COMISSÃO
FUNDADORA 2006-2007
Dr. DÁRIO TEIXEIRA COTRIM
Dr. HAROLDO LÍVIO DE OLIVEIRA
Dr. LUIS RIBEIRO
Dr. WANDERLINO ARRUDA
DIRETORIA
2007- 2008
PRESIDENTE
DE HONRA |
Dr.
LUIZ DE PAULA FERREIRA |
PRESIDENTE |
Dr.
WANDERLINO ARRUDA |
1º
VICE - PRESIDENTE |
Dr.
DÁRIO TEIXEIRA COTRIM |
2º
VICE - PRESIDENTE |
Dr.
HAROLDO LÍVIO DE OLIVEIRA |
DIRETORA
EXECUTIVA |
Profa.
MARTA VERONICA V. LEITE |
DIRETOR-SECRETÁRIO |
Dr.
PETRÔNIO BRAZ |
DIRETOR-SECRETÁRIO ADJUNTO |
Coronel
LÁZARO FRANCISCO SENA |
DIRETOR DE FINANÇAS |
Prof.
JUVENAL CALDEIRA DURÃES |
DIRETOR
DE FINANÇAS ADJUNTO |
Historiador
HÉLIO DE MORAIS |
DIRETORA
DE PROTOCOLO |
Profa.
REGINA Mª BARROCA PERES |
DIRETORA
CULTURAL |
Profa.
RAQUEL VELOSO MENDONÇA |
DIRETORA DE BIBLIOTECA |
Escritora
AMELINA CHAVES |
DIRETORA
DE MUSEU |
Historiadora
MILENA A. C. MAURÍCIO |
DIRETOR DE RELAÇÕES PÚBLICAS |
Dr.
ITAMAURY TELLES DE OLIVEIRA |
DIRETORIA
DE JORNALISMO |
Jornalista
LUIZ RIBEIRO |
CONSELHO
CONSULTIVO
Dr. JOSÉ GERALDO DE FREITAS DRUMOND
Dr. WALDYR DE SENA BATISTA
Profa. YVONNE DE OLIVEIRA SILVEIRA
COMISSÃO
DE GEOGRAFIA E ECOLOGIA
Prof.
IVO DAS CHAGAS
Profa. ANETE MARÍLIA PEREIRA
Profa. MARIA APARECIDA COSTA
COMISSÃO
DE HISTÓRIA E ARQUEOLOGIA
Profa.
MARTA VERÔNICA VASCONCELOS LEITE
Prof. CÉSAR HENRIQUE DE QUEIROZ PORTO
Profa. FELICIDADE PATROCÍNIO
COMISSÃO
DE ANTROPOLOGIA, ETNOGRAFIA
E SOCIOLOGIA
Prof.
GY REIS
Profa. CLÁUDIA REGINA ALMEIDA
COMISSÃO
DE CLASSIFICAÇÃO E DE
ADMISSÃO DE SÓCIOS
Jornalista
MAGNOS DENNER MEDEIROS
Profa. MIRIAM CARVALHO
Dra. FELICIDADE VASCONCELOS TUPINAMBÁ
Profa. ZORAIDE GUERRA DAVID
Dr. WANDERLINO ARRUDA
Dr. DÁRIO TEIXEIRA COTRIM
COMISSÃO
DA REVISTA DO INSTITUTO HISTÓRICO
E GEOGRÁFICO
Dr.
DÁRIO TEIXEIRA COTRIM - coordenador
Dr. ITAMAURY TELLES
Dr. PETRÔNIO BRAZ
Dr. WANDERLINO ARRUDA
Prof. JUVENAL CALDEIRA DURÃES
Profa. MARTA VERÔNICA VASCONCELOS LEITE
Jornalista LUIS CARLOS NOVAES
LISTA
DE SÓCIOS EFETIVOS DO IHGMC
CD |
Sócios |
Patronos |
01 |
Dr José Santos Rameta |
Alpheu
Gonçalves de Quadros |
02 |
Escritora
Milene A. Coutinho Maurício |
Alfredo de Souza Coutinho |
03 |
Padre
Antônio Alvimar Souza |
Antônio
Augusto Teixeira |
04 |
Professora
Claúdia Regina Almeida |
Antônio
Augusto Veloso (Desemb.) |
05 |
Profª
Yvonne de Oliveira Silveira |
Antônio
Ferreira de Oliveira |
06 |
Prof Marcos Fábio Martins Oliveira |
Antônio
Gonçalves Chaves |
07 |
Professora
Maria Aparecida Costa |
Antônio
Gonçalves Figueira |
08 |
Professora
Anete Marilia Pereira |
Antônio
Jorge |
09 |
Professora
Isabel Rebelo de Paula |
Antônio
Lafetá Rebelo |
10 |
Professora Maria Florinda Ramos Pina |
Antônio
Loureiro Ramos |
11 |
Jornalista
Reginauro Rodrigues da Silva |
Ary
Oliveira |
12 |
Dr
Antônio Augusto Pereira Moura |
Antônio
Teixeira de Carvalho |
13 |
Dr
Cesar Henrique Queiroz Porto |
Ângelo
Soares Neto |
14 |
Professora
Karla Celene Campos |
Arthur
Jardim Castro Gomes |
15 |
Jornalista
Magnus Denner Medeiros |
Ataliba
Machado |
16 |
Dr
Waldir de Senna Batista |
Athos
Braga |
17 |
Profa.
Marta Verônica Vasconcelos Leite |
Auguste
de Saint Hillaire |
18 |
Dr Petrônio Braz |
Brasiliano
Braz |
19 |
Dr Luiz de Paula Ferreira |
Caio
Mário Lafetá |
20 |
Professora Felicidade Patrocínio |
Camilo
Prates |
21 |
Dr Reivaldo Simões de Souza Canela |
Cândido
Canela |
22 |
Professora
Lygia dos Anjos Braga |
Carlos
Gomes da Mota |
23 |
Historiador
Hélio de Morais |
Carlos
José Versiani |
24 |
Dr
João Carlos Rodrigues Oliveira |
Celestino
Soares da Cruz |
25 |
VAGA |
Corbiniano
R Aquino |
26 |
VAGA |
Cyro
dos Anjos |
27 |
Professora
Regina Maria Barroca Peres |
Dalva
Dias de Paula |
28 |
Escritora
Amelina Chaves |
Darcy
Ribeiro |
29 |
Professora Filomena Luciene Cordeiro |
Demóstenes
Rockert |
30 |
VAGA
|
Dona
Tirbutina |
31 |
Professora
Clarice Sarmento |
Dulce
Sarmento |
32 |
Dr
Edgar Antunes Pereira |
Edgar
Martins Pereira |
33 |
Dr
Wanderlino Arruda |
Enéas
Mineiro de Souza |
34 |
Profa.
Geralda Magela de Sena e Souza |
Eva
Bárbara Teixeira de Carvalho |
35 |
VAGA |
Ezequiel
Pereira |
36 |
Dra. Felicidade Vasconcelos Tupinambá |
Felicidade
Perpétua Tupinambá |
37 |
VAGA |
Francisco
Barbosa Cursino |
38 |
Professora
Maria Inês Silveira Carlos |
Francisco Sá |
39 |
Professor
Ivo das Chagas |
Gentil
Gonzaga |
40 |
Drª
Maria da Glória Caxito Mameluque |
Georgino
Jorge de Souza |
41 |
Dr
Reinine Simões de Souza |
Geraldo
Athayde |
42 |
Professora
Maria Luiza Silveira Teles |
Geraldo
Tito da Silveira |
43 |
Professor
Benedito de Paula Said |
Godofredo
Guedes |
44 |
Hist.
Roberto Carlos Morais Santiago |
Heloisa
V. dos Anjos Sarmento |
45 |
Jornalista
Angelina de Oliveira Antunes |
Henrique
Oliva Brasil |
46 |
Professora
Eliane Maria F Ribeiro |
Herbert
de Souza – Betinho |
47 |
Jornalista
Paulo César Narciso Soares |
Hermenegildo
Chaves |
48 |
Professora
Raquel Veloso de Mendonça |
Hermes Augusto de Paula |
49 |
Dra.
Maria Fernanda M. Brito Ramos |
Irmã
Beata |
50 |
Escritor
Olyntho Alves da Silveira |
Jair
Oliveira |
51 |
Dr
José Carlos Vale de Lima |
João
Alencar Athayde |
52 |
Profa.
Maria Isabel M. F. Sobreira |
João
Chaves |
53 |
Dr
João Carlos M. Sobreira de Carvalho |
João
Batista de Paula |
54 |
VAGA |
João
José Alves |
55 |
Cel.
Lázaro Francisco Sena |
João
Luiz de Almeida |
56 |
Escritor
João Aroldo Pereira |
João Luiz Lafetá |
57 |
Jornalista
Luiz Carlos Novaes |
João
Novaes Avelins |
58 |
Professor Necésio de Morais |
João
Souto |
59 |
Jornalista
Luiz Ribeiro dos Santos |
João
Vale Maurício |
60 |
VAGA |
Jorge
Tadeu Guimarães |
61 |
Jornalista
Girleno Alencar Soares |
José
Alves de Macedo |
62 |
Profº
José Geraldo de Freitas Drumond |
José
Esteves Rodrigues |
63 |
Historiador Pedro de Oliveira |
José
Gomes Machado |
64 |
Professora
Palmyra Santos Oliveira |
José
Gomes de Oliveira |
65 |
Dra.
Maria de Lourdes Chaves |
José
Gonçalves de Ulhôa |
66 |
Arqueólogo
Fabiano Lopes de Paula |
José
Lopes de Carvalho |
67 |
Dr
Elias Siuffi |
José
Monteiro Fonseca |
68 |
Professora
Rejane Meireles Amaral |
José
Nunes Mourão |
69 |
VAGA |
José
(Juca) Rodrigues Prates Júnior |
70 |
Jornalista
Márcia Sá |
José
Tomaz Oliveira |
71 |
Dr João Caetano Canela |
Júlio
César de Melo Franco |
72 |
Jornalista
Theodomiro Paulino Correa |
Lazinho
Pimenta |
73 |
Dra.
Maria das Mercês Paixão Guedes |
Lilia
Câmara |
74 |
Professor
Laurindo Mekie Pereira |
Luiz Milton Prates |
75 |
VAGA
|
Manoel
Ambrósio |
76 |
VAGA |
Manoel
Esteves |
77 |
Profª
Maria Jacy de Oliveira Ribeiro |
Mário
Ribeiro da Silveira |
78 |
Jornalista
Américo Martins Filho |
Mário
Versiani Veloso |
79 |
Professora
Maria José Colares Moreira |
Mauro
de Araújo Moreira |
80 |
Jornalista
Hélio Machado |
Miguel
Braga |
81 |
Prof. Juvenal Caldeira Durães |
Nathércio
França |
82 |
Dr
Haroldo Lívio de Oliveira |
Nelson
Viana |
83 |
Historiador
Paulo Costa |
Newton
Caetano d’Angelis |
84 |
Dr
Itamaury Telles de Oliveira |
Newton
Prates |
85 |
VAGA
|
Armênio
Veloso |
86 |
Professora
Zoraide Guerra David |
Patrício
Guerra |
87 |
Profa.
Marta Edith Sayago M Marques |
Pedro
Martins de Sant’Anna |
88 |
Professora
Miriam Carvalho |
Plínio
Ribeiro dos Santos |
89 |
Jornalista
Rosângela Silveira |
Robson
Costa |
90 |
Hostoriador
José Henrique Brandão |
Romeu
Barcelos Costa |
91 |
Dr
Wesley Caldeira |
Sebastião
Sobreira Carvalho |
92 |
Professor
Roberto Pinto Fonseca |
Sebastião
Tupinambá |
93 |
Dr
Dário Teixeira Cotrim |
Simeão
Ribeiro Pires |
94 |
Dr
Luiz Pires Filho |
Teófilo
Ribeiro Filho |
95 |
VAGA |
Terezinha
Vasquez |
96 |
Professora
Ruth Tupinambá Graça |
Tobias
Leal Tupinambá |
97 |
Professor
Gy Reis Gomes Brito |
Urbino
Vianna |
98 |
Jornalista
Rafael Freitas Reis |
Virgilio
Abreu de Paula |
99 |
VAGA |
Waldemar
Versiani dos Anjos |
100 |
Professora
Maria Clara Lage Vieira |
Wan-dick
Dumont |
Sócios
Correspondentes
Dr.André
Kohene |
Caetité
-BA |
Prof.
Regente Armênio Graça Filho |
Rio
de Janeiro- RJ |
Dr.
Ático Vilas-Boas da Mota |
Macaúbas
- BA |
Dr.
Augusto José Vieira Neto |
Belo
Horizonte - MG |
Dr.
Avay Miranda |
Brasilia
- DF |
Jornalista
Carlos Lindenberg Spínola Castro |
Belo
Horizonte - MG |
Escritora
Carmem Netto Victória |
Belo
Horizonte - MG |
Dr.
Enock Sacramento
|
São
Paulo - SP |
Dr.
Fernando Antônio Xavier Brandão |
Belo
Horizonte MG |
Dr.
Eustáquio Wagnar Guimarães Gomes |
Belo
Horizonte - MG |
Escritor
Flávio Henrique Ferreira Pinto |
Belo
Horizonte - MG |
Jornalista
Geraldo Henriques (Riky Tereze) |
New
York - USA |
Jornalista
João Martins |
Guanambi
- BA |
Dr.
Jorge Lasmar |
Belo
Horizonte MG |
Prof.
José Eustáquio Machado Coelho |
Belo
Horizonte MG |
Prof.
Dr. Jorge Ponciano Ribeiro |
Brasília
- DF |
Dr.
Marco Aurélio Baggio |
Belo
Horizonte MG |
Profa.
Dra. Maria da Consolação M. Figueiredo Cowen |
London
- England |
Jornalista
Paulo César Oliveira |
Belo
Horizonte - MG |
Escritor
Reynaldo Veloso Souto |
Belo
Horizonte - MG |
Prof.Thiago
Carvalho Makiyama |
Gunma-Ken
- Japão |
Prof.
Wellington Caldeira Gomes |
Belo
Horizonte - MG |
Historiador
Zanoni Eustáquio Roque Neves
|
Belo
Horizonte - MG |
NOTAS
DOS COORDENADORES DA EDIÇÃO
A
ordem de publicação dos trabalhos dos Sócios
Efetivos obedeceu à seqüência
alfabética dos nomes dos autores. Em seguida, foram ordenados
os trabalhos
dos Sócios Correspondentes;
A Revista não se responsabiliza por conceitos e declarações
expedidos em
artigos publicados;
A revisão dos disquetes originais foi feita pelos próprios
autores dos artigos
publicados.
Homenagens
Cônego Adherbal Murta de Almeida |
Historiador João Botelho Neto |
EPITÁFIO
Para um túmulo de amigo
“A morte vem de manso,
em dia incerto
e fecha os olhos dos que têm mais sono...”.
(Alphonsus de Guimaraens – ossa mea, I.)
FINS
DO IHGMC
Art. 2º - O IHGMC tem como finalidade a promoção
de estudos e a difusão de conhecimentos de história,
geografia e ciências afins, do município de Montes
Claros e da região Norte de Minas, assim como o fomento da
cultura, a defesa e a conservação do patrimônio
histórico, artístico e cultural.
APRESENTAÇÃO
DA REVISTA DO IHGMC
No
trânsito da vida, a paciência é o passaporte
susceptível de assegurar-nos a livre passagem pelos acertos
e realizações, assim como pelos problemas e dificuldades.
Tudo depende do como concentrarnos no que há de melhor em
tudo e em todos, do como buscar o entusiasmo e a noção
de dever ante à comunidade e a história. Pequeno mundo
dentro de um grande universo, temos certeza de que existindo paz,
harmonia, amor e compreensão, refletiremos tudo de possível
e até de impossível para o mundo à nossa volta.
Agentes do pensamento, da paixão e dos sonhos, somos conscientes
de que a vida não passa de um instante ou de alguns instantes
em que empreendemos e realizamos coisas eternas.
Mais do que de máquinas, mais do que de inteligência,
de afeição e doçura, precisamos de humanidade,
virtude maior para iluminar o mundo e a vida. Precisamos nos lembrar
sempre de que a criatura humana é inteligência em transformação
incessante, ser interexistente da matéria e do espírito,
sempre a navegar pelo real e pelo imaginário, por registros
ou pela utopia, estes territórios sagrados do escrever e
do imaginar. Vale aqui lembrar as palavras do imortal poeta William
Shakespeare: "O tempo é muito lento para os que esperam,
muito rápido para os que têm medo, muito longo para
os que lamentam, muito curto para os que festejam. Mas, para os
que amam, o tempo é eternidade... " Vale valermo-nos
também das idéias do supra- Camões, Fernando
Pessoa: "O valor das coisas não está no tempo
que elas duram, mas na intensidade com que acontecem. Por isso existem
momentos
inesquecíveis, coisas inexplicáveis e pessoas incomparáveis.”
Ao
entregarmos aos nossos companheiros de Instituto e ao público
esta segunda Revista do IHGMC, desejamos dizer também que
chegamos com a determinação de marcar a História
no espaço e a Geografia no tempo, aprendizagem-ensino, registro
definitivo ou ensaio, dependente ou independentemente de quem o
faça, qualquer que seja a idade, o conhecimento e a experiência.
Quadro social já com 87 participantes, é até
agora o melhor que pôde ser arregimentado, desde 26 de dezembro
de 2006, data da fundação. Nada de paradas, nada de
indecisões, pois já estamos vivamente empenhados na
publicação, em outubro, do número três,
a Revista do Centenário de Godofredo Guedes, e, em dezembro,
do número quatro, para assinalar o nosso segundo aniversário.
Sempre trabalho e realização de muito amor.
Importante destacar a participação de muitos autores
e o esforço incontido do nosso Vice-presidente Dário
Teixeira Cotrim, coordenador em todas as horas desta Revista, da
arrecadação dos textos até a feitura gráfica,
inclusive com passagens pela digitação e pela revisão.
O trabalho do mestre Cotrim, meu padrinho e companheiro também
no Instituto Histórico e Geográfico de Minas Gerais,
é e continuará sendo importantíssimo para a
vida do IHGMC, assim como tem sido na Academia Montesclarense de
Letras e na imprensa de Montes Claros.
Aos companheiros, a todos os amigos que nos prestigiam, considerando-se
muito o apoio do prefeito de Montes Claros, dr. Athos Avelino Pereira,
ao nosso lado desde os primeiros momentos, nossos mais sinceros
agradecimentos.
Importante marcar afirmação com sábias palavras
do maior de todos os poetas da raça brasileira, Carlos Drummond
de Andrade: "A cada dia que vivo, mais me convenço de
que o desperdício da vida está no amor que não
damos, nas forças que não usamos, na prudência
egoísta que nada arrisca, e que, esquivando-se do sofrimento,
perdemos também a felicidade.”
Montes Claros(MG), julho de 2008
Wanderlino Arruda
Presidente
COLONIZAÇÃO
DA JAÍBA
Antônio Augusto Velloso
Artigo
extraído da Revista do “Archivo Público Mineiro"
de Direção e Redação de Augusto de Lima
- Ano VI, Fascículo I - Janeiro a Março de 1901, editada
em Belo Horizonte, na Imprensa Oficial de Minas Gerais.
Houve
um tempo, ainda não remoto, em que demais falouse acerca
de imigração e colonização em Minas.
Então fazia-se pela imprensa ativa propaganda da abolição
do cativeiro, resquício de barbaria subsistente nas instituições
do país.
E a idéia vitoriosa conquistava dia a dia novos adeptos,
convictos uns, outros vencidos pela força irresistível
da evolução.
Esta, porém, apenas antecipada pelo espírito revolucionário,
despertando o sentimento da humanidade inato ao povo brasileiro,
operou-se alguns anos antes da época em que necessariamente
havia de realizar-se.
Extinta, de fato, estaria a escravidão no Brasil, dentro
de um período relativamente limitado, estancadas as fontes
do poder dominical pelas leis que proibiram o tráfico e declararam
livres os denominados ingênuos, estas salutares providências
tinham sido acompanhadas de outras, igualmente eficazes, como a
criação do fundo de emancipação, a garantia
de favoresconcedidos
à liberdade e a animação das manumissões,
por diversos modos.
Mais tarde a libertação dos sexagenários viera
completar aquelas sábias medidas, já suficientes para
fazerem desaparecer, da única d'entre todas as nações
cultas, que ainda a mantinha, uma tal aberração das
leis naturais, que nem ao menos era positivamente reconhecida pela
pátria legislação, o que bem exprimia o velho
jurisconsulto português, escrevendo que "servi nigre
in Brazilia tolerantur, sed quo jure et titulo me penitus agnorare
fateor".
Era, pois, infalível a supressão de semelhante propriedade
anormal, repugnante aos princípios da moral e do Direito
natural, e incompatível com a civilização moderna.
Entretanto a solução do problema do chamado elemento
servil devia efetuar-se talvez passadas mais algumas dezenas de
anos, e foi contra esta dilação que se suscitou o
movimento precipite e tenaz que, depois de vários sucessos,
em pouco e muito antes que se esperasse, terminou pela memorável
lei da abolição, decretada em 1888.
Por esse tempo foi quando mais tratou-se do assunto de imigração
e colonização, no pensamento de substituir se por
estrangeiros os braços libertados, tornando-se menos sensível
o abalo por que se pressupunha terem de passar a lavoura e outras
indústrias do país, com a transformação
do trabalho, mormente nos grandes estabelecimentos agrícolas.
Mas parecia que não se cogitava de modo algum da colocação
desses milhares de brasileiros, novamente admitidos à comunhão
social, nem da coerção de tantos indivíduos
validos a adotarem uma profissão lícita, fiando-se
de certo somente nas disposições penais repressivas
da ociosidade, nunca executadas com a imparcialidade e rigor imprescindíveis,
por motivos assaz notórios.
Já
no ano anterior, a assembléia legislativa provincial havia
decretado, entre gerais aplausos e manifestações de
entusiasmo, uma lei autorizando o governo a auxiliar o serviço
de imigração e colonização na província,
mediante a indenização das despesas de passagem dos
imigrantes de determinadas procedências, com a criação
de núcleos coloniais nas zonas de estrada de ferro e nas
margens do Rio das Velhas, com a fundação da hospedaria
de imigrantes em Juiz de Fora e outros favores.
Era tudo quanto se podia então fazer, no regime de centralização
que vigorava, e ainda assim muito menos do que se havia feito em
São Paulo, no Paraná, em Santa Catarina e noutras
províncias, como apresto para atenuar o choque de transição.
Proclamada, porém, a república federativa, estatuiu-se
no art. 64 da Constituição que pertencem aos Estados
as terras devolutas situadas nos seus respectivos territórios,
a respeito de cujo direito, em conseqüência, teve o Congresso
Mineiro de legislar como dispõem as leis n. 27, de 25 de
julho de 1829, n. 173, de 4 de setembro de 1796, e n. 263, de 21
de agosto de 1899.
A primeira desta e o vigente regulamento nº 1.351, de 11 de
janeiro de 1900, definem quais as terras devolutas do Estado, entre
as quais se compreendem as que não se acham no domínio
particular por título legítimo e as que não
foram adquiridas por posse ou concessões, competentemente
legitimadas, confirmadas ou revalidadas.
De iguais terras, pois, tem o governo do Estado a
faculdade de dispor como possa melhor convir ao bem público,
a que de certo nada mais importa que proporcionar à numerosa
classe dos proletários, consideravelmente multiplicada pela
lei da libertação total, os meios de prover à
própria subsistência, por uma ocupação
honesta.
Para semelhante, patriótica e meritória obra de regeneração
dos costumes pelo trabalho livre, sempre se me afigurou
medida eficacíssima a concessão gratuita de lotes
de terras devolutas em certas condições aos indivíduos
desfavorecidos e capazes de se dedicarem à agricultura como
os redimidos por lei, fundando-se com este fim colônias de
preferência destinadas a nacionais.
Deste modo, ainda mais legitimar-se-iam toda energia e severidade
na repressão da vadiagem, sem tantas vezes coagir-se não
poucos infelizes a sujeitarem-se a uma nova servidão para
escapar à privação da liberdade imposta por
sentença.
Assim tem, atualmente, melhor oportunidade, ao que parece a reprovação
de uma desalinhada notícia, publicada há alguns anos,
em periódico sertanejo, sobre um trecho desconhecido do norte
de Minas, a propósito da conveniência, das vantagens,
senão da necessidade da fundação de colônias
de nacionais de aludida origem, o que se procurou demonstrar, naquela
predestinada região mineira.
Certamente a descrição corográfica de qualquer
parcela do território do Estado amolda-se ao programa desta
Revista, conforme foi traçado na lei da criação
do Arquivo e respectivos regulamentos; e é por isso que,
atendendo de bom grado ao convite honroso do ilustrado Doutor Diretor
e Distinto Redator desta importante publicação, acabo
de rever e refundir o que outrora havia esboçado, concernente
a um recanto quase inabitado, que imaginei pudesse vir algum dia
a ser um próspero e rico município, qual uma pequena
Libéria nos confins de Minas, para mais uma vez colaborar,
e ora com o presente modesto e singelo trabalho, neste precioso
repositório de tantas produções superiores.
Talvez que para o futuro, transformando-se em realidade uma utopia
de então como de hoje, o Estado de Minas conta novos e florescentes
distritos, constituindo uma nova circunscrição administrativa,
nas terras denominadas de Jaíba.
Situada no vale do rio Verde Grande, a parte de território
norte-mineiro por esse nome conhecida estende-se desde a foz do
Ribeirão do Ouro até a margem esquerda do Rio Verde
Pequeno e, além da confluência desta até a serra
de São Felipe, limite entre o antigo distrito de Morrinhos
do município de Januária e o de Santo Antônio
da Boa Vista no município de Contendas.
Lugares ainda muito pouco explorados ou inteiramente desconhecidos,
não se pode determinar, nem ao menos aproximadamente, o espaço
que compreendem aqueles ermos baixos e vazantes cobertas de florestas
imensas, matos virgens em toda acepção, nem aquelas
amplas chapadas, carrascos e tabuleiro agrestes, cuja monótona
uniformidade é apenas interrompida, de longe a longe, pelas
raras veredas, capões de pindaíba isolados, e esplêndidos
buritizais que comumente abrigam à sombra límpidos
mananciais e olhos d'água.
Entretanto calcula-se em mais de trinta léguas a distância
de sul a norte e, em pouco mais ou menos igual, a de leste a oeste
dessa extensa superfície de terras, ao que se presume devolutas,
as quais se dilatam pelos município de Contendas, Grão
Mogol e Boa Vista e, neste último, tocam a fronteira do Estado
com o da Bahia, conforme foi fixada pela ordem régia de 16
de março de 1720.
Ali, as terras de cultura para cereais, cana de açúcar,
mandiocas, trigo, algodão, fumo não podem deixar de
ser pelo menos tão férteis como todas as do feracíssimo
vale do Rio Verde, cuja prodigiosa uberdade é já bastante
conhecida, por serem lavradas, há longos anos, desde as nascentes
do mesmo rio, no município de Bocaiúva, e, na maior
extensão, no de Montes Claros.
Ali também os vastos campos, cerrados e caatingas mais afastados
das margens do rio Verde, e por onde correm permanentes córregos
e pequenos ribeiros, afluentes daquele, oferecem excelentes pastagens
nativas, capazes de nutrir muitos milhares de rezes e próprios
para toda espécie de criação.
Finalmente, conquanto não tenham sido ainda explorados aqueles
sítios, apenas raramente percorridos pelosmais
destemidos caçadores e vaqueiros extraviados, devem provavelmente
deparar-se cômodas e aprazíveis situações
para estabelecimentos rurais naquelas paragens, onde à agricultura
e à indústria pastoril poderão juntar-se outras
acessórias, como as extrativas, o curtume, o fabrico do fumo,
a pesca e a caça.
Efetivamente, madeiras de construção e de marcenaria
de todas as qualidades mais apreciadas e das maiores dimensões,
tais como produzirão árvores colossais, duas e mais
vezes seculares, poderão ser dali facilmente transportadas
em simples balsas pelo rio Verde Grande, navegável, como
se sabe e nota o moderno mapa de Minas de Chrocksatt de Sá,
até a foz do rio Verde Pequeno, e mesmo deste ponto acima,
por ajoujos e canoas, até portos mais próximos de
Montes Claros, no município desta comarca.
As grandes serras por ali disseminadas, como as de toda a região,
contêm, segundo todas as possibilidades, muitas lapas em que
se acham ricas jazidas de salitre, ainda intactas.
A mangabeira, de que se extrai a borracha, que tanta aceitação
tem encontrado nos mercados do país e que há muitos
anos constitui um dos artigos de maior exploração
do norte do Estado, deve ser abundantíssima em toda a vastidão
dos tabuleiros inexplorados daquele trecho de Minas.
É assim que a palha do buriti, de longas fibras flexíveis,
macias, claras, e que até agora somente são utilizadas
para cordas mui resistentes, chapéus e confortáveis
redes, poderá ser com vantagem empregada para vários
outros artefatos, como para substituir a palhinha comum nos móveis
de assentos.
A caça de todos os gêneros poderá igualmente
ser, durante longos anos, em tais estâncias, uma ocupação
rendosa pelo comércio das peles mais estimadas, como são
as da ariranha, da lontra, da anta, de diferentes variedades de
onças e veados, não se falando na infinidade de aves
e pássaros de saborosa e delicada carne.
Abelhas
de diversas espécies, que fabricam delicioso mel e quantidade
de cera, útil para tantos fins, no tronco das árvores,
nas frinchas das rochas e até no próprio solo, donde
se extraem com mínimo custo, proporcionarão mais um
elemento de vida fácil, uma agradável diversão
e regalo para todas as classes.
No Rio Verde e seus afluentes, é admirável a abundância
de peixe, que em vários pontos apanham-se nos grandes parís
e jequís, e cuja quantidade será suficiente para abastecer
as populações inteiras e formar carregamentos para
exportação, desde que a pesca seja ali uma indústria.
De quantas frutas silvestres alimentícias, cocos e palmitos
carregam-se anualmente as árvores e palmeiras tirarão
proveito os povoadores daquelas terras, que outros tantos recursos
hão de encontrar, nos primeiros tempos da colonização,
que far-lhes-hão até esquecer a agitação
da luta pela vida, cada dia mais penosa nos centros já adiantados.
Mas nem terão de ficar segregados das cidades e das outras
povoações, pois o São Francisco é regularmente
sulcado por navios a vapor e as comunicações com este
podem se estabelecer facilmente, pelo rio Verde, por meio de canoas
e ajoujos.
Abri-se-ão também logo boas estradas para as cidades
vizinhas, para Januária, Montes Claros e outros empórios
de comércio daquela zona com as praças do Rio de Janeiro
e da Bahia.
Entretanto, jazem completamente incultas e quase desertas as terras
designadas pela denominação genérica de Jaíba,
as quais presume-se com razão que sejam devolutas e
portanto do domínio do Estado; porquanto nenhum proprietário,
que conste, as possue e nem menos arroga-se alguém direito
à propriedade das mesmas.
Apenas reza uma vaga tradição que pelos anos de 1770
a 1771 vieram para o Brasil três portugueses irmãos
, que se passaram
para a Capitania de Minas, estacionando no arraial velho de Sabará,
onde um deles ficou, aí casando-se depois, e os outros seguiram
a vida aventureira dos primeiros colonos em busca de ouro.
Destes, dirigiu-se o mais velho para as minas do Rio das Mortes,
onde parece que fixou-se mais tarde, constituindo família,
na vila de São José, hoje a cidade de Tiradentes;
e o terceiro que era mais moço e talvez o mais intrépido
e ambicioso, internou-se com alguns companheiros para o norte da
capitania, à cata de minas, indo afinal ter à povoação
de Morrinhos na margem direita do São Francisco e pouco acima
da confluência do Rio Verde.
Aí tiveram esses arrojados sertanistas o roteiro de uma lagoa,
sita nas imediações da barra do rio Verde Pequeno,
e na qual havia imensas riquezas.
Partindo logo para esse outro eldorado, munido de armas e provisões,
e guiados por um velho índio manso, após várias
peripécias, através de brenhas inóspitas, chegaram
a reconhecer a existência da riquíssima lagoa, em cujas
bordas o ouro resplandecia a descoberto por toda parte.
Mas quando acampavam e dispunham-se a recolher quanto pudesse carregar
do cobiçado metal, foram de improviso atacados por uma avultada
horda de bugres, com os quais tiveram de sustentar luta renhida,
caindo mortos quase todos os da pequena companhia.
Somente o chefe e um companheiro conseguiram escapar, voltando ao
arraial de Sabará, onde contaram o prodigioso descobrimento
que haviam feito naqueles sertões
longínquos.
Aconselhado por pessoas do lugar, "bem pacatas", como
diz um manuscrito da época, que tenho à vista, o descobridor
tratou de requerer carta de sesmaria das terras onde encontrara
tamanha riqueza; mas antes que a obtivesse, veio a falecer em conseqüência
das febres malignas ou malinas, como então designavam as
intermitentes sezões que tinha apanhado na expedição.
Ignora-se, porém, se foi concedido ou não a sesmaria
requerida; e nem consta que jamais os irmãos do peticionário,
que foram troncos de numerosas famílias, dispersas pelos
municípios do norte e por outros do Estado, nem seus descendentes
procurassem averiguar semelhante negócio, o que já
seria todo extemporâneo.
É porque a Jaíba é, quase em toda a extensão
da área que compreende, inabitada, pois somente os contornos
que avizinham com as povoações adjacentes são
ocupados por uma gente que se descreve como semi-selvagem, vivendo
num estado pouco menos do primitivo, de natureza, em meia nudez,
sustentando-se principalmente de caças, pesca, palmitos,
e frutas silvestres.
Na alimentação ordinária desse povo excepcional
entra freqüentemente uma esquisita iguaria, preparada de carne
de veado e depois reduzida a fino pó, a que juntam mel de
abelha jataí, formando uma espessa massa pastosa, que aromatizam
com certas folhas escolhidas. Dizem que é um manjar que sabe
mesmo muito bem a qualquer paladar e pode conservar por muito tempo.
Mais fácil é avaliar as propriedades irritantes e
cáusticas de semelhante substância, a que dão
o nome de indígena de curumim.
É um fato singular esse regresso do homem civilizado à
vida selvagem, em certas condições mesológicas
porém digno de observação e certificado pelos
antropologistas e etimólogos, ao que afirmam Darwin e outros,
explicando-o pela tendência natural do indivíduo para
os caracteres dos antepassados.
E nem só nos habitantes da Jaíba nota-se um tal fenômeno
de reversão, que dizem apresentarem também os célebres
Serranos das Araras e a população de outros pontos
da vastíssima região mineira, chamada Vão do
Urucuia, confinando com Goiás, à margem esquerda do
São Francisco.
Apenas
os maiores dessa espécie de tribos, composta na totalidade
de pretos e mestiços, que são propriamente nômades,
mas não tem habitações regulares, cultivam
a mandioca, de que fazem farinha para o próprio consumo,
abóboras, melancias e plantas tuberosas, criam algum gado
vacum, cavalar e suíno.
Da vida civilizada muito pouco sabem, e só algumas leves
e confusas noções têm de religião, alterada
por práticas grosseiras e supersticiosas.
De tempos a tempos os Reverendos Párocos da Boa Vista, Januária,
Gorutuba e outros sacerdotes tocam aos lugares mais povoados da
Jaíba, aonde vão à desobriga dos moradores,
que para ali concorrem aos atos religiosos, batizando-os e casando-os;
ali tem havido exemplos de receberem o batismo adulto, homens e
mulheres maiores de vinte, trinta e mais anos.
Alguns, porém, vivem mais para o interior das terras e nenhum
sacramento jamais recebem, segundo supõe-se.
Mas os jaibanos mantêm, contudo, relações comerciais
com os que lá penetram, pelos sítios onde eles vivem
nas suas malocas: compram, vendem, ou trocam pelas mercadorias que
lhe levam, couro, salitre e outros artigos, fazendo raro uso da
moeda em suas transações.
No entanto riquezas, talvez incalculáveis encerram aqueles
matos virgens imensos, aquelas intermináveis vargens e campinas
em cujo âmbito se presume estar situada a formosa lagoa que
a crença popular denominou - lagoa dourada.
Fábula ou verdade, ela tem sido já por diversas pessoas
avistada, depois do descobrimento feito pelos primeiros exploradores,
a que neste escrito me referi.
Caçadores errantes e desviados campeadores que a viram deslumbrados
asseveram que as areias daquele maravilhoso lago de cerca de um
quarto de légua de circunferência, são de puro
ouro, que as águas repousam sobre um fundo de ouro. É,
não obstante, vulgar que todos os povos em todas
as regiões sempre imaginaram uma dessas assombrosas riquezas
ocultas, e que nunca se descobre; donde é de crer que a lagoa
dourada da Jaíba se explica apenas pela existência
do precioso metal em proporções mais ou menos ordinárias,
num qualquer daqueles lugares.
Esta era também a opinião de um reverendo Padre, homem
assaz instruído e observador inteligente, que por ali teve
que andar mais de uma vez no exercício do seu sagrado ministério,
e por quem me foram, há alguns anos, fornecidas, em grande
parte, as informações que serviram para esta ligeira
e tosca descrição.
Mas como quer que seja e abstraindo-se de mais este, as terras da
Jaíba oferecem todos os elementos para a fundação
de uma ou de diversas promissoras colônias, cuja idéia,
se ocorrer aos poderes públicos e for promovida à
realidade, há de trazer um importante melhoramento para o
Estado, pelo maior desenvolvimento da lavoura, pelo invento de novas
indústrias, pelo incremento do comércio fluvial do
São Francisco e pelo conseqüente aumento das rendas.
Talvez se objete que naquela zona são todos os lugares insalubres,
onde grassam febres epidêmicas; porém não são
mais do que as ciladas ribeirinhas de São Francisco, onde
florescem e prosperam muitas povoações e cidades,
debelando-se sem dificuldade a moléstia no tempo da epidemia,
cujo aparecimento mesmo tem se conseguido prevenir ou pelo menos
minorar.
Mandando, portanto, o governo verificar se, como se acredita, efetivamente
são devolutas as terras, ainda que se limitem às primeiras
providências ao processo de tombamento, medição,
demarcação e divisão das mesmas em lotes, e
sujeitando-as no regime comum das demais do domínio do Estado,
estarão dispostos os meios e lançados os fundamentos
para a futura colonização da Jaíba.
Ouro Preto, 15 de agosto de 1901.
Antônio Augusto Velloso.
DOCUMENTO
HISTÓRICO
Peça
oratória do Dr. João Antônio Pimenta de Carvalho
por ocasião da
grande manifestação popular de apoio ao Dr. Plínio
Ribeiro a uma vaga
na Câmara Federal.
(Documento do arquivo particular de Dário Teixeira Cotrim)
AS
LENDAS DE ITACAMBIRA
Amelina
Chaves
Cadeira N. 28
Patrono: Darcy Ribeiro
“Verdes
sonhos! É a jornada ao pais da loucura.
Quantas bandeiras já, pela mesma aventura...
Levada, em tropel, na ânsia de enriquecer.
Em cada tremedal, em escarpa, em cada brenha rude.
O luar beija á noite uma ossada,
Que vem a uivar de fome, as onças a remexer...
Sete anos, de fio em fio destramando o mistério,
Passo passo em passo, penetrando.”
(“Caçador de Esmeraldas”. Olavo Bilac)
"E
os olhos dos descobridores da terra brasileira não pouparam
o cenário ermo. Na paisagem magnífica habitavam raças
num estágio rudimentar, outras porém, já alcançando,
ou talvez conservando hábitos mais aproximados da nossa civilização.
Entre os indígenas havia excelentes canoeiros e habilidosos
flechadores, assombrosos na precisão dos seus arremessos,
não se livrando das certeiras setas “nem o gavião
no alto pairando, nem o pequenino pássaro voando”.
Para atingir o inimigo, ou a caça distante atirava por elevação,
descendo a flecha exatamente no ponto visado.
O espírito de vingança entre eles era cultuado com
a verdadeira fé. Mesmo os que não fossem antropófagos
tinham o prazer imenso em comer a carne dos seus inimigos, vingando-se
das ofensas feitas à tribo...”.
(Brasiliano Braz... Livro, Pelos Caminhos do São Francisco)
Dentro
deste mundo mágico dos primeiros donos das terras chamadas
mais tarde de Brasil, já povoadas também pelos deuses
e gênios imaginários, eles já possuíam
crenças, lendas e mitos para desvendar os mistérios
e dar definições de todos os fenômenos da natureza.
Assim, criavam um universo cultural próprio, onde os espíritos
da mata e os gênios do rio adormecem e levantam com eles,
sempre regendo o destino da tribo.
Era comum, em noite de lua clara, o velho pajé, reunir sua
gente junto aos desbravadores, para contar a história do
seu povo.
Postava de cócoras em volta de uma grande fogueira e com
voz soturna e pausada falava aos presentes, homens, mulheres e crianças,
que ouviam atentos, aguçados pela curiosidade: - “Contavam
os meus antepassados, que viviam nestes confins esquecidos... Aqui
existia uma serra diferente de todas as outras, era de uma beleza
sem igual, era toda verde resplandecente e brilhava até mesmo
nas noites de escuridão, iluminado tudo em sua volta. Diziam
os mais velhos que sua cor verde e o brilho que emanava vinham das
pedras verdes chamadas esmeraldas”. Essa serra das mil e uma
noites ficava à margem de uma misteriosa lagoa chamada pelos
antigos moradores de – Lagoa Vapabucu. Todos da tribo, do
menor ao mais idoso, sabiam que as pedras que cobriam a serra eram
os longos cabelos de IARA a mãe d'água, uma linda
sereia que enfeitiçava todos os homens.
A serra era sagrada para eles. Intocável pela mão
humana, porque era a morada da belíssima sereia. Lá
ela dormia e não podia ser acordada. Ninguém podia
tocar nas pedras verdes. Para arrancá-las teria que acordar
e, mesmo dormindo, ela velava pela aldeia, protegendo-a de todos
os males. Acordá-la seria a morte. Sua presença também
enchia tudo de beleza.
Aconteceu que numa noite escura, o silêncio foi cortado pelo
ruído de muitos pés. Os membros da tribo se entreolharam
assustados, quando ouviam também, trazidas pelo vento, vozes
estranhas
e incompreensíveis para eles. Com os olhos arregalados eles
viram as trilhas e clareiras serem invadidas por um grupo de homens
desconhecidos sob o comando de um senhor mais velho, que, decidido,
pisava no cascalho com segurança. Calçava as longas
e pesadas botas de couro, protegendo a cabeça um grande chapéu
de abas largas e cingindo a cintura um largo cinturão de
balas. No rosto sério, um olhar percrustador de quem busca
todos os segredos da mata. A espessa barba, já grisalha,
dava-lhe um ar de austeridade... Assim foi a chegada do bandeirante
Fernão Dias Paes no sertão de Itacambira, conforme
um velho índio nos contava.
Só que os bandeirantes vinham de terras distantes, possuíam
uma cultura diversa, sem conhecimento do folclore em que baseavam
os moradores. Eram descrentes das lendas e mitos contados pelo velho
pajé. Os bandeirantes intrépidos e predestinados estavam
surdos e cegos aos temores dos habitantes da terra. Dominados pela
cobiça, avançaram para a serra dos sonhos com sofreguidão.
Com mãos firmes empunharam as
ferramentas e golpearam a serra sagrada arrancando punhados de pedras
verdes “ QUE PARA OS PRIMITIVOS ERAM MECHAS DOS CABELOS DE
IARA, A MÃE-D ÁGUA “
Em vão tentaram convencer o grande desbravador de que seu
gesto impensado iria trazer desgraça para si e toda a região,
fato em que ele não acreditava. Porém os males previstos
pelos bugres recaíram sobre o corajoso bandeirante. Poucos
meses depois, o castigo não se fez esperar. Foi vitimado
por uma violenta febre, desta que é chamada popularmente
“de pelar macaco”. Seu corpo era tomado por constantes
tremores, e sua mente possuída por fantasmas, passando a
viver um pavoroso clima de delírio. A febre devorava seu
corpo e lentamente foi definhando. Fernão Dias Paes jazia
num catre improvisado e sem forças, agonizava.
Os índios, ao verem a cena, aglomeravam-se pelos cantos dos
casebres, medrosos, olhares assustados, comentavam entre si: Febre?
Não. Castigo... Para quem tentou roubar o sono, ou
a vida de uiara, ela não perdoou o gesto de arrancar punhados
dos seus cabelos.
Desgrenhado, enlouquecido, Fernão Dias Paes, na beira de
um grande rio, passava as noite gritando pelas sonhadas esmeraldas.
Em delírio, via entre os dedos trêmulos longas mechas
de cabelos verdes. Fernão Dias morreu e os índios
dançaram e cantaram alegremente, porque uiara, a mãe-dágua,
vencera... E os gênios da mata dormiram em paz.
Para os bugres, mais uma vez venceram as suas crenças. O
castigo era certo para quem tentasse acordar a sereia de cabelos
verdes. Para o poeta, as lendas viram poesia e a alma se solta em
grandiosos versos.
Fernão Dias agonizava... Um lamento,
Choro longo, a rolar na longa voz do vento.
Mugem soturnamente as águas, o céu arde.
Transmonte fulvo o sol, e a natureza assiste.
Na solidão, na mesma hora triste.
A agonia do herói e à agonia da tarde.
Piam perto, na sombra, as aves agoureiras.
Silvam as cobras, longe as feras carniceiras
Uivam nas lapas. Desce a noite como um véu...
Pálido, no palor da luz, o sertanejo
Estorce-se no credo o derradeiro arquejo.
Fernão Dias Paes agoniza e olha o céu.
(O Caçador de Esmeralda... Olavo Bilac)
MONTES
CLAROS SOB OS OLHOS DA ARQUITETURA –
INSERÇÃO DA OBRA DE ANTÔNIO AUGUSTO
BARBOSA MOURA
Antônio Augusto Pereira Moura
Cadeira N.12
Patrono: Antônio Teixeira de Carvalho
A
formação da cidade de Montes Claros se assemelha àquela
formação tradicional das cidades coloniais brasileiras,
onde as famílias de melhor poder aquisitivo constroem seus
sobrados e casarões nos arredores da igreja na praça
principal. Com o crescimento do comércio e o desenvolvimento,
são abertas novas ruas e acessos numa malha reticulada bastante
tradicional. A expansão da cidade fez com que a área
de comércio central fosse se ampliando, desta forma as antigas
residências localizadas nestas áreas passaram a ser
utilizadas para o comércio e as áreas residenciais
foram se afastando do centro, para as chácaras no entorno.
O processo de urbanização pelo
qual a cidade passa é semelhante às demais cidades
médias brasileiras, onde praticamente toda a população
encontra-se vivendo nas cidades.
A
cidade tem sua origem atrelada à ação das bandeiras
paulistas, por Antônio Gonçalves Figueira que, em busca
do ouro, no século XVIII, formou três fazendas na região
e uma delas, à margem do Rio Verde, de nome Montes Claros.
O desenvolvimento desta fazenda e abertura de estradas para expandir
o comércio de gado deu origem ao Arraial das Formigas,que
foi crescendo e prosperando na região. Primeiro, arraial
das Formigas, depois Arraial de Nossa Senhora da Conceição
e São José de Formigas, Vila de Montes Claros de Formigas
e por fim cidade de Montes Claros. Iniciou-se assim, em local diferente
da sede de Antônio Gonçalves Figueira, em torno da
Capela erguida por José Lopes de Carvalho. A emancipação
política ocorreu em 13 de outubro de 1831, quando a cidade
contava com pouco mais de 2000 habitantes.
Figura 01 - Matriz de Nossa Senhora da Conceição
e São José – Foto do autor
____________________________________________
16
- Mineiro de Montes Claros é Arquiteto Urbanista, formado
pela UFMG em 1997 e Mestre em
Geografia (Tratamento da Informação Espacial) pela
PUC-MINAS em 2002. É Professor
Universitário desde 1998 e Coordenador do Curso de Arquitetura
e Urbanismo das Faculdades
Santo Agostinho.
17 - Ver Amorim Filho (1984) sobre cidades médias.
Montes
Claros, segundo Anete Pereira (2003) desde o início do século
passado, já era conhecida como a capital do sertão
mineiro.
Quanto à arquitetura, Montes Claros apresenta um fenômeno
bastante curioso: uma ornamentação autóctone
de uma cidade isolada que se cristalizou em um estilo local. Frisos,
cunhais, pilastras com capitéis trabalhados em relevo lembram
por vezes o romântico, mas no geral fogem de qualquer influência
tradicional ou barroca, sendo de forma, composição
e execução primárias ou bárbaras.
De modo geral, a arquitetura religiosa em Minas apresentou algumas
peculiaridades. A ausência de congregações que
se responsabilizassem pelas unidades religiosas transferiu para
o povo a concretização de uma arquitetura de grande
vulto. Em Montes Claros, a correspondência entre a arquitetura
religiosa e o organismo social são bem evidentes na Matriz
de Nossa Senhora da Conceição e São José
(antiga capela erguida por Lopes de Carvalho) (Figura 01). Esta,
como dito anteriormente, foi
iniciativa de um único indivíduo que se uniu a outros
para a afirmação da povoação nascente
e ponto de referência.
A arquitetura residencial já se caracterizou por acompanhar
as necessidades da época e do lugar.
O
Palácio Episcopal, (Figura 2) datado do final do séc.
XIX juntamente com o Casarão dos Oliveira (Figura 3) apresentam
algumas características semelhantes. Os altos pés
direitos permitem aproximar em equivalência a altura e a largura
dos edifícios; cimalhas emolduradas, soco, barras salientes
e faixas divisórias de andares horizontais contrariam o verticalismo
presente nos vãos, altas portadas e pilastras. Essa equivalência
dá ao conjunto uma solidez estática, pesado num prenúncio
ao neoclassicismo.
Figura 02 - Palácio Episcopal – foto
do autor
Figura
03 - Casarão dos Oliveira – foto do autor
Destacam-se
ainda as janelas rasgadas por inteiro, providas de sacadas (o casarão)
ou parapeitos entalados com balaústres (no palácio)
multiplicando o verticalismo da construção.
O sobrado, datado de 1920 a 1930 (figura 04) ilustra as novas soluções
que aparecem durante o século XIX. A construção
se afasta do alinhamento da via pública e o volume começa
a se movimentar perdendo o caráter robusto e estático.
Os ornamentos se diferenciam e os vãos são coroados
de formas diversas.
Figura
04 - Sobrado – Praça Dr. Chaves - foto do autor
Figura
05 - Residência – Esquina Rua D.Pedro II – Rua
Camilo Prates - foto do autor
Já
no último exemplo do final da década de 1950 da esquina
da Rua D.Pedro II, (figura 05) destacam-se alguns elementos importantes.
As colunas são elementos ecorativos.
Aparecem também cobogós e brises e os jardins passam
a receber um tratamento formal, protegidos do exterior por grades
e portões de ferro.
Enfim, cria-se uma arquitetura variada, misturando estilos e tendências,
mas bastante característica do lugar. É iniciada a
abertura de espaço para o modernismo na arquitetura adentrar
na cidade com os novos arquitetos recém formados na capital,
que voltam para o interior e procuram colocar em prática
as tendências modernistas tão discutidas na academia
e já experimentadas nos grandes centros.
Para descrever um pouco do modernismo da Arquitetura em Montes Claros,
optou-se por pesquisar a obra do Arquiteto Antônio Augusto
Barbosa Moura.
A
Arquitetura desenvolvida em Montes Claros e região por Antônio
Augusto Barbosa Moura já se tornou parte integrante da história.
Ele contribuiu de forma definitiva para a afirmação
de uma produção de cunho moderno na cidade de Montes
Claros e nos seus arredores no interior do Norte de Minas.
O arquiteto apresenta em seus projetos novos conceitos e formas
ainda pouco exploradas na região e consegue aliar uma nova
linguagem e um novo repertório de formas às peculiaridades
locais. Suas experiências e trabalhos se desenvolvem num processo
contínuo de evolução que confere uma unidade
no seu trabalho e permite a identificação de fases
e momentos. Explora uma linguagem arquitetônica rica, cheia
de
recursos formais articuladas à pesquisa e o uso de materiais
diversos como vidro, concreto, cerâmica e madeira conseguindo
resultados racionais práticos que demonstram uma preocupação
estética aliada à criatividade e a inovações
para a região.
Figura 06 - Antônio Augusto Barbosa Moura
Natural
de Montes Claros nascido em 07 de outubro de 1941, Antônio
Augusto Barbosa Moura é filho de Antônio Máximo
de Moura e Maria da Conceição Barbosa Moura. Inicia
em 1961 o curso superior de Arquitetura e Urbanismo na Escola de
Arquitetura da UFMG, graduando-se em 1965.
Logo após a graduação, viaja para a Europa,
buscando um aperfeiçoamento e uma complementação
da sua formação profissional. Faz curso de especialização
na Universidade de Milão em Urbanística Técnica,
além de cursos de língua na Universitá Italiana
per Stranieri, Perugia, Itália e curso de inglês em
Cambridge na Inglaterra. Sua grande oportunidade foi o estágio
em Milão com o Arquiteto Ângelo Mangiarotti (1921),
atualmente um dos maiores Arquitetos do século 20 na Itália,
atuando nas áreas de Urbanismo, Arquitetura e Design. A experiência
na Europa num período bastante rico em termos de movimentos
sociais de renovação na arquitetura e o contato com
um dos mais renomados arquitetos italianos contemporâneos
podem ser a explicação para que o arquiteto tenha
desenvolvido um trabalho de qualidade indiscutível e já
reverenciada por vários profissionais estudiosos da Arquitetura
Moderna Brasileira.
Retorna ao Brasil em 1968, inicia de imediato o trabalho como arquiteto
em sua cidade natal, Montes Claros.
Para que se pudesse aferir com mais precisão a quantidade
de projetos de sua autoria, seja em conjunto com outros colegas
ou individuais, foi feita uma pesquisa nos arquivos da Prefeitura,
com a família, amigos e colegas de trabalho, coletando material
ao longo dos anos. Chegou-se a um número de quase uma centena
de edificações em um período de treze anos
de trabalho. Foram cerca de 70 residências para algumas das
mais tradicionais famílias da cidade, obras comerciais e
públicas em Montes Claros, além de diversas outras
cidades do Norte de Minas Gerais, como Bocaiúva (Igreja de
Nosso Senhor do Bonfim), Salinas (Clube Campestre), Espinosa (Mercado
Municipal), além de algumas residências na capital
mineira. Paraos
anos de 1970 é um número bastante expressivo. Por
volta de 1980 o arquiteto passa a executar obras também para
o Estado de Santa Catarina, nas cidades de Tubarão e Laguna,
em função da Construtora do seu irmão João
Gilberto, paralelo a obras em Montes Claros, até 23/02/1982,
quando faleceu.
O arquiteto foi um dos desbravadores do recém iniciado Bairro
Todos os Santos, além de obras em várias regiões
da cidade. Antônio Augusto Barbosa Moura presidiu a AREA –
Associação Regional dos Engenheiros, Arquitetos e
Agrônomos do Norte de Minas, de 1972 a 1974, recebendo homenagem
póstuma em 1985, nas comemorações dos 20 anos
da Entidade, pelos serviços prestados. Como exemplo do seu
vasto trabalho, a figuras 07, 08, 09 e 10 apresentam um croqui de
uma residência e três fotografias que demonstram as
características e linhas arquitetônicas que lhe são
peculiares.
Figura 07 - Croqui de residência dos anos de
1970
As
obras mostram um arquiteto no início do seu trabalho fortemente
influenciado por uma formação nos moldes modernistas
da época pós-Brasília e vindo de uma Europa
também passando por revoluções. A opção
é sempre pela cobertura em laje plana impermeabilizada ou
coberta por telha em fibrocimento oculta por platibanda. Esta platibanda
toma várias formas de acordo com o partido adotado. Outro
elemento compositivo é o uso das vigas aparentes que são
conjugadas à platibanda,
além da variação da cor e dos materiais na
marcação dos planos da edificação. A
preferência pelo uso de pedras naturais, panos de vidro e
revestimentos cerâmicos é notória e evidente.
O paisagismo é também marcante. A utilização
de alguns tipos de vegetação como agaves, arecas bambu,
bromélias, dracenas, etc., evidencia a conjugação
da arquitetura e o paisagismo, além da preocupação
com o entorno. Há uma preocupação com a simetria
na composição das fachadas. O equilíbrio entre
os elementos que fazem parte do repertório formal do arquiteto
é observado quando se repara a disposição das
aberturas, vãos, materiais e outros elementos.
Figura
09: Residência João
Godinho - Bairro São José
Foto: Lucília Teixeira |
Figura 08: Residência Antônio Carlos
Amaral - Bairro Todos os Santos
Foto: Lucília Teixeira |
Figura 10: Residência José Carlos
Gomes - Bairro Todos os Santos
Foto: Lucília Teixeira
Já
se vão 25 anos desde o falecimento do arquiteto. No entanto,
a sua vida profissional, marcada por esses 13 anos de intensa atividade
em Montes Claros e região, é aqui retomada no realce
da sua obra. Esse tempo identifica-se com um período de intenso
crescimento econômico e um processo de desenvolvimento que
consolida Montes Claros como um dos mais importantes polos culturais
do estado e, marcadamente, todo o Norte de Minas. Assim, pode ser
ressaltada no trabalho de Antônio Augusto uma contemporaneidade
com o melhor da produção arquitetônica em Minas
Gerais, comprometida com uma visão de mundo cosmopolita,
ao mesmo tempo em que é evidenciado um modo-de-ser identificado
com os valores regionais, que marca a qualidade de seu trabalho.
Buscou- se aqui configurar uma trajetória de dedicação
e compromisso que o arquiteto teve para com a arquitetura, com sua
profissão e sua cidade. Para ele, a beleza da arquitetura
sempre esteve no processo contínuo de transformação
do espaço e nas possibilidades de se participar desta transformação.
A cidade é para ser vivida, mas é também uma
representação da vida que se tem e que se quer. Daí
a percepção que o trabalho de Antônio Augusto
Barbosa Moura faz parte da história de Montes Claros e é
algo que precisa ser registrado, como também todos aqueles
com relevante produção.
BIBLIOGRAFIA
AMORIM FILHO, Oswaldo B. Cidades Médias e Organização
do Espaço no Brasil. Revista Geografia e Ensino, Belo
Horizonte: n.5, p.5-34, Junho, 1984.
BRUAND, Yves. Arquitetura Contemporânea no Brasil. São
Paulo; Perspectiva, 1981.
MOURA, Antônio Augusto Pereira, HERSMDORFF e PRATA, Mariana.
Morphological Analysis and Urban Intervention in a Piece of
Montes Claros: The Conferência Cidade
Cristo Rei In: International Seminar on Urban Form, 2007, Ouro
Preto
MOURA, Antônio Augusto Pereira. A Arquitetura de Antônio
Augusto Barbosa Moura. Montes Claros: Fundação
Santo Agostinho, 2007.
PEREIRA, Anete Marília; SOARES, Beatriz Ribeiro. Tendências
e Problemas da Urbanização de Cidades Médias:
O Caso de Montes Claros. In: Prefeitura Municipal de Montes
Claros. http://www.montesclaros.mg.gov.br
PADRE
ADHERBAL MURTA DE ALMEIDA
Dário Teixeira Cotrim
Cadeira N. 93
Patrono: Simeão Ribeiro Pires
A
cidade de Montes Claros está de luto. Estamos todos nós
de luto. Morreu o ilustre cônego Adherbal Murta de Almeida.
Agora os seus companheiros e confrades da Academia Montesclarense
de Letras e do Instituto Histórico e Geográfico de
Montes Claros, amigos de momentos inesquecíveis e de memoráveis
lutas em favor da literatura e da história montesclarense,
profundamente feridos, preferem ficar diante de seu corpo inerte
e em pleno silêncio. É assim porque a sepultura é
berço mudo de onde as almas sobem, e sobem em silêncio,
para a morada eterna.
É o silêncio da dor que a própria dor nos impõe.
É o silêncio frio, calculista e que machuca os nossos
corações na calada das câmaras ardentes. Se
a cruel realidade não fosse tão irrecusável,
diríamos que não é o seu corpo que repousa
imobilizado neste esquife fúnebre todo envolvido em meio
às inebriantes flores. Diríamos mais, não houvera
morte alguma em definitivo, apenas uma mudança de endereço:
a morada do Pai eterno. Quiçá a sua presença
no céu seja mais interessante e muito mais necessária
do que aqui na terra! Afinal, tê-lo sempre por perto há
de ser um lenitivo para as angústias que maldosamente envolvem
a alma de todos nós pobres pecadores.
Por
isso, ao chorar a morte do cônego Murta de Almeida, fazemos
com a emoção de quem perde um verdadeiro amigo, um
dos mais eruditos neste momento histórico da nossa querida
cidade de Montes Claros.
O cônego Murta de Almeida não foi dos que poderiam
recolher-se, pela avançada idade, a uma vida claustral. Ao
contrário, ele participava com entusiasmo e alegria de todas
as atividades literárias e religiosas da nossa comunidade.
Era presença esperada, sempre. Ele acreditava que a vida
e a morte se resumiam apenas num mesmo sonho: o sonho do homem em
estado estertor maravilhado com o alvorecer de um novo dia. Ai!
Morrer às vezes torna-se uma coisa bonita e fica a impressão
de que a morte não existe. O melhor mesmo é nunca
se esquecer de que, além da morte, há uma esperança
num facho de luz.
Melhor dizendo: infelizmente o cônego Murta de Almeida morreu,
sim, senhor. E podemos até afirmar categoricamente que a
sua morte, para nós, foi muito cruel. A propósito,
a morte não só o tirou fisicamente do nosso convívio,
como também aniquilou quase um século de história
em prosa filosófica e em poesia relativamente lógica.
Mas, espiritualmente a sua presença será perene e
eterna, assim como o archote luminoso da incessante esperança.
Nos pórticos da egrégia Academia Montesclarense de
Letras o cônego Murta de Almeida ocupava a Cadeira 42, que
tem como patrono o cônego Carlos Vincart. No Instituto Histórico
e Geográfico de Montes Claros ele foi o fundador da Cadeira
99, que tem como patrono Waldemar Versiani dos Anjos. Com o mesmo
pesar com que escrevo esta crônica para prestar-lhe uma última
homenagem, desejo, ainda, acentuar aos distintos confrades que na
sua posição de eminente educador e acadêmico
das letras, soube cumprir com retidão e com responsabilidade
os deveres didáticos e eclesiásticos.
Não obstante a clarividência da morte, o temos vivo
entre nós! Porque o seu espírito dinâmico e
as suas palavrasponderadas,
seguras e firmes, espelham muito bem a simplicidade cativante do
seu coração generoso. Entretanto, por ironia do destino
o cônego Adhebal Murta de Almeida veio a falecer no dia oito
de março - Dia Internacional da Mulher – o que deverá
ficar registrado em sua lousa dourada. Aliás, o escritor
Felix Pacheco, na sua obra Janela Dourada disse que “o alicerce
do mundo está nas lousas”. O seu nome, portanto, aí
já está presente numa dourada lousa, porque ingressou
no panteão onde moram aqueles que bem souberam servir e dignificar
a terra em que nasceram.
Dário Teixeira Cotrim e o Cônego Adherbal
Murta de Almeida
RESTAURAÇÃO
DA ARTE DE GODOFREDO GUEDES
NO ANO DO SEU CENTENÁRIO
Felicidade Patrocinio
Cadeira N. 20
Patrono: Camilo Prates
O QUADRO DE NOSSA SENHORA DA ASSUNÇÃO DE
GODOFREDO GUEDES
O
reconhecimento de que uma sociedade voltada para a arte e a cultura
se alimenta e vive das imagens e expressões simbólicas
que abriga e põe em circulação levou-nos à
busca amorosa da restauração da pintura de Nossa Senhora
da Assunção de Godofredo Guedes, o primeiro grande
pintor de Montes Claros, cognominado “o pai das artes “da
cidade. Trata-se de uma belíssima obra de arte de tamanho
2,10 por 1,53ms
pertencente à arquidiocese de Montes Claros e que se encontrava
na parede da sala de entrada do Seminário Diocesano do Imaculado
Coração de Maria.
Como professora de Estética do Curso de Filosofia desse Seminário
tivemos acesso ao belo quadro, diante do qual nos postamos em reverência
à beleza da sua composição e cores. Datado
no ano de 1940 e assinado pelo seu autor Godofredo Guedes, o quadro
apresentava sinais evidentes de destruição, devido
ao contato com o público que nele deixou inscrições
a tinta de caneta, sinais de tentativa de recuperação
inadequada, efeitos danosos de fungos e o pior, rasgos, que a partir
da secura da tela e tintas, causada pelas ações do
tempo e espaço e pelos toques de mãos e dedos de contempladores
irresponsáveis, resultaram em buracos, alguns pequenos e
outros grandes. Numa observação mais aprofundada,
descobrimos os olhos dos anjos com pequenas perfurações
bem ao centro das pupilas.
Todo
o meu ser foi tomado de amor pela obra. O contato com tão
importante expressão artística para a história
das artes plásticas de Montes Claros, motivou-me a reflexão
do anacronismo das imagens tão apontado contemporaneamente
pelos historiadores da arte. Reflexão esta que fortaleci
nas palavras de Maurice Halbwachs, que disse ser “impossível
compreender que pudéssemos recuperar o passado se ele não
se conservasse, com efeito no meio material que nos cerca”
(Halbwachs, Maurice. A Memória Coletiva. São Paulo.
Vértice.1990, pág. 237). Entregue àquela reflexão
e buscando fortalecer a minha vontade, estendi o meu olhar a esse
mundo contemporâneo, o mundo das imagens passageiras que apontam
o paradigma de incessantes rupturas e descartabilidade.
Interessante é que, quanto mais eu adentrava à estética
do quadro, mais eu adentrava a minha essência vital, aquela
da necessidade de convivência com o Belo e do reconhecimento
de que sou um ser de memória, apesar de habitar a era do
descartável.
Emocionada, atualizei a lembrança das palavras de George
Didi-Huberman (DIDI-HUBERMAN, Georges. Devant le temps. Paris. Minuit.1990,
pag. 235). Trad. feita pela autora do artigo). ”Diante de
uma imagem, enfim, nós temos humildemente que reconhecer
o seguinte: que ela provavelmente nos sobreviverá, que nós
somos diante dela o elemento frágil, o elemento de passagem
e que ela é diante de nós o elemento do futuro, o
elemento da durabilidade. A imagem temfreqüentemente
mais memória e mais futuro do que aquele que a olha”.
A partir daí senti-me responsável pela obra. Consciente
de que os bens artísticos são testemunhos vitais,
consciente de que a “arte é a assinatura do homem na
história” (Chersterton) e que a sua moldura é
a cultura que a inspirou, concluí que a função
da obra de arte ainda é a da imperecibilidade. Nela, está
presente a relação do homem com a sua verdade, ela
é o reflexo do seu ethos.
Se é verdade que uma cultura toma consciência de si
através dos seus sinais e símbolos, dentre estes destaca-se
a arte. Concluí mais, que apesar de toda a mudança
ocorrida na percepção humana, ainda é necessário
um olhar no passado para
nos compreendermos e nos estruturarmos sem alienações.
E a arte não só conserva o passado, como também
revitaliza o presente.
O meu coração bateu forte e então assumi definitivamente
a responsabilidade pela restauração da obra. Ela não
só pertencia àquele Seminário, que no momento
não tinha condições de arcar com as despesas
do trabalho, mas pertencia a mim também, a toda a sociedade
de Montes Claros.
Restaurar
é, e seria, guardar, resguardar. Conservar aquilo que pertence
a todos devido a sua identidade, memória e história.
Seria conceder às futuras gerações as sementes
de vida que afloraram no passado e que devido a sua beleza e força
se fazem eterna presença. Iniciei as providências.
Primeiro um levantamento do histórico daquela obra.
A OBRA
Inspirado talvez, numa das Virgens de Estebão Murilo (conforme
pesquisa do pintor Afonso Teixeira), essa pintura de Godô,
medindo 2.10 cms altura X 1.54 cms largura, de acordo com a sua
iconografia nos reporta à Assunção de Maria
aos céus, ou à Nossa Senhora da Assunção.
No alto e por trás da sua cabeçaum
grande clarão (um amarelo fantasticamente luminoso), de acordo
com a Bíblia no Apocalipse”: mulher revestida de sol,
tendo aos pés a lua”. Olhos para o alto, mãos
cruzadas sobre o peito, em oração, vestes e mantos
diáfanos em movimento, nas cores azul e branco. Aos pés,
anjos em movimento harmonioso elevando-a para o alto. Quanto ao
estilo de representação, como conclusão da
discussão que desenvolvi com especialista na área,
o montesclarense Afonso Prates, graduado em Restauração
pela Universidade de Ouro Preto, chegamos à conclusão
de que apesar do artista Godofredo Guedes sempre se definir como
um clássico e acadêmico, nesta figuração
tendeu mais ao Barroco, apesar da presença de sinais clássicos.
De acordo com apreciadores, pode-se dizer que a pintura de Godofredo
Guedes divide-se em duas “águas”. Aquela da pintura
feita sob encomenda, à qual emprestava todo o seu talento
e aptidão, geralmente retratos, casarios do patrimônio
histórico da cidade, naturezas mortas e santos, e a pintura
que fazia nas premências das necessidades financeiras, para
vender imediatamente e fazer dinheiro para as despesas da grande
prole, geralmente paisagens, esta, uma arte mais ligeira, no entanto
de qualidade também.
Dentro
destes aspectos conclui-se que a Nossa Senhora da Assunção
referida é uma obra de encomenda.
Entrevistei o Monsenhor Ozanan Maia ex-reitor do Seminário
(em 16-04-008), que a acompanha há tempos. Não sabendo
quem a encomendara, deu-me o nome do bispo de Montes Claros da época
da sua execução, ano de 1940, Dom João Antonio
Pimenta, que habitava o Palácio da então diocese,
construído nesta cidade na Praça Dr Chaves no ano
de 1917. O Monsenhor Ozanan conheceu o quadro no ano de 1957, quando
começou a estudar no Seminário que era na Avenida
Coronel Prates, onde depois foi prefeitura de Montes Claros e hoje
é o mais novo Supermercado Bretas da cidade. Naquela época
o quadro ficava em um cavalete ao lado do palco onde os alunos faziam
concursos de oratória, peças teatrais sobre as cruzadas
cristãs, fato este que comprova uma constante manipulação,
devido à limpeza do ambiente e organização
de cenários. Lá permaneceu até o ano de 1968,
quando foi fechado o Seminário e Dom José Alves Trindade,
bispo da época, levou-o para o seu palácio à
praça Dr. Chaves, onde ficou até o ano de 1996, quando
novamente retornou ao Seminário, então com entrada
pela rua Reginaldo Ribeiro. Ficou lá até o ano de
1998, quando foi transferido para o prédio atual do Seminário
Diocesano do Imaculado Coração de Maria, no Bairro
Ibituruna, onde está até hoje.
O ARTISTA GODOFREDO GUEDES
Godofredo Fernandes Guedes, apelidado Godô, compositor, instrumentista,
louthier e pintor, chegou a Montes Claros no início, da década
de 30 e se fez montes-clarense. Viera de Riacho de Santana, Bahia,
onde nascera a 15 de Agosto de 1908, casou-se com Júlia de
Castro e teve 8 filhos, muitos deles nascidos em Montes Claros,
dentre eles o famoso cantor e compositor Beto Guedes. Fez-se conhecido
pela pluralidade da
sua arte. Como compositor, de acordo com a crítica, ele passeia
por vários gêneros com facilidade, sem perder a musicalidade
própria. Dentre as suas composições encontram-se,
além de marchas e valsas, muitos chorinhos. Deixou mais de
160 partituras, muitas delas ainda inéditas para o público.
Como instrumentista foi clarinetista de incrível bom gosto,
enquanto a maioria usava mais o piado do instrumento ele priorizava
o grave, tocava também o saxofone e o violão. Tocava
à noite no melhor bordel da cidade.
Como pintor se identificava como acadêmico, clássico,
purista. De acordo com entrevista que fiz ao escritor Wanderlino
Arruda sobre este mestre da pintura (entrevista feita no ano de
2002 na casa do entrevistado), dentre as regras que ele se impunha,
era quase lei o traço partir sempre da esquerda para a direita,
como na escrita e de cima para baixo, deixando nesta seqüência
as partes prontas. Fazia a linha reta à mão, não
admitia réguas. Só admitia pintar com a tela sobre
o cavalete. Tinha muitos pincéis velhos; a cada um, uma função.
Conhecia todas as cores e, providenciando misturas, fabricava suas
tintas, no entanto admitia que não conseguia fabricar o amarelo
e dois tons de verde. Usava óxido de zinco chinês,
pó xadrez, óleo de linhaça, verniz poliuretano,
pitadas de secante em pó, entre outros materiais. Cozinhava
algumas misturas para obter consistência, brilho, secagem
rápida. Ele próprio fazia também a tela e a
moldura. Quanto à sua relação com os artistas
da época, ensinou ao Wanderlino Arruda a arte da pintura,
mas não a ensinou aos filhos, mesmo assim o seu filho Hélio
herdou a facilidade com os pincéis. Dizia ser a arte muito
sofrida, se não a amasse tão absolutamente teria sido
infeliz.
No
ano de 1974 ajudou os artistas da cidade a criarem a feira de arte
livre que primeiro funcionou na Praça do Automóvel
Clube, transferindo-se a seguir para a Praça da Matriz. Pintou
a famosa Via Sacra da catedral da gruta da Lapa do Bom Jesus na
Bahia. Pintou um painel encomendado por Israel Pinheiro, quando
governador de Minas.
Pintou muito por encomenda; personagens conhecidos do cotidiano
montes-clarense, casario do patrimônio cultural da cidade.
Paralelo a grande arte encomendada, pintava paisagens, muitas do
Rio São Francisco e outras que vendia na sexta-feira, entregando
à Dona Júlia, sua esposa, o dinheiro para fazer a
feira do Sábado e prover a vasta descendência.
Nos últimos tempos Godofredo descobriu as facilidades da
tecnologia e adotou a técnica de pintar retratos, sobre os
próprios, já revelados pela técnica do daguerreótipo.
Ainda de acordo com o presidente do Instituto Histórico e
Geográfico de Montes Claros, Wanderlino Arruda, o grande
historiador Hermes de Paula foi quem primeiro valorizou a pintura
montes-clarense, cujo entusiasmo o levava a afirmar“ ter certeza
da boa qualidade da pintura de Godofredo Guedes, mais do
que da arte de Miguel Ângelo ou Leonardo da Vinci, pois quanto
ao Godofredo ele conhecia , assim como as pessoas que ele via pintar,
enquanto os demais ele não testemunhara”.
Reconhecendo
o valor da obra deste artista, tanto na música quanto nas
artes plásticas, a cidade homenageou-o, adotando o seu nome
na galeria de arte do Centro Cultural e em uma as praças
do centro de Montes Claros.
A RESTAURAÇÃO FEITA PELO PINTOR
AFONSO TEIXEIRA
O
Monsenhor Silvestre, atual reitor do Seminário confiante
no meu propósito, pôs a obra a minha disposição.
Iniciei a caminhada em busca de patrocínios e da habilitação
para o restauro. Ofícios, cartas, pedidos. Ajudou-me em alguns
contatos o professor da Unimontes e aluno do Seminário, Otoni
Caribé. No entanto nada acontecia.
Depois de um ano, e já no ano do centenário de Godô,
vendo os buracos se alargarem, desesperei-me e procurei o artista
Afonso Teixeira, destacado pintor montes-clarense pela técnica
perfeita, pela beleza das madonas que cria, enfim pela competência
do seu trabalho. Relatei-lhe a questão e fiz um pungente
pedido-proposta: que assumisse a restauração do quadro
imediatamente, acenei-lhe que poderíamos contar com a orientação
do especialista Afonso Prates, graduado em restauração,
o que de fato aconteceu. Após o trabalho, tentaríamos
o patrocínio, que poderíamos conseguir ou não.
Afonso Teixeira abraçou imediatamente a causa. Demonstrando
uma disposição incomum, priorizou num espaço
de 3 meses o trabalho de restauro em detrimento do seu. Acompanhei
literalmente a odisséia, já que transportava o artista
ao seminário, duas vezes por dia. Sou testemunha e participante
do evento, emoções e trabalho. Durante o percurso
Acompanhei literalmente a odisséia, já que transportava
o artista ao seminário, duas vezes por dia. Sou testemunha
e participante do evento, emoções e trabalho. Durante
o percurso alternavam-se sentimentos de angústia, admiração,
preocupação, paixão, indignação,
entusiasmo e responsabilidade. O artista se propôs uma restauração
dentro dos padrões internacionais, aqueles que regem a conservação
das mais importantes obras artísticas do planeta, cujo princípio
parte da aplicação de
materiais incompatíveis com os pintados pelo autor, para
assim propiciar a reversibilidade do feito se assim for necessário
e se a obra sofrer novos sinistros. Escolheu com propriedade a restauração
ilusória na qual, mesmo usando materiais antagônicos
aos do autor, mas aplicando técnica precisa, pode-se levar
o espectador à ilusão de que o quadro não sofrera
nenhum dano até então. E assim foi feito.
À
medida em que se limpava a obra e as cores resplandeciam, o mesmo
acontecia às nossas faces. A beleza daquela expressão
nos arrebatou aos dois e nela ficamos presos. Afonso apaixonou-se
pelo quadro, fazia-lhe juras de amor, dialogava de viva voz e através
dos pincéis com Godofredo. As dificuldades foram muitas,
devido aos estragos e buracos serem extensos, mas o amor e a dedicação
venceram. Foram necessários materiais que agilizamos como:
terebentinas importadas, tintas à base de água de
diferentes qualidades e procedências, lupa de grande grau
de ampliação, ceras puras de abelha, anti-fungos,
até antibióticos e mais que tudo, a experiência
e absoluta competência do artista. Ajudou também a
convivência do restaurador com o autor quando este era vivo.
Afonso convivera com Godofredo Guedes, visitara o seu atelier e
o vira pintar por muitas vezes, conhecia o movimento de seu gesto
artístico e o pôs em prática. Partiu do restauro
da tessitura da tela, da recomposição dos buracos
para a limpeza das tintas e recuperação da pintura
nas partes sinistradas. Um trabalho pausado, lento, com avaliação
de cada etapa.
Diante do resultado final, ficou claro para mim, por que esse pintor
restaurador arrebanhou quase todos os primeiros prêmios do
CAAP (Concurso Anual de Artes Plásticas de Montes Claros)
nos anos de 1982, 84, 86 e 87. Ficou claro para mim por que
as suas obras se destacam nas galerias e leilões do país,
em meio às obras de nomes como Bracher, Aldemir Martins,
Bianco, Fukuda, Marcier, Inimá de Paula e outros.
E quanto à obra em si, a pintura da Nossa Senhora da Assunção,
agora mais bela e resplandecente, como no dia em que Godofredo a
pintou, voltou ao seu lugar de antes, a sala de visitas do Seminário
Arquidiocesano Maior de Montes Claros, até que se criem aqui
os museus adequados e ela possa ser dividida com toda a população.
Nossa Senhora da Assunção de Godofredo
Guedes
TRATAMENTO
DOCUMENTAL DA IMPRENSA NORTEMINEIRA:
UM RESGATE DA HISTÓRIA E DA MEMÓRIA
REGIONAL – RELATO DE EXPERIÊNCIA INCLUSIVA
Filomena
Luciene Cordeiro
Cadeira N. 29
Patrono: Demóstenes Rockert
RESUMO:
O tratamento documental não se restringe apenas ao trabalho
de restauração de papéis degradados, mas através
deste processo nota-se a reconstrução da cidadania
por meio do resgate do acervo, reforçando a idéia
de preservação da memória local e regional.
O Projeto denominado “Tratamento Documental do Fórum
Gonçalves Chaves e da Imprensa Norte Mineira: Um Resgate
da História e da Memória Regional” vem ao encontro
do pensamento de Dallari em relação ao conceito de
cidadania expresso em um conjunto de direitos e deveres possibilitando
às pessoas a participação ativa na vida, sobretudo
no processo político-econômico e social por meio do
acesso à informação. Ser cidadão é
não estar marginalizado ou excluído da vida social
e de tomadas de decisões. O compromisso da Universidade Estadual
de Montes Claros consiste em disponibilizar esse acervo riquíssimo
para pesquisa, bem como informações de caráter
probatório e histórico para os cidadãos Montes-clarense
e norte-mineiros. O objetivo do referido projeto consiste em tratar
os documentos da imprensa e do poder judiciário de Montes
Claros, contribuindo no processo de construção da
cidadania. Nesse sentido, a preservação desses documentos
é de grande relevância para a conservação
da história para as gerações futuras visando
informá-la da sua história e, assim desenvolver o
ser cidadão. Nessa perspectiva, as fases do projeto são:
a) primeira fase: treinamento dos bolsistas de Iniciação
Científica Junior. b) segunda fase: constitui nas seguintes
etapas: 1ª) Identificação do estado de degradação
dos documentos e o tipo de tratamento demandado; 2a ) Higienização
dos documentos; 3a ) Detectar orifícios; 4a ) Restauração
dos papéis; 5a) Secagem dos papéis; 6a ) Planificação
e desacidificação de documentos; 7a) Refrigeração
de documentos. c) terceira fase: disponibilização
dos documentos para pesquisa aos consulentes. Os resultados atuais
desse projeto consistem na disponibilização desses
documentos ao público em geral deixando-o informado acerca
dos acontecimentos do seu passado, possibilitando aos cidadãos
reconstruir a memória e a cidadania em várias dimensões
do ser humano.
Palavras-chave:
História, Arquivo, Documento, Memória, Tratamento
Documental.
1.
INTRODUÇÃO
Este trabalho objetiva apresentar o relato de experiência,
especificamente em relação aos jornais denominados
Gazeta do Norte doados pelo Conservatório de Música
Lorenzo Fernandes, de Montes Claros e os jornais Correio do Norte,
bem como descrever as atividades do Projeto “Tratamento Documental
do Fórum Gonçalves Chaves e da Imprensa norte-mineira:
um
__________________________________
1-
Graduada em História pela Universidade Estadual de Montes
Claros - Unimontes, especialista em Ciências Sociais pela
Unimontes e em Gestão da Memória: Arquivo, Patrimônio
e Museu pela Universidade Estadual de Minas Gerais e mestre em História
pela Universidade Severino Sombra. Professora do Departamento de
História da Unimontes.
2- Professor efetivo do Departamento de Educação da
Universidade Estadual de Montes Claros – Unimontes. Graduado
em Pedagogia/Filosofia pelo CES/JF – Centro de Ensino Superior
de Juiz de Fora e Teologia pela Pontifícia Universidade Pontifícia
Católica de Minas Gerais – PUC/MG. Especialista em
Ciências Sociais pela Unimontes e em Ensino Religioso pela
Pontifícia Universidade Católica de Minas Geral PUC/MG.
Mestre em educação pelo Instituto Superior Enrique
José Varona - Havana – Cuba
__________________________________________
Resgate
da História e da Memória” desenvolvido pelo
Serviço de Pesquisa e Documentação Regional
- SPDOR em parceria com os Departamentos de História e Educação
da Universidade Estadual de Montes Claros - Unimontes por meio de
estudantes do ensino médio de escolas públicas de
Montes Claros, especificamente a
Escola Estadual Dr. Carlos Albuquerque, Escola Estadual Armênio
Veloso, Escola Estadual Irmã Beata e Colégio Militar
Tiradentes, assim como Jaldete Souza Rios, servidora do SPDOR, e
financiamento das bolsas pela Fundação de Amparo à
Pesquisa
do Estado de Minas Gerais - FAPEMIG.
Ressalta-se que o referido projeto é executado desde outubro
de 2005 a setembro de 2006, quando teve a oportunidade de ser renovado
e postergado até junho de 2007 contando nesse período
com 06 (seis) bolsistas. Nessa mesma perspectiva, o projeto foi
novamente encaminhado para a Pró-Reitoria de Pesquisa e Pós-Graduação
da Unimontes no mês de setembro de 2007 objetivando a renovação
das bolsas de iniciação científica –
BIC Júnior para a sua continuação. Essa renovação
se justifica pela grande demanda de documentos que tem como suporte
o papel sob custódia do SPDOR necessitadas de interferência.
Renovação concedida após aprovação
do projeto vigorando até fevereiro de 2008.
Nesse
sentido, o relato de experiência apresentado faz uma discussão
teórica e explica a execução das etapas desenvolvidas
pelo projeto.
2. TRATAMENTO DOCUMENTAL: DISCUSSÃO TEÓRICA
No Brasil, a conscientização sobre a importância
da preservação de documentos de arquivo vem crescendo
tanto nas instituições públicas quanto entre
os cientistas e a população em geral, possibilitando
que as atuais e futuras gerações conheçam um
pouco mais da sua história e do seu país.
_____________________________
3 LE GOFF, J. Documento/monumento. In: ______. História
e Memória, p.536.
4 BECK, Ingrid. Manual de documentos, 1991.
_____________________________
Em
geral e com o acúmulo de documentos gerados no cotidiano
de uma empresa, de órgãos públicos ou privados
e na vida das pessoas não se sabe ao certo que documentação
preservar. É comum cientistas, pesquisadores, familiares
e instituições considerarem importante apenas o resultado
final de uma pesquisa ou de um trabalho. Porém, para a história,
documentos que registram os passos intermediários são
igualmente preciosos.
Por isso, deve-se ter muito cuidado com a seleção
e avaliação de documentos com fins para a eliminação.
Conforme Le Goff3 , os documentos são registros e vestígios
do passado permitindo ao homem conhecer a sua história. Nesse
sentido, além da guarda adequada dos documentos visando a
preservação da memória e da história
é necessário conservá-los e tratá-los
com técnicas próprias da arte da restauração
garantindo-os para a posteridade.
Conforme Ingrid Beck 4, há vários agentes capazes
de deteriorar documentos de papel, entre eles pode-se citar:
1. Clima tropical
Temperaturas que oscilam fazem com que o calor e a umidade, gerem
graves problemas de condensação de umidade, alteração
no volume de materiais e o crescimento intensificado de grande número
de microrganismos e insetos que devastam coleções
de documentos e livros. Os raios ultravioletas presentes na luz
solar contribuem para a oxidação da celulose.
2. Poluição do ar
Constituída de um conjunto de gases, vapores e poeiras
dispersas no ar, provém das indústrias e de processos
diversos de
combustão, inclusive de veículos automotores.
3.
Químicas nocivas
Os produtos químicos, muitas vezes usados sobre o acervo
como inseticidas e fungicidas, em arquivos e bibliotecas, também
podem ser prejudiciais aos documentos pelas reações
desenvolvidas sobre os materiais. Outros agentes nocivos são
grampos metálicos, adesivos plásticos, auto adesivos,
papéis e papelões ácidos.
4. Acondicionamento e manuseio
Acondicionamento inadequado e o manuseio sem zelo dos documentos
pelo homem que pela falta de higiene das mãos (gordura, suor,
resíduos de alimentos), além da postura incorreta,
com apoio sobre o documento, anotações, rasgos, cortes
e dobras danificam em grande escala o acervo.
De acordo com esse contexto propício a degradação
dos documentos, os principais danos são causados devido às
impurezas superficiais; fitas e etiquetas adesivas; tintas de escrever;
impregnação de água; microrganismos; insetos
e roedores e, sobretudo, pelo manuseio incorreto feito pelo homem
aos documentos. Para cada tipo de degradação existe
um tratamento específico e realizado por técnicos
e/ou pessoas
treinadas para tal exercício.
O ideal é a conservação desse tipo de acervo,
pois significa pensar em termos de futuro. De acordo com Ulisses
Pernambuco M.
A conservação é a contraface da preservação.
Pode ser entendida como reinteração da manutenção.
São trabalhos renovados, os 5 cuidados repetidos e continuados.
A restauração é uma medida necessária,
ou seja, é realizada quando o documento não foi conservado
da forma adequada. Cesare Brandi define restauração
como:
_______________________________
5 PERNAMBUCO,
Ulisses. Patrimônio cultural, s.p. (Apostila)
6 BRANDI, Cesare. Patrimônio cultural , s.p. (Apostila)
7 TAVARES, Regina M. M. Patrimônio cultural , s.p. (Apostila)
(...)
uma operação técnica que tem por objetivo
prolongar a vida de uma obra e retardar o processo de degradação
devido ao envelhecimento dos materiais constitutivos. É
uma operação crítica sempre entre duas
estâncias: aspectos históricos e aspectos 6 estéticos.
Nesse
sentido, preservação, consiste de acordo com Regina
M. M. Tavares “(...) atitude do homem no sentido de manter
o patrimônio que diz respeito à sua memória
social necessária à sua identificação
e alimentação de processos sociais 7 emergentes”.
É guardar para a posteridade, tendo certeza que as futuras
gerações terão acesso a trajetória dos
seus antepassados no mundo em que vive.
A forma reparativa não é a solução eficiente
na preservação de acervos, pois se trata de um processo
moroso e caro. A ação mais eficiente é um programa
gradual de preservação iniciado pelo controle preventivo
dos agentes patogênicos, através da higiene sistemática
do acervo e dos depósitos, detectando e eliminando possíveis
infestações e danos diversos. Também se faz
necessário, a otimização das condições
de guarda com embalagens funcionais e adequação ambiental,
ou seja, é necessário cuidar dos documentos para que
sejam preservados para as futuras gerações.
Essas medidas devem ter respaldo oficial que implica em cuidados
no sentido de estar de acordo com a legislação para
a preservação de bens culturais. No Brasil, o discurso
preservacionista é bastante recente, surgindo após
a década de 1960. Minas Gerais a partir da década
de 1990 inicia uma gerência efetiva em relação
a documentos de arquivo.
Nesse sentido, Montes Claros, cidade localizada no Norte de Minas
Gerais, envida esforços8 no sentido
de preservar seus bens culturais, entre eles os documentos de arquivo,
porém se depara com muitas dificuldades.
No entanto, os projetos apresentados pela Universidade Estadual
de Montes Claros – Unimontes e aprovados pela Fundação
de Amparo à Pesquisa do Estado de Minas Gerais – FAPEMIG,
a partir de 2001 constituem um marco na história da preservação
de documentos de arquivo da Cidade.
A iniciativa da Universidade em trabalhar na perspectiva de preservar
o patrimônio documental despertou a atenção
da comunidade acadêmica, mas também do público
em geral chamando a atenção para, o resgate de documentos
relativos à história da cidade e da região
norte-mineira.
Dessa forma, o presente trabalho consiste em relatar a experiência
desse grupo que visa recuperar por meio do tratamento documental
o passado vivo9 e presente por meio dos seus
vestígios.
3.
DESENVOLVIMENTO DO PROJETO
3.1- PRIMEIRA FASE – TREINAMENTO DE BOLSISTAS
3.1.1- Seleção dos bolsistas
A seleção dos estudantes foi realizada pela Pró-Reitoria
de Pesquisa da Unimontes em escolas públicas de Montes Claros
que encaixassem no perfil do Programa.
Esses alunos deveriam ter um histórico escolar cuja avaliação
demonstrasse um bom desempenho. A disciplina na sala de aula e na
escola também foi avaliada. Os estudantes selecionados para
o trabalho de pesquisa no SPDOR foram:
____________________________
8 - Desde 1988, Montes Claros por meio de órgãos
públicos vem desenvolvendo trabalhos e iniciativas visando
a preservação do patrimônio cultural. Pode-se
citar como exemplo a criação do Centro de pesquisa
e Documentação regional da Fundação
Norte Mineira de Ensino Superior, atual Unimontes e do Arquivo Público
da Câmara Municipal de Montes Claros, entre outros.
9 - Borges, Vavy Pacheco. O que e historia. 8 ed. São Paulo:
Brasiliense, 1985.
(Colecão primeiros passos, v. 17)
Aldeir
Gonçalves Rodrigues, Aline Kelly Dantas Silva, Aparecida
de Cássia Moreira Duarte, Camilla Mariane Menezes Souza,
Joice Delcho Cardoso e Mariany Dias Reis.
Os bolsistas de iniciação científica júnior
estiveram sob a coordenação geral da professora Filomena
Luciene Cordeiro por causa da especificidade do desenvolvimento
do projeto, com a orientação de um professor do Departamento
de História, Elizabete Barbosa Carneiro e do Departamento
de Educação João Olímpio Soares dos
Reis.
3.1.2- Treinamento
Após a seleção, os bolsistas participaram de
reuniões diversas quando foram discutidos temas acerca do
trabalho, assim como questões administrativas.
Foram realizados também durante esse período os seguintes
cursos: Patrimônio cultural: a arte de conservar, restaurar
e preservar documentos e similares; Noções Básicas
de Informática; Relacionamento interpessoal: as dimensões
da criatura humana; A construção ética nas
relações interpessoais.
Esses cursos objetivaram treinar os bolsistas para lidar com atividades
de restauração de documentos, bem como prepará-los
com questões relativas a convivência e trabalho em
grupo.
Todos esses cursos objetivaram promover o crescimento profissional,
intelectual e pessoal dos bolsistas com o fim da execução
do trabalho demandado pelo projeto, ou seja, o tratamento de parte
de documentos do Fórum Gonçalves Chaves e da Imprensa
Norte Mineira e, conseqüentemente resgatar a história
e a memória local e regional.
3.2-
SEGUNDA FASE: TRATAMENTO DOCUMENTAL
3.2.1- A documentação tratada e restaurada
O acervo para ser tratado, de acordo com a proposta do projeto,
consiste na intervenção em parte dos documentos do
Fundo “Fórum Gonçalves Chaves” e da Imprensa
Norte Mineira, nessa fase especificamente os jornais “Gazeta
do Norte” e também 'Correio do Norte”. Porém,
a renovação da bolsa de iniciação científica
se justificou com o objetivo de priorizar os jornais “Gazeta
do Norte”. Nesse sentido, o trabalho consistiu no tratamento
dos referidos jornais.
Esses jornais denominados “Gazeta do Norte”, alvo desse
projeto, pertenciam a uma personalidade política de Montes
Claros, que fez a doação para o Conservatório
Estadual de Música Lorenzo Fernandes na década de
1970 visando protegêlos e preservá-los para a posteridade.
O Conservatório de Música Lorenzo Fernandes “(...)
é um pólo formador de talentos e irradiador de expressões
artísticas e tem tido papel histórico no processo
de ensino-aprendizagem das artes em nosso estado 11.”
O Conservatório Estadual de Música Lorenzo Fernandes
possui um Departamento de Cultura que cuidou dos jornais Gazeta
do Norte até o ano de 2004. O Conservatório por não
possuir condições físicas e técnicas
para tratar desses jornais, cientes da sua importância, assim
como sensibilizado pelo estado atual dos mesmos, achou por bem doá-los
para a então Divisão de Pesquisa e Documentação
Regional da Unimontes. Por causa do acondicionamento inadequado
e o manuseio constante e freqüente de pesquisadores nos referidos
jornais, eles demandaram intervenção para sua preservação.
Deve-se ressaltar, porém, que esses jornais, apesar de constituir
alvo principal do projeto, não foi possível fazer
o tratamento em todos por causa da quantidade e especificidade do
trabalho.
______________________
10 -
Nesta fase do projeto contamos com o trabalho de uma servidora da
DPDOR, Jaldete Souza Rios.
11- CONSERVATÓRIO DE MÚSICA LORENZO FERNANDES. Projeto
do Conservatório. Montes Claros, jun. 1989, s.p.
Parte
do acervo dos jornais Gazeta do Norte foi tratado de acordo com
propostas da segunda fase que consiste em quatro etapas, conforme
descrição abaixo:
1ª Etapa – Identificação do estado
de degradação dos documentos e o tipo de tratamento
demandado
Essa
etapa consiste em detectar os diversos tipos de danos existentes
no documento, ou seja, é uma avaliação geral
do estado de conservação dos mesmos. É de relevância
a execução dessa etapa porque, a partir dela, serão
tomadas as decisões acerca do tratamento demandado pelo documento.
No momento do diagnóstico das danificações
dos documentos verificou-se também o Ph das folhas de papéis
por meio da fita metanassol visando detectar a sua acidez e alertar
para medidas de segurança no manuseio, tratamento e guarda.
2ª Etapa – Higienização dos Documentos
O
trabalho de higienização consiste em limpar os documentos
com trincha e/ou pincel com o objetivo de retirar as sujidades concentradas
ao longo do tempo em cada página. Utiliza-se a mesa de higienização
para execução dessa tarefa. O bisturi e o estilete
são ferramentas úteis na retirada de excrementos de
insetos e roedores. Também se retira qualquer material metálico,
como clipes e grampos, visando proteger o documento de possíveis
ferrugens. Além da trincha e do pincel usa-se também
o pó de borracha12 para higienizar
os documentos garantindo a retirada de sujidades, sobretudo de poeira
adquirida com o tempo, gerando um clareamento do papel.
3ª Etapa – Detectar orifícios
Na seqüência os documentos são levados folha a
folha para a mesa de luz13 onde foram detectados
os orifícios, sobretudo os menores, para as intervenções
necessárias.
4ª
Etapa – Restauração dos papéis
Essa etapa demanda tempo e cuidado da pessoa que irá executar
a tarefa já detectada na ficha de diagnóstico. Conforme
abordagens anteriores, esse momento consiste na intervenção
do técnico e/ou pessoa treinada para tal trabalho visando
recompor os danos no papel. Para essa tarefa utiliza-se o material
próprio, entre ele, papel especial14
e cola metil-celulose .
O
trabalho realizado dependerá da deterioração
detectado no documento podendo ser a velatura, a obturação
e a emenda.
Após
os documentos restaurados, eles serão acondicionados em folder,
pacotilha e por fim, em uma caixa confeccionada para esse fim.
Os documentos, após a restauração ficam molhados
por causa dos produtos utilizados. Nesse sentido, o papel é
colocado na secadora de papel, para secagem. Essa etapa é
importante porque, a partir dela, será executado outros procedimentos
já diagnosticado anteriormente.
6ª Etapa – Planificação e desacidificação
dos documentos
Após o trabalho de intervenção nos documentos,
eles se apresentam abaulados por causa dos materiais utilizados,
sobretudo os líquidos. Para a planificação
é usado a mesa de sucção, que colabora no sentido
de planificar o papel, bem como no momento da desacidificação
dos documentos.
7ª Etapa – Refrigeração dos documentos
Os papéis que apresentam infestações de fungos
e mofos passam pela refrigeração. O processo consiste
em colocar em um
___________________________
12 - Este pó é produzido com a utilização
do ralador doméstico transformando a borracha.
13 - Com utilização deste equipamento foi possível
identificar , todos as perfurações mesmo aquelas mais
difíceis, evitando que nenhum orifício deixasse de
ser obturado.
saco
plástico o documento, de onde retira-se todo o ar e o veda
para colocá-lo no freezer. Esse processo de refrigeração
não foi necessário nos documentos trabalhados pelos
bolsistas, porém os mesmos foram treinados com outro acervo
visando assimilar
todas as fases do trabalho.
3.3 – TERCEIRA FASE: DISPONIBILIZAÇÃO
DOS DOCUMENTOS PARA PESQUISA
Essa fase consiste na disponibilização dos documentos
tratados para consulta aos pesquisadores e ao público em
geral. Nesse sentido, parte dos documentos que sofreram intervenções
foram fotocopiados para acesso na Sala de Consulta visando proteger
o original. Mas caso seja necessário a pesquisa no documento
original ou haja mais consulentes na Sala de Consulta e este é
liberado.
4. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Os objetivos do projeto constituíram os seguintes:
§ Oportunizar a concretização do processo ensinoaprendizagem
e a inclusão, bem como a iniciação científica
de estudantes do ensino médio de escolas públicas
de Montes Claros no tratamento de documentos.
§ Identificar o estado e tipo de tratamento demandado pelos
documentos do acervo da Coleção de jornais Gazeta
do Norte, tratar tais documentos e torná-los disponíveis,
a fim de conservar a história e a memória regional.
Diante dos objetivos propostos, o referido projeto conseguiu alcançar
as metas, cujos resultados finais consistem na capacitação
de estudantes do ensino médio de escolas públicas
de Montes Claros para atuarem no tratamento de documentos de arquivo
e sua perspectiva de inserção na Universidade por
meio do exercício nas atividades de pesquisa, assim como
a apresentação
de trabalhos publicados em anais de eventos.
Foram tratados e restaurados nove livros encadernados dos jornais
“Gazeta do Norte” de 1918 a 1935.
REFERÊNCIAS
BECK, I. Manual de conservação de documentos. Rio
de Janeiro: Ministério da Justiça – Arquivo
Nacional, 1985.
BELLOTTO, H. L. Arquivos permanentes: tratamento documental. 2 ed.
Rev. e ampl. Rio de Janeiro: FGV, 2004.
CORDEIRO, F. L. A cidade sem passado: políticas públicas
e bens culturais de Montes Claros/MG. Um estudo de caso. Vassouras,
2004, 197 F. Dissertação (Mestrado em História)
Faculdade Severino Sombra.
LE GOFF, J. Documento/monumento. Campinas: Unicamp, 2003, p.525-541.
GOMES, Sônia de Conti. Técnicas alternativas de conservação:
um manual de procedimentos para manutenção, reparos
e reconstituição de livros, revistas, folhetos e mapas.
Belo Horizonte: Ed. UFMG, 1992. 79P.
SPINELLI JÚNIOR, Jayme. A coservação de acervos
bibliográficos e documentais. Rio de Janeiro: Fundação
Biblioteca Nacional, 1997. 90p.
________________________
14 -
Conhecido como mimo ou japonês de textura fina é aplicado
na parte textual do documento já que não compromete
a leitura. O papel com uma gramatura maior é utilizado na
reconstituição de margens.
15 - É composta de um pó que diluida a agua destilada
pode ser aplicada aos documentos.
NUMISMÁTICA
MONTES-CLARENSE
Prezado
Simeão Ribeiro,
Estas cédulas me foram oferecidas pelo bondoso farmacêutico
Mário Versiani Veloso, tão admirador e amigo de nossa
terra, que me obrigou procurar colocá-las, e nenhuma outra
pessoa poderia encontrar que pudesse obrigá-las e preservá-las
de impiedosa destruição. Elas bem definem uma época
e o valor de uma geração de nossos antepassados. Creio
que os signatários dos vales da Fábrica de Tecidos
anexos, sejam do seu conhecimento, exceção talvez
de Bittencourt, meu avô materno que foi sócio da Fabrica
de Tecidos do Cedro e gerente da mesma durante vários anos.
No fim do Império foi agraciado com a comenda da Ordem da
Rosa e com o título de Barão de Gorutuba. Retirando-se
da sociedade, adquiriu a Fazenda Campo Grande, da atual cidade de
Juramento, e depois de sua morte [foi] vendida para Manuel Batista
Braga, recém chegado do estado da Bahia. Por esta região
passava a chamada estrada baiana, por onde transmigravam grande
parte dos nortistas em busca de terras rurais férteis e frescas
a ali que possuíam estas condições. Também
lá onde ainda existe bom número de Quadros e Sás
se encontra a origem de meu avô.
Um abraço do amigo e admirador
Montes Claros 14 de junho de 1980.
Alpheu Quadros
Veja
ilustrações nas páginas 74 e 192.
O
ESCRITÓRIO DO MEU PAI
Mistérios e alquimias de um mundo sob o olhar de criança
Geralda Magela de Sena Almeida e Sousa
Cadeira N. 34
Patrono: Eva Bárbara Teixeira de Carvalho
Cresci num tempo em que família era o mundo, circundado pela
vizinhança, agregado a uma cidadela pacata. O dia começava
cedo e logo era tomado por pequenos afazeres de casa, quase sempre
interrompidos pelos insistentes chamados que da rua convocavam para
as brincadeiras que só tinham fim com o adentrar da noite,
quando à beira das calçadas ainda brincávamos
de pique, de roda, de cantar, declamar, contar histórias.
Por fim, uma voz com autoridade, soando uma só vez, nos arrebatava
cada qual para seu “ninho”.
MEU PAI - CYPRIANO
O escritório do meu pai... Aquela sala, para mim, escondia
muitos mistérios. Quantas vezes, durante conversas dele com
outros homens sobre viagens e trabalho, pedaços destas eram
puxadas pela minha curiosidade de criança, atravessavam a
porta entreaberta e transbordavam pelos meus ouvidos a dentro, redesenhadas
pela minha imaginação. O medo não fazia parte
daquelas conversas. Era combatido e vencido cada dia e noite no
seu trabalho mato afora, enfrentando onças, cobras, mosquitos,
febres paludes, grileiros e as usuras do bicho-homem. Coragem, responsabilidade,
amor pelo trabalho, saudades de casa, fé em Deus, juntamente
com a rapadura, a farinha de mandioca e a cabaça d'água
eram carregados no alforje. E era o sustento do dia, enquanto se
embrenhava com seus camaradas pelas matas em longas e árduas
caminhadas, léguas e léguas distante do acampamento
que montavam em clareiras que abriam ou das fazendas em que se hospedavam.
Autodidata na profissão, que aprendeu não numa sala
convencional de aula, mas na lida debaixo do causticante sol do
sertão norte mineiro. Subir morro, descer morro, atravessar
rios, abrir picadas, riscando limites e marcando o direito dos homens
foi seu mister.
Um desbravador!– pensava eu, quando viajando com ele de trem
para Curvelo, via-o olhando para a mata fechada e para os morros
que ao longe se mostravam através das janelas, dizer com
um orgulho que eu percebia, mas ainda não era capaz de entender:”
- Olha lá, filha, (e apontava) seu pai passou por ali. Olha!
Ali eu bati muita baliza e finquei marcos. Naquela região...”
Então os versos de Olavo Bilac que contavam as aventuras
do “Caçador das Esmeraldas” e que eu sabia de
cor e me levavam por viagens inesquecíveis através
das matas, montanhas e rios das Minas Gerais, eu ajuntava ao que
via deslizar diante dos meus olhos. Queixo apoiado na janela do
trem e com o olhar estendido captando imagens ao longe, eu absorvia
as palavras do meu pai falando das suas sagas por terras que naquela
época poucos conheciam. Um desbravador! Um bandeirante! –
eu concluía maravilhada. “Um capitão do mato!”
– diz Rubinho, meu irmão mais novo. Sim, um agrimensor
por profissão, um desbravador por paixão pela mata,
um capitão do mato por embrenhar-se dias, meses a fio para
caçar, encontrar, delimitar, resgatar e registrar direitos
de propriedade. Assim era meu pai.
De repente, pela fresta da porta algo cintilava piscando e me chamando
para o descobrir. A curiosidade assim aguçada me impelia
a parar as brincadeiras em curso e espichar o olhar para o mundo
que se escondia atrás daquela porta. Esse era um momento
que se repetia toda vez que, correndo ou devagar, eu passava
pela porta do escritório onde meu pai trabalhava. Um mundo
de adultos, um mundo onde formas, cores e traços habitavam
um papel mágico que podia se transformar num pedaço
de pano, se fosse deixado dentro d'água. Um papel com o nome
curioso de “vegetal”: papel vegetal. Esse papel mágico
era estendido sobre uma mesa inclinada que meu pai chamava de “prancheta”.
Mais alta que as outras mesas da casa, exigia que eu me colocasse
na ponta dos pés para entrever os segredos que sobre ela
eram deixados. Até meu pai, para trabalhar ali, precisava
sentar-se num banquinho de pernas longas. E para escrever aquelas
coisas que só ele e outros adultos entendiam, era necessária
uma porção de lápis e “giletes”
para afiar, maravilhosamente, os lápis especiais, importados
- da John Faber, coloridos por fora e sempre pretos por dentro.
Havia ainda umas borrachas azuis, macias, duras, diferentes das
que eu prendia na cabeça do lápis e usava na minha
escola. E uma porção de lindas varetas coloridas com
umas pontas chamadas “penas” que podiam se soltar e,
quietinhas a um canto da mesa, esperavam a vez de saltarem do copo
onde ficavam para as mãos do mágico agrimensor.
Meu pai calado trabalhava. Eu não dava “nem um pio”
para não ter que sair sob a alegação de que
ali não era lugar de criança. Imóvel, em pé
do lado mais baixo da prancheta, só meus olhos circulavam
maravilhados acompanhando o movimento decidido do ir e vir das mãos
do meu pai.
Essa era a hora que mais me encantava: a da dança das canetas.
Retiradas do cantinho onde eram guardadas, elas eram mergulhadas
em uns vidrinhos interessantes, (ora num, ora noutro) de formato
curioso, que continham líquidos de cores variadas chamados
Nanquim. Depois, cada uma a seu tempo, e obedecendo as ordens das
mãos, deixavam traços contínuos, interrompidos,
duplos segundo o movimento que faziam, além de uns desenhos
que papai chamava de “morros, cerrados, boqueirão”
e outros. Aqueles morros em nada se pareciam com os morros que circundavam
Montes Claros e que, de cima da goiabeira do nosso quintal, eu admirava
à distância.
Mas o grande espetáculo era o dos esquadros e do “aparelho”
que girava. Eu ficava à espreita para descobrir o diaque
eles seriam tirados do armário. Colocados na prancheta, papai
trabalhava com eles por horas a fio. Os esquadros eram uma espécie
de régua em forma de triângulos, de três tamanhos
diferentes. Das réguas, a mais interessante era uma que tinha
três lados, e servia para calcular escalas e era chamado escalímetro.
O que isso era, ele explicava com paciência toda vez que eu
perguntava, mas eu nunca entendia. E pra fazer de entendida eu ouvia
com atenção e logo mudava o assunto para outra coisa.
Quando
o dia era do “aparelho estranho” - e que só permitia
que eu presenciasse o trabalho com ele de vez em quando e sem pegar,
eu sempre saía perturbada, sem entender. Como podia o meu
pai fazer contas e desenhos com ele? Como o girar simplesmente o
aparelho por sobre o papel podia fazer tudo aquilo? Um dia eu haveria
de saber! Mas naquele momento, por mais que ele explicasse, eu pouco
entendia. E nem queria. Bastava que me deixasse contemplá-lo
manipulando aquela “coisa estranha”, como um Flash Gordon
a realizar façanhas não comuns à maioria dos
pais que eu conhecia. Depois vim a saber que aquela coisa estranha
chamava-se planímetro.
Meu
pai era “poderoso, especial” – falava o meu coração.
Eu ouvia e em silêncio, feliz, guardava para mim.
O
escritório onde meu pai trabalhava era diferente de tudo
que eu conhecia. Mais tarde, quando conheci o “Laboratório
de Ciências” no Colégio Imaculada Conceição,
onde fui estudar, pensei que o escritório do meu pai era
um laboratório. Também lá existiam tantas coisas
desconhecidas e importantes, guardadas com muito zelo e usadas para
um serviço especial aos homens.
Meu
pai, para mim, era um cientista que no seu laboratório marcava
e demarcava limites e propriedades de terras. Após percorrer
e conhecer morros, rios, matas, boqueirões, cerrados, transformava-os
em piquetes, linhas, traços e números e registrava-os
em “plantas” e relatórios, a fim de permitir
o seu uso correto, legal e pacífico. Viagens, conversas,
meses
debruçado sobre a prancheta e o resultado era entregue num
rolo de papel de tamanho variado que eles chamavam Planta. Sempre
me chamou a atenção a confiança e satisfação
que via no rosto das pessoas que buscavam o serviço encomendado
e a alegria a reluzir nos olhos do meu pai. E na postura, pelo dever
cumprido com retidão, com que levava as pessoas à
porta após entregar o trabalho. Como se fosse hoje o via
dar meia volta e adentrar à casa feliz, pleno. Cada trabalho
finalizado denotava uma vitória sobrepondo as pressões
culturais e interesses individuais. E eu imaginava... Assim como
meu pai eram os cientistas.
Ver meu pai trabalhando no seu escritório significava tempos
de alegrias e certeza de sua presença entre nós. Nos
entremeios do dia e ao cair da tarde, quando cerrava a porta do
escritório, sempre podíamos gozar da sua companhia
e dos seus alegres movimentos pela casa. Ou observá-lo assentado
na porta da rua acompanhando, absorto, a natureza, trocando o cenário
para a noite que chegava.
Ter meu pai em casa era sempre muito bom. Mas esse tempo era precedido
por longas ausências e saudades: ele ia para o “mato”.
Suas saídas e chegadas eram sempre marcantes. Percebíamos
a proximidade da viagem quando a rotina da casa se alterava com
o ir e vir de providências, com a visita amiúde do
Manezinho, seu camarada-mor, anjo de guarda, amigo e outros homens
com os quais mantinha intermináveis combinações.
O material necessário ia sendo arrumado e ficava esperando
num canto do escritório. Brincando pra lá e pra cá,
eu prestava atenção no que se ajuntava, sempre me
perguntando intrigada – para que serviriam aqueles pedaços
de arame de ferro grosso, de uns quinze a vinte centímetros
de tamanho, presos uns aos outros por
pequenas argolas e que eram chamados: “corrente”? Reunidos
em molho, eram colocados todos numa sacola de lona, própria
ao tamanho deles, com uma longa alça para o ombro. Também
as balizas (mastros sextavados, pintados de vermelho e branco, com
quase dois metros de altura) eram postados à espera. Uma
maleta de mão, de couro marrom escuro, levava cadernetas
para apontamentos,
documentos e outros objetos pessoais. Fazia parte da tralha e era
guardado com muito cuidado no quarto de dormir, hermeticamente fechado
numa caixa de madeira: o “aparelho”, conforme papai
o chamava. Nesta caixa devia viajar um fantástico segredo,
eu imaginava, pela importância e cuidados que a cercavam.
Muitos anos depois, fiquei sabendo que o tal aparelho tinha o esquisito
nome de teodolito.
Por fim chegava o dia. Meu pai-desbravador colocava suas botas,
roupas resistentes e antes de sair se dirigia ao oratório
que ficava atrás da porta do seu quarto. Nunca saia sem antes
“beijar o santo”. Por alguns instantes, de cabeça
baixa rezava. Por fim se ajoelhava, fazia o sinal da cruz e estava
pronto. Despedia-se de cada um de nós, colocava nas costas
o “aparelho”, que só ele carregava, punha seu
chapéu e subia a Rua General Carneiro, onde morávamos,
em direção à Estação. Isso quando
a viagem era de trem de ferro. Nessas ocasiões não
arredávamos o pé da porta. Com o olhar alongado até
a linha do trem cortando nossa rua a uns quatro quarteirões
acima, ficávamos esperando para vê-lo passar acenando
mais uma vez da janela do último vagão. Respondíamos
com o coração apertado e junto com mamãe entrávamos
para nossa casa. Sabíamos que os próximos dias seriam
de saudades, de espera por notícias e por seu retorno.
Sua volta era luz que iluminava e movimentava nossa casa. Papai
apesar de sério e tímido estava sempre aberto para
brincadeiras que nos alegravam. Ao chegar às vezes estava
magro, cansado dos percalços e das viagens que nem sempre
eram só de carro ou trem, mas alternadas por percurso a pé
ou a cavalo. No meu coração apontava a tristeza por
vê-lo chegar abatido mas imediatamente era sacudida para fora
pela alegria da sua volta. Meu pai voltou! Não se perdeu
no mato! E eu revivia aquela cena do Borba Gato, outro bandeirante
que povoava minha imaginação, chegando das bandeiras
paulistas que adentravam pela nossa Minas Gerais. Alquebrado, barbudo,
não era reconhecido nem pela sua esposa. Ah, mas com meu
pai nãoé
assim! - meu coração pensava aliviado. Sempre o reconhecíamos,
apesar da barba por fazer. Eu corria para o abraço apertado.
E mal dava conta de esperá-lo “beijar e agradecer o
santo” diante do oratório, que era a primeira coisa
que fazia ao chegar. Enquanto esperava, meus olhos perscrutavam
os sacos e caixas que chegavam com ele e que traziam as novidades
do mato: ninhos, flores, frutos silvestres ou das fazendas, doces
e diversas curiosidades recolhidas pelos caminhos percorridos.
Era dia de festa! Meu pai estava em casa novamente! As mágicas
e mistérios no seu escritório recomeçariam
CYPRIANO CELESTINO DE ALMEIDA - O AGRIMENSOR
Filho de Christiano Celestino de Almeida e Maria Evangelina Rocha
de Almeida, nasceu aos 16 de abril de 1908, na Fazenda Boa Vista,
em Jequitaí - na época distrito de Barreiros e pertencendo
ao município de Bocaiúva - crescendo às margens
dos rios Corrente e Jequitaí.
Em dezembro de 1924, após o falecimento do seu pai ocorrido
em 1° de junho de 1920, transferiu-se com sua mãe e irmãos
para Montes Claros à procura de novos horizontes...
Casou-se com Ambrosina de Sena Leite, nascida em Morrinhos, hoje
Miralta, tendo vindo para Montes Claros após o falecimento
do seu pai. Ambrosina era filha do fazendeiro Bernardino Pereira
Leite e Antonina de Souza Leite.
Com o nascimento do primeiro filho, Cypriano retornou para Jequitaí,
onde andou “batelando” no garimpo. De volta a Montes
Claros, ainda procurando rumo, trabalhou na usina de algodão
dos Paculdino, à Rua Pires de Albuquerque com Dom Pedro II
.
Depois, junto com os irmãos exerceu o ofício de marceneiro,
no quintal de sua residência à Rua Dr. Veloso. Após
essa ocasião, foi trabalhar como “baliseiro”
nos serviços de agrimensura.
Assim,
aprendeu o ofício de agrimensor trabalhando com o Doutor
Nelson Vianna. Inteligente, curioso, empreendedor, aprendeu a usar
o teodolito e com ele nos ombros
fez sua carreira e nome. Nesse ofício, foi toda a sua vida
à frente.
Tornou-se conhecido na região por sua capacidade de trabalho
como agrimensor e topógrafo.
Trabalhando, no lombo do cavalo ou à pé, desbravou
regiões como as de sua terra natal Jequitaí, Francisco
Dumont, Dolabela, Coração de Jesus, Brasília
de Minas (antiga Contendas), São Francisco, Juramento, Grão
Mogol, Porteirinha.
E quando do prolongamento da Estrada de Ferro Central do Brasil
rumo a Monte Azul acompanhou o trecho trabalhando na região
de Sapé,hoje cidade de Capitão Éneas; fazendas
na região do Quem-Quem, Janaúba e bem mais adiante,
uns 100 quilômetros além, na Cachoeirinha, no Morro
do Chapéu, Jaíba, Urucuia e redondezas, indo até
Manga, já quase divisa do estado da Bahia.
Faleceu em 12 de maio de 1969, aos 61 anos. E segundo escreveu Netinho,
seu filho mais velho, em 1997: Era dia das Mães... Um domingo...
Dia de descanso!
CYPRIANO CELESTINO DE ALMEIDA - O AGRIMENSOR
Este
texto foi escrito em homenagem ao centenário de seu nascimento.
Abril/2008
NUMISMÁTICA MONTES-CLARENSE
NOTA
DE 1000 R. DA FÁBRICA DE TECIDOS RODRIGUES, SOARES, BITTENCOURT,
S VELLOZO & COMP.
"BONS
VELHOS TEMPOS":
DA CIDADE DE MONTES CLAROS
Gy Reis Gomes Brito
Cadeira N. 97
Patrono: Urbino Vianna
Deixe-me começar a minha colcha de retalhos, falando da importante
contribuição da tradição racionalista
grego-ocidental nos estudos históricos. Ao longo dos séculos
e em seguida sobrevoarei as belas épocas e os bons velhos
tempos da cidade de Montes Claros no interior de Minas Gerais.
Ao se empenhar em estar tão bem informado quanto possível
a respeito de tudo quanto acontece na ciência moderna e das
suas mais recentes revelações, Lévi-straus
nos diz:
Creio que há certas coisas que perdemos e que devíamos
fazer um esforço para as conquistas de novo, porque não
estou seguro de que, no tipo de mundo em que vivemos e com o tipo
de pensamento científico a que estamos sujeitos, possamos
reconquistar tais coisas como se nunca às tivéssemos
perdido;
mas podermos tentar tornar-nos conscientes da sua existência
e da sua importância. Tenho a sensação de que
a ciência moderna, na sua evolução, não
se está a afastar destas matérias perdidas, e que,
pelo contrário, tenta cada vez mais reintegrá-las
no campo da explicação científica. O fosso,
a separação real, entre a ciência e aquilo que
poderíamos denominar pensamento mitológico, para
encontrar um nome, embora não seja exatamente isso. ocorreu
nos séculos XVII e XVIII. Por essa altura, com Bacon, Descartes,
Newton e outros, tornou-se necessário á ciência
levantar-se e afirmar-se contra as velhas gerações
de pensamento místico e mítico, e pensou-se então
que a ciência só podia existir se voltasse costas ao
mundo dos sentidos, o mundo que vemos, cheiramos, saboreamos e percebemos;
o mundo sensorial é um mundo, ilusório ao passo que
o mundo real seria um mundo de propriedades matemáticas que
só podem ser descobertas pelo intelecto e que estão
em contradição total com o testemunho dos sentidos.
Este movimento foi provavelmente necessário, pois a experiência
de, que, graças a esta separação - este cisma,
se se quiser -, demonstra-nos o pensamento científico encontrou
condições para se autoconstituir. (LEVI-STRAUSS, 19?,
p. 17-39).
Sabemos que as ciências humanas tiveram dificuldades para
se afirmarem neste universo intelectual. A produção
historiográfica positivista do século XIX se encontrava
impregnada, circunscrita pelos postulados lógico-formais.
Sendo assim, incapaz de dar conta da realidade humana em suas múltiplas
dimensões.
A construção desse processo de conhecimento da realidade
exterior no século XIX conferiu demasiada primária
ao racional; resultando na segregação de tudo o que
não se explicasse no interior do rigor científico-metodológico.
Absolutamente, não possuía status de ciência.
Mesmo assim a história trilhou no século XIX, dando
sua contribuição com a historiografia positivista
procurando estabelecer-se nesses limites.
O século XX marca de fato profundas alterações
na historiografia, sem se distanciar dos postulados lógico-formais,
alargar seus horizontes incorporando novos objetos, procurando compreender
o homem e suas ações também em seu universo
cotidiano, afetivo e psíquico.
E
sabido que após Descartes, o saber racional se separou do
imaginário, propiciando o paradoxo entre o cientificismo,
como critério de verdade, ao ilusório da ficção.
Conforme Pesavento, o racionalismo cartesiano instituiu-se como
método universal de uma pedagogia do saber cientifico, podendo
mesmo ser dito que os renomados estágios evolutivos positivistas
são etapas de extinção do simbólico.
O saber científico, única fonte do conhecimento deveria
se despojar da imaginação deformadora. Não
é por acaso que, no senso comum o imaginário aparece
como algo inventado, fantasioso e forçosamente, "não
serio", porque não científico.
Todavia, se o século XIX marcou um ápice do pensamento
racional, tal como vinha se desenvolvendo desde o século
XVIII, esta mesma sociedade, norteada pelo cientificismo e pelas
imagens produzidas pêlos avanços da técnica,
voltou-se contra os seus pressupostos. Esta postura de uma certa
forma iconoclasta com relação a seus valores foi capaz
de resgatar a importância das imagens na vida mental através
da contribuição da psicanálise e da etnologia.
(PESAVENTO, 1995, p. 9-27).
Lembrando Lévi-strauss, na introduqão deste trabalho
fica notório a importância que o mesmo dar a este cisma
a esta separação, como fundamental na autoconstituição
do pensamento científico. Segundo, Gilbert Durand, as duas
vertentes apesar de romperem com largos séculos de coerção
contra o imaginário, instauraram uma hermenêutica redutiva:
Freud, ao estabelecer o determinismo da libido sobre o psíquico,
e a antropologia social, com Malinowski, Domezil, Lévi-strauss,
ao cingir os símbolos à estrutura social. O que se
quer chamar a atenção é que, dialeticamente,
os caminhos contraditórios da razão levaram ao resgate
de dimensões não propriamente racionais. Mas tais
investidas - psicanalíticas e antropológicas - seriam
alheias aos historiadores, ainda por longo tempo presos às
correntes anteriormente mencionadas: o historicismo, o positivismo,
o marxismo. As próprias análises de Bachelard, na
década
de 40, que representaram a "grande virada" epistemológicas
em direção ao imaginário, não tiveram
grande repercussão junto à história. Coube
ao autor a iniciativa de tentar
reconciliar a ciência com o sonho, entendendo que, na própria
inovação tecnológica, está presente
a potência criadora da imaginação. (PESAVENTO,
1995, p. 12).
E somente com E. P. Thompson, Christopher Hill, Raymond Williams,
como grandes expressões do marxismo e também a escola
francesa dos Annales, é que os historiadores dão definitivamente
o primeiro chute em direção a uma história
social, tomada cada vez mais cultural.
Neste novo caminhar, foi possível acalentar os desencantamentos
com a rigidez e o economicismo de um marxismo ortodoxo e as velhas
concepções positivistas de uma história factual,
política e diplomática. Esses novos pensadores avançam
nesta trilha, dando uma conotação eficaz ao afirmar
a não existências de verdades absolutas, recuando assim
de uma posição cientificista herdada do século
XIX.
Aos anos 60 e 70, restabelece o "ofício do historiador",
estimula e amplia novos olhares para com a complexidade do real,
da ênfase e desencadeia fôlegos, fortalecendo os mestres
da narrativa, dando-lhes, instrumentos, munindo-os de um método,
resgatando da documentação empírica as "chaves"
para recompor o encadeamento das tramas sociais. No decorrer dos
anos 80, mergulha-se na conhecida "nova história cultural",
arregimentada com novos objetos de estudo: mentalidades, valores,
crenças, mitos, representações coletivas traduzidas
na arte, literatura, formas institucionais. Hoje em dia, as abordagens
das representações e do imaginário compõem
a rotina dos historiadores e demais pesquisadores das ciências
afins. Dispensa-nos a conotação ou alguma falsa interpretação
de modismo. De fato, a história que não estabelece
como pressupostos básicos o imaginário e as representações
é incompleta, tem vida curta, não realiza satisfatoriamente
seus objetivos. A estratégia da abordagem conceituai poderia
começar com a noção de representação.
Diz Lê Goff, é tradução mental de uma
realidade exterior percebida, liga-se ao processo de abstração
e caracteriza-se por seu caráter essencialmente intelectual.
As representações são reais, são conferidoras
de sentido, não se trata de abstrações, ilusórias
ou deformadoras. Chartier propõe três conceitos básicos
para compreender o "mundo representado": a representação,
a apropriação e a prática. Essas três
noções compõem um todo conceituai. Elas se
entrelaçam, interpenetram-se e se completam num movimento
contínuo. Assim, o real, do ponto de vista histórico,
existe a partir d o m o m e n t o e m q u e é r e p r e s
e n t a d o . A s representações/apropriações
constroem sentidos, atuam sobre o real, constituem o real, materializa-se
nas práticas sociais. Nessa perspectiva, são as representações
que conferem objetividade às estruturas. Logo, seriam falsos
os debates em torno da clivagem entre objetividade das representações.
(PESAVENTO, 1995, p. 9-27).
A partir da leitura de Chartier, entende-se, que não há
oposição antitética - entre mundo real e mundo
imaginário. O discurso e a imagem não são quaisquer
reflexos parados da realidade social. São antes de tudo,
instrumentos que podem constituir-se de poder e transformação
da realidade social.
Para Bourdieu, a instância das representações
é, em si, um campo de manifestação de lutas
sociais e de um jogo de poder. Ainda para este autor, é preciso
ultrapassar a alternativa economicista/culturalista, que ou vê
o objeto simbólico como reflexo mecânico do real ou
vê como uma finalidade em si. Segundo o autor, nada de menos
inocente que a questão, que divide o mundo intelectual, de
saber se devem entrar no sistema de critérios não
só as propriedades "objetivas", mas também
as "subjetivas", quer dizer, as representações
que os agentes sociais se
fazem da realidade e que contribuem para a realidade das divisões.
Para Bourdieu, o mundo social é também representações
e vontade, de todo discurso contém, em si, estratégias
de interesses determinados. A autoridade de um discurso e a sua
eficácia em termos de dominação simbólica
vêm de fora: a palavra concentra o capital simbólico
acumulado pelo grupo que o enuncia e pretende agir sobre o real,
agindo sobre a representação deste real. Para Julia
Kristeva, o que justamente nos atrai, no estudo do imaginário
é esta ambivalência e esta melange entre subjetivo
e objetivo, este quiasma entre a força do ser e a espiritualidade
da idéia. È próprio do imaginário passar
do simbólico ao físico. E ser duas coisas ao mesmo
tempo, processo este que, indo da sensação à
idéia, é a força de sua sedução.
Já Darnton, historiador com nítida influência
da antropologia, definiu a sua tarefa como uma busca de significados,
mergulhando na dimensão social dos textos e fazendo novas
perguntas ao material antigo. Em obra bastante conhecida, Darnton
se movimenta com desenvoltura do texto ao contexto e deste novamente
ao texto. (JATAHY, 19?, p. 18-22).
De olhar mágico, percebemos que o imaginário não
é um ensaio do real. Mas um chamar de algum lugar (evocação)
que dá sentido as coisas. A imaginação_ não
é conhecimento; não sendo conhecimento os saberes
não se opõem: imaginário versus racional, mas
na gênese do conhecimento científico está a
imaginação criadora.
Conforme Pesavento, a função criadora do imaginário
é também resgatada por Bazcko, quando se refere ao
processo de formação de idéias - imagens de
representação coletiva": (...) inventadas e elaboradas
com materiais tirados de fundo simbólico, elas têm
uma realidade específica que reside na sua existência
mesma, no seu impacto variável sobre as mentalidades e os
comportamentos coletivos nas funções múltiplas
que elas exercem na vida social".
Na verdade, a concepção do imaginário como
função criadora se constrói pela via simbólica,
que expressa a vontade de reconstruir
o real num universo paralelo de sinais. Para Castoriadis, a história
é impossível/inconcebível fora da imaginação
produtiva ou criadora a que ele chama de imaginário radical.
A noção de símbolos é, pois, central
e se encontra ligada à de representação: "os
símbolos podem ser considerados derivados dos signos, quer
dizer, do conjunto de elementos conhecíveis e repertoriáveis
mas que, ao mesmo tempo, se propõem como fantasmas ao significado
que retém uma parte do objeto que designam".
Após esse breve sobrevôo no desenvolvimento do pensamento
histórico, dando relevância aos conceitos de imaginário
e de representação; faremos referências agora
a respeito da produção e colaboração
da obra de Raoul Girardet, que analisa o imaginário político
contemporâneo sobre as mitologias políticas principais
na Europa nos dois últimos séculos e em seguida daremos
ênfase ao mito da idade de ouro, para discutirmos um pouco
os bons velhos tempos da cidade de Montes Claros, no interior do
norte de Minas.
Segundo Girardet, os três conceitos de mito - o mito como
narrativa explicativa da organização social, o mito
como ilusão e camuflagem e o mito como apelo ao movimento
e a ação - aplicam-se ao mito político que
além deles, incorpora a realidade psicológica dos
indivíduos. O autor identifica quatro grandes conjuntos mitológicos
políticos contemporâneos: "a conspiração",
"o salvador", "a idade de ouro" e "a unidade".
Diz o autor, que esses mitos saem à flor da pele nos momentos
difíceis de crises sociais, de identidade e legitimidade.
Quando os referenciais se perdem eles surgem como elemento reestruturado
da ordem, como o ordenador do caos.
TEMPOS DE ANTES: MONTES CLAROS
Diz Girardet, "tempo de antes" é aqui, em primeiro
lugar, a propriedade, a barreira das colinas que fecha seu horizonte,
a segurança vigorosa das paredes e dos tetos, a autoridade
patriarcal do pai estendida sobre todo um pedaço de terra.
É também a perenidade de um ritmo de vida confundido
com a sucessão dos trabalhos e das estações,
as lavouras, as semeaduras, as colheitas. E é ainda a intimidade
protetora de um grupo social fechado, solidário, estritamente
hierarquizado, o carroceiro, os pastores, os ceifeiros, as respigadoras,
a própria imagem de uma ordem, de uma sociedade, de um tipo
de civilização de que a criança do mas du juge
cantou mais tarde a glória e de que sonhou assegurar a continuidade.
(GIRARDET, 1987).
Ao trabalhar o mito da idade de ouro, Girardet evidencia as imagens
de um passado tornado lenda, visões de um presente e de que
futuro definido em função do que foi ou do que se
supõe ter sido. Esta é a verdadeira originalidade
do pensamento mitológico é a criação
da imagem surgida de uma lógica racional. Há uma relação
entre o problema e o "herói". Há uma primazia
da emoção sobre a racionalidade. Crer é uma
atitude da mente contrastando com o saber.
Antes de aprofundarmos no pensamento de Girardet a respeito dos
"tempos de antes" faz-se necessário apropriarmos
de algumas informações breves e pertinentes no que
se refere a mito:
"É uma forma de as sociedades espelharem suas contradições,
exprimem seus paradoxos, dúvidas e inquietações"
"São perguntas, problemas, paradoxos e dúvidas,
com os quais uma sociedade se debate e para os quais o mito é
um instrumento de expressão." (ROCHA, 1994). "Narrativa
dos tempos fabulosos ou heróicos. Representação
de fatos ou personagens reais, exagerada pela imaginação
popular, pela tradição, etc. Idéia falsa, sem
correspondente na realidade". (AURÉLIO).
Para Bourdieu, imagens e discursos sobre o real não são
exatamente o real ou, em outras palavras, não são
expressões literais da realidade, como um fiel espelho. Há
uma década entre a concretude das condições
objetivas e a representação que dela se faz. Como
afirma Bourdieu, as representações mentais envolvem
atos de apreciação, conhecimento e reconhecimento
e constituem
um campo onde os agentes sociais investem seus interesses e sua
bagagem cultural. As representações objetais, expressas
em coisas ou atos, são produto de estratégias de interesse
e manipulação. Ou seja, no domínio da representação
as coisas ditas, pensadas e expressas têm um outro sentido
além daquele manifesto. Enquanto representação
do real, o imaginário é sempre referência a
um "outro" ausente. O imaginário enuncia, se reporta
e evoca outra coisa não explicita e não presente.
Este processo, portanto, envolve a relação que se
estabelece entre significantes (imagens, palavras) com os seus significados
(representações, significações), processo
este que envolve uma dimensão simbólica. (PESAVENTO,
1995, p. 15).
Voltando a Bourdieu, enquanto representação do real,
o imaginário é sempre referência a um "outro
ausente". Sendo assim, "tempos de Antes", se remete
há tempos bons, como o da: segurança propriedade,
das estações favoráveis, colheitas, intimidade
protetora de um grupo social fechado, de uma ordem, de um tipo de
civilização. Como é o caso desse que nos referimos
anteriormente, sendo efetivamente vividos antes de Ter sido sonhados;
este exercício é um grande recurso no trabalho de
inflexão, seleção ou de transmutação
que é o da lembrança. Outros, certamente os mais numerosos,
escapam à memória individual por já não
pertencerem senão à da história, ou do que
passa por ser a memória da história.
Muitas vezes nos deparamos com variadas referências do passado,
mesmo sem tê-los vividos, mas seu poder evocador é
a busca de um modelo, de um arquétipo, pois a necessidade
fora do tempo dar-lhe um valor a mais de exemplariedade. O tempo
de antes nos aparece freqüentemente oposto à imagem
de um presente sentido e descrito como um momento de tristeza e
de decadência, ergue-se o absoluto de um passado de plenitude
e de luz. Resultado quase inevitável: cristalizando ao seu
redor todos os impulsos, todos os poderes do sonho, a representação
do "tempo de antes" tornou-se mito. E mito no sentido
mais completo do termo: ao mesmo tempo ficção, sistema
de explicação
e mensagem mobilizadora. Nessa nebulosa complexa, movediça,
que é a do imaginário político, não
há no final das contas, muita constelação mitológica
mais constante, mais intensamente presente que a da idade de ouro.
"Os bons velhos tempos" ou as "belas épocas".
E não se trata, apenas aqui dessa função imemorial
de criatividade legendária que os "antigos" sempre
exerceram, evocando o tempo passado de sua juventude. Em nossas
sociedades ditas modernas, aparentemente dominadas pelo ritmo cada
vez mais rápido da mudança, não se poderia,
aliás, negligenciar esse frémito de emoção,
de caráter estético e sentimental ao mesmo tempo,
que parece cada vez mais ligar-se aos restos aos destroços
recuperados de um passado ainda surpreendentemente próximo:
instrumentos, ferramentas, máquinas que datam, das primeiras
épocas da revolução industrial, por vezes mesmo
mal saídos de uso, tornam-se objetos de pesquisa e de devoção,
ganham lugar nesse museu imenso e multiforme que uma certa religiosidade
mantém hoje em relação ao efémero mais
imediato. (GIRARDET, 97-98).
A PUREZA DAS ORIGENS
Dias inauditos! O bom, o belo, o justo fluíam na torrente,
estremeciam no arbusto. ... nada tinha mácula e nada tinha
sulco; dias puros! Nada sangrava por unha e por dente o animal feliz
era a inocência rondando. (GIRARDET, 106).
"É Hugo quem, em La Légende d-es Siècles,
evoca o éden, o paraíso perdido,"os primeiros
tempos do globo", quando nas brenhas "o cordeiro pastava
com o lobo". Tempo de felicidade de uma graça ainda
não rompida, do brilho das primeiras auroras". (Girardet)
Não pretendemos evocar um tempo tão distante; das
auroras, do primeiro sol, das primeiras manhãs montes-clarenses,
mas alguns "bons velhos tempos". Os tempos dos velhos
carrosde-boi a cantarolar pelos becos e ruas numa magia de encantos;
tempos das carroças e carrocinhas do leite a buzinar, anunciando
a chegada, assanhando à garotada do lugar, que a noite mal
dormiam,
e ficavam em vigília à espera do novo dia, para em
seguida ouvir a buzina da carrocinha do leite; tempos do velho mercado
na praça Dr. Carlos, onde aos sábados os comerciantes
vendiam trocavam os produtos hortifrutigranjeiros que vinham da
roça; também era o lugar ideal de encontro dos amigos
para trocas de palavras; palavras amigas, palavras alegres e `as
vezes tristes; ali era aos sábados o pulmão da pequena
cidade, onde feirantes e comerciantes negociavam seus produtos;
ali era o cantinho dos mascates, alfaiates, vendeiros, barbeiros,
professores, médicos, donas-de-casa e até o bispo
de vida atribulada e outros.
O tempo da Praça da Matriz, com suas missas aos domingos
de manhã na Igreja de São José; as procissões
do Senhor Morto, os grupos de jovens cristãos, os grupos
de oração as confrarias e os vicentinos. Tempos de
D. João Antônio Pimenta, D. José Alves Trindade,
Pe. Dudu, Pe. Janjão, Pe. Oswaido, Pe. João Fio, Pe.
Joaquim e Pe. Tadeu. Era o tempo do coreto da matriz, com seus pássaros
a gorjear; os idosos na praça evocando ainda mais outros
tempos, tempos inauditos.
Ah! Montes Claros!!! Montes Claros, de Tuia, Betão, Belo
do Marimbondão, irmã beata, galinheiro, Mila Doida,
e tantos Outros.
Montes Claros, dos catopês, marujos e caboclinhos; da festa
do divino, de Nossa Senhora do Rosário. Montes Claros da
calmaria, onde todos se conheciam, até por apelido.
Montes Claros era rainha e quis virar princesa, e virou. Chegam
as estradas, o trem de ferro em 1926, e com eles, o progresso. Através
de alguns textos jornalísticos, procuraremos evidenciar esses
acontecimentos que influenciaram mudanças consideráveis
no cotidiano das famílias da cidade de Montes Claros.
ALGUNS
NOMES QUE FICARAM
OS DOIS PRIMEIROS BISPOS - DOIS MAGISTRADOS
Os dois primeiros bispos - D. João Antônio Pimenta
e D. Aristides Porto, que têm os seus nomes guardados com
carinho - dormem na terra montes-clarense. De um padre de batina
branca - cônego Carlos Vincart - todos conservam a recordação
de um espírito esclarecido e empreendedor. Luís Pires
e Francisco Ribeiro - lições de trabalho. Olinto Martins
foi Juiz Municipal. Diretor da Escola Normal deixou uma tradição
de inteligência e dignidade. Doutor Bessoni - José
Bessoni de Oliveira Andrade - era Juiz de direito. Modelo de correção
moral. (Revista Montes Claros em Foco, 1957).
"Povo. meu irmão" Os discursos de ontem, em Montes
Claros
- Povo, meu irmão!
Atenção, muita atenção. O Major Honor
Sarmento está começando um discurso. Fala da sacada
do sobrado ilustre - alma e coração da cidade, testemunha
de episódios históricos - que o Coronel Joaquim José
da Costa.
Estamos em 1924. O discurso é uma saudação
a Francisco Sá, ministro da viação, que visita,
pela primeira vez, a cidade. Dois anos depois, chegaria a estrada
de ferro - que Montes Claros lhe ficaria a dever.
Na sua volta, em setembro de 1926 - dentro do primeiro trem da central
que chegou à cidade -foi ainda Honor Sarmento que o saudou.
Por especial delegação do Ministro Francisco Sá
- que era o maior orador do Brasil- o agradecimento foi feito por
Milton Prates, seu oficial de gabinete, em belas e comovidas palavras.
Povo, meu irmão!
Honor
Sarmento era dos oradores da cidade. O farmacêutico Antônio
Ferreira de Oliveira, José Correia Machado, Teodomiro Paulino,
Alfredo Coutinho, Antônio Augusto Spyer, José Tomás
de Oliveira, Antônio Prates Sobrinho, também faziam
discursos, muito apreciados. . (Revista Montes Claros em Foco, 1957,
p. 15).
CAMILO PRATES
O bonde vai deixando o tabuleiro, no largo da carioca, no Rio de
Janeiro. Entra apressado na Rua Senador Dantas. Logo adiante, uma
velha placa amarela, pregada num pequeno sobrado, volta o ponteiro
o dias mortos.
É o número 31. E está escrito: - "Hotel
Continental". Em toda parte do Brasil, bem longe do Rio, haverá
sempre quem saiba de cor o endereço de certa rua da grande
cidade, onde mora um amigo querido, ao qual todos escrevem com freqüência.
Para muitos que viviam na boa Montes Claros de quarenta anos atrás,
o Rio era apenas aquela indicação simpática:
-"Hotel Continental", rua Senador Dantas, 31". Ali
morava Camilo Prates, durante a temporada parlamentar. Enquanto
o bonde passa, a imaginação trabalha. O tempo recua.
Uma figura aparece, generosa e valente. No tranqüilo Rio de
1915, o Deputado Camilo Prates sai para a Câmara. Mas, os
seus olhos
mal percebem a paisagem urbana. O pensamento está longe.
O sertanejo evoca o pé de serra, o riacho, o campo de vegetação
rala e ondulante - onde moram as perdizes e as cordonas - que ele
em breve irá percorrer a cavalo, no longo percurso da estrada
de ferro à sua cidade natal.
Dentro daquele mineiro, bate um grande e nobre coração.
É compreensivo e justo. No tempo do Império, ele já
servia, devotamente à sua terra na Assembléia Provincial.
Constituinte Mineiro, assinou a carta política de 1891. Professor,
advogado, Senador Estadual, foi Deputado Federal durante quase vinte
anos - até 1930 - tendo exercido o mandato legislativo com
brilho, eficiência e exemplar dignidade.
A
sua alma e seu espírito não envelheceram. Aos oitenta
anos, em meio de gente nova, Camilo Prates continuava a ser o mesmo
de sempre - o mais moço entre os jovens que o cercavam.
A placa amarela do velho hotel desperta antigas lembranças.
Há um instante de ternura. O amigo está morto. Mas,
é como se ele surgisse, acolhedor e ameno, na solidão
da grande cidade. (Revista Montes Claros em Foco, 1957, p. 13).
APROVADA IMPORTANTE EMENDA
Ainda recentemente, de autoria do ilustre Deputado José Esteves
Rodrigues, foi apresentada na Câmara Federal uma importante
emenda de número 323, relacionada com obras rodoviárias
em projeto. A referida emenda, já aprovada, tem grande significado
para Montes Claros e Toda esta região, desde que se refere
à continuação da BR-3 para o norte do Brasil,
obra já em execução.
Através da emenda do Deputado mineiro foi concedida a verba
de 30 milhões de cruzeiros para o trecho Curvelo-Montes Claros,
que inclusive deverá ser pavimentado, proporcionando assim,
aos passageiros e veículos que por ele transitam excelentes
condições viagem.
Na
sua justificativa o Deputado Esteves Rodrigues salienta:
- O prosseguimento da BR-3 de Belo Horizonte a Juazeiro, na opinião
do saudoso Edison Passos, o notável engenheiro que presidiu
a comissão transportes da Câmara, tendo ainda relatado
o plano nacional de viação, quando opinou sobre a
emenda n° 38 de nossa autoria, pode ser considerado o eixo do
sistema de acesso a Rio São Francisco, e permitirá,
conjugada com outras ligações do sistema nacional,
a ligação rodoviária do Rio Grande do Sul a
Belém do Pará, servindo a todas as capitais (...).
(Revista Montes Claros em Foco, 1957, p. 14).
“Que
formidável coisa boa!”
Foi assim que Silvio Teixeira, em nome das ruas de baixo, saudou
o desabamento do mercado que estava sendo construído na parte
de cima da cidade.
A vida era sossegada e sem problemas.
No
fim do século, as construções foram aumentando
mais depressa.
Montes Claros crescia...
Surgiam, então, ideias líricas. Na fachada de uma
casa espaçosa, acolhedora e simpática, que ficava
no começo da Rua Direita, foram esculpidas uma rosa e duas
chaves.
Era o nome da dona da casa - Rosa Chaves, a velha e querida mestra.
A edificação do mercado municipal, há quase
sessenta anos passados na parte de cima da cidade, foi um golpe
nas ruas de baixo.
No correr da construção, desabou o mercado.
Que formidável coisa boa!
Foi o que escreveu no eu pequeno caderno de notas o velho comerciante
Silvio Teixeira, que habitava uma das ruas de baixo, e assim registrou
com alegria o acontecimento.
O
mito do progresso chega a Montes Claros, rompem as cirandas e a
vida coletiva. Girardet nos alerta:
É com particular atenção que é preciso
registrar esse anátema lançado sobre a cidade - a
grande cidade, a cidade moderna, captadora de energias, redutora
das almas e corrupção dos corpos. Entre tantas vozes
consagradas à evocação das épocas desaparecidas,
seria sem dúvida muito pouco convincente ignorar as diferenças
de tempos de referência histórica, assim como negligenciar
as aposições de tonalidade ideológica. Para
além dessas diferenças e para além dessas aposições,
não se poderia, contudo, deixar de sublinhar esse fator decisivo
de permanência que representa a denúncia de um mesmo
tipo de sociedade: o tipo de sociedade ao qual se supõe corresponder,
precisamente, a imagem da grande cidade moderna, apresentada como
um entreposto de riquezas sempre renovadas, uma rede incessante
de trocas de tráficos. Organização coletiva
concebida como inteiramente fundada na procura do lucro, inteiramente
regida pelas exclusivas leis do mercado, é pelo qualitativo
de "mercantil" que essa sociedade logo será designada.
E é enquanto sociedade "mercantil" que não
cessará de ser recusada. (Revista Montes Claros em Foco,
1957, p. 115).
A rápida passagem de uma comunidade agrária para uma
comunidade urbana, como a da cidade de Montes Claros, com certeza
traria transformações substanciais nos modos de vida.
COMUNIDADE
E URBANIZAÇÃO
A Emergência e o Crescimento das Cidades.
Segundo Turner Jonathan, um dos efeitos das migrações
internas e da migração é aumentar a taxa de
urbanização, ou a proporção da população
que vive em comunidades densamente estabelecidas (Frisbie e Kasarda,
1988). Estruturas primitivas de comunidade mal puderam predizer
o que planejariam quando as populações crescessem
e começassem a migrar de lugar para lugar (Sjoboerg, 1960).
(...) Mas, até mesmo quando as cidades cresceram com a agricultura,
elas não eram grandes para os padrões atuais; poucas
excediam 100.000 habitantes e menos do que 10% da população
vivia nelas. (...) com a industrialização, entretanto,
a dimensão e natureza das cidades e as relações
entre elas foram drasticamente transformadas. (...) com a industrialização,
as cidades tornaram-se estruturas empresariais, que ajudavam a estimular
a mão-de-obra, o capital e a tecnologia junto
com fábricas construídas perto de fontes de recursos
e rotas de transporte.
As cidades sempre atraíram os migrantes, mas a industrialização
acelerou esse processo, embora fatores associados à falta
de oportunidades e miséria dos lavradores
tenham sido certamente um grande impulso (de fato, visto que as
primeiras cidades, industriais eram lugares muito desagradáveis,
as pessoas que migravam para elas deviam estar em situação
desesperadoras. (TURNER, 1999).
Norte e Vale concentram problemas sociais.
Favelas retraíam a fragilidade na estrutura das grandes cidades
como Montes Claros. Os pólos da carência em Minas.
O norte e o Vale do Jequitinhonha abrigam a maior porcentagem dos
problemas sociais e econômicos do Estado. As cidades-pólo,
Montes Claros e Teófilo Otoni atraem os retirantes de outras
cidades desta região e até mesma do sul da Bahia,
que apresenta o mesmo aspecto físico e político. Para
se Ter uma idéia, o número de flagelados da seca que
assola o norte de Minas é coincidentemente o mesmo número
de habitantes de Montes Claros: 271 mil. A dengue, doença
que preocupa não só o norte como todo o Estado, já
foi detectada em mais de 5.500 pessoas. E para cada caso registrado
os especialistas em saúde fazem a proporção
de 10 suspeitos.
Hipoteticamente o mal da seca ataca uma cidade como Montes Claros.
Ou como se dengue atacasse 20% da população Montes-clarense.
(Jornal de Notícias, 22 maio 98).
ZONA RURAL DO NORTE DE MINAS ESTA ABAIXO DA
LINHA DE POBREZA DO PAÍS
O Norte de Minas faz parte da classe rural mais pobre do Brasil,
segundo recente levantamento feito por um grupo de pesquisadores
da universidade do Estado do Rio de Janeiro - UERJ, encomendado
pelo Ministério de política fundiária. A região
nordeste de Minas compõem a classe seis, que lidera as quatro
classes mais pobre do país, seguida pela classe cinco (parte
do nordeste de Minas, Acre, e Norte do Espírito Santo); classe
quatro (Paraná, Rio Grande do Sul, Mato Grosso, Goiás
e toda a região norte) e três (todos os estados do
sul). (Jornal do Norte, 26 nov.19 98).
Fica-nos uma inquietação, será que quanto mais
acelera o processo de desenvolvimento nas cidades-pólo como
Montes Claros, o desejo de evocação da "idade
de ouro" se toma presente? Diz Girardet, e é enquanto
sociedade "mercantil" que não cessará de
ser recusada.
Sabemos que, cada sociedade define e elabora uma imagem do espaço
onde vive, dando a ela um conjunto de significados e sentidos. E
assim que se torna possível interligar as expressões
imaginárias da sociedade, observando as práticas comuns
de adesão da esfera da cultura, como a totalidade da forma
de vida da sociedade, em suas dimensões material e intelectual.
Só assim compreenderemos como a cultura de um povo é
importante e se toma mediadora das novas formas de viver no mundo
moderno, possibilitando a emergência de novas interpretações,
indicando novos caminhos para as modificações que
se operam na existência em sociedade.
Por isso, para concretização dos nossos escritos,
e de uma abordagem mais qualificada a respeito dos "tempos
de antes" da cidade de Montes Claros, tornou-se necessário,
não apenas dialogar ou citar alguns autores; mas foi preciso
fazer uma conexão com a "idade de ouro" de Raoul
Girardet, constituindo assim em uma importante referência,
para narrarmos os "bons velhos tempos" montesclarense.
Na
"idade de ouro", Girardet refere-se ao tempo de antes,
como o tempo da harmonia social, tempo lendário de caráter
maravilhoso. Recupera o mito como mensagem mobilizadora para o tempo
presente. Pois para ele o tempo de antes nos aparece freqüentemente
oposto à imagem de um presente sentido
e descrito como um momento de tristeza e de decadência. O
tempo de hoje é o tempo também de degradação,
de crise. Crise econômica e social, onde os valores individuais
subordinam o coletivo. Tempo de hoje, são retratados nos
outdoors, jornais, TV e nas ruas, como o tempo de insegurança;
violência em todos os níveis.
Sendo
assim, fazer referência a Girardet e escolher o mito da "idade
de ouro" como norteador de nosso "artigo", é
simplesmente reconhecer que o "tempo de antes" por nós
abordados aqui se integra na própria análise de Girardet,
quando o mesmo expõe ao longo do texto da "idade de
ouro" a questão do futuro se apoiando no passado, presente,
futuro definidos em função do que foi. Valores resgatados,
como da inocência, pureza, amizade, solidariedade, comunhão,
nossas origens, diante dos "costumes corrompidos deste tempo",
recupera a festa, como comunhão social, fusão dos
espíritos, dos corações. Segundo Girardet,
a festa enquanto comunhão social está
intimamente confundida com uma outra aspiração, de
forte exigência, que é a da segurança, edificação
do modelo de comunidade fechada, protetora, sonho de permanência.
"... A edificação desse mito se contrapõe
uma realidade de uma história em movimento, marcada por rupturas
bruscas. Nesse sentido existe uma noção de recusa
da modernidade..." (GIRARDET, p. 97-133).
Para Girardet, o mito da idade de ouro surge sempre como forma de
resistência nos momentos em que a evolução econômica
e social tende a precipitar-se. Quando normalmente o processo de
mudança toma impulsos, e os antigos equilíbrios encontram-se
freqüentemente questionados.
BIBLIOGRAFIA
AURÉLIO,
Buarque H. F., JE.M.M. Editores, 1986 GIRARDET, Raoul. Mitos e Mitologias
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Maria Lúcia Machado, 1987.
GIRARDET,
Raoul. Mitos e Mitologias Políticas. Maria Lúcia Machado
(trad.).
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LEVI-STRAUSS,
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Revista Montes Claros em foco, n° 6, janeiro de 1958, p. 14
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ROCHA, Everardo P. Guimarães. O que é Mito. São
Paulo: Brasiliense, 1994
TURNER H. Jonathan. Sociologia - conceitos e aplicações.
Tradução: Márcia Marques Gomes Nauas. Makron
Books, 1999.
O
MILAGRE DO OURO BRANCO
Haroldo
Lívio
Cadeira N. 82
Patrono: Nelson Viana
Pelo
conhecimento que a ciência tem das forças da natureza,
principalmente no campo da meteorologia, não poderia haver
lavoura de algodão, na zona produtora do Norte de
Minas, neste ano agrícola 82/83. Porém, graças
ao instinto de sobrevivência que empurra o homem do sertão,
na luta desigual contra o clima hostil, pode-se registrar que está
sendo colhida, nos algodoais que se estendem de Porteirinha até
Guanambi, já na Bahia, uma das maiores e melhores safras
dos últimos anos.
Essa colheita abundante e de produto de ótima qualidade para
a indústria têxtil, segundo o testemunho dos radiantes
plantadores da região, pode ser considerada como o verdadeiro
milagre do ouro branco; e há razões de sobra para
se crer que pode ter havido, de fato, uma benéfica intercessão
do céu em favor do lavrador norte-mineiro, que plantou a
semente de algodão fora da quadra tradicional fixada no calendário
agrícola. De outro modo, não dá para entender,
racionalmente, o que aconteceu com a cotonicultura.
SECA
Realmente, se hoje temos o quadro econômico de uma safra alvissareira,
exatamente há seis meses, em dezembro de 1982, ainda vivíamos,
nos municípios mineiros do Polígono das Secas, deprimente
situação de calamidade pública, em face de
prolongada estiagem que se abateu sobre esta área problemática
do estado.
As chuvas de fim de ano, de que tanto depende a economia rural da
região, habitualmente esperadas para o limiar de novembro,
ainda não haviam caído. Os índices de precipitação
pluviométrica achavam-se no ponto zero. E as chuvas de fim
de ano, que não podem faltar, nem sequer haviam dado o ar
de sua graça, nas primeiras águas tradicionais, do
Dia de São Miguel, em setembro, e de Todos os Santos, que
são tidas como sinais positivos de inverno.
A classe ruralista espichava o pescoço para cima, esperando
o primeiro pingo d água, como na triste cantiga, enquanto
se confirmava a instalação de outra seca medonha no
Norte de Minas, com maus presságios de carestia, falta de
comida, mais desemprego e êxodo rural. Os prejuízos
se acumulavam, amedrontavam as autoridades públicas. Ao mesmo
tempo em que o sol inclemente esterilizava o chão, milhares
de cabeças de gado morriam de fome e sede.
O governo estadual decretou estado de emergência nos municípios
assolados pela estiagem, tomou providências preventivas e
o próprio governador Francelino Pereira visitou a região,
nos pontos críticos, em missão humanitária
de socorro e solidariedade às vítimas do flagelo.
Parecia que desta vez estava tudo perdido, com a débil economia
regional à beira da bancarrota. Era a seca devastadora.
MILAGRE
Entretanto, quando se esvaíam as derradeiras esperanças
de salvação, por falta de sinal de chuva, fomos salvos
pelo milagre do natal. Na noite santa da vinda do Salvador, nuvens
escuras toldaram o céu azul de verão, o teto baixou
e uma garoa mansa começou a molhar a terra ressequida. A
chuva fina engrossou, transformou-se em chuva geral, encharcou os
campos e
entrou pelo veranico de janeiro adentro.
Renovado de esperanças, o lavrador acreditou na constância
da chuva e decidiu plantar a roça, com o atraso de dois meses.
Consultados, os agrônomos da Emater, prudentemente, e temendo
prejuízo ainda maior para os plantadores, desaconselharam
a semeadura, com justo motivo e conhecimento de ofício, uma
vez que não se pode prever o tempo de duração
de uma chuva temporã, principalmente em janeiro, que é
mês de sol.
Os
bancos do crédito rural, baseados no parecer técnico,
pagaram o seguro dos trabalhos culturais já feitos nos campos
lavrados e suspenderam o financiamento do plantio, com receio de
que os agricultores estivessem enganosamente empolgados com uma
chuva que poderia ser passageira. ...E as chuvas continuaram caindo
e fecundando o solo preparado para a lavoura.
OURO! OURO!
Os plantadores de algodão queriam plantar desafiando a tecnologia
e a burocracia dos bancos, porém, não dispunham de
recursos financeiros para a compra de sementes e insumos agrícolas.
Raciocinavam eles, com o argumento dos aflitos, que não lhes
restava outra alternativa, já que quase tudo estava perdido.
Não poderiam esperar pelo ano seguinte. Plantariam já.
Assim, venderam juntas de bois, carroções, ferramentas,
tudo que pôde ser negociado, e plantaram algodão. Continuou
chovendo,
como esperavam e, em seguida a semente germinou. A roça começava
a vingar. Quando abril chegou, com as manhãs mais bonitas
do ano, a maçã do algodão já estava
aberta e a alvura dos capuchos tingia as baixadas e serras de um
branco virginal, dando a impressão, a quem os vê à
distância, de que os campos de algodão são cafezais
cobertos pela geada. Os plantadores da zona algodoeira, que se contam
aos milhares de pequenos proprietários
de glebas familiares, estão exultantes com a safra deste
ano, que veio para eles como um presente de Natal e um prêmio
de reconhecimento à sua coragem na luta contra as armadilhas
da natureza, que é mãe e também madrasta. Esta
safra é uma festa de fartura e prosperidade. Com isto, os
cotonicultores ignoram a crise econômica que engolfa o país
e comentam, satisfeitos, os preços de cotação
do produto que se firmam em Cr$ 3.500 por arroba e podem subir mais,
segundo os mais otimistas.
É a corrida do ouro branco, o ouro que o homem do sertão
planta e colhe multiplicado, e que passa pela mão de muita
gente, ouro bendito! É a cultura do algodão, uma riqueza
social que provoca a reação do comércio e da
indústria, gera impostos para o governo e cria milhares de
empregos de mão-de-obra temporária.
Quando em outras regiões, normalmente, há desânimo
e impaciência com a crise nacional, na zona algodoeira tudo
se passa conforme a safra pode permitir. Em Mato Verde, município
algodoeiro por excelência, uma modesta loja de eletrodomésticos,
em apenas uma semana, pode vender oitenta fogões a gás;
e em Porteirinha, o município maior produtor de algodão
no estado, um revendedor de motos está vendendo até
seis unidades por dia, prevendo-se que a arrecadação
local de ICM, no corrente ano, até agosto, já possa
alcançar a cifra de Cr$ 500 milhões de cruzeiros.
Nessas cidades, o avião do Bradesco já integra a paisagem,
pois, sempre desce trazendo mais valores para a comercialização
da safra, transformando aquela zona produtora em oásis da
crise econômica geral, embora a região ainda não
tenha recebido dos poderes públicos os inúmeros melhoramentos
de que necessita para sua modernização.
Tudo
isso acontece porque o homem do nosso sertão é teimoso
e dotado de destemor para enfrentar as dificuldades que o próprio
meio ambiente coloca em seu caminho. Mas ele não esmorece
e trabalha. Até agora, ainda não foi derrotado. Logo,
para definir o caráter e o heroísmo anônimo
do lavrador de nossos campos semi-áridos, não existe
nada mais coerente e atualizado que repetir, com gosto de novidade,
a expressão imortal esculpida pelo gênio de Euclides
da Cunha: “O sertanejo é, antes de tudo, um forte.”
DONA
TIBURTINA: MULHER DE FIBRA, SIM SENHOR!
Itamaury Teles
Cadeira N. 84
Patrono: Newton Prates
Montes Claros é uma cidade famosa, em nível nacional,
por vários motivos.
Além da sua economia pujante, onde vicejam indústrias
de ponta em termos tecnológicos, da sua Universidade Estadual,
classificada como a segunda melhor do País – com base
nos resultados do Exame Nacional de Desempenho de Estudantes (Enade/MEC)
- do seu rico folclore e da hospitalidade da sua gente, faz muito
tempo que uma mulher é reverenciada, aqui e alhures, como
ícone da braveza sertaneja: Dona Tiburtina.
Embora tenha seu nome vinculado umbilicalmente à cidade,
Tiburtina de Andrade Alves – a famosa esposa do médico,
chefe político e Deputado à Constituinte de 1934,
Dr. João José Alves -, não é montes-clarense.
Viu a luz na antiga São João Batista, cidade hoje
conhecida como Itamarandiba, no Vale do Jequitinhonha, embora tenha
vivido aqui boa parte da sua existência.
Ela morreu no dia 20 de abril de 1955, aos 80 anos de idade, já
viúva pela segunda vez, porquanto, ao se casar com oDr.
João Alves, ainda em plena mocidade, já enviuvara
de um seu parente, moço com pendores para a boemia, com quem
teve um casal de filhos.
Mas, por que Dona Tiburtina continua na ordem do dia, sendo motivo
de teses acadêmicas, projetos de filmes, personagem proeminente
em livros, e sempre destacada entre as figuras femininas que marcaram
época no território montanhês, no século
passado?
A principal causa disso tudo reside num episódio que sacudiu
Montes Claros e que, segundo alguns historiadores, deu início
à mudança de rumos na política nacional, culminando
com a eclosão do movimento revolucionário, em outubro
de 1930, que fechou o Congresso Nacional e empossou Getúlio
Vargas.
O fato é que, em 6 de fevereiro de 1930, aconteceu em Montes
Claros intenso tiroteio, envolvendo a caravana do então Vice-Presidente
da República, Fernando de Melo Viana, que resultou em 6 mortes
e 15 feridos, cuja repercussão ultrapassou as fronteiras
pátrias. Tal episódio fora rotulado de “tocaia
de bugres” pelo presidente da República de então,
Washington Luiz – certamente sob forte emoção
ao saber da notícia nefasta envolvendo seu substituto direto
- , como se os montes-clarenses de antanho fossem índios.
Tudo começou quando a “Aliança Liberal”,
facção comandada em Montes Claros pelo Dr. João
Alves, tomou conhecimento da vinda da comitiva do Vice-Presidente
da República, Melo Viana – da “Concentração
Conservadora” – para aqui participar do “Congresso
do Algodão e Cereais”.
Para tornar a recepção a essas autoridades a mais
pífia possível, já que se aproximavam as eleições,
os Liberais soltaram panfletos na cidade solicitando aos seus adeptos
a não comparecerem à solenidade, permanecendo em suas
residências, sob o argumento de que tal medida visava a evitar
confronto.
Todavia, tal tática resultou infrutífera, tendo em
vista que o Conde Dolabela Portela fez chegar à cidade diversos
vagões de operários de sua fábrica de açúcar
em Granjas Reunidas, para fazer as vezes de claque durante a permanência
das autoridades na cidade. Além disso, muitos Liberais acabaram
não atendendo ao apelo, pois a vinda de um Vice-Presidente
da República à cidade, por si só, era motivo
de muita curiosidade popular.
O Vice-Presidente chegou acompanhado de grande séqüito,
por volta das 23 horas, e, após discursos ainda na gare da
Central do Brasil, desceram a Avenida Francisco Sá e viraram
a rua D. João Pimenta, sob ruidosa manifestação
popular, de “vivas” aos Conservadores e “morras”
aos Liberais, acompanhados por espocar de fogos.
Ao passar em frente à residência do Dr. João
Alves – que era situada onde é hoje o Automóvel
Clube – um ruidoso petardo explodiu aos pés desse chefe
político, atirado por manifestantes que gritavam o “morra”
aos Liberais. Atordoado pela bomba e asfixiado pela fumaça
dela resultante, o médico fora carregado por amigos seus
para dentro da residência. Atribui-se a este fato o “estopim
que ateou fogo à dinamite”, deflagrando descarga de
tiros de carabina e revólveres, num intenso fogo cruzado.
Cessado o tiroteio e dispersa a multidão, contabilizou-se
a morte das seguintes pessoas: José Antônio da Conceição,
o menor Austílio Benjarane Tecles (Fifi), João Soares
da Silva (João Gordo), Dr. Rafael Fleury da Rocha (secretário
particular de Melo
Viana), Iracy de Oliveira Novais (irmã de Ary de Oliveira,
diretor da “Gazeta do Norte”) e Dr. Moacyr Dolabela
Portela.
Dentre os feridos, o Vice-Presidente Melo Viana, com lesões
indiretamente imputadas ao tiroteio, pois, segundo a perícia,
seus ferimentos foram causados por fragmentos ósseos projetados
do crânio do seu secretário particular, Dr. Fleury,
que fora alvejado ao seu lado.
Como
em política o que importa é a versão e não
o fato, após esse episódio que denegriu a imagem de
Montes Claros, o perfil de Dona Tiburtina sobressaiu estampado em
diversos jornais e, principalmente na revista “O Malho”,
caricaturada em tocaia, de escopeta em punho, tendo ao lado um embornal
com rapadura e farinha, como a comandante em chefe do ataque, após
ver seu marido adentrar a residência pondo sangue pela boca
e pelo nariz, atingido que fora por uma bomba.
Patrocinado ou não pelas hostes da “Concentração
Conservadora”, que se opunham à “Aliança
Liberal” capitaneado pelo seu marido na cidade, a versão
que resiste sobre Dona Tiburtina, por quase 80 anos, é esta,
de ter sido muito valente, uma espécie de “Coronel
de saias”, como a rotula a “Albernaz Filmes”.
Essa companhia cinematográfica pretende transformar em película
a saga dessa mulher “que marcou época de mandos, envolvida
em peripécias políticas interessantes no Norte de
Minas Gerais”.
De fato, até o escritor e coronel reformado da PM, Geraldo
Tito Silveira, afilhado de Dona Tiburtina, em casa de quem morou
até a morte de seu marido, em 1934, deixa escapar em diversas
partes do seu livro “Tocaia de Bugres”, aspectos que
revelam a índole dominadora da sua madrinha, como ao narrar
episódio em que, por ausentar-se da cidade para desarmar
o reduto do Conde Dolabela Portela, logo após o tiroteio,
o Tenente Coelho deixou o comando do “Batalhão Patriota”
em mãos de um ex-colega. Este, para agradar Dona Tiburtina,
mandou deter alguns adversários políticos do Dr. João
Alves, levando-os ao cemitério local, onde lhes deu uma surra
e os submeteu à humilhação de beberem urina
com fezes. Ao saber do ocorrido, Dona Tiburtina mandou chamar o
Tenente Coelho e lhe fez severa reprimenda: “- Tenente, o
senhor fez mal em deixar o comando entregue a um irresponsável,
pois o que fizeram a esses homens não é digno de uma
pessoa honrada. O senhor é testemunha de que não tive
qualquer participação neste ato monstruoso, mas irão
dizer assim mesmo que “foi a mando de Dona Tiburtina”.
Noutro
trecho, o Cel. Tito descreve o encontro de um repórter do
jornal “O Globo” com Dona Tiburtina, na presença
do Dr. João Alves. Além de haver notado visíveis
sinais de que o Dr. João Alves se encontrava bastante enfermo,
observou o carinho deste para com Dona Tiburtina, “evitando
sempre contrariá-la e mostrando-se solícito em atendê-la
em seus menores “caprichos”. Daí a impressão
de que ela o dominava, embora fosse um homem culto, de muita cultura
mesmo!” – assinala Tito da Silveira.
Em e-book disponível na Internet, o escritor Fernando Gabeira
ratifica a imagem de Dona Tiburtina, como uma mulher valente e destemida,
que fazia e acontecia. Em seu texto, o atual e combativo deputado
federal Gabeira relata: “No bolso quatro nomes de mulher:
Tia Pantera, Beja, Chica da Silva e Olímpia de Ouro Preto.
Não me pergunte por que quatro e não oito, pois não
saberia responder.
- Falta uma. Tiburtina. Dona Tiburtina.
O nome era de uma respeitável sonoridade, mas por si só
não me arrebataria se os olhos de amigo não brilhassem
tão maliciosamente e se ele não batesse com as mãos
abertas nos quadris, retirando-as fechadas, como se tivesse dois
revólveres apontados em minha direção.
- Tiburtina era brava; fazia e acontecia.
Tiburtina. Assim, armada de dois imaginários revólveres,
ela entrou na minha pequena lista, descortinando um lugar que não
suspeitava visitar no momento: o sertão.”
Noutro trecho, uma personagem de Gabeira se insurge contra infâmias
de um seu detratador, e ameaça: “- Você disse
que eu estou dando para uma pessoa. Não repete, senão
te arrebento. Arrebento mesmo. Você não me conhece:
sou sobrinha da Dona Tiburtina. Te mato.”
Enquanto
viveu, o escritor Geraldo Tito Silveira foi um defensor incansável
da memória de sua madrinha, tendo acusado inclusive Gabeira
de ser tendencioso, ao escrever seu livro ouvindo apenas os descendentes
de inimigos políticos do Dr. João Alves. Para ele
“Dona Tiburtina é uma mulher lendária como D.
Beija, Joaquina de Pompéu, Maria da Cruz, Chica da Silva
e outras, embora tenha sido muito diferente de todas elas, pois
não se aproveitava de sua posição para mandar
tirar a vida alheia.” Por fim, atribuiu as acusações
a Dona Tiburtina, mais uma vez, aos inimigos políticos do
Dr. João Alves, porquanto “o povo não acreditaria
que ele, médico da pobreza, benemérito da “Gripe
Espanhola”, seria capaz de mandar tocaiar seus adversários”.
De forma mais edulcorada, bem ao estilo do tradicional político
mineiro, o Governador de Minas, Aécio Neves, na solenidade
de encerramento da Semana da Inconfidência, em 21 de abril
do ano passado, fez referência a “Dona Tiburtina de
Montes Claros” em seu discurso, alinhando-a dentre as mulheres
mineiras que ajudaram a construir a nossa história e, ao
lado de Dona Joaquina de Pompéu, classificou-a como uma das
“matriarcas poderosas”.
E assim, subsistente ao tempo que flui célere, a controvertida
figura de Dona Tiburtina se nos afigura cada vez mais viva, evocando,
sempre, profundo respeito e admirável fascínio.
HOTEL
SÃO LUIZ - O CRISTO DE GODOFREDO
João
Carlos Sobreira
Cadeira N. 53
Patrono: João Batista de Paulo
O
salão de refeições do hotel era bastante grande,
tinha dezesseis mesas quadradas, de madeira maciça, com um
metro e vinte centímetros de lado, pintadas de preto. Também
tinha dois móveis de apoio para guardar pratos, pires, xícaras,
copos, talheres, toalhas e guardanapos de pano (ainda não
se usava de papel!). Os móveis também serviam de aparador
e ficavam um de cada lado da escadinha que fazia a ligação
com a copa e, através dela, com a cozinha. E havia uma geladeira
imensa de quatro portas, mais à direita
Mas, o que eu quero destacar aqui é a presença, na
parede do fundo do salão, de um quadro pintado por Godofredo
Guedes. Hoje ele se encontra no meu escritório, compondo
minha pequena galeria de arte, constituída de pinturas, fotografias,
trabalhos em madeiras e cerâmicas, cartazes etc.. Este Cristo
pintado por Godofredo é datado de 1936 e, seguramente, deve
ser a mais antiga de suas obras de pintura em Montes Claros. Trata-se
de uma peça, em óleo sobre tela, medindo 0,70 x 1,17
metros.
Pelo fato de ela ter ficado por aproximadamente dezoito anos exposta
em um salão de refeitório de um hotel, sob a ação
de poeira
(neste período as ruas do centro eram apenas encascalhadas)
e da fumaça, diariamente vinda da cozinha, de manhã,
ao meio dia e à noite, foi restaurada pelo autor em 1959,
época em que passamos o hotel para 'Seu' Zé Português
e o quadro foi conosco para a nossa casa nova, na rua Dr. Veloso.
Godofredo, baiano de Montes Claros, faleceu em 1983 e foi, no meu
entender, um verdadeiro gênio das artes. Pintor autodidata,
deixou uma imensa galeria de obras, em que apresenta belíssimas
pinturas de alto gabarito, paisagens e marinhas repetitivas (estas
ele as fazia em série, a exemplo do modelo fordiano). Além
disso, foi um excelente músico e executava, com maestria,
obras no saxofone e clarineta (instrumentos de que mais gostava),
no piano e violão. Era exímio construtor de instrumentos
musicais. Fabricava, principalmente, pianos, violões e cavaquinhos.
Pesquisadores do Conservatório Lorenzo Fernandes conseguiram
resgatar várias composições do Mestre Godofredo
para todos os instrumentos citados, incluindo obras de valsas, chorinhos,
serestas, sambas, marchas e outros ritmos. Foi, para mim, uma alegria
e um grande contentamento conviver com Godofredo na minha juventude.
Ele era muito amigo de meus pais. A convivência com seus filhos
posteriormente, no âmbito profissional e social, representa
também uma imensa satisfação.
O quadro, a que me refiro no segundo parágrafo, traz a figura
de Jesus Cristo com uma cara de nordestino, cabeça chata
e grande, testa curta, rosto com maçãs proeminentes.
Será que ele quis homenagear papai, que era paraibano de
Campina Grande? Mostra Cristo em pé, em cima de uma rocha,
com as palmas das mãos abertas, viradas para a frente, um
pouco abaixo da cintura. Atrás, aquém da rocha, apresenta
um mar não muito revolto. Mais ao longe, na linha do horizonte,
aparece o final do crepúsculo, com a luminosidade do poente
em fase derradeira. E, mais ao alto, no céu, já começam
a despontar as primeiras estrelas. A lua amarelada atrás
de Sua cabeça confunde-se com o halo de divindade. O semblante
do Cristo é tranqüilo e dá a impressão
de muita paz. Suas vestes são simples e Ele está descalço.
Sempretive
grande admiração por este quadro e é uma imensa
satisfação tê-lo em frente à minha mesa,
no escritório.
Nem sempre o Cristo de Godofredo foi interpretado artisticamente.
Muitas vezes, foi um recurso para blagues interessantes. E Godofredo,
sabendo dessas estórias ria bastante, com aquele riso aberto
e espontâneo que ele sempre trazia no rosto. Como bem me recordo,
no hotel, os viajantes sempre procuravam fazer gozações
em todas as situações possíveis para atenuar
o estresse da labuta diária de vendas e viagens. Seu Oswaldo,
viajante da Brahma (é verdade: naquela época as companhias
de bebidas - Brahma, Antarctica, Caracu, Cinzano etc. - enviavam
seus viajantes periodicamente para vender seus produtos), dizia,
sempre ao passar pelo quadro, papai estando por perto: -"Olha
lá, Sobreira. O Cristo está dizendo: - Ô Sobreira,
é só isso que o pessoal vai almoçar?"
Ao que papai retrucava: - "Que nada, Oswaldo. Olhe bem para
as mãos Dele. Ele está dizendo claramente para vocês:
- "Ô gente! Com uma refeição com essa fartura,
o que é que vocês querem mais?”
O Cristo de Godofredo salvou muitas situações...
UM
BREVE HISTÓRICO DO ENSINO EM
MONTES CLAROS A PARTIR DE 1955
Juvenal
Caldeira Durães
Cadeira N. 81
Patrono: Nathércio França
Após
o término do curso ginasial (1º. grau) em Londrina –
PR, regressei em 1955 à minha terra natal, Montes Claros.
Naquelas terras abençoadas do Sul, passei boa parte de minha
juventude, porém sem esquecer um momento do meu berço
natal. Aqui, cheguei com o propósito de matricular-me no
curso científico (2º. Grau) e permanecer até
o seu final para, depois, tentar o curso de engenharia mecânica
em Belo Horizonte. Mas, para a minha surpresa, aquele curso apropriado,
para dar continuidade aos meus estudos, não existia na nossa
cidade e nem tampouco na região norte-mineira. Os cursos
a nível de 2º. grau existentes na época eram:
Magistério, na Escola Normal Oficial e no Colégio
Imaculada; Técnico em Contabilidade, no Instituto Norte Mineiro
de Educação e o Clássico, no Colégio
Diocesano, além do ensino religioso, no Seminário.
Apesar de equivalentes ao curso científico, suas programações
não eram direcionadas ao curso de engenharia mecânica.
Decepcionado e sem esperança de conseguir o meu intento,
aderi a uma turma que se encontrava na mesma situação,
para lutar junto à diretora, Profa. Dulce Sarmento, da Escola
Normal Oficial, instalada no velho casarão da rua Cel. Celestino,
75
e também, aos políticos locais, Deputado Dr. Plínio
Ribeiro e o vereador Neco Santamaria, na intenção
de conseguir a criação daquele curso, a fim de atender
ao anseio da turma desamparada e ansiosa para estudar.
D. José Alves Trindade, então bispo Diocesano de Montes
Claros, sentindo o drama da turma e as dificuldades das autoridades
procuradas para resolver o problema, pôs-se à frente
do movimento. Designou o Prof. Dr. João Antônio Pimenta
de Carvalho como coordenador da criação do primeiro
curso científico em Montes Claros e, conseqüentemente,
do Norte de Minas.
Dali para frente, o Dr. João Antônio, com apoio da
diocese, liderou o movimento, negociando com a Congregação
Católica da Irmandade Imaculada Conceição para
a instalação do referido curso nas dependências
do seu Colégio, no turno noturno, enquanto outro local fosse
providenciado.
O curso, finalmente, teve início no ano de 1955 com um atraso
natural, devido às dificuldades mencionadas, para, depois
de dois anos, passar para o Colégio Diocesano, onde os alunos
pioneiros formaram em 1957, ficando na história como fundadores
do curso científico em Montes Claros.
Ainda me lembro de alguns colegas da primeira turma como: Décio
Gonçalves (cabeça do movimento), Franklin Santos,
Célio Dourado, Lúcio Benquerer, João Porfírio
Sarmento, João Élcio da Rocha, Luís Gonzaga,
Marlene Veloso Souto, Dulce Rodrigues, Maria Zoé e Ione Ribeiro.
Na segunda turma, de 1966, lembro-me de Cícero Medeiros,
Homero Meira, Mário (Português) Vasconcelos, Bernardo,
Ruy Dupin, Paulo Ponciano e Juraci Teixeira.
Dos professores, recordo-me de todos: Dr. João Antônio
Pimenta de Carvalho (Matemática); Irmã de Lourdes
e Monsenhor Gustavo (Português); Padre Joaquim Cesário
Macedo
(Literatura
e Filosofia); Irmã Branca (Desenho Geométrico); Irmã
Nina (Francês); Irmã Galgânia e Maria de Lourdes
de Freitas (Espanhol); D. Jane Crosland (Inglês); Dr. Francolino
Santos (Geografia); Padre Paulo Emílio Pimenta de Carvalho
e Pedro Martins Santana (História); Wanderback de Quadros
e Santinha (Química); Dr. Abílio, Haley Jonsen, Padre
Ladislau, Dr. Américo e Jamil Curi (Física); Dr. Fábio
e Dra. Zeni Guimarães (Biologia). Estes foram nossos professores,
primeiros colaboradores e fundadores do curso científico
em nossa cidade.
Uns professores eram religiosos e militavam no magistério;
outros, liberais em áreas afins com as matérias. A
professora Maria de Lourdes de Freitas era a única com licenciatura
plena, pela UFMG.
Em 1957, eu cursava ainda o 3º. ano. O então diretor
do Colégio Diocesano, Monsenhor Gustavo Ferreira, movido
pela carência de profissionais do ensino na cidade, fez-me
professor de Física do 1º. e 2º. anos do curso
científico, baseado em
informações dos professores, apesar de minha resistência
e insegurança na prática do magistério. Em
1958, fui chamado, por informações do inspetor Dr.
Antônio Augusto Veloso, para lecionar Matemática na
Escola Normal Oficial, no lugar do bancário e professor Assis
Veloso, transferido para a agência do Banco do Nordeste, em
Recife.
Na Escola Normal Oficial, instalada no casarão da rua Cel.
Celestino 75, passei a conhecer os profissionais do ensino daquela
época em Montes Claros. Ali, trabalhei ao lado dos compenetrados
professores efetivos da Egrégia Congregação:
Márcio Aguiar (Português); João de Almeida Filho,
Terezinha Pimenta, Dr. João Antônio Pimenta de Carvalho
(Matemática); Pedro Martins Santana (História); Dr.
Francolino Santos (Ciências Naturais e Geografia); José
Amâncio (Latim); Jane Crosland (Inglês); Terezinha Guimarães
(Francês); Dr. Luís Pires Filho (Biologia); Heloísa
Veloso Sarmento (matérias pedagógicas); Naide Veloso
(Educação Física), Dulce Sarmento (Música);
Zorilda
Madureira e Taúde, então diretora(Trabalhos Manuais).
Contratados: Eu, Waldir Rametta (Matemática), Rosita Aquino,
Teresa Barbosa, Heloísa Neto (Português), Neuza Maciel,
Neise Melo Franco (Geografia), Aloísio Pimenta e Lauro Costa
(Ciências Naturais), João Rodrigues dos Santos (Dão),
Neide Melo Franco, Guiomar (Galo) (História), Antônio
Miranda - Piloto - (Educação Física) e outros.
Éramos contratados e não pertencíamos, naquela
época, à intocável Egrégia Congregação.
A demanda cresceu e mais professores (Alcides de Carvalho, José
Carlos Callado, Haroldo Lopes e outros) foram contratados. A velha
escola inadequada, não comportando a sua superlotação
e até ameaçada de desmoronamento, conforme propalavam
os alunos em seus movimentos estudantis, foi transferida em 1962
para o novo prédio construído na Av. Mestra Fininha,
em terreno doado pelo Dr. Plínio Ribeiro, no governo de Magalhães
Pinto. O novo e suntuoso estabelecimento, que deu seqüência
à antiga Escola Normal Oficial, tomou o nome de Escola Estadual
“Prof. Plínio Ribeiro” de 1º. e 2º.
Graus (EEPPR), em homenagem ao doador do terreno. Porém,
o nome “Escola Normal” ainda é lembrado e permanece
na memória e no coração de seus antigos egressos:
alunos, professores e funcionários.
A suntuosidade e as boas instalações do prédio
deram condições para manter com eficiência os
cursos já existentes e ainda criar o almejado curso científico
e aumentar a população estudantil, além de
quatro mil alunos, o que forçou a contratação
de muitos professores como: Rosa Terezinha Paixão Durães,
Expedito Édson Lopes, Wandaick Wanderley, Miguel, Francisco
Basto Gil (Matemática); Tarcísio Pimenta de Carvalho,
Ana Maria Lopes (Biologia); Simeão Ribeiro Pires, Tarcísio
Pimenta de Carvalho (Química); Cleonice Pimenta e Bernadete
Costa (Ciências Naturais); Neide Pimenta, Mercês Antonieta
Costa, Monsenhor Gustavo Ferreira, Wanderlino Arruda, José
Ezequiel (Português); Lourdes Martins de Quadros (Artes);
José Soares da Silva, Joaquim Salvador, João Barbosa
(Física); Edmundo Andrade Santos, Beatriz Gonçalves
Santos, John Gorayski, Wanda (Inglês);
Ygara,
Mary Figueiredo, Neide Pimenta (Francês); Clarice Sarmento
(Música); José Geraldo Antunes (História) e
muitos outros que, para regularizarem suas situações
funcionais, foram submetidos a concursos públicos e em conseqüência,
a Egrégia Congregação cresceu e tornou-se mais
democrática e menos arrogante.
A Escola Estadual “Prof. Plínio Ribeiro” de 1º.
e 2º. Graus deu continuidade ao ensino primoroso da velha Escola
Normal Oficial naquelas décadas passadas. Eu e o Prof. João
Rodrigues dos Santos (Dão), já efetivos e pertencentes
à Congregação, fomos os primeiros vice-diretores,
até então, nomeados pelo Estado, para atuarem, sucessivamente,
nas gestões dos diretores: Dr. Luís Pires Filho, Dr.Francolino
Santos e Profa. Sônia Prates Gonçalves de Quadros Lopes.
Fui, ainda, diretor eventual aprovado pela Egrégia Congregação.
No período (1958-1984), de minha permanência naquele
educandário, tivemos os seguintes diretores: Profa. Taúde,
Dr. Arthur Fagundes, Prof. Joaquim Coelho da Rocha, Dr. Luís
Pires Filho, Dr. Francolino Santos, Profa. Heloísa Neto,
Sônia Prates Gonçalves Lopes e Profa. Mercês
Antonieta Costa.
Paralelamente, o Instituto Norte Mineiro de Educação,
Colégio Imaculada Conceição, Colégio
Diocesano cresceram progressivamente e o ensino melhorou, principalmente,
com as instalações posteriores do Colégio São
José (Marista), Loyola e São Norberto.
Em 1964, foram instalados, no Colégio Imaculada Conceição,
os primeiros cursos de ensino superior encampados pela “Fundação
Educacional Luiz Paula”: Letras, Pedagogia, Geografia e História,
tendo como pioneiras e professoras: as gêmeas Figueiredo,
Mary (Letras) e Baby (Pedagogia); Florinda Ramos e Pina, Dalva Dias
Santiago (Geografia); e Isabel Rabelo de Paula (História
e primeira Diretora). Todas recém-formadas pela Faculdade
de Filosofia, Ciências e Letras, em Belo Horizonte.
Glacíria Mendes (Filosofia e Sociologia, do curso de Pedagogia)
formada em Belo Horizonte e outros, também, foram professores
pioneiros, mas não participaram do movimento de criação
dos cursos.
Esses cursos foram criados por um projeto do Deputado Estadual Cícero
Dumont e coordenados pelo Dr. Hermes de Paula, sua secretária
Adélia Miranda e outros, que deram início às
atividades letivas em 1964. Eu fui aluno pioneiro do curso de Pedagogia,
tendo como colegas ilustres, D. Maria Pires, D. Elisa Pires, América
Eleutério Nogueira, Jovelina Pinheiro, Tilde Sarmento, Lúcia
Idalina Narciso, Miriam Milo, Miltom Norberto e outros, igualmente
importantes. Era uma elite pensante que esperava por uma oportunidade
para fazer desabrochar seus conhecimentos.
O velho casarão da Cel. Celestino passou a abrigar os referidos
cursos, em 1966, com o nome de Faculdade de Filosofia, Ciências
e Letras/FAFIL, incorporada pela Fundação
Norte Mineira de Ensino Superior (FUNM). Depois, ali funcionou,
também, no andar superior, a Faculdade de Direito ( FADIR
), até 1978.
Outros
cursos foram surgindo na FAFIL. Na gestão da Profa. Sônia
de Quadros, houve um movimento para a criação do curso
de Matemática, liderado por Wandaick Wanderley, Waldir Rametta,
por mim e outros colegas. No ano de 1968, sessenta e quatro alunos
deram início ao curso com uma turma no período vespertino
e outra no período noturno que, com a evasão, fundiram-se
e, em 1971, formava uma única turma noturna com apenas dezesseis
formandos: Clarindo Anacleto, Coracil, Édson Guimarães,
Egídio Cordeiro Aquino, Gerson Barbosa, Geraldo, Ivanete
Lopes, Juvenal Caldeira Durães, José Carlos Callado,
José Soares da Silva, Marisa Guimarães, Rivaldo Bezerra,
Rosa Terezinha Paixão Durães, Walquíria Gonçalves,
Waldir Rametta e Wandaick Wanderley. Desses formados, continuaram,
até a aposentadoria, como professores do curso: eu (Álgebra
Vetorial e Linear, Geometria Analítica e Análise Matemática);
Rosa Terezinha
Paixão Durães (Estatística e Elementos de Matemática);
José Soares da Silva (Física). Outros começaram
ministrando algumas matérias, mas não prosseguiram,
levados, talvez, pelo desinteresse de fazerem especializações
exigidas em outros centros mais avançados.
Os
professores pioneiros e que sustentaram o curso de Matemática:
Francisco Bastos Gil; Arquiteto Dr. João Carlos Sobreira;
Eng. Dr. Carlos Alberto Pimenta de Carvalho; Eng. Dr. Rodolfo; Baby
Figueiredo; D Lourdes; América Eleutério Nogueira;
Ivone Silveira e outros.
Depois dos meus cursos de especialização na UFMG e
PUC/BH, além de professor, fui Chefe do Departamento de Matemática
e Vice-diretor da profa. Maria de Lourdes (D Lourdes). E acompanhei
o crescimento, não só da FAFIL, mas do ensino na cidade,
que cresceu vertiginosamente com novos estabelecimentos bem aparelhados,
tais como: Escola Técnica de Montes Claros (fui o 1º.
professor de Matemática); Biotécnico; Padrão;
Razão; Logos; Indyu; Opção e outros de mesmo
nível, mantendo cursos de 1º. , 2º. graus e cursinhos
pré-vestibulares, para atenderem à grande demanda
proveniente da transformação da Fundação
Norte Mineira de Ensino Superior/FUNM em Universidade Estadual de
Montes Claros/UNIMONTES, em 1990. Encargo e ao mesmo tempo dádiva,
que Montes Claros recebeu para atender o Norte de Minas e regiões
adjacentes.
No segundo semestre de 1992, o velho prédio superlotado e
não suportando a grande demanda, a FAFIL foi transferida
daquele casarão da rua Cel. Celestino, para um prédio
no Campus da Universidade Estadual de Montes Claros/ UNIMONTES.
Terminou o mandato da diretora D Lourdes e eu fui eleito e indicado
pelo Magnífico Reitor, Dr. José Geraldo de Freitas
Drumond, como diretor daquele estabelecimento de ensino, já
estadualizado e com nova denominação de Centro de
Ciências Humanas/CCH)/UNIMONTES. Ali, além de diretor
do CCH, atuei, paralelamente, como professor do curso deMatemática
e participante da elaboração da nova estrutura da
Universidade no Conselho de Ensino, Pesquisa e Extensão e,
ainda, nas decisões administrativas do Conselho Universitário,
como membro nato.
A UNIMONTES agigantou-se com a profícua e brilhante administração
do Dr. José Geraldo de Freitas Drumond e de seus colaboradores.
Por outro lado, a Escola de Técnicas Agrícolas/UFMG
ampliou as suas instalações e atividades, tornando
um campus universitário, com cursos técnicos e superiores,
ministrados por professores pós-graduados. E, seguindo o
ritmo dessas instituições públicas, estabelecimentos
particulares de ensino superior foram criados, tais como: FUNORTE,
IBITURUNA, PITÁGORAS, SANTO AGOSTINHO, FACIT e outros, elevando
Montes Claros à categoria de CIDADE UNIVERSITÁRIA.
Em 1997, fui aposentado e afastei-me das lides do magistério,
todavia, não perdi o interesse de acompanhar as eventualidades
e mudanças nos meios educacionais, não só em
Montes Claros, mas, em âmbito nacional. Acompanhei as constantes
modificações das diretrizes e bases do ensino, até
então sem sucesso, transtornadas por fatores diversos que
penetram no contexto geral da educação, levando-a,
ao meu ver, à falência. Hoje, ensina-se muito e aprende-se
pouco.
O ensino atual é inconsistente e fragmentado, não
por falta de preparo dos eminentes educadores, mas pela contingência
da época que atravessamos e pela política adotada
no país. Os professores, apesar de detentores de conhecimentos
e de títulos que não tivemos no passado, são
desprestigiados, mal remunerados e trabalham sem condições
dignas e sem incentivos. As crianças e adolescentes agem
com indisciplina, sem limites e influenciados por atrativos eletrônicos
diversos e pelos males da época. Enfrentam riscos, aliciamentos
e vícios abomináveis. As autoridades e alguns políticos
preocupam-se e trabalham em prol da Educação; outros
são omissos e se aproveitam
do Ensino para tirar suas vantagens pessoais e eleitoreiras, com
promessas não cumpridas. Criam artifícios inconcebíveis
e intempestivos, como a criação de sistema de cotas
para pobres e negros, mesmo sabendo que pobreza e cor de pele não
influenciam nos neurônios e na capacidade das pessoas e que
outros métodos não humilhantes e não preconceituosos
existem com mais eficiência e justiça. Para resolver
o problema da desigualdade de aprendizagem, basta manter cursos
preparatórios de boa qualidade e gratuito para as pessoas
desfavorecidas e deixar que todos concorram nas mesmas condições.
Esse jeitinho de tapar o sol com peneira só serve para humilhar
e disseminar o preconceito entre as classes e raças. São
idéias esdrúxulas ou com segundas intenções,
que precisam ser revistas. Eu convivi, estudei e trabalhei com brancos,
negros, orientais, pobres e ricos, nem por isso, notei qualquer
diferença em relação à capacidade de
aprendizagem entre eles. É verdade que uns sobressaíam
mais do que outros, mas pelo talento individual de cada um e não
provenientes desses atributos explorados por políticos populistas.
A aprendizagem não é privilégio de classe ou
raça. É de quem estuda e luta para vencer. As autoridades
devem favorecer os alunos carentes, mas de maneira decente e justa
e não com malabarismo irresponsável. O ensino é
coisa séria e seus resultados serão utilizados a serviço
da sociedade, portanto, carece de preparo, de esmero, de responsabilidade
e não de manobras.
Aproveitando
o ensejo, insiro aqui o seguinte trecho do meu novo livro “
Sítio Azedo”, que será publicado, brevemente:
Ouvimos,
constantemente, dizer que só a Educação pode
reparar as aberrações que desestabilizam o país
e perturbam o bem-estar da sociedade. Uma assertiva verdadeira.
Mas, com os resultados obtidos nessa área nos últimos
anos, deixam-nos crer que estamos usando instruções
no lugar da Educação. É notório que,
dentro do sistema vigente, têm-se revelado cidadãos
ilustres, honestos e detentores de conhecimentos invejáveis
e aplicados a bem da sociedade.
Todavia,
temos outros com os mesmos conhecimentos, porém desvirtuados
e direcionados ao oportunismo, que nos envergonham com suas mazelas
e desonestidades. Temos, ainda, aqueles desfavorecidos, que não
recebem tais instruções e não deixam de cumprir
com seus deveres de cidadãos, com honestidade e com valiosa
participação no progresso e no bem estar da sociedade.
Ao mesmo tempo, temos outros que degeneram e são vencidos
pelos embates da vida e tornam-se desonestos, oportunistas, preguiçosos,
sem consciência política e social e coniventes com
o desmando escabroso que assola o país. Então, diante
dessa diversidade de comportamentos das pessoas, não podemos
dizer que seguimos uma verdadeira Educação e sim,
instruções sem objetivos direcionados. Até
parece que é preciso algo mais para solucionar o problema
do comportamento humano. Talvez, com a participação
efetiva e harmônica da família equilibrada e da religião
racional prática, juntamente com o apoio sério do
governo, com o combate à desigualdade social e a valorização
do ser humano como participante do contexto nacional, como diz o
sociólogo Betinho: “Só a participação
cidadã é capaz de mudar um país”. Seguindo
esses preceitos, talvez, poderemos alcançar uma Educação
ideal, objetiva, direcionada a uma meta determinada e consistente,
capaz de despertar e influenciar algo de positivo e prático
na formação do caráter do povo brasileiro e
atingir as metas desejadas.
Confiando na memória e na convivência de mais de meio
século nos meios educacionais de Montes Claros, fiz o presente
resumo do ensino no Norte de Minas, a partir da década de
50, mencionando importantes criações e eventos, dos
quais participei, tais como: curso científico; cursos superiores,
que deram origem à UNIMONTES; Escola Profissional Umbelino
Martins da RFFS/A; cursos da CADES/MEC (Matemática e Geografia);
exames de Madureza/MEC; Escola Técnica de Montes Claros;
Escola Estadual Professor Plínio Ribeiro/EEPPR; estrutura
pedagógica dos cursos da UNIMONTES; curso de Matemática/FAFIL
e para aumentar a minha satisfação, em 27/12/2006,
participei da criação do INSTITUTO HISTÓRICO
E GEOGRÁFICO DE MONTES CLAROS / IHGMC, como diretor de finanças.
Assim, acompanhei o desenvolvimento educacional da nossa comunidade
por mais de 50 anos, que somado ao tempo de atividades anteriores,
alcança a metade da existência de nossa cidade, o que
me faz sentir regiamente agraciado e compensado por ter participado
desses eventos do passado que, apesar das dificuldades e limitações
dos tempos, deixaram marcos de épocas promissoras, permeados
de exemplos dignos e de trabalho sério por pessoas altruístas
e laboriosas.
SOBRADOS
E SERTÕES - MEMORIALISMO,
REGIONALISMO E NOSTALGIA
NA OBRA DE JOÃO VALLE MAURÍCIO
Karla
Celene Campos
Cadeira N. 14
Patrono: Arthur Jardim de Castro Gomes
Ele também tombou. Tombou vencido pelo tempo. Foi ao chão.
(O sobradinho da tia Augusta)
João Valle Maurício.
Não importam que a tenham demolido:
A gente continua morando na velha casa em que nasceu.
(Quem disse que eu me mudei?)
Mário Quintana
Fatores
que remetem ao universo do regionalismo, do memorialismo e da nostalgia,
liricamente resgatados das próprias vivências, dos
contatos com a terra natal, com o homem da terra natal, emoldurados
por um profundo respeito pela cultura do lugar alicerçam
a obra literária de João Valle Maurício.
De suas páginas, salta todo um universo que se remonta ao
espaço geográfico no qual foi criado; ao registro
de elementos que a memória recupera, e à nostalgia
- porque tudo que sobrevive sobrevive apenas porque se transforma
em memória.
Escutemos as palavras com as quais João Valle Maurício
tece a apresentação de seu livro de memórias
Janela do Sobrado.
Todos nós somos muito mais o passado do que o presente. Somos
no agora o que o tempo já levou. Somos a esperança
do amanhã.
Sempre
fui um gostador da família, dos casos da cidade, dos meus
conterrâneos e dos meus amigos. Saudade é voz na garganta
de quem não esquece.
Reconheço que não devemos amarrar-nos demais, pois,
um dia, tudo tem mesmo que terminar. (...)
João Valle Maurício fez sua estréia nas letras
em 1962, com a obra Grotões, um livro de contos. A escolha
do título para aquela que seria a primeira obra literária
de um escritor fecundo, cujas raízes se misturam com o sertão
norte-mineiro, já evidencia uma linha temática que
posteriormente seria explorada em outras cinco obras: Taipoca (Itatiaia,
1974), Pássaro na Tempestade (Imprensa Oficial de Minas,
1982), Rua do Vai Quem Quer - (Armazém de Idéias,
1992), Janela do Sobrado - Memórias (Arapuim, 1992) e Beco
da Vaca (Editora Arapuim, 1999) - obras que oferecem ao leitor um
retrato bem delineado da Montes Claros e dos sertões de um
tempo passado - época dos sobrados, dos coronéis,
das boiadas, do carro de boi, dos rios de águas claras e
cristalinas, das assombrações.
Edison Moreira, em prefácio à obra Taipoca, lembra
que
(...) a Ecologia, ciência que estuda as relações
entre os organismos e o seu ambiente, é de interesse vital
para a humanidade de nossos dias, retomando e reformulando a velha
tese de que o homem é produto do meio e também nele
influi. No caso do escritor, como acontece com João Valle
Maurício, o meio ambiente reflete-se em sua obra. Filtrado
através de uma sensibilidade seletiva de poeta, deixa-nos
entrever o que constitui o substractum de uma região, em
seus vários aspectos: social, político, econômico,
rural e religioso, configurado por uma razoável e preciosa
soma a vida do folk naquelas paragens de Minas Gerais.(...)
Aproveito os lúcidos comentários acima para deter-me
na expressão naquelas paragens de Minas Gerais - o que sugeredistanciamento
entre o comentarista residente na capital mineira e a região
focalizada por Valle Maurício -, para lembrar que o Norte
de Minas, seja pela distância geográfica da sede políticoadministrativa
do Estado, seja por não fazer parte das regiões auríferas
e industriais, sinônimos de uma economia mais robusta, esteve,
ao longo da História, relegado a um segundo plano nas
considerações de estudiosos e de leitores que voltaram
suas atenções mais para as minas do que para os gerais.
Assim, a estes torrões setentrionais foi negada a oportunidade
de ver reconhecido o seu real valor.
Ora, é preciso corrigir essa distorção. E uma
forma que se apresenta como veículo seguro para essa correção
é detectar o orgulho pela terra natal que salta do memorialismo,
do regionalismo e da nostalgia presentes nos contos e crônicas
de João Valle Maurício, o menino João, que
aos 12 anos fora levado à capital para um tratamento de saúde
e, naquela ocasião, escutou da boca sem maldade de uma empregada
doméstica, ao referir-se a ele:
- Esses meninos da roça são danados. (Na capital,
Janela do sobrado; p.95)
A roça, no caso, é Montes Claros, que, provinciana
ou progressista, tem uma história riquíssima e particular
muito bem documentada na literatura do mesmo João, que mais
tarde escreveria:
Sem dúvida, a situação geográfica de
Montes Claros, bem distante dos grandes centros mais avançados,
forçou para que ela firmasse uma individualidade com características
próprias.
O povo que veio para cá veio para ficar, veio para criar
família e fazer o pé-de-meia para o amanhã.
Foi esse povo que chegou trazendo suas coisas, seus costumes e a
sabedoria própria da região de origem.
Assim
foi-se formando uma cultura, chegando de fora,mas
que foi, muito logo, alcançando definições
próprias. Não recebemos, como as cidades litorâneas,
as influências estrangeiras com variáveis constantes.
Com o tempo, ganhamos, por nossa obstinação e teimosia,
uma autenticidade bem marcada, isto é, bem nossa.
Podemos dizer, ainda hoje, que, apesar dos meios de comunicação
e da explosão comercial e industrial, a cidade conserva uma
cultura bem própria e de real valor. (...)
Real valor demonstrado com orgulho no regionalismo presente em sua
obra. João Valle Maurício se sabia um escritor regionalista.
Em seu discurso de posse na Academia Mineira de Letras (Belo Horizonte,
1983) o neo-acadêmico montes-clarense comenta:
(...) O Regionalismo tem força. Muita obra literária
de grande valor foi feita no molde regionalista. Bons escritores
brasileiros, em grande parte, são regionalistas. Os bons
contistas russos também o foram. (...)
Ainda no referido discurso, depois de acrescentar com humildade
que nem de longe pensaria em comparar-se aos bons escritores brasileiros,
aos bons contistas russos, revela, por fim, ser um contador de histórias.
Também na apresentação que fez para Janela
do Sobrado comenta:
Faz bem tempo que descobri que sou um contador de casos. Meu pai
também foi, mas ele não escrevia. Quando foi ficando
mais velho, começou a repetir, em conversas, as suas histórias.
Mamãe logo reclamava, mas ele contava assim mesmo. Pensando
bem, resolvi escrever meus casos para não ficar um insistente
repetidor. Ficarão nos livros. Serão saudade e imaginação.
E são essas histórias, esses causos que retratam,
eficiente e liricamente, a vida no sertão norte-mineiro.
Através de uma memória
lúcida e uma linguagem poética. Com saudade e imaginação.
E por falar em memorialismo, seria o mesmo que autobiografia? Segundo
Massaud Moisés, em seu Dicionário de Termos Literários,
há divergência. Enquanto a autobiografia “permite
supor o relato objetivo e completo de uma existência, tendo
ela própria como centro, as memórias “implicam
um àvontade na reestruturação dos acontecimentos
e a inclusão de pessoas com as quais o biógrafo teria
entrado em contacto.”
A leitura dos contos e crônicas de Valle Maurício apontam
para isto: um muito à-vontade na reestruturação
dos acontecimentos, verdade e ficção, como ele mesmo
garante na apresentação à qual já fiz
referência aqui. Quanto à inclusão de pessoas
com as quais o biógrafo teria entrado em contato, a lista
de nomes é extensa, o que me impede reproduzi-la nestes escritos.
É preciso comentar, no entanto, que, seja através
da citação da gente simples, popular, seja das referências
aos coronéis, aos poderosos, João Valle Maurício
vai muito à vontade pelas páginas afora, resgatando
as lembranças da sua vida, do seu povo e do seu lugar.
É ele mesmo que comenta:
Não sou um memorialista-historiador. Essa atividade requer
teimosia e capacidade, exige o cuidadoso manuseio de antigos documentos,
a abertura de velhas canastras escondendo puras emoções,
a leitura de jornais amarelecidos e roídos pelas traças
e, ainda, demoradas conversas-entrevistas com muito gente. Sei muito
bem que não consigo ser assim. Sou um contador de casos,
um memorialista a meu modo. Aqui não está a minha
biografia e nem a história da minha cidade. Aqui estão
lembranças abraçadas em pedaços de emoção.
O menino que fui, a quem quero muito bem, ficou bastante imprudente
e intrometido, puxando o meu paletó e insistindo para que
eu escreva os casos da Rua de Baixo. (...)
Precisamos
agradecer a esse menino teimoso que insistentemente puxou o paletó
do Dr. João Valle Maurício médico-político-intelecutal-homem.
Afinal, não fosse ele, João
Valle Maurício-escritor não teria chegado à
conclusão de que no chamamento da memória, o passado
pode virar presente, e, mesmo no outono, pode se vestir com o encanto
da primavera. Somos marcados, esculpidos pelo cinzel dos dias vividos.
À medida que a velhice vai chegando e vai ficando, vamos,
cada vez mais, gostando de contar histórias e de falar das
relembranças. (...)
Não fosse esse menino teimoso, o contador de histórias
não teria apreendido a consciência do efêmero
da vida; não assumiria que o passado será sempre importante
- vive dentro da gente, na força da lembrança e no
indefinível sentir da saudade.
Viverá para sempre o menino. Para sempre permanecerá
espiando a vida e o tempo, lá da janela do sobradão,
na rua Coronel Celestino, antiga rua Bela Vista. E viverá
para sempre o Velho sobradão da rua de Baixo / Rua toda feita
de saudade / Onde ficou a minha infância / E a minha mocidade.
GENTE
DE MINAS
O CASO DO BURRINHO DA PREFEITURA
Karla
Celene Campos
Cadeira N. 14
Patrono: Arthur Jardim de Castro Gomes
Minas
é o Interior. Interior de Minas é o sertão.
E sertão é o Norte, com sua chuva pequena, seu sol
sem juízo, suas músicas e danças, sua cachaça,
seu artesanato, seu pequi com carne de sol, seus causos e, principalmente,
sua história e sua gente.
O que esta crônica deseja, mais do que registrar um causo
para que ele não se perca como papel amarelado num arquivo
qualquer, é servir de testemunha da sensibilidade de um Prefeito
do Norte de Minas - mais precisamente da cidade de Mirabela -, que
soube tão bem entender as agruras do Burrinho da Prefeitura,
afável criatura que atendia pelo nome de Pássaro Preto.
Acredito ser um desperdício deixar passar a oportunidade
de registrar nas letras a criatividade e a ironia do alcaide do
município de Mirabela. Afinal, mais do que sensibilidade,
é preciso dispor de muito talento para traduzir para a linguagem
dos humanos as indignações legítimas de um
representante de uma espécie maldosamente classificada como
burra. E o nosso Prefeito fez mais: vencendo a burocracia e a lentidão
inerentes a tais tipos de solicitações, deu de imediato
despacho favorável à causa do requerente.
O
Prefeito já não está entre nós - por
decisão própria, apressou sua viagem para o reino
dos encantados. Pela própria informação que
nos dada por Pássaro Preto, advinda do conhecimento obtido
nas enciclopédias acerca do efêmero que ronda a vida
daqueles de sua espécie (e da nossa, diga-se de passagem)
-, ele também já não deve estar entre nós.
Cabem-nos, então, três tarefas: elevar o pensamento
para que ambos estejam agora num mundo mais justo; resgatar dos
arquivos do município de Mirabela esse documento; e agradecer
à mirabelense Camila, que sabiamente concluiu que poderíamos
reverenciar as memórias do Prefeito e do Burrinho tornando
público este documento, um requerimento de aposentadoria
muito especial. Vamos a ele:
Mirabela, 31 de dezembro de 1982
Exmo. Sr. Dr. Felisberto Costa Filho
DD. Prefeito Municipal de Mirabela – MG
O abaixo-assinado, ou melhor, patado, brasileiro, solteiro, castrado
(covardemente, aos dois anos de idade), funcionário público
municipal, residente e domiciliado neste município, vem,
de acordo com meu próprio discernimento e raciocínio,
REQUERER a V. Excia. minha APOSENTADORIA pelos fatos lógicos
e fundamentos jurídicos a seguir expostos:
1 - Em meados de 1962, com a idade de mais ou menos 2 anos presumíveis
- pois não fui registrado em cartório -, estava eu
residindo mansamente na Fazenda Barroca D'Água, com meu amo
e patrão José Lopes Neto, quando fui traiçoeiramente
laçado, amarrado com cordas de couro cru torcido, arreado
inclusive com peitoral e rabicho, para ser amansado e ser animal
de serviço;
2 - não me dei bem com tal ousadia, desaforo e maus tratos,
mesmo porque sendo um muar preto, filho de uma égua e de
um jegue, sei que a escravidão se extinguiu neste país
desde o reinado da Princesa Izabel e me rebelei e não aceitei
sela nem
homem nenhum em cima de meu lombo;
3 - naquela época, houve a primeira eleição
para Prefeito em Mirabela e fui vendido para a Prefeitura Municipal,
tendo me comprado o Prefeito Juca Gomes, genro de meu patrão
Zezé Lopes, porque viram que eu não era lá
de muito serviço e que deveria ser funcionário público.
Mas, antes de me trazerem para o “comércio”,
depois que eu havia dado muitos tombos em amansadores famosos, acompanhados
de alguns coices, me amarraram as quatro patas e me castraram de
faca e colocaram sal. Sofri como um desvalido com aquela brutalidade,
mas a Natureza estava do meu lado e em breve estava recuperado,
embora muito triste, porque tinham-me tirado os “documentos”,
sem possibilidades de 2a. via.
4 - Trouxeram-me para o “comércio”e colocaram-me
na carroça de lixo. Pintei o diabo nos primeiros tempos,
mas depois notei que os meus “protestos” serviam de
desculpas para o carroceiro não trabalhar. O dia em que eu
amanhecia endiabrado, o homem logo notava e me deixava em paz. Daí
eu ter descoberto - bom mestre, melhor discípulo - que no
serviço público, salvo honrosas exceções,
a gente trabalha mesmo é quando quer ou quando o chefe é
do tipo quadrado ou enquadrado, sei lá.
5 - Nestes vinte anos de serviço público, mesmo sendo
um turbulento e ferrenho oposicionista, prestei relevantes serviços
à comuna mirabelense, até porque após as 17
horas, depois de encerrado o expediente, eu furava qualquer cerca
e pastava nos melhores quintais, limpando-os. Após 1973,
com a chegada da CEMIG, tive algumas dificuldades à noite
- tudo muito claro -, mas sempre soube me defender: em algumas ruas
não havia iluminação e, apenas para argumentar,
para que é que BURRO sabe dar coice? Não é
sua defesa? Então pronto!
Assim
exposto, contando com 20 (vinte) anos de serviço (na ponta
do lápis dá mesmo é uns 8 anos), mas eu sempre
estava à disposição do patrão, conforme
preceitos da CLT e o difícil - aí eu ria pra valer
- era o carroceiro descobrir em qual quintal eu estava - REQUEIRO
a V. Excia. a minha APOSENTADORIA, pois, segundo as enciclopédias,
os muares vivem mais ou menos 25 anos e estou beirando essa “divisa”
e ainda quero e preciso viver algum tempo, ao menos para relembrar
em paz as raivas que fiz Zezinho Carroceiro passar e rir um pouco
com meus velhos cacos de dentes que ainda restam - ninguém
se lembrou de um bom dentista para mim... Agora, já não
dá mais reforma.
Quase me esquecia de dizer a V. Excia. que já fui preto;
hoje, estou quase todo “russo”.
Cá entre nós, Senhor Prefeito, como despachará
V. Excia. este meu pedido, se é o único no Brasil
e não há lei nem jurisprudência a respeito do
assunto? Será que terminar num matadouro que existe pelas
bandas de Curvelo, como já me deram notícias alguns
familiares meus que passaram por aqui em caminhões? NUNCA!
V.Excia. não vai deixar isto acontecer! Seu coração
é generoso.
De tudo que foi dito, uma coisa é certa: tenho e mereço
o direito aqui pleiteado. E tenho alguns milhares de testemunhas
a meu favor, nem que seja pelo Código de Proteção
aos Animais.
Nestes termos, pede deferimento.
Assinado (Patado) a rogo por ser analfabeto de pai e mãe.
BURRINHO PRETO DA PREFEITURA - Apelidado de PÁSSARO PRETO
P.S. Dê lembranças aos meus colegas.
* * *
Podemos
imaginar um Prefeito comovido, sensibilizado e seguro de si ao acrescentar,
de próprio punho, no documento, o seguinte despacho:
DESPACHO: Defiro de plano o presente requerimento, por ser de inteira
clareza e justiça, sem necessidades de cumprimentos de outras
formalidades legais, aplicáveis a outras categorias do serviço
público.
Mirabela, 31 de dezembro de 1982.
Felisberto Costa Filho
Prefeito Municipal
“MONTES
CLAROS”, UMA HIPÓTESE
Lázaro Francisco Sena
Cadeira N. 55
Patrono: João Luiz de Almeida
De vez em quando vem à tona a discussão sobre a origem
do belo nome de nossa cidade e município, MONTESS CLAROS.
Se buscarmos explicações com os historiadores locais
mais antigos, como Urbino Viana, vamos encontrar, em sua “Monografia
Histórica, Geográfica e Descritiva do Município
de Montes Claros”, publicada em 1916, a afirmação
de que “A Fazenda dos Montes Claros ficou situada à
margem do rio Verde
Grande, próxima a montes formados de xistos calcáreos,
despidos de vegetação, e dos quais a vista se pode
alongar indefinida num horizonte límpido, estando os ´montes`
sempre ´claros`, característica de onde proveio, dizem,
o nome à fazenda, servindo depois à cidade que, primitivamente,
foi Vila de Montes Claros de Formigas.” Mais recente foi a
publicação, em 1957, da obra magistral de Hermes de
Paula, “Montes Claros, sua História, sua Gente e seus
Costumes”, onde o autor corrobora a explicação
anterior, ao afirmar que “A ausência constante de nuvens
baixas ou cerrações permite que o observador alongue
a vista indefinidamente em horizonte límpido, onde os 'montes'
se apresentam sempre 'claros'. E em favor de nossa opinião
vem a maneira pela qual se enunciava o nome da primitiva fazenda
– Fazenda dos Montes Claros.” Outros estudiosos do assunto,
embora
com a mesma relutância dos dois autores citados, terminam
por se acomodarem com a explicação. Dizemos que Urbino
Viana foi relutante, quando cravou a expressão “dizem”,
no meio de sua afirmativa; e Hermes de Paula também não
supera nossa dúvida, ao ilustrar a sua com uma espécie
de “habeas
corpus” preventivo, “em favor de nossa opinião”.
Ora,
por que o questionamento deste assunto, se temos um topônimo
de tanta expressividade, ao ponto de envaidecer os mais empedernidos
corações nativos? Por que duvidar da claridade da
serrania que circunda nossa cidade? Porque, geograficamente, nem
a cidade e nem o município têm montes, na acepção
mais comum da palavra, significando considerável elevação
do terreno acima do solo que o rodeia. Podemos exemplificar até
mesmo com o monte EVERESTE, o mais alto da terra, passando pelo
monte BRANCO, o maior da Europa, e chegando até aquele que
talvez seja o único representante de nossa região,
o monte AZUL. O que temos em abundância são apenas
morros, ou montes pouco elevados, mas são morros, modestamente.
É o caso do morro do CHAPÉU, morro VERMELHO, morro
DOIS IRMÃOS, ou do menor ainda em nossa cidade, por isso
mesmo chamado apenas de MORRINHO.
Assim, entendemos que a grande diferença entre monte e morro
é que o primeiro se pode avistar de longa distância,
enquanto que o segundo desaparece de nossas vistas, logo que transpomos
qualquer elevação. E o morro DOIS IRMÃOS somente
é visível de algumas partes da cidade, em suas imediações.
Não estamos querendo, com esta nossa dúvida, rebaixar
o pacífico morro DOIS IRMÃOS, aqui mostrado na Figura
nº 01, que tão bem simboliza Montes Claros em suas representações
oficiais, quer seja na Bandeira, no Brasão, nos documentos
de qualquer natureza ou, mais ainda, no coração de
sua gente. Que ele continue sempre altaneiro, com os seus dois “picos”
apontados para o céu, e vaidoso de sua promoção
a monte, embora já esteja sendo dilapidado e desfigurado,
paulatinamente, pela indústria cimenteira local, correndo
o risco de
desaparecer a médio prazo, sob a cômoda cumplicidade
de todos nós. O que estamos buscando é uma explicação
mais
convincente para a origem do nome MONTES CLAROS, o seu real significado
histórico.
Figura
1 - Morro Dois Irmãos.
Os
bons dicionários e a inevitável comunicação
diária permitem-nos empregar a palavra “monte”
em diversas outras situações, tais como monte de problemas,
monte de lixo, monte de terra e até monte de gente. Nem somente
o homem faz os seus montes de terra, mas também os animais,
como os cupins, as formigas..., sim, as formigas e os cupins são
caprichosos nos seus montes, pois eles constituem a sua morada,
ou parte dela, já que, para as formigas, servem apenas de
proteção e de decoração. Normalmente
são invariáveis na forma, mas nas cores assumem a
tonalidade do subsolo, quase sempre diferente da camada superficial,
podendo ser vermelhos, escuros, claros e outras variações.
A figura nº 02 mostra uns montes claros de cupim,
recentemente fotografados numa localidade próxima, que poderia
chamar-se Fazenda dos Montes Claros, nome idêntico ao de uma
parte da sesmaria concedida ao bandeirante Antônio Gonçalves
Figueira, pelo alvará de 12 de abril de 1707. A figura nº
03 mostra um monte de formiga que, embora raro, ainda existe, de
coloração mais escura, do jeito que é a terra
no subsolo.
Figura nº 02 - Mostra uns montes claros de cupim.
Conforme
se pode verificar em relatos e documentos históricos, a família
Figueira não teve sucesso duradouro com a administração
da fazenda, razão de sua venda ao Alferes José Lopes
de Carvalho, em 27 de setembro de 1768. Sentindo a necessidade de
serviços religiosos mais próximos, o Alferes fez doação
de uma parte de sua terra, como patrimônio para construção
da Capela de Nossa Senhora da Conceição e São
José, limitado ao Sul pela passagem das formigas, de acordo
com escritura passada em 19 de junho de 1769. Deve ter sido essa
uma das primeiras referências, por escrito, a um acidente
geográfico com o nome de formigas. Em torno dessa capela
formou-se o arraial que viria a ser conhecido pelo mesmo epíteto,
face à quantidade e influência desse inseto sobre a
vida das pessoas, fazendo esquecer a primeira designação,
para se transformar
em Arraial das Formigas, naturalmente de domínio público,
mas sem registro em documentos oficiais. Com o desenvolvimento e
crescimento da povoação, foi o arraial elevado à
categoria de vila, por decreto imperial datado de 13 de outubro
de 1831, que estabeleceu também a autonomia política
e administrativa do município, agora de nome novo, conjugando
as duas denominações anteriores: Vila de Montes Claros
de Formigas. Esse foi o topônimo oficial do município
e sua sede administrativa até a elevação da
vila à categoria de cidade, através de lei provincial
de 03 de julho de 1857, agora com o belo e definitivo nome: Cidade
de Montes Claros, ou simplesmente MONTES CLAROS.
Após estas considerações gerais sobre a transformação
da fazenda em cidade de Montes Claros, passando pelo arraial de
Nossa Senhora da Conceição e São José
de Formigas e vila de Montes Claros de Formigas, podemos afirmar,
com toda convicção, que não foram os “montes
despidos de vegetação”, ou “sempre descobertos
de nuvens baixas ou cerrações”, que deram origem
ao belo nome de nossa terra, mesmo porque, além de aqui não
existirem montes propriamente ditos, as pequenas serras e morros
existentes em nada se distinguem de outros da região, estando
todos sujeitos ao mesmo clima e à mesma vegetação.
Se bem atentarmos ao nome da vila, aí vamos perceber um pequeno
detalhe ou sutileza lingüística que trabalha em favor
de nossa idéia. Em todos os registros existentes, está
bem claro: Vila de Montes Claros DE Formigas e não DAS Formigas.
Isso quer dizer que os montes considerados eram de formigas –
ou de cupins -, formados por elas – ou por eles -, e não
necessariamente porque aqui existiam tais insetos em abundância.
Quando se fala Serra DAS Araras, Lagoa DOS Patos, Monte DAS Oliveiras
e tantos mais quantos se quiser, não temos dúvidas,
foi a presença dessas aves ou árvores que fez surgir
os nomes dos acidentes
geográficos. MONTES CLAROS, a fazenda, a vila e a cidade,
nunca foi DAS FORMIGAS. Apenas o arraial, que surgiu após
o crepúsculo dos Figueiras e com o alvorecer do Alferes José
Lopes de Carvalho, pode ostentar esta condição, de
Arraial DAS
Formigas,
pois a luz da emancipação política, em 1831,
veio para clarear principalmente as idéias de todos os que
somos montesclarenses, quer seja por nascimento, quer seja por adoção.
Figura nº 03 - Mostra um formigueiro que, embora
raro,
ainda existe, de coloração mais escura.
LUZIA
BURRA
Luiz de Paula Ferreira
Cadeira N. 19
Patrono: Caio Mário Lafetá
Ao
chegar à nossa casa ela já carregava esse nome pouco
recomendável. Luzia Burra. Morena, grandalhona, pescoço
curto e grosso. Logo nos primeiros dias deu para ver que a inteligência
não era uma de suas poucas virtudes. A Luzia fazia jus ao
nome que carregava. Era burra mesmo.
Minha mulher perguntou-me:
- Que você acha? Vamos deixá-la completar um mês?
Dei de ombros, como Pilatos deve ter feito inúmeras vezes.
E opinei:
- Olha, meu bem. Empregada doméstica está muito difícil.
Se esta for honesta, como dizem, vá agüentando até
aparecer coisa melhor.
E assim Luzia Burra foi ficando.
De nossa parte tínhamos mais em que pensar.
Minha
mulher cultivava um sonho. Ela contava que em casa de seus pais
havia um relógio, desses de pesos e pedestal, e que toda
a família se criara ouvindo a música dos quartos de
hora e das horas dele. E estava sempre a dizer que gostaria muito
de voltar a ouvir essa doce música das horas. Era vontade
sua que nossos filhos também fossem criados a ouvi-la. E
fazia questão de que fosse um relógio antigo, igual
ou semelhante ao de seus pais.
Fiquei
com a idéia. E o tempo foi passando. De vez em quando minha
esposa voltava a cobrar a aquisição do relógio.
Um dia tudo deu certo. Pelo menos a princípio.
Um amigo convidou-me a ver algo a que chamara de duas preciosidades.
Fui a seu escritório e encontrei-o a espanar dois antigos
relógios de pesos. O meu amigo estava radiante.
- Veja que felicidade. Foram adquiridos em 1914, quando a empresa
foi constituída. Há cerca de dez anos, diretores novos
implicaram com a constante marcação dos quartos de
hora e eles foram recolhidos ao almoxarifado, de onde agora os mandei
retirar. Quero vender um deles a você. Pode escolher.
Escolhi o que me pareceu melhor conservado, com mais de 2 metros
de altura, mostrador perfeito, de bom diâmetro e três
robustos pesos metálicos. Pareceu-me uma boa peça
de relojoaria.
O meu amigo mandou aplicar novo verniz na caixa de madeira, limpar
os pesos e correntes e lubrificar o mecanismo. E me entregou a preciosidade.
Fiz uma surpresa à minha mulher.
Sabendo que ela fora almoçar em casa de uma irmã,
mandei trazer e instalar o relógio na sala de visitas. À
tarde, quando ela chegou, encontrou o relógio. Foi aquela
alegria!
Faz
três anos. O relógio funcionou bem durante um ano ou
pouco mais. Depois ficou mudo. Marcava as horas em silêncio.
O peso do meio descia, vagarosamente, impulsionando o funcionamento
dos ponteiros. E os outros dois permaneciam paradões, atrás
do vidro que os abrigava.
Na ocasião procurei o melhor relojoeiro da cidade. Ele levou
o relógio para sua oficina, desmontou-o peça por peça
e tornou a montar. Seu veredicto: “não tem jeito. O
caso é desgaste das engrenagens e dos eixos. A fábrica
já não existe mais, não há como fazer
a reposição das peças.”
Procurei outros relojoeiros. A resposta foi a mesma. O ultimo deles
me disse:
- O senhor pode mandar reproduzir as peças artesanalmente.
Mas não é um serviço garantido. Além
disso vai pagar o preço de dois relógios novos.
Dava pena ver a tristeza de minha esposa. Mas que fazer? O jeito
seria nos conformarmos em ter o relógio como simples marcador
de horas. E como peça decorativa. Não atendia ao sonho
dela. Mas já era alguma coisa.
Num domingo, pouco tempo depois de havermos empregado a Luzia Burra,
fomos passar a tarde em um sítio próximo à
cidade. Voltamos ao anoitecer. Entramos pela garagem e, ao chegarmos
à copa, algo aconteceu que nos espantou a todos. Da sala
de visitas veio nitidamente a música dos carrilhões
e em seguida a batida das 7 horas.
Olhamos uns para os outros, tomados da maior surpresa. E como se
obedecêssemos a uma ordem, corremos todos para a sala de visitas.
Lá estava o relógio, com seu clac-clac pausado, o
pêndulo dourado brilhando, a oscilar compassadamente, e os
ponteiros a marcarem, no mostrador de algarismos romanos, a hora
vespertina.
Conferi
com meu relógio de pulso. Estavam certos ambos. Eram 19 horas.
Uma maravilha!
Minha mulher e os filhos estavam perplexos. Que teria acontecido
em nossa ausência?
A Luzia Burra deveria saber. Chamei-a.
- Luzia, esteve alguém aqui enquanto estivemos fora?
- Não, senhor. Não veio ninguém aqui.
Pus-me a tamborilar com os dedos sobre a mesa, da qual me havia
aproximado. Não sabia em que pensar. E a seguir fiz uma pergunta
que eu próprio considerei mais do que descabida:
- Luzia, você mexeu no relógio?
- Não, senhor. Eu só pus ele pra andar...
Uma alegria súbita tomou conta de todos nós. De minha
parte, deu-me vontade de abraçar aquela tora maciça
de burrice concentrada e sair dançando com ela, mesmo sem
música. Mas me contive e a aplaudi com calculada moderação:
- Muito bem, Luzia. Valeu!
Após o jantar, esperei que a Luzia terminasse o seu serviço.
E chamei-a. Estava mais do que curioso. Queria saber o que ela fizera
para pôr o relógio a funcionar.
Quando a Luzia chegou, a enxugar as mãos no avental e a estampar
no rosto aquela sua burrice tão natural, tão honesta
e tão pura, não tive coragem de invadir com perguntas
suspeitosas o sacrário de sua privacidade. Nada lhe perguntei.
O que fez e o que
não fez. Contive a curiosidade e pedi-lhe um copo d'água.
Preferi usufruir em silêncio a felicidade de ver o relógio
a
funcionar como novo.
Diz o povo que não há mal que sempre dure nem bem
que nunca se acabe.
O tempo passou. Luzia quis regressar para o seu povo, na roça,
e para lá se foi. Algum tempo depois soubemos que ela havia
voltado e estava trabalhando em uma padaria.
No ano seguinte decidimos refazer a pintura da casa. E levamos todos
os móveis para o porão. Terminado o serviço,
voltamos os móveis para seus lugares. Ficou tudo bonito.
Cada móvel em seu lugar, as paredes lindas, com pintura nova.
Mas, ó Deus! O relógio emudecera.
A consternação foi geral. Todos nós havíamos
nos afeiçoado à musicalidade daquele precioso medidor
do tempo.
De minha parte tomei uma decisão. Deixem comigo, eu disse.
Já sei como é isso. O segredo está no equilíbrio
da caixa. Nada tem a ver com engrenagens e eixos. O negócio
é puxar um pouco pra cá, um pouco pra lá, com
paciência, até encontrar a posição correta.
Deixem comigo. Sábado à tarde cuidarei disso.
Sábado chegou. Passei a tarde do sábado e a manhã
do domingo nesse puxa-puxa. O resultado foi zero. Entreguei os pontos.
Segunda-feira pela manhã minha mulher começou a busca
à Luzia Burra. A última notícia que tínhamos
era sobre o emprego na padaria. Já não estava mais
lá. Mas de indagação em indagação
e ao fim de três dias de procura, minha mulher acabou dando
com ela em casa de uma tia. Estava de mala pronta para embarcar
para São Paulo. Foi dali que conseguimos trazer a Luzia de
volta à nossa casa.
Era
uma sexta-feira. No dia seguinte, de manhã, saímos
para o sítio. Antes de sairmos minha mulher falou:
- Luzia, se você tiver tempo, faça uma limpeza no relógio.
Quando regressamos, à tarde, o primeiro som que ouvimos,
ao entrar em casa, foi a tão grata e desejada música
dos carrilhões.
Graças a Deus!
Naquele momento, firmei um propósito. Enquanto eu viver e
aquele relógio existir, Luzia Burra não sairá
desta casa.
Há pessoas que possuem o dom a que o povo dá o nome
de “mão boa”. É mão boa para cuidar
de plantas. Ou para temperar comida. Ou cuidar de passarinhos. E
assim por diante.
Luzia Burra tem a mão boa para cuidar de relógios.
É o seu bem de nascença.
Que Deus a abençoe e guarde.
BOCAIÚVA,
GOSTO MESMO É DE VOCÊ
Maria
Clara Lage Vieira
Cadeira N. 100
Patrono: Wan-Dick Dumont
O
título é um "slogan" de uma campanha política,
mas coube exatamente no coração das pessoas que gostam
da cidade. Poderíamos dizer como antigamente o povo dizia:
"Assentou que nem uma luva". É que as pessoas gostam
mesmo da cidade. Há quem diga que "quem bebe da água
de Bocaiúva pode até ir embora, mas volta. Observando
a vida de uma cidade, percebemos que ela vive como um ser humano:
vibra de alegria,
mostra seus valores, cresce, mas também tem suas horas de
escuridão.
Assim é Bocaiúva.
Na infância, tínhamos um tênue conhecimento sobre
ela. Assim como a criança ouve falar de uma pessoa desconhecida
que ficou famosa e, em sua imaginação, faz uma vaga
imagem dela, também nós ouvimos falar que, lá
no Norte de Minas, numa cidadezinha chamada Bocaiúva, o eclipse
do sol estava sendo visível sob um ângulo mais amplo
e cientistas americanos estavam se dirigindo para lá, a fim
de estudar o fenômeno. Muitos anos se passaram para que ficássemos
conhecendo Bocaiúva. Quando aqui chegamos, ele era
acanhadinha, mas destacava-se nela um imenso calor humano que superava
as deficiências: o povo era solidário. Sabia e sabe,
como nos ensina o Evangelho, "alegrar-se com os que se alegram
e chorar com os que choram".
A cidade, de início, um povoado, nasceu com o latifúndio
de Faustino Leite Pereira (1710). Como a terra era fértil,
devagar foram se formando novos latifúndios por toda a região.
O primeiro nome do município foi Curato de Macaúbas
e isto se deu porque a esposa de Faustino Leite Pereira doou parte
de suas terras para o patrimônio de uma Igreja, em honra ao
Senhor do Bonfim.
A história, como ciência, não reconhece a origem
da imagem que aqui apareceu nos primórdios do povoado. Mas,
a história, como tradição oral, conta que tropeiros
traziam a imagem de São Paulo com destino à Bahia,
imagem esta oriunda de Portugal. Passando por aqui, os tropeiros
pararam para descansar, deixando a imagem à sombra de uma
gameleira.
Ao prosseguirem viagem, verificaram que a imagem ficou muito pesada,
impossível de ser removida.
A sabedoria popular e a índole religiosa entenderam que Jesus
quis que sua imagem de Crucificado ficasse aqui para ser venerada
pelos habitantes do lugar.
Assim, logo se dispuseram a erigir uma capelinha modesta para abrigar
a imagem e o Senhor do Bonfim, nome que os devotos deram ao Cristo
Crucificado, ficou sendo o padroeiro do povoado que foi crescendo
ao redor da capela.
E, desde então, há a festa do padroeiro no início
de julho.
Em 1966, quando chegamos a Bocaiúva, pude testemunhar um
fato interessante que acontecia aqui e o retratamos
em um capítulo do livro de nossa autoria, "WANDYCK,
PINTOR DE SIMPATIA. Eis a narrativa:
“Começo de junho. Desde fins de maio, o frio começou.
Mas não é um frio rigoroso. Somente de madrugada é
que ele incomoda”.
Corre o ano de 1966. Há mais de um ano estamos sob a ditadura
militar. Nas grandes cidades desse nosso pobre "gigante pela
própria natureza", não se pode reunir por nada,
aglomeração em ruas e praças significa atentado
aos poderes! instituídos e, portanto, cabe aprisionamento.
Também não se pode "conversar demais": as
janelas, as portas, as paredes têm ouvidos.
Mas isto não importa, pois começa junho e estamos
em Bocaiúva, município privilegiado, apesar da seca,
porque correm em suas terras, de sul para oeste, as águas
do rio Jequitaí, pertencente à bacia do São
Francisco e, de sudeste para leste, as águas do rio Jequitinhonha,
pertencente à bacia do leste.
No nosso país tropical, a primavera começa em setembro.
Chega de mansinho, anunciando-se aos poucos.
Diante da sequidão do ar e da vegetação, surge,
aqui e ali, o colorido maravilhoso de um ipê, roxo ou amarelo.
Depois, as buganvílias tomam coragem e, enchendo-se de flores,
pintamse de vermelho, roxo, laranja, amarelo, branco, misturando-se
com o verde de suas folhas. É assim, devagarinho, que chega
a primavera em Bocaiúva, que se localiza nas imediações
da região em que o rio São Francisco desliza, sereno,
no seu curso médio.
Mas, por que estamos falando de primavera, se estamos no começo
de junho? É que, nesta época, em Bocaiúva,
acontece uma primavera "sui generis". Devagarinho também,
como a primavera da natureza, Bocaiúva se enfeita.
Algum tempo antes, as casas reformam-se, revestem-se de uma roupagem
nova, pintam-se de cores mais alegres, porque o sol do sertão
lhes queima as cores. As ruas ficam mais limpas. Tudo vai adquirindo
um ar festivo.
As pessoas, na rua, se cumprimentam e conversam mais animadamente,
comentando sobre alguma coisa de muito bom que está para
acontecer.
E dentro de casa? É uma azáfama. O pai de família
dá o último retoque na recuperação de
algum objeto ou móvel que merece cuidado. A mãe se
esmera na confecção de doces em calda, laranja e mamão
cristalizados, goiabada em pasta ou em ponto de cortar, biscoitos,
os mais apetitosos e variados. E o licor de pequi, guardado desde
o início do ano? Ah! Uma delícia!
Os rapazes ajudam os pais nos preparativos que exigem a força
masculina e as moças trabalham com a mãe na cozinha
e no toque feminino, que torna a casa mais aconchegante.
Mas a hora melhor para elas é quando podem descansar um pouco
e chegam à janela e sonham... Sonham com os bailes que já
se anunciam e com a presença de um "príncipe
encantado".
As crianças ficam alvoroçadas. Quando vêem a
movimentação dos adultos, ficam contagiadas e querem
ajudar também. Todos têm uma obrigação,
todos dão a sua participação.
As escolas adiantam seus trabalhos letivos para que todos, do aluno
ao professor, do diretor ao serviçal, estejam disponíveis
para participarem de tão esperado evento. Expectativa - e
das boas - é a característica de todo bocaiuvense
nessa época. Mas, por que tudo isso?
Dizem que antigos romeiros, transportando a imagem de Cristo Crucificado,
O Senhor do Bonfim, de São Paulo para a Bahia, passaram por
estas paragens e, como vinham a cavalo e a viagem
era longa, resolveram descansar à sombra de uma gameleira
frondosa, árvore comum na região.
Quando se levantaram para prosseguir, perceberam que a imagem estava
pesadíssima. Não conseguiram, por mais que tentassem,
removê-la daquele lugar. Concluíram então que
Deus queria que essa imagem ficasse ali.
Logo se erigiu uma capela para a imagem e o lugar ficou conhecido
como a !terra do Senhor do Bonfim". Aqui foi se formando um
povoado que, mais tarde, recebeu o nome de Curato de Macaúbas.
E, como o fato teria se dado no princípio de julho, convencionou-se
comemorar a festa do Senhor do Bonfim no primeiro domingo de julho.
A tradição ficou. Em 1966, a festa prometia muito.
Que festa! Três noites de baile com o conjunto de Túlio
Silva, de Belo Horizonte, contratado exclusivamente para Bocaiúva.
E mais nove dias de orações em louvor ao padroeiro
e barraquinhas em benefício das obras da igreja.
A cada dia, chegam romeiros, pessoas que vêm pedir benefícios
ao Senhor, pessoas que vêm cumprir promessa e parentes que,
fazendo pedidos ou cumprindo promessas, aproveitam a ocasião
para rever seus entes queridos.
As costureiras se desdobram no seu ofício porque todas as
pessoas querem usar roupas novas. É um ponto de honra: do
rico ao pobre, do velho ao jovem ou criança, todos devem
estrear um vestido, um terno, um sapato, uma camisa nova.
A festa social culmina com o baile do domingo que, atravessando
a madrugada, obriga as autoridades a decretarem feriado na segunda-feira.
O ponto alto da festa religiosa é a subida do mastro na noite
de sábado e a procissão do Domingo.
D. Benzinha (Ah! Que mulher dinâmica e admirável!),
que já havia trabalhado durante os nove dias nas barraquinhas,
se esmera
em apresentar os quadros vivos da vida de Cristo na procissão.
Ah! Bocaiúva! Há quem diga que teu nome se deve a
uma homenagem a Quintino Bocaiúva, que foi ministro das Relações
Exteriores do Governo Provisório de 1890.
Mas o velho Romeu Barcelos Costa, carioca de nascimento e bocaiuvense
por adoção e que conhecia tua história melhor
que muito filho da terra, afirmava que teu nome deriva de uma variante
da palavra Macaúba, que designa uma espécie de palmeira
muito freqüente na paisagem da região. E é esta
teoria que nos parece acertada.
A tradição da festa se perdeu no tempo. Hoje, já
não se notam as mudanças gradativas no rosto da cidade
e das pessoas.
Mas, afinal, tempo é convenção. Pois já
não criaram uma série de filmes com o título:
"De volta para o futuro"? Como é que pode? Pode,
sim. E pode também estar de volta para o passado. Basta a
nossa imaginação querer.
Alguém dirá:
Quem
gosta de passado é museu.
Concordamos. Mas quem garante que os museus não nos dão
grandes lições de vida? Portanto, é começo
de junho de 1966 e estamos em Bocaiúva, em plena preparação
tradicional para a festa do Senhor do Bonfim.
Tudo respira e transpira alegria, entusiasmo e animação.
A narrativa foi escrita em 1966, reportando-se a fatos de 1966.
Estamos agora no século XXI. Muita coisa mudou, é
claro.
Eliane Maria Fernandes Ribeiro, em seu livro "Bocaiúva,
Sociedade e Espaço" (Graphilivros Editores Ltda., Belo
Horizonte, 1988, página ll), diz que "A paisagem urbana
retrata as transformações sociais e econômicas
por que passou o município".
Acrescentaríