foram os criadores dos códigos, toques e sinais para se identificarem se pertenciam ou não à Ordem.
Mantinham em segredo até as plantas das construções dos templos e catedrais.

As Lojas Maçônicas não são similares as lojas de vendas do comercio – a palavra Loja é de origem inglesa, do verbete “lodge” que significa ALOJAMENTO. São compostas de doze colunas com símbolos zodiacais – cordas - abóboda celeste e outros que fazem parte da ritualística e do aprendizado. Para reunir em uma loja, são necessários no mínimo sete maçons.

São inúmeras perguntas sobre a iniciação. A mais freqüente é se existe pacto de sangue ou morte de um bode ou outro animal. – afirmo que tudo é mentira – nosso pacto é com DEUS e filosófico, queremos que todos os irmãos aperfeiçoem como ser humano – nosso livro é a Bíblia Sagrada, no caso dos países Islâmicos onde existem Lojas da Maçonaria Regular a ritualística é embasada no Alcorão. A iniciação equivale a “Ressurreição”, quando o irmão renasce para a purificação.

Ficar rico na maçonaria? É mentira! Você terá as portas mais abertas para crescer de todas as formas, encontrará mais facilidades. Mas, rico não! - Ficar rico, dependerá do trabalho na vida profissional de cada maçom.

Sobre o Esquadro, o Compasso e o “G”, são as ferramentas do pedreiro, e lembra ao maçom que ele nunca deve perder a retidão – ser honesto e integro. A letra “G” no centro significa GOD em inglês, cujo sentido expede a DEUS e ainda, à Geometria.

E os segredos? O maior segredo da maçonaria é o próprio maçom, que, deve ter como base os conceitos de Liberdade, Igualdade e Fraternidade e ter desejo de evolução, tanto economicamente, para melhorar a qualidade de vida da família e principalmente o progresso intelectual – se um maçom não acompanhar os princípios maçônico ele não é um MAÇOM. Um dia será convidado a sair da Ordem maçônica.

Sabemos que ninguém é 100% certinho. Inclusive Eu! Tenho lá meus defeitos! Mas, tem que manter a integridade; não ser mentiroso, ambicioso ou falso, não pode prejudicar o Irmão e muito menos outras pessoas do mundo “profano” (aquele que não é do mundo maçônico).

Quando alguém souber que qualquer maçom está trapaceando, primeiro procure saber se é maçom regular e, que Loja pertence – pode ser de uma loja espúria. Mas, se ele pertence a uma Loja do Grande Oriente do Brasil – GOB; das Grandes Lojas Estaduais ou da COMAB – Confederação Maçônica do Brasil, a pessoa tem que imediatamente procurar o Venerável da Loja correspondente e fazer a denuncia. A maçonaria tem que ser transparente com a sociedade.

Como qualquer instituição; na maçonaria existem irmãos paramentados que nem deveriam passar à porta de um templo – enquanto, tem homens que NÃO são maçons que deveriam está dentro da Ordem há muito tempo.

Estes maçons que não seguem o Código Disciplinar Maçônico são passivos de serem retirados da Ordem. Ou seja, expulsos!

Para isso acontecer, tem que ser um crime relevante. Não é um abalroamento no trânsito, um desentendimento pessoal ou um malentendido que devem ser considerados atitudes graves. Mas, para expulsar um maçom as pessoas afetadas têm que levar ao conhecimento da Loja do infrator com documentos comprobatórios; não é ficar por ai dizendo que a maçonaria tem homens desonestos sem comprovar.

Como já citei, tem maçom infratores, uns usam a maçonaria indevidamente na política sem o consentimento das Ordens citadas - outros usam o “santo nome em vão” para levar vantagens ilícitas, mas, isso não é maçonaria. A MAÇONARIA É FEITA DE HOMENS JUSTOS, LIVRES E DE BONS COSTUMES.

Como já diz. Em todas as religiões existem pessoas criminosas, na maçonaria não é diferente. Mas isso vai acabar – basta o irmão maçom INDICAR só homens dignos e não, aquele colega de boteco, futebol, parente ou amigo de infância – pode está dando um tiro no pé da maçonaria. O perfil do candidato é importante para ingressar na Ordem Maçônica.

Maçonaria não é reformatório ou sanatório e, nem instituição financeira; posso dizer que seja um PURGATÓRIO, onde o homem entra para purificar a sua pessoa – este é um dos grandes segredos da maçonaria. Cada reunião é para discutir diversos assuntos, mas, o principal é para combater a ignorância e despotismo – glorificar a verdade e a justiça e promover o bem-estar da pátria, fomentar as virtudes e acabar com os vícios que destroem as famílias.

A maçonaria verdadeira não aceita os inimigos da humanidade, como: os hipócritas, que enganam; os ambiciosos que usurpam e os corruptos e sem princípios que abusam da confiança do povo. Temos muitos políticos “maçons” que são assim! Desde Brasília- DF até Montes Claros. Porém, estão sendo desvendados e afastados. Os que não são afastados pela loja, desconfiam e pedem o “Quite placet” para dar um tempo e ajuizar-se. Situação que se altera conforme o Venerável Mestre. Mas, a decisão final é da assembleia.

“Nenhum maçom será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de Lei”.

Já ocupei o “Trono do Rei Salomão”, fui Venerável Mestre da nossa loja - que é o presidente, portanto, sei muito bem o que é tomar uma decisão em assembléia. É como construir todos os dias um novo Templo em Jerusalém com a labuta dos nossos irmãos pedreiros aprendizes, companheiros e mestres.


Símbolos da Maçonaria


José Ponciano Neto

Apoio maçônico:

- Para decidir se a maçonaria vai apoiar “isto ou aquilo” é necessário que todas as lojas tomem conhecimento, e, se aprovado pelas as assembleias, ai sim!... podemos dizer que: “A maçonaria apoia ou aprova. Não sendo assim, é “fake news”. Falar em nome da maçonaria tem que ter a anuência de todas as lojas das três potências, GOB, GLMMG e COMAB.

Por isso que, cada maçom ou profano tem o direito de votar naquele candidato que é melhor para a Nação ou para seu Estado, restringi-lo a isso, é retroagir. É voltar aos tempos do coronelismo com seus currais eleitorais – cada um vota naquele que achar melhor, e o melhor, nem sempre é da região. Somos livres para tomar decisões com relação ao nosso voto.

Embasado nas concepções filosóficas e em doutrinas teosóficas e religiosas; afirmo que se o mundo fosse maçônico e adotasse os seus princípios, não teríamos conflitos, corrupção, política falsa e a violência.

- Os mistérios (ocultismo) espirituais e de regeneração do Homem
na Ordem Maçônica excitarão aos olhos profanos por muitos anos. Tudo
em nome de DEUS e do bem!

T.’.F.’.A.’.
(*) José Ponciano Neto: Past Venerável Mestre da Loja Deus, União e Trabalho Nº 3310 – Deputado Federal no Grande Oriente do Brasil em Brasília (GOB) - Ex. Diretor Financeiro do Conselho dos Veneráveis do Norte de Minas (CONVENORTE) – Membro Tesoureiro da Academia Maçônica de Letras do Norte de Minas e Membro do Instituto Histórico e Geográfico de Montes Claros.


Juvenal Caldeira Durães
Cadeira N. 81
Patrono: Nathércio França

O TALENTO QUE SURPREENDE

Eu, em mil novecentos e cinquenta e oito, comecei minha carreira profissional na saudosa Escola Normal, da rua Cel. Celestino. Cheio de entusiasmo e no meio de uma elite pensante e renomada do norte de Minas, passei a relacionar e conhecer de perto os mais ilustres e conceituados profissionais do ensino.

Entre essas pessoas, destaco a D. Dulce Sarmento, famosa pianista, que na ocasião, era professora e ex-diretora daquele grande estabelecimento de ensino, onde eu ministrava minhas aulas de Matemática, ouvindo los acordes melódicos de seu piano e as vozes maviosas de suas alunas.

Não demorou em aparecer a sua sobrinha Clarice Sarmento, até então desconhecida no magistério, para auxiliá-la nas suas atividades musicais. Mocinha, loira e delicada, que nos surpreendeu com o seu futuro brilhante no passar do tempo. Mas, o talento de cada um é individual e intocável, porém, não deixa de aflorar espontaneamente, como os brotos de uma árvore viçosa.

Clarice, com seu talento e simpatia, foi despontando e tomando o seu devido lugar no ensino da música naquela escola. Pianista nata e eficiente sucedeu automaticamente a sua tia Dulce Sarmento que aposentara. Então, professora titular da Escola Normal, transformada posteriormente na Escola Estadual ” Prof. Plínio Ribeiro”/EEPPR, ela continuou seu trabalho.

Mais tarde, com a criação da Escola Estadual de Artes e Música instalada naquele velho prédio, Clarice assumiu a posição de professora e de diretora da nova escola que posteriormente, deixou de ser unidade e, foi transferida com o seu corpo docente para o Centro de Ciências Humanas (CCH)/UNIMONTES, como um departamento e sob a minha direção, ocasião em que eu fiz as acomodações necessárias para o novo órgão e inauguração da foto da ex-diretora Clarice na galeria dos diretores do Centro de Ciências Humanas, onde deverá permanecer junto aos grandes mestres do passado.

Não contentando só com suas realizações anteriores, ela entra para o Conservatório Estadual “Lorenzo Fernandez”/CELF, onde foi professora regente e maestrina do coral, com desempenho surpreendente, apresentando peças de grandes compositores, com sucesso.

Rosa Terezinha, sua ex-aluna e grande admiradora, lembra com saudade do seu tempo no Conservatório. Naquela ocasião, ela participou de um coral com mais ou menos cem vozes, criado especialmente para celebrar, sob a eficiente regência da professora Clarice, as comemorações dos quarenta e cinco anos de existência do CELF. Foram apresentadas, com brilhantismo, três grandes obras: “O coro dos Peregrinos”, em alemão, de Richard WAGNER; “A missa de SCHUBERT”, obra completa; e “Carmina Burana”, de CARL ORFF.

Hoje, aposentada na Escola Estadual “Prof. Plínio Ribeiro”, que sucedeu a velha Escola Normal; na UNIMONTES e no Conservatório Estadual “Lorenzo Fernandez”, Clarice não cruzou os Mbraços, tornando-se membro da Academia Montes-clarense de Letras e do Instituto Histórico e Geográfico de Montes Claros/IHGMC, onde participa de suas atividades literárias, com eficiência e zelo.

Finalmente, podemos dizer com segurança que, Clarice é uma cidadã que dedicou sua força de trabalho à sociedade de Montes Claros e do Norte Minas, com esmero artístico, profissional e amor, cumprindo sua missão com dignidade que poderá servir de exemplo para a nossa Comunidade e posteridade.


Lázaro Francisco Sena
Cadeira N. 55
Patrono: João Luiz de Almeida

CABO SANTANA, VOCÊ
CONHECE?

Quem palmilha o centro histórico de Montes Claros, mais precisamente atrás da igreja Matriz de São José e Nossa Senhora, de repente depara com a rua Cabo Santana, que se estende da rua Cel. Celestino até à praça de estacionamento do Mercado Central, cruzando com as ruas José de Alencar e Padre Teixeira. No seu quarteirão inicial, entre os prédios da atual Secretaria de Cultura e do Museu Regional, recebe o curioso e jocoso epíteto de Beco da Vaca, em referência a um encontro nada convencional de viventes que, num passado remoto, demandavam o piscoso rio Vieira, em busca de suas límpidas e refrescantes águas. Para lá desciam as diligentes lavadeiras, com suas trouxas de roupa para lavar; de lá regressavam algumas vacas leiteiras, após saciar a sede naquela fonte tão acolhedora. Quando se encontram na apertada via, umas se apavoram com os chifres e os berros das vacas, e outras se assustam com as trouxas de roupa suja. Daí ninguém mais ficou sabendo pra onde correr, com as mulheres perdendo suas trouxas e as vacas subindo pelas calçadas. Bem, esta é apenas uma das inúmeras versõesdo episódio que enriquecem o anedotário popular. O certo é que a presença de vaca naquele nobre espaço da cidade, mesmo não sendo raridade para a época, marcou definitivamente o local, pelo inusitado de seu desfecho. Só falta mesmo colocar uma placa de identificação naquela via, tão bem conhecida por Beco da Vaca.


Rua Cabo Santana (Beco da Vaca)

Voltemos, contudo, ao nosso assunto: afinal, quem foi o Cabo Santana? Para mim, sertanejo e interiorano, a primeira ideia que surge é de alguma homenagem a um “velho” cabo de polícia, figura tão marcante em nossas comunidades de outrora, como foi o sempre lembrado cabo Piloto em Montes Claros. Nada disso: sem desmerecer o usuário da antiga farda cáqui, que durante muito tempo exerceu a segurança pública comunitária, a vez aqui é do uniforme verde-oliva, do Exército brasileiro, usado honradamente por um jovem montesclarense. Para ilustrar este texto, vejamos o que escreveu o preclaro historiador Nelson Vianna, em sua obra “Serões Montes-clarenses”,
publicada pela editora Itatiaia, páginas 150 e 151:

“Pelos fins da rua Padre Teixeira, na sua extremidade oeste, ficava a famosa rua do Pinhãozeiro, de nefandas recordações. A via pública que ali se formou, não se sabe por que cargas d’água, recebeu a denominação de 15 de Julho. Este nome foi substituído pelo de Cabo Sant’Ana, em comovente solenidade realizada a 1º de maio de 1945, em homenagem à memória do bravo pracinha montesclarense, Geraldo Martins de Sant’Ana, morto em combate na Itália, a 9 de novembro de 1944, lutando em prol da Liberdade, contra as hostes do nazismo.”

Assim como o nosso historiador não sabe a razão do nome “15 de Julho” atribuído àquela rua, também não explicou quais foram as “nefandas recordações”, que ficamos devendo aos nossos leitores.

Antes de escrevermos esta crônica, visitamos a Sra. Raymunda Cândida de Santana, de 89 anos de idade, irmã sobrevivente do nosso personagem, residente à rua Padre Teixeira, nº 67, no cruzamento com a própria rua Cabo Santana, Ali conhecemos também o Sr. Thiers Antônio Penalva Ribeiro, sobrinho de Da. Raymunda e do Cabo Santana, que nos transmitiu valiosas informações sobre o herói montes-clarense da 2ª Guerra Mundial, algumas delas não citadas pelos nossos historiadores, tais como: que o nascimento do Cabo Santana aconteceu quando a família morava na rua Justino Câmara; que o Cabo Santana seguiu para a Itália como voluntário, e como voluntário participou da batalha em que foi vitimado; que a sua morte teria sido provocada por estilhaços de granada; que a notícia do infausto acontecimento foi trazida para a família por três colegas sobreviventes da batalha. Da galeria de retratos e de recordações da família na casa de Da. Raymunda, copiamos a foto que aparece a seguir:


Cabo Geraldo Martins de Santana

Os dados biográficos e as informações que adiante transcrevemos foram extraídos da cópia de um pequeno relatório elaborado e encaminhado pelo próprio pai do Cabo Santana, escrito em uma página datilografada, contudo sem data e sem destinatário, podendo todavia ter sido destinado ao historiador Nélson Vianna, no ano de 1945, pela fidelidade e semelhança constante de suas informações no livro “Efemérides Montes-clarenses”.

Geraldo Martins de Santana, filho de Antônio Martins de Santana Primo e Josefina Cândida de Santana, nasceu em Montes Claros, no dia 29 de março de 1923.

“Fez o curso primário nas Escolas Anexas à Escola Normal Oficial de Montes Claros, sendo muito estimado pelos colegas, por ser reservado e bastante estudioso.”

“Em 14 de dezembro de 1935, recebia o diploma do curso primário, não tendo continuado os estudos, porque em Montes Claros, naquele tempo, não dispunha de um estabelecimento de ensino que facilitasse ao pobre trabalhar e estudar.”


Diploma do Curso Primário do Cabo Santana

Consta do relatório que, muito cedo, Geraldo Martins de Santana manifestou grande desejo de servir à Pátria e, aos dezessete anos, seguiu para Belo Horizonte, onde se apresentou como voluntário para incorporar-se ao Exército, em 05 de janeiro de 1941. Um pequeno defeito na mão direita e o fato de não ter ainda completado 18 anos de idade trouxeram-lhe algum embaraço para a incorporação, contudo, em 1º de março do mesmo ano, conseguiu ingressar no 10º Regimento de Infantaria, naquela capital. A promoção a Cabo ocorreu em 14 de setembro de 1942. Quando o Brasil fez sua declaração de guerra, o Cabo Santana foi transferido para o 11º Regimento de Infantaria em São João d´El Rei, a partir de 13 de janeiro de 1944, passando a integrar a Companhia de Metralhadoras do 3º Batalhão. Dali foi transferido para o 6º Regimento de Infantaria, com sede no Rio de Janeiro, sendo incorporado à Força Expedicionária Brasileira e seguindo para a Itália com o primeiro contingente. Ainda, segundo o relatório, morreu nas operações do vale do Rio Reno, no dia 9 de novembro de 1944, sendo sepultado no cemitério americano de Vada, de onde seus restos mortais foram trasladados, em 1945, para o cemitério militar brasileiro de Pistoia, para jazer na quadra C, fileira 10, sepultura 117.

Na parte final do relatório, consta a seguinte observação:
“Quanto à partida do primeiro contingente para a Itália e os combates em que o Cabo Santana tomou parte, somente o Ministério da Guerra poderá fornecer melhores esclarecimentos. A vida militar ele não revelava à família, ocultando até nos últimos momentos a partida para a Itália. Anexo, segue um retrato do Cabo Santana e uma cópia da carta do Ministério da Guerra comunicando a sua morte”. Em nossa pesquisa, não encontramos a cópia da carta aqui mencionada.

É ainda o Dr. Nélson Vianna quem nos informa, em suas “Efemérides Montes-Clarenses” que, em janeiro de 1961, os despojos do Cabo Santana, como os de todos os pracinhas sepultados na Itália, foram removidos para o Monumento Nacional erguido no Rio de Janeiro.

Ao pesquisarmos sobre o Cabo Santana junto ao arquivo da Câmara Municipal de Montes Claros, contamos com o interesse e a cortesia dos funcionários Iara e Werley daquela casa, que não mediram esforços para nos ajudar. Daí, foi possível encontrar documentos produzidos durante o mandato do prefeito Simeão Ribeiro Pires, nos quais se manifesta a intenção de homenagear os “pracinhas” falecidos nos campos de batalha da Europa. Senão, vejamos:

1 – Projeto de resolução, assinado pelo vereador Robinson Crusoé de Macedo, para autorizar a ereção de um monumento, nos seguintes termos: “Como homenagem póstuma aos heróis expedicionários falecidos nos campos de batalha do velho continente, fica o senhor Prefeito Municipal autorizado a erigir um monumento em uma de nossas praças públicas, representada com o busto do montesclarense, Cabo Geraldo Santana.”

2 – Resolução nº 40, de 28 de dezembro de 1959, acatando a proposta do vereador Robinson Crusoé, assinada pelo presidente da Câmara, Dr. João Valle Maurício, e pelo secretário, Sr. Pedro Martins de Sant´Ana, que era irmão do homenageado.

3 – Contrato de serviço para construção do monumento e da herma do Cabo Santana, datado de 5 de fevereiro de 1960, assinado pelo então prefeito, Dr. Simeão Ribeiro Pires e pelo escultor João Scuotto.

4 – Carta assinada pelo prefeito, Dr. Simeão Ribeiro, datada de 7 de fevereiro de 1961, dirigida ao Dr. Carlos Phelinto Prates, em Belo Horizonte, solicitando fazer contato com o escultor, que não cumprira o contratado no prazo estabelecido e nem dele se teve notícias até aquela data.

5 – Resposta do Dr. Carlos Prates, informando que, apesar de sucessivas idas a seu local de trabalho, não se encontrou com o tal escultor, e nem mesmo a família dele sabia de seu paradeiro, concluindo ser ele um “irresponsável incorrigível”, pela desordem que viu em sua oficina.

O Dr. Simeão ainda agradeceu ao Dr. Carlos Prates, com quem falou sobre a adoção de medidas policiais contra o indigitado escultor, mas nada mais encontramos sobre o assunto. Acreditamos ter caído na “vala do esquecimento”, pela passagem inexorável do tempo. Restanos, agora, preservar o que ainda existe sobre a memória do Cabo Santana, não mais em forma de pedestal ou estátua em praça pública, mas de uma forma mais simples e objetiva, quem sabe afixando uma placa informativa no Museu Regional, ali mesmo na esquina da rua Cel. Celestino? Vale lembrar que o centenário do Cabo Santana acontecerá a 29 de março de 2022.



Leonardo Álvares da Silva Campos
Cadeira N. 97
Patrono: Urbino Vianna

Prefácio

A ‘‘Arte Rupestre na Pré-história do Médio São Francisco”, este o título do novo livro de Dário Teixeira Cotrim a somar em nossa precaríssima bibliografia sobre os primórdios do ameríndio, a qual só constava de um único título, de 1982, “O Homem na Pré-história do Norte de Minas”, por coincidência de nossa autoria.

O autor da nova obra, mesmo achando que desta constariam apenas notas colacionadas em inúmeros municípios brasileiros para um público relativamente leigo, traz a lume, na verdade, um brilhante apanhado sobre como foi, como aconteceu e como se vivificou a presença do homem primitivo nas Américas, mormente em Minas Gerais e Bahia, chegando mesmo até São Raimundo Nonato, no Piauí, no Parque da Capivara.

Assim ele adentra também no fascinante Brasil subterrâneo, como cavernas e abrigos aqui, ali e acolá, uma vez que os mais antigos nativos americanos tinham sua moradia em tais cavidades adentrando pelo subsolo, inseridas presentemente em cursos superiores de Geologia, na cadeira de Espeleologia (estudo de cavernas). A gênese das nossas cavernas calcárias e um brilhante estudo de orografia da Serra Geral vem enriquecer a nova produção de Dário Cotrim.

As hipóteses da chegada das primeiras levas de humanos no continente americano são mostradas com bastante clareza, com ênfase para a teoria mais aceita pela comunidade científica, que foi a penetração via Estreito de Bhering, no último período glacial, ou seja, da Ásia para o Alasca, proeza de asiáticos ou mongoloides, isto é, moradores que deixaram o que hoje se conhece por Mongólia em busca de maior fartura alimentar e menor competitividade entre grupos rivais.

Esses primeiros ameríndios, sempre irrequietos em seu nomadismo, desceram de norte para sul, até os corredores andinos, atingindo Minas Gerais, principalmente a região arqueológica de Lagoa Santa, e chegando também à região setentrional, com datações em achados arqueológicos lá e no norte-mineiro pelo C-14, mas nada ultrapassando treze mil anos antes da data presente.

Já no Piauí, continua mostrando, com acerto, Dário Teixeira Cotrim, foram levantadas datas bem mais antigas, de 50 mil anos a pouco menos de 100 mil anos antes da data presente, o que sugere outra rota de migração humana que não aquela via Estreito de Bhering (pelo Atlântico, mais provável, ou por uma ponte Ásia-Austrália-Antártida-Terra do Fogo).

E, se houve entre os mongoloides também o elemento negroide, este recentemente notabilizado pelo crânio de Luzia, originário de Lagoa Santa, ocorrência também registrada em São Raimundo Nonato, é importante observar que não se encontraram, quando do descobrimento das Américas, índios com tal cor de pele, o que sugere que aqueles antigos imigrantes africanos foram dizimados pelos sucessores dos asiáticos no continente americano, provavelmente em práticas antropofágicas.

Aliás, diga-se de passagem, o desaparecimento de determinadas espécies nunca foi fato incomum na pré-história. Tomemos como melhor exemplo o hominídeo conhecido por “Australopithecus afarensis”, para muitos paleoantropólogostido erroneamente como ancestral do homem, mesmo possuindo esse aborígene somente 1,15 metro de altura e tendo sido mais adaptado para uma vida arborícola, além de ter sido dotado de pernas com capacidade extremamente limitada para se mover a pé.

Seu fóssil mais famoso é Lucy, uma fêmea descoberta na Etiópia em 1974 e que conhecemos no Museu de História Natural dos Estados Unidos, em Nova Yorque, em 2017. Se muitos querem o “Australopithecus afarensis” como um ser bípede, estudos recentes mostraram que Lucy passava grande parte do seu dia, ou ao menos um terço de sua vida, em árvores, possuindo braços fortes o suficiente para subidas regulares em suas ramagens superiores, ao passo que suas pernas eram relativamente fracas, não utilizadas na escalada e ineficazes para caminhar. Outra pesquisa, publicada em setembro
de 2016 na revista “Nature”, concluiu que Lucy morreu ao cair de uma árvore particularmente alta, ao pular de um galho para outro, conclusão a que se chegou ao se analisar uma fratura óssea nos restos fossilizados desse hominídeo.

Dito hominídeo apareceu há 3,18 milhões de anos, enquanto o primeiro homem, o “Homo habilis”, ostenta pouco menos na escala evolucionária, ou seja, 2,8 milhões de anos atrás. O certo é que o “afarensis” coexistiu tanto com o “habilis” e mesmo com o seu sucessor evolucionário, o “Homo erectus”, cujos fósseis mais velhos são de 1,6 milhão de anos atrás. Além de fabricar utensílios, o “erectus” aprendeu a usar o fogo e foi contemporâneo dos últimos “Australopithecus afarensis” e outros hominídeos tardios, que afinal desapareceram aí, incapazes de competir com a nossa espécie anterior à presente, provável responsável por sua extinção. O “Homo erectus” – que por fim evoluiu para o “Homo sapiens” primitivo (cujo tipo moderno somos nós) - deixou a África rumando para a Ásia, começando efetivamente o domínio do homem na Terra.

A obra, então, se enriquece tratando das pinturas e gravuras rupestres em paredes sob-rocha, as ainda intrigantes sinalações rupestres, em Minas Gerais e Bahia, carecendo ainda de uma tradução ou compreensão por nós, ditos modernos.

O autor de “A Arte Rupestre na Pré-história do Médio São Francisco”, demonstrando ter estudado e aprofundado no assunto, com o seu total domínio nas páginas do seu novo livro, traz então esses nômades ocupantes de cavernas, caçadores e coletores, para a vida voltada basicamente para a agricultura, ou seja, estabelecidos em aldeias.

Como se não bastasse, vem mais para a história antiga do Brasil, quando aqui aportou Pedro Álvares Cabral. Osíndios que os portugueses já então encontraram nada sabiam daquelas sinalações rupestres nem da vida em abrigos-sob-rocha dos seus ancestrais, interessando-se mais pelas quinquilharias que lhes davam os portugueses, como colares e espelhos.

Muitos foram catequizados, outros escravizados, com o que o Brasil verdadeiramente primitivo se rendeu, infelizmente, ao modernismo genocida dos europeus, o que novamente Dário Cotrim vai mostrando nas páginas de sua nova produção, verdadeiro checkup da presença humana neste continente, dos seus albores até serem desastrosamente encontrados pelos europeus brancos que para cá vieram em galeões.

Frise-se agora que, fugindo ao lugar-comum, “A Arte Rupestre na Pré-história do Médio São Francisco” deixa de ser uma produção literária para abraçar, na verdade, conotações didático-científicas, mormente a Paleoantropologia.

E, como nos mostrará o tempo, vindo a lume, tal livro estará, com certeza, fadado a ser festejado e aclamado por sua riqueza de


Capa do Livro de Dário Teixeira Cotrim

abordagens seguras, perquirições e valiosas informações sobre nossas províncias espeleológicas e sítios arqueológicos, somandose à bibliografia - não só regional, como nacional e, quem sabe, internacional -que trata do maior mistério da Terra: os primeiros tempos do animal mais bem-sucedido, intrigante e misterioso da história da Terra: o HOMEM!


Manoel Messias Oliveira
Cadeira N. 60
Patrono: Jorge Tadeu Guimarães

A SAGA DO CORONELISMO

O coronel da Guarda Nacional, personagem proeminente do período monárquico, patenteado pela Secretaria de Justiça e Negócios do Estado, com poderes jurídicos, militares, policiais e institucionais, tinha sua autoridade pavimentada numa sociedade feudal e apoiava-se na sua milícia particular formada de jagunços. Na sua maioria homem rude, bruto, e violento, sem nenhuma dignidade para o cargo, mas vingativo e capaz de mandar fuzilar quem os contrariasse. O povo era explorado até no direito de
sonhar. De modo especial, na região do Médio São Francisco, da qual pertencemos.

Motivado pela transição do regime monárquico para o republicano no final do século XIX e início do século XX, o antes e o depois, chefiava os partidos políticos influenciando, sobremaneira, na estrutura política, social e econômica do Brasil de então.

Apesar da instituição do regime republicado a maioria das leis, e dos costumes vigentes na Monarquia prosseguiram e perduraram, influenciando a política local, durante a Primeira República. Afinal, um regime político monárquico não termina assim, como um jogo de futebol, com o apito de um juiz, ou como em um filme com a palavra “fim” e as luzes da sala se acendendo.

Nas lutas dos coronéis não havia heróis e nem mocinhos, mas opressores e oprimidos. Os coronéis, não obstante possuírem tanta terra e tanta riqueza, suas ambições não tinham limites. Orgulhosos e arrogantes matavam, torturavam, oprimiam, exigiam fidelidade e submissão de seus agregados como condição para viverem em seus domínios. Os agregados encarnados nos pobres, não tinham opção a não ser a de se submeterem aos desmandos dos tiranos.

No sertão do Médio São Francisco, a despeito das demais regiões nacionais, os coronéis protegidos e defendidos por jagunços, traziam os agregados sob rigoroso controle, submetendo-os aos seus caprichos, sobretudo no tocante às eleições partidárias. Daí, as expressões “curral eleitoral” e “voto de cabresto”. Os agregados eram forçados a seguir as opções políticas do patrão, votando nos seus candidatos, sob pena de expulsão das suas terras e, como consequência, submetidos a uma implacável perseguição.

Benesses para os correligionários e chicotes para os adversários.

Naquela época, o país assistiu, então, a uma campanha eleitoral apaixonada; não faltaram traições nos bastidores, enfrentamento nas ruas e comícios dissolvidos a bala.

Ainda nos presentes dias assistimos interesses egoístas sendo colocados acima dos ideais mais nobres, que deveriam ser cultivados com dedicação e sinceridade em benefício de um todo social: o povo.

Na década de 1920, o país vivia o auge da política do “Café com Leite”, com a predominância do poder nas mãos dos paulistas, grandes produtores de café, e dos mineiros, que produziam leite, em uma clara evidência da força do setor agrário desses estados.

Em 1930 Júlio Prestes de São Paulo ganhou nas urnas a eleição para Presidente da República, mas Getúlio Vargas venceu nas armas, não aceitou o resultado dos votos e em menos de três semanas a República Velha estava no chão.

O Brasil de norte a sul, com o fim da República Velha e reconquistada a paz, batia continência para os novos ventos que sopravam amenizando o clima hostil da Nação.

O coronelismo findou-se com o Estado Novo de Vargas, levando o país à democratização. Não há como negar esta verdade.

Só quem não viveu a guerra pouco festeja a paz.

Em seguida, com forte apoio popular, centralizou rapidamente o poder, Getúlio Vargas nomeou Interventores Federais em todos estados sob promessa de mudança nos costumes políticos do país.

Na luta contra o extremismo político, com o orgulho desmesurado e a ação intuitiva, o diálogo seria o melhor caminho. Sob argumento de que não podia haver convivência sadia e fraterna, nem o exercício responsável da política fora do diálogo considerado a arte do convencimento, não da imposição, por isso humanizava e tornava os indivíduos mais tolerantes.

Existe nisso muita coisa fantasiosa. Muitas lendas que, mesmo sem autenticidades, enaltecem o assunto. As informações que nos foram repassadas, nem sempre são fidedignas e na maioria equivocadas, que acabam sendo alvo de muitas especulações.

Pois bem! Acobertados sob o manto de um fantasmagórico regime político da época dos coronéis e, por eles, situado acima de todas e quaisquer siglas partidárias, garimpeiros e fazendeiros se tornaram arquimilionários com posições sociais elevadas e, em cujos apogeus, se sustentaram por todo o tempo em que durou a República Velha. Um poder exercido de maneira absoluta e arbitrária, cuja tibieza moral envergonhava os homens de bem, isentos de falcatruas. Gozavam de um poder absoluto, mesmo porque o poder sempre foi inquestionável numa sociedade despótica, mantido através
da opressão, por força de muito “tutu”.

Num regime que adota o despotismo, segundo Montesquieu, “somente um governa, sem leis e sem regras”. O chefe tem como característica ser dominador e insensível, para manter no poder arrebata tudo sob a sua vontade e o seu capricho, não importando os meios.

Ora! Só existe justiça onde existem leis, sendo estas, portanto, um fenômeno social, não estando incluída nas faculdades naturais, como acontece com nossos sentidos ou paixões. Nesse aspecto, se a lei determinasse muito para poucos e pouco para muitos, seria considerada justa. Na segunda vertente, poderíamos considerar a regra: “Não fazer aos outros, o que não queres que te façam”.

As guerras entre os coronéis tinham o seu móvel básico na disputa pela posse de mais terras e pela conquista do poder político. Como o Governo não conseguisse marcar presença na vastidão do território brasileiro, criou-se a Guarda Nacional, que passou a vender patentes para os proprietários das fazendas. O título mais importante na hierarquia das patentes era de “coronel”, donde nasceu a denominação de “coronelismo”.

Já o título da Guarda Nacional, criado no Império, conferia aos coronéis status e autoridade para controlar a ocupação da terra e garantir apoio político ao Imperador e, posteriormente, ao Presidente da República. Na ausência do Poder Público, os coronéis representavam a Justiça, a lei e a ordem.

Como dito antes, a sociedade feudal dos coronéis da Guarda Nacional, tinha suporte na sua milícia particular formada por jagunços, com escora na autoridade do delegado municipal e no poder discricionário do juiz, igualmente municipal, escolhidos e de nomeações recomendadas pelo coronel chefe político. Este impunha


No tempo do Coronelismo

a “ordem” pela força da carabina, do bacamarte e do punhal. Atraía muitos “paus-mandados” para as suas fazendas, oferecendo-lhes espaço para cultivar e com eles formavam um exército que era acionado, quando atacados pelos jagunços de outros coronéis; e eventualmente, também atacavam outros fazendeiros para ampliar o próprio latifúndio.

A Guarda Nacional, subdividida em Batalhões de Infantaria, resultou num verdadeiro Exército de Ocupação de terras. O fazendeiro, chefe político, não comprava terras, as recebia por doação das Fazendas Gerais originárias das Sesmarias. Esse sistema vigorou com muita força e vigor no Norte de Minas.

Tomavam posse no Batalhão da Comarca, recebia farda da Guarda Nacional e uma espada, após jurar obediência às autoridades civis e militares superiores. Isso dava-lhes direito e poderes para formar uma milícia particular, armada, para defender a si, a seus direitos e domínios.

Graciliano Ramos, em Memórias do Cárcere, relaciona três procedimentos criminosos, comuns naquela época: homicídio – a vida de uma pessoa tinha pouco valor; furto de gado, o juiz sempre absolvia o ladrão; furto de cavalos, este não tinha perdão, o ladrão pagava com a vida.

A Guarda Nacional foi extinta, acabaram as patentes, mas persistiu por muito tempo o ranço do coronelismo, com ideologia política e privilégios encantados.


Mara Yanmar Narciso
Cadeira N. 98
Patrono: Virgílio Abreu de Paula

Quando um ídolo vira
estrela, torna -se lenda

A profissão de carroceiro era um grande peso para João Faria, mas na segunda quinzena de agosto, virava rei com reinado, capacete bordado encimado com longos penachos de pavão, de onde partiam fitas coloridas cobrindo sua roupa branca, pelas costas, da cabeça aos pés, e uma rainha, Nossa Senhora do Rosário. Seu brilho não era dado por ninguém menos que ele mesmo, catopê desde os oito anos de idade, aos 17 se tornou Mestre do Segundo Terno de Catopês de Nossa Senhora do Rosário. Nas Festas de Agosto, o Mestre se desvinculava do mundo real, e flutuava alto, usando sua crença como asas. A devoção era o que movia aquele homem pobre em bens e rico em fé, humildade, convicção e dom de comando, com os quais orientou dezenas de homens dançantes durante 55 anos. Com simultâneos modéstia e orgulho, mostrava num dos quartos da sua casa, um quase sacrário, os instrumentos de percussão que tinha produzido. Tocava todos, exceto o tambor.

Três raças constituíram a Nação Brasileira: os catopês são os negros, os marujos são os portugueses e os caboclinhos, os índios.

A congregação dos três grupos católicos são as Festas de Agosto, que em 2017 não foram tão mágicas quanto as demais. O batuque aconteceu, mas não aconteceu aquele batuque inconfundível, que saía apenas da caixa de João Faria. Sem melindrar os demais, que compareceram, houve um vácuo naquela apresentação sem alegria. Estavam ressentidos com a ausência temporária do Mestre, que, adoentado, não acompanhou o cortejo, mas, paramentado, com a fita azul cruzada no peito, da cor do manto de Nossa Senhora, esperou os demais na Igreja do Rosário. Agora, há um buraco permanente. A verdadeira alma dos catopês se foi no dia 10 de janeiro de 2018, aos 74 anos. Partiu o grande artista do ritmo, o pai de todos, aquele catopê tradicional por natureza e devoto convicto das suas tradições religiosas. Adaptou-se o quanto pôde, pacientemente administrou os flashes, a TV e as interpretações. Estudiosos e curiosos explicavam aos catopês o que eles representavam, desde a 1ª festa documentada em 23 de maio de 1838, há quase 180 anos.

João Faria, o imortalizado Mestre Catopê foi selo dos Correios, assunto de matérias jornalísticas, capa de revista, presença em diversos vídeos, cuja imagem era a assinatura da festa. Era alguém que se expressava verbalmente de forma pouco clara, e sua comunicação natural, para a qual não encontrava páreo, era a música, o canto, o ritmo, a dança, a organização, a confecção dos instrumentos. Seu som invocava toda a magia do sagrado, levando a multidão para seu mundo irreal. Quando vivo, seus comandados lhe devotavam admiração e respeito cegos, seja na presença ou na ausência do seu guia. Agora, seu neto Yuri Farias Cardoso, de 18 anos, assumirá o posto do avô. No ano passado cumpriu esse papel, agora, lamentavelmente, será em caráter definitivo.

- “A cultura montes-clarense, agora, padece com a partida do Mestre João Faria, um catopê de ritmo marcante, inigualável.” (Wagner Gomes no perfil da sua mãe Maria das Dores Guimarães Gomes).

- “Grande Mestre João Faria, as Festas de Agosto ficarão mais silenciosas sem o som da sua caixa e sem a alegria contagiante do seu Mestre. Que os anjos e Nossa Senhora do Rosário o recebam com grande festejo.” (Solon Queiroz)

- “Figura emblemática das Festas de Agosto. Fará falta. Siga em paz, Mestre!” (Terezinha Lígia Fróis)

- “Viva João Faria na Pátria Espiritual! Por aqui se cala mais um tamboril e ficamos mais pobres de catopês. Vá em paz irmão. Você cumpriu bonito seu papel. Que Nossa Senhora do Rosário te receba com amor e carinho.” (Tino Gomes)

- “Mestre João Faria, agradecemos por nos ensinar que a alegria e a força de um povo estão em suas raízes culturais.” (Raquel Souto Chaves)

- “Mestre João Faria era o catopê original, de raiz. Tive a alegria de conviver com ele e desfrutar de sua sabedoria. Era uma pessoa simples e não reclamava de nada.” (Pedro Ferreira)

O pior não é a morte, e sim defunto sem choro. Estamos calados, murchos, sem percussão, sem voz. Ficamos mudos, mas conformados com as homenagens tocantes dos seus pares, especialmente comovidos com o adeus no cemitério e os lamentos das caixas. João Faria tem sido regiamente pranteado. É pouco, mas consola.



Maria da Glória Caxito Mameluque
Cadeira N. 40
Patrono: Dr. Georgino Jorge de Souza

LAR DAS VELHINHAS
CENTRO FEMININO DE LONGA
PERMANÊNCIA

Em 07 de março de 1911, pela bula Comissum Humilitati Nostrae, de São Pio X, foi nomeado Bispo da nova Diocese de Montes Claros, Dom João Antônio Pimenta e em 07 de outubro do mesmo ano o novo Bispo chegava solenemente à nova cidade episcopal. O primeiro Bispo da Diocese reforçou o clero diocesano com a entrada de 13 sacerdotes e em 1914 mandou construir o Palácio Diocesano, projetou e deu início às obras da nova Catedral.

Dom João morreu com 83 anos e está sepultado na cripta da Catedral Metropolitana Nossa Senhora Aparecida de Montes Claros.

E foi durante o episcopado de Dom João Antônio Pimenta que foi criada em 1923 a Associação das Damas de Caridade que tinha como finalidade “Assistir com socorros espirituais e materiais a todos os doentes, pobres desvalidos, especialmente órfãos e viúvas, visitas às famílias pobres, auxílio à pobreza envergonhada e a prática de qualquer outra obra de caridade.

COMO COMEÇOU

Motivado por um nobre ideal, o Cônego Marcus Van-In, da Ordem dos Premonstatenses comprou um terreno onde se encontra o atual Centro Feminino de Longa Permanência (Lar das velhinhas), cuja escritura consta de 23 de abril de 1923, data de sua fundação, que foi entregue à Igreja para ser administrado. Esta o entregou a um grupo de senhoras, passando a constituir uma associação denominada Associação das Damas de caridade de Montes Claros, com o nome de fantasia “Casa das Pobres”, hoje “Lar das velhinhas”. A primeira diretoria foi eleita conforme o estatuto, em 30 de dezembro de 1923, sendo composta por: Dom João Antônio Pimenta, Bispo de Montes Claros; Dona Maria Idalina Prates, Dona Júlia dos Anjos e Dona Eponina Pimenta.

Desde sua fundação recebe senhoras desamparadas, ou que não têm condições de viver por si, ou que suas famílias, por diversas circunstâncias não podem mais arcar com um bom tratamento, quer humano, quer financeiro, ou que devido ao peso da idade, não permite mais que vivam em suas casas.

Todas as diretorias que assumiram esta obra, vestiram a camisa, enfrentando obstáculos, vencendo barreiras, superando dificuldades, cada uma no seu tempo e com seus méritos. Com muito sacrifício construíram uns barracões muito simples, onde abrigaram as primeiras assistidas que se sentiram muito bem acolhidas. Hoje, com o passar do tempo, os barracões foram substituídos por dependências um pouco mais acolhedoras, embora simples. Sempre houve a participação da comunidade e voluntários. As próprias asiladas faziam todos os tipos de serviço da casa: cozinhavam, lavavam, faziam a limpeza, cuidavam das doentes, fazendo o que podiam, como: chás, curativos a seu modo, banhos, davam comida àquelas que não podiam comer sozinhas.

No começo, não haviam asiladas que recebessem aposentadorias ou amparo social e viviam dos esforços das damas de caridade e da comunidade. Com o passar dos tempos se organizaram melhor, elegeram uma provedora que se encarregava de procurar entre amigos e autoridades, os recursos que conseguia angariar: Dona Flora Pires Ramos.

Certa vez, dona Flora foi a Belo Horizonte pedir ajuda a um deputado (seu irmão Teófilo Pires), que lhe deu um cheque de 500 contos. Agradeceu e saiu debaixo de forte chuva. No caminho se deu conta que perdeu o cheque e voltou pelo mesmo caminho, aflita em busca do mesmo. Com alegria o encontrou levado pela enxurrada enlameado e sujo. Que fazer? Voltou e procurou o mesmo deputado, que trocou o cheque sujo por outro. Com alegria voltou para casa com sua missão cumprida.

ATUALMENTE

A instituição é entidade jurídica, com CNPJ próprio e com os registros exigidos por lei, inscrita no Ministério de Ação Social. Possui uma diretoria, modelo de dedicação em todos os sentidos, visando proporcionar melhorar a qualidade de vida das internas. Conta com uma coordenadora de enfermagem, 04 técnicas de enfermagem, 09 funcionárias que atendem todos os setores da casa. Há ainda uma geriatra, um fisioterapeuta e algumas parcerias.

O colégio Indyu disponibiliza os estagiários do curso técnico de enfermagem, em número suficiente para fazer todos os cuidados, orientados por uma supervisora que coordena os estágios. E a FUNORTE oferece os alunos do curso superior de Enfermagem.

Outras entidades também colaboram com a entidade e voluntários, trazendo sua ajuda. Outros trazem para elas o lazer, como: festinhas, palhaços, danças, músicas, etc. Tudo isto é recebido com muita satisfação. Foram dirigentes dessa entidade as seguintes pessoas:

- Maria Idalina Prates =
- Theodolinda Pimenta de Carvalho =

- Flora Pires Ramos = 1963; 1967; 1987; 1988
- Maria Aparecida Carvalho = 1968 a 1970
- Maria de Castro Macedo Chaves = 1971 a 1983
- Maria do Carmo Barroca Peres = 1984 a 1987
(renúncia do cargo em 10/1987)
- Flora Pires Ramos = 1987 a 1988
- Maria das Mercês Paixão Guedes = 1988 a 1989
- Maria Lúcia Veloso Maia Sidônio = 1994 a 2008

OBS: Há datas obscuras devido a falta de registro escritos, porém é provado testemunhalmente que a Da. Flora sempre esteve à frente do comando da casa nos períodos em que não foi presidente, atuando como provedora até se afastar em definitivo na gestão de Maria das Mercês Paixão Guedes.

NOVA DIRETORIA (ATUAL)

Eleita em 25 de junho de 2016
Presidente: Celso Ciriaco dos Santos
Vice-presidente: Jaqueline da Conceição Camelo
1ª Tesoureira :Suely Eleutério do Couto
2º Tesoureiro: Sérgio Henrique Sousa
1ª Secretária: Jane Brandão Portugal
2ª Secretária : Zamara da Natividade Dias Maia
Assistente Jurídico : Gualther André Fonseca Mendonça
Assistente Administrativo Erik Ferreira de Abreu
Assistente de Promoções Sociais: Letícia Veloso Sidônio

DADOS JURÍDICOS DO CENTRO FEMININO DE LONGA PERMANÊNCIA

-Utilidade Pública:

- Municipal: Resolução nº 232, de 22/09/1976, da Câmara
Municipal de Montes claros, substituída pela Lei Municipal nº 2.259,
de 18/04/1995.

- Estadual: Lei nº 20.719, de 14/06/2013

Inscrito no CMAS ( Conselho Municipal de Assistência Social)
sob o nº 003/2011, de 07/04/2011.

Inscrita regularmente no CMI ( Conselho Municipal do Idoso)

OBS: 1- A 2º grande reforma física da instituição se deu a partir de 2008 quando houve ampliação da enfermaria e construção de nova lavandeira com implantação de maquinários modernos e reforma e adequação das demais instalações de acordo com normas e exigências da Vigilância Sanitária, Corpo de Bombeiros e Estatuto do Idoso; Confecção do poço artesiano e nova rede hidráulica; implantação de rede elétrica trifásica e renovação de toda a rede interna.

Tudo foi possível graças a parceria incondicional da comunidade em geral e da generosidade de alguns empresários e veículos de comunicação da cidade.

Uma grande força que tem ajudado sobremaneira na interação entre instituição e comunidade foi a criação do serviço de telemarketing em setembro de 2012 e que continua dando frutos até os dias de hoje.

CURIOSIDADE: Em toda a existência da instituição criada em 08/12/1922, pela 1º vez em sua história passou a ser presidida por um homem a partir de 2008 quando Celso assumiu a gestão.

Acreditamos que muitos fatos da história podem deixar de ter sido narrados, no decorrer desses 95 anos de existência, por insuficiência de fontes.

Mas o que foi possível resgatar encontra-se hoje no livro ; “Lar das Velhinhas” – Uma história de amor.

Reconhecemos que é muito pouco diante da grandiosidade do Lar das Velhinhas, hoje “Centro de Longa Permanência” instalado em 1922 numa casa simples, numa estrutura precária. Venceu desafios contando sempre com a dedicação de várias pessoas e hoje, abriga mais de 70 idosas, com instalações confortáveis, o que torna o Lar um ambiente agradável de se viver.


Preservar memórias é muito importante. O que se registra aqui,
mesmo de forma singela, resgata informações que com o decorrer do
tempo poderiam se perder.



Maria de Lourdes Chaves
Cadeira N. 65
Patrono: José Gonçalves de Ulhôa

O BARDO “LOLA CHAVES”
HISTORINHA SERESTEIRA

Conforme Certidão de Óbito do senhor Manoel da Silva Reis, fornecida pelo Serviço do Registro Civil da Comarca de Montes Claros-MG, o citado acima nasceu no distrito de Rio Preto, município de Diamantina-MG, era telegrafista, filho de Manoel da Silva Reis e Antônia Augusta da Silva. Ele faleceu aos 44 anos de idade, no dia 16 de julho de 1908, às 23h30, na casa do senhor Ramiro de Paula Costa, em Montes Claros-MG, de causa
ignorada. Foi sepultado no cemitério de Montes Claros-MG. Não consta o nome do médico que atestou o óbito.

Era casado com Dona Francisca Leopoldina da Silva. Deixou os filhos legítimos: Othon da Silva Reis, com 23 anos de idade, e Manoel da Silva Reis Júnior, com 19 anos de idade. Pelos cálculos feitos, o “de cujus” nasceu em 1864.

Quem foi este cidadão na ordem das cousas?

Ele era um seresteiro, tocava violão e cantava. Era companheiro de seresta de João Chaves, sendo o último mais novo 21 anos.

Um dia, eles combinaram:

- Se eu morrer primeiro, você, João, fará uma serenata em meu túmulo. Se você morrer primeiro, farei uma serenata no seu túmulo.

Silva Reis morreu primeiro, como narrei acima, em 1908. João Chaves faleceu aos 11 de maio de 1970.

Algum tempo depois da morte do amigo, João Chaves fez a letra e música de “Adeus”, que o povo chama de “Bardo”. Ela fala do seresteiro que cantava para as estrelas, porque Silva Reis gostava de cantar deitado, com o violão no peito, olhando as estrelas.

A promessa entre os companheiros foi cumprida numa noite, provavelmente de lua cheia. João Chaves e seus companheiros fizeram a mais inusitada serenata, no túmulo do cantor e violonista, o amigo Silva Reis, cantando a modinha “Adeus”.


Grupo de Seresta Lola Chaves.



Marilene Veloso Tófolo
Cadeira N. 95
Patrono: Terezinha Vasquez

MIRABELA

No velho casarão na vizinha cidade chamada Mirabela, cidade no Norte de Minas, próxima à Montes Claros, moravam os meus avós maternos. A viagem à esta cidade, que chamava a época que me refiro, Bela Vista, é hoje uma gravura apagada no tempo! Procuro na memória, a paisagem da estrada, o vento que sibilava por lá e nós dentro do verde Jeep, deixávamos um rastro de poeira. Como era longa a viagem, verdes paisagens, animais no pasto e chegávamos ao destino. Procuro no quadro da memória os rostos dos avós, debruçados à janela, olhando o tempo, a cadeira de balanço, o fogão de lenha, as frutas no quintal e o caldo de cana do engenho. O cheiro da cana leva-me ao rio, a paisagem, ao curral, as altas portas do casarão, à figura do vovô e da vovó, de neném e do engenho movido por bois. Quadros que vêm à memória, passado que não volta mais, onde as preocupações eram outras, as competições, as festas tinham sabor de infância.

Hoje ao toque do sino, ao rever o lugar que não mais existe, parece um sonho distante, onde o progresso levou estes sonhos que dormem esquecidos no nosso coração! Uma cidade, uma casa, um retrato não representam, a memória, o sonho e a saudade de quem tenta voltar ao passado.

BELA VISTA

Bela Vista tornou-se Mirabela,
cidade pacata, clima frio,
as pessoas perdidas no tempo,
areia, vento, olhares vazios...

O tempo não passa, um ar desolado
de alguém que não tem pressa no andar,
olha para o lado, fuma o seu cigarro,
coloca o chapéu na cabeça!...

Porque a pressa se a vaca muge ao longe,
o burro empaca na esquina,
a mulher amarra o pano na cabeça,
a criança joga bola na calçada!

As pessoas reúnem-se nos bares,
falam do último negócio,
no preço do bar, da vaca, da carestia
e no derradeiro escândalo da vizinha.

Por que a pressa? Os passos são devagar.
O dia corre lento, ninguém anda apressado,
e a cidade dorme, embalada pelo tempo,
que teima em não passar!...

Letargia, saudade, preguiça e vontade de cantar,
festejar e dançar na Festa do Divino,
fazer política nas calçadas da rua,
e ver o tempo passar...

Olhar ao longe, a casa já não existe,
a praça já não é a mesma,
o vovô e a vovó dormem no silêncio
de um tempo que não volta mais!...

Mirabela tornou-se uma imagem na parede,
o relógio não toca, os ponteiros estão parados,
os risos, os comícios, as brincadeiras na praça,
até o engenho parou de moer...

Olho a Igreja que era a vida de cidade,
a praça bem cuidada, sinto o vento da manhã,
mas o encanto quebrou-se,
nada lembra a cidade de ontem!...

Casas, paredes, ruas e praças,
restos de materiais de um passado,
com outros rostos, outros personagens,
que não preenchem minha busca de hoje!

 

Mirabela

- No velho casarão na vizinha cidade chamada Mirabela, cidade no Norte de Minas, próxima à Montes Claros, moravam os meus avós maternos.

A viagem à esta cidade, que chamava a época que me refiro, Bela Vista, é hoje uma gravura apagada no tempo!...

Procuro na memória, a paisagem da estrada, o vento que sibilava por lá e nós dentro do verde Jeep, deixávamos um rastro de poeira...

Como era longa a viagem, verdes paisagens, animais no pasto e chegávamos ao destino.

Procuro no quadro da memória os rostos dos avós, debruçados à janela, olhando o tempo, a cadeira de balanço, o fogão de lenha, as frutas no quintal e o caldo de cana do engenho...

O cheiro da cana leva-me ao rio, a paisagem, ao curral, as altas portas do casarão, à figura do vovô e da vovó, de neném e do engenho movido por bois. Quadros que vêem à memória, passado que não volta mais, onde as preocupações eram outras, as competições, as festas tinham sabor de infância.

Hoje ao toque do sino, ao rever o lugar que não mais existe, parece um sonho distante, onde o progresso levou estes sonhos que dormem esquecidos no nosso coração!...

Uma cidade, uma casa, um retrato não representam, a memória, o sonho e a saudade de quem tenta voltar ao passado.

03 de março de 2018.

O GIRAMUNDO

O Jornal de Montes Claros noticia a morte de um homem que aqui chegou, em sua bicicleta, com seus pertences e um diário a bordo. Percorreu o Brasil por vários estados e foi anotando sua vida!...

Quem é ele? De onde veio e o que fez levar esta vida? Tudo organizado e explicado na sua escrita, a história de várias cidades e estradas, e foi internado em um hospital da cidade, onde faleceu...

Não se sabe da sua família, da sua gente e o que restou foi este diário... O que faz a pessoa ser um andarilho? Percorrer o mundo e sempre seguir a diante?...

A vida do andarilho chegou ao fim, em uma cidade desconhecida e tratado em um hospital da cidade e espera-se notícias da família!...

É um desconhecido, um errante, alguém que correu o mundo e foi-se com o vento, com o tempo e o amanhecer...

Só, sem amigos, sem parentes, sem alguém para protegê-lo, morre em uma cidade desconhecida, sem lenço nem documento, e parte para o desconhecido, como alguém sem passaporte, sem registro, sem lágrimas, sem saudades... Foi-se com o vento, com a chuva, com o sol, como alguém que vai com a poeira do tempo.

Giramundo, o que o levou a percorrer o mundo, a procurar amigos, a viver uma vida ao desconhecido, sem objetivos, afetos, esperanças e morrer em uma rua desconhecida na cidade de Montes Claros.

Não deixou seu rastro na poeira do tempo, no desconhecido de uma cidade do interior, sem passaporte, apenas tombou em uma rua qualquer, onde não viveu, não conheceu ninguém, e confundiu-se com a poeira do tempo!...



Narciso Gonçalves Dias
Cadeira N. 9
Patrono: Antônio Lafetá Rebell
o

TERRA DA CRIATIVIDADE

Ah meu amigo, você não tem noção do enorme tamanho da criatividade do povo deste maravilhoso Norte de Minas. Observe nossa culinária, com pratos variados e de sabores divinos. Pois é onde o rabo do boi, que embora sendo muito duro e esquisito por natureza, nas mãos de nossas hábeis cozinheiras se transforma num prato rico, saboroso e de aspecto sensacional. Também foi aqui que se criou e difundiu a ousadia de juntar o frango com quiabo, maxixe com carne de sol e a transformação desses e outros experimentos duvidosos em um sucesso absoluto no Brasil. O número de pratos diferentes com o pequi já passa da casa da centena. A riqueza desse fruto da nossa culinária, que exala um perfume inebriante e seu peculiar sabor forte e característico, é o recado que as famílias passam de quem tem bom gosto e sabem ousar no preparo da iguaria. Muitos de nossos intelectuais já o utilizaram como tema de tese de doutorado. E muito mais ainda há para se contar dessa planta mais do que amiga do sertanejo. Motivado por esses pratos bonitos de se ver e gostosos de comer é que o verdadeiro Norte-mineiro come primeiro com os olhos, apreciando cada ângulo da obra de arte no prato, só depois ele parte para a mastigação.

Também a arte das rezadeiras, benzedeiras e raizeiras da nossa região que acumulam em si a toda a grandiosidade da fé e boas energias, transmitidas para as outras pessoas, no seu ofício de minimizar os sofrimentos e cura dos seus semelhantes. Diante de enfermidades diagnosticadas e tratadas por elas, tais como:

Espinhela-caída: Que é uma forte dor na “boca do estômago”, resultando em um cansaço anormal, perda de apetite e insônia.

Quebranto: Que tem origem no mal olhado de pessoas que carregam muita energia negativa.

Erisipela: Que vem a contagiosa, ser uma doença infecciosa, não mas que provoca vermelhidão, inflamação e muita dor na pele. Dentre inúmeros outros males que acomete o nosso simples sertanejo, mas que sabe onde e como se curar.

As famosas palavras: “Com dois te puseram, com três eu te tiro. Com as bênçãos das três pessoas da Santíssima Trindade, que tira quebranto e mau-olhado, pras ondas do mar sagrado, pra nunca mais retornar”. Registra-se o prefixo de que ali vai começar um grandioso trabalho de amor para com o próximo.

Em conversa com uma dessas benfeitoras da humanidade, fiquei sabendo que ela já está atendendo as pessoas necessitadas, por celular. E a consulta telefônica apresenta êxito garantido nos trabalhos efetuados tal e qual a consulta presencial.

Mas o que mais me impressiona é a capacidade criativa do nosso povo na área da linguística, com uma facilidade incrível no desenvolvimento de neologismos. Na semana passada, em conversa com uma vizinha, ela me disse que sua filha Aparecida, a quem ela chama de “Priscida”, estava com “Estreque modômi”.


Pequi: fruto do cerrado.

Não me contive de curiosidade e perguntei a ela o significado de tal expressão. Ela gentilmente me explicou, não sem antes demonstrar um certo ar de compaixão diante da minha ignorância:

_ Uai, “estreque modômi” é quando uma pessoa fica muito tempo sem fazer sexo. E trocando em miúdos, é o tal do estresse por falta de contato com o parceiro. E viva a criatividade do Nortemineiro.



Wanderlino Arruda
Cadeira N. 33
Patrono: Enéas Mineiro de Souza

O livro “Reflexões ” de
Marcelo Freitas

Não é no silêncio que os homens se fazem,
mas na palavra, no trabalho, na ação-reflexão.
Paulo Freire

De uma coisa tenho certeza: para sermos úteis à pátria, às instituições, à família, à nossa profissão e até a nós mesmos como pessoas, temos de fazer parte de uma sociedade sempre se transformando, sempre em mudança. Ou participamos de quase tudo em tempo atual ou perderemos o trem da história. Somos cidadãos do tempo no mundo e do mundo no tempo, e a marca do nosso viver e conviver tem que ser registrada, seja em papel, seja em lembranças. Passagem inútil pela vida é que não pode acontecer. E é partindo dessas ideias, que inicio este Prefácio sobre o magnífico livro do doutor Marcelo Eduardo Freitas, mestre do Direito, historiador, cronista, doutorando na Argentina, homem da lei e dos bons procedimentos no Brasil. Dele e sobre ele, venho de muitas leituras, muitas anotações, uma minuciosa análise de sua cultura e dos muitos viveres. Tudo como apreciador de suas lutas e labutas de menino nascido em ambiente interiorano, assim como em literal ocupação de espaços no magistério e na Polícia Federal, em todo o tempo um estudioso.

O livro “Reflexões”, composto de quase oitenta textos, é um harmonioso compêndio literário – maioria de crônicas – cada linha elaborada com esmero de quem sabe o que quer e a que veio. Tudo, como indica o título, bem refletido, pesado e medido, sempre marcante em tempo/espaço mais do que importante na vida brasileira. Tudo fruto de leituras, estudos, pesquisas, observações e vivências, um universo de conhecimentos objetivos, mesmo nas experiências com familiares e com os colegas de escola e de trabalho. O doutor Marcelo Freitas é um perfeito resumo dos valores fundamentais do ensinoaprendizagem: saber, saber fazer e querer fazer. Melhor dizendo, tem
um elogiável nível de informações e conhecimentos. Sabe lidar, no dia-a-dia, com o máximo de eficiência e dispõe, no pouco e no muito, de um reconhecido poder de vontade e de decisão. Um sonhador de pés no chão, plantado em realidades palpáveis do muito agora e de um tanto do amanhã.

Voltando diretamente para o Prefácio, justo é dizer que a leitura e a apreciação das imagens marcaram-me agradabilíssimos momentos, todos eles constituídos de uma riqueza digna de consideração: registros históricos, conceitos filosóficos, marcação literária, entrelaçamento familiar, experiências profissionais, motivação ética. Muitas as alegrias, duradoura satisfação, continuado o desejo sincero e didático para a aplicação das leis e dos bons costumes. Vejo no doutor Marcelo uma compreensível busca de atendimento às inteligências múltiplas, assim como uma vinculação clara aos valores do emocional e do espiritual, muito mais vivências e certezas que de possíveis teorias. Para dar leveza ao início de escrita e leitura, suas atribuições ao poético de Renato Russo, às lembranças de familiares, ao aconchego das experiências de infância, o muito de filosófico da vida e da morte. As citações caminham da sabedoria de Salomão a Santo Agostinho, de Da Vinci a Kant, até chegar ao tio mais querido, José Admilson, ao quase santo Chico Xavier e ao moderno Aguinaldo Silva, grande sucesso da Tevê e do cinema. Um leitor atento poderá alcançar tudo de positivo dos conceitos e das suas tendências pessoais e profissionais. Em sentido prático, vale lembrar o poeta Camões, que bem expressou no Canto X dos Lusíadas: “Não se aprende, Senhor, na fantasia, / Sonhando, imaginando ou estudando, / Senão vendo tratando e pelejando”.

Que bom eu ter lido com muita calma o primoroso texto de Marcelo Eduardo Freitas! Que bom eu ter sido um minerador em tantas bateias, tentando ver e buscar as pepitas do ouro da inteligência de um escritor ainda tão jovem! Foi algo diferente do que tenho feito em autores mais próximos, no dia-a-dia acadêmico, na redação dos jornais ou mesmo no trato didático-pedagógico das escolas e das muitas instituições a que sou ligado. Em verdade, uma coisa é o conhecimento de leitura jornalística, outra da conversa olho no olho, como a que tivemos em meu escritório, quando ele me trouxe o livro e explicou detalhes da escrita, conhecimento e reconhecimento sinceros. Foi um momento de muito interesse, que valeu por uma curiosa pré-leitura, além de uma visão do ser e do viver, quando me lembrei perfeitamente de algo refletido por Sartre: “O que fizeste com o que te fizeram?” Ou seja, o que as profissões do doutor Marcelo – no Supremo, na Polícia Federal e no magistério - fizeram dele? Nos dizeres do sábio Ortega y Gasset, cada pessoa é ela mesma e as suas circunstâncias, uma boa razão para sermos o que somos.

Meu pedido aos que vão ler “Reflexões”: reparem bem em todas as fontes de leituras e de pesquisas, em todas as citações, nos elementos históricos e geográficos, nos aspectos jurídicos, nas informações estatísticas, nas ilações políticas, no emocional de família, e no próprio conjunto de opiniões, fruto da viva experiência do autor.

Nunca me esqueço de um discurso do general Eisenhower, na Inglaterra do pós-guerra: “Não foram os exércitos, foi o planejamento o motivo da vitória”. E hoje, diante do livro do doutor Marcelo, posso dizer que o motivo maior do êxito de suas produções literárias é a sua organização, seu modo de planejar, uma ordenação perfeita, com visível lógica e sentido de urgência, além das pressões desafiantes pelas ideias de cada momento. Um texto criativo do crer e do agir, sempre caminho, nunca pousada, porque no viajar é que está a emoção, principalmente quando o caminhante tem talento, noções de destino e sabe para onde deve e pode se dirigir. Doutor Marcelo tem na palavra e na mensagem, o veículo do seu objetivo: a pátria acima de tudo. E para isso: melhor tratar, cuidar, educar, criar, dirigir, liderar, lidar com pessoas, servir!

Elemento importante no decorrer dos textos é o toque da fé valorizada pelo conhecimento, a busca da inteligência bíblica, o progresso do pensamento filosófico, a firmeza com o trato político, um humanismo natural para valorizar indivíduos e sociedade. Em todo o livro, a primazia é da seriedade, do saber, da ética e da moral. Deus é perfeito e o homem sendo imagem de Deus, também tem que buscar a perfeição.

Como é mais seguro escrever do que falar, é na escrita que deve estar a defesa dos direitos humanos, o zelo pela infância e pela juventude, o carinho pelos idosos e, tanto quanto desejada, a valorização da mulher. Tudo isso em todas as situações e em todos os setores. Claro que nenhum direito sem uma obrigação correspondente. Afinal, não só a imagem, um exemplo tem que valer por mil palavras, algo assim como sintetizou Fernando Pessoa: “tudo vale a pena quando a vida não pequena”.

No meu pensar, “Reflexões” deve ser lido não só como forma de bom gosto e prazer, mas como um compêndio de preciosos ensinamentos, inclusive de uma segura correção gramatical e semântica. Somos e precisamos ser um pouco de tudo que lemos, algo do melhor que chega aos nossos olhos.

Para isso, o livro do doutor Marcelo Freitas apresenta-nos como um verdadeiro e almejado presente. Melhor para ele, melhor para todos nós, seus leitores!

Montes Claros, Verão de 2017.



Virgínia Abreu de Paula
Cadeira N. 99
Patrono: Waldemar Versiani dos Anjos

CRISE DE SAUDADE NUMA
TARDE DE CHUVA

Tarde de sábado. Saio de casa com Luciana rumo ao supermercado para a feira semanal. O sol brilha e o calor é sufocante. De repente começa a chover! Chuva forte e inesperada. O jeito é nos escondermos sob a marquise da Bomboniére Nacional. Luciana quer seguir assim mesmo e quase concordo, mas a chuva agora desaba para valer. Ficamos ali sentindo a mudança da temperatura, apreciando os tipos humanos que passam correndo, e os carros que entram nas poças já formadas espalhando água que respingam sobre nós.

Então alguém se dirige a mim. –“Ei! Ô Dona! Ei!” A voz vem de um senhor bem trajado, terno preto e gravata. Completamente embriagado. Está parado na porta do bar Tip Top. –“Como você sai neste temporal com sua filha?” Penso em dizer que Luciana não é minha filha, mas desisto. Ele mal pode ficar em pé. Conversar com ele seria perder meu tempo. Muda logo de assunto. –“Está vendo este hotel aí?” É o Santa Cruz no lado oposto. –“Não é o Santa Cruz que eu conheci”, prossegue ele. –“Hoje é um hotel ordinário. Acabado”. Fala pausadamente com aquela voz típica de bêbado, sílaba pôr sílaba.

Olho para frente e percebo as mudanças. Cadê a sala de recepção? No seu lugar está uma vitrine de loja. Ao lado vejo uma porta estreita que leva a uma escada íngreme e escura. O bêbado continua o seu protesto e eu tenho de dizer sim com a cabeça. “Houve um tempo que aí tinha até restaurante...”, diz ele. E então, de certa forma, volto no tempo...

Eu pequena, quatro anos, morando ali pertinho na Simeão Ribeiro. Valéria, minha irmã mais velha, com seus dez anos sempre brincava no Santa Cruz com Fátima, a filha adotiva de Dona Taúde e Seu Pinheiro, donos do hotel. Algumas vezes me levava com ela. Tudo tão “chique” aos meus olhos de criança! Os hóspedes chegando, a sala da entrada, e o delicioso aroma vindo do restaurante que servia pastéis feitos pôr vovó Lica. Encantava-me ver as mesas postas, as toalhas brancas, um biombo, um piano... Claro que nunca foi um cinco estrelas. Talvez nem duas estrelas. Mas havia alguma coisa de aconchegante, de “cidade grande”, que me levava a querer almoçar ali um dia, o que nunca aconteceu. Lá de casa, em certas noites de lua, podíamos ouvir os viajantes que cantavam ao som do violão. Montes Claros, sem luz elétrica, em não raras noites, convidava à serenata. Isto envolvia o hotel numa aura romântica inesquecível.

Na minha adolescência, em 1963, em janeiro para ser bem precisa, apaixonei-me por um jovem paulista também chegado a serenatas ao violão. E mais do que nunca aquele hotel pareceu-me mágico. Muitas vezes passei pela sua porta na esperança de vê-lo. Olhava as sacadas, como Romeu esperando por Julieta, só que ao contrário.

Apreciava tudo. A arquitetura, os móveis, o seu tamanho...
Parecia-me imenso ocupando todo o quarteirão.

Vou para o final do mesmo ano quando estive numa sessão de fotos naquela sala com o colunista Lazinho Pimenta. Tento lembrar o motivo daquele encontro social ali. As debutantes? Mas eu nunca debutei! Brotos do Ano? Alguma coisa assim. Não consigo ter certeza. Porém lembro com clareza o que sentia. Encabulada, deslocada... E ao mesmo tempo achando “ o máximo”.

O paulista – Ricardo - desapareceu no tempo deixando para traz apenas meu coração partido e solitário. E a sala da entrada, por onde o vi entrando certa tarde carregando o violão sem deixar de presentear-me com um luminoso sorriso, é apenas mais uma loja de calçados. E não é que o restaurante também virou sapataria? Confesso não conhecer o hotel de hoje por dentro. Talvez até seja melhor, com mais conforto, pois o de então nem tinha apartamentos. Classificálo como “ordinário” sem duvida é exagero do “Carlitos” do sertão.

“Mamãe está vindo!” É Luciana quem me traz de volta ao presente. Sua verdadeira mãe, como toda mãe que se preza, está vindo em nosso socorro trazendo sombrinhas.

Agora podemos finalmente ir para o supermercado caminhando na rua molhada, sombrinhas abertas na tarde refrescada. E o bêbado? Quando saímos ele ainda ali se encontra cambaleante e inconformado com as tristes mudanças que o tempo costuma trazer. Ouço sua voz repetindo para o nada. “Não é mais o Santa Cruz que eu conheci”.




Pedro Ribeiro Neto
Associado Honorário

A Gráfica Editora Millennium apresenta o novo livro de Dário Teixeira Cotrim: “A Arte Rupestre na pré-história do Médio São Francisco”. Nota-se que de há muito se faria sentir a necessidade de editar este trabalho de Cotrim, um dos mais notáveis escritores dos tempos atuais. A Millennium vem, agora, satisfazer esse desejo do seleto público – mineiro e baiano – ou mesmo os “baianeiros” como querem muitos de nós, na publicação de mais uma obra de interesse inquestionável.

Cotrim sempre foi um apaixonado pelas artes rupestres. Um visionário em perfeita sintonia com o seu tempo. Um colecionador inveterado de objetos antigos e um pesquisador contumaz da história antiga do seu povo. Ainda menino, com os seus treze anos incompletos, ele iniciava o seu pequenino “museu” de pedras semipreciosas, com artefatos líticos dos índios (as machadinhas e pontas de flechas e lanças), e ainda um pequeno mostruário com inúmeros insetos e répteis, todos conservados em “vidrinhos-de-penicilina” (doados por Floriano – da Farmácia Popular do Dr. Benjamim Vieira Costa) e


Museu de Dário Cotrim.

outros frascos. Era possuidor de uma paixão incontestável de amor e de carinho com os livros, com os retratos e documentos antigos e com as peças de arte que retornam aos séculos XIX e XX. Hoje, muitos desses objetos estão expostos no Memorial de Guanambi, todos eles doados por Cotrim com o objetivo apenas de colaborar com a história de sua cidade e da região.

De lá pra cá Cotrim já publicou 50 livros. Uma contribuição imensurável para o verdadeiro resgate histórico de várias cidades do Norte de Minas e do Estado da Bahia. Aliás, a Millennium tem se esforçado de todas as formas e meios em participar do trabalho realizado por Cotrim, se colocando sempre à disposição dele e/ou do egrégio Instituto Histórico e Geográfico de Montes Claros. Nota-se que Cotrim foi o responsável pela criação do IHGMC e ainda tem procurado ajudar os seus distintos confrades e amigos na editoração de livros, inclusive prefaciando alguns deles por nós editados e, que já importa em mais de uma centena. Um trabalho elogiável de incentivo aos novos escritores.

Parabéns confrade Cotrim pela publicação de mais um influente livro: “A Arte Rupestre na pré-história do Médio São Francisco”. Acreditamos que outros livros virão, com muito mais vigor, e que certamente constituirá a revelação de novas facetas do seu talento na arte de escrever. Entretanto a presente obra já lhe bastava para eternarse na Galeria dos Intelectuais Montes-clarenses. Parabéns e sucesso!


Impresso na oficina da
GRÁFICA EDITORA MILLENNIUM LTDA.
Rua Pires e Albuquerque, 173 - Centro
39.400-057 - Montes Claros - MG
E-mail: mileniograf@hotmail.com
Telefone: (38) 3221-6790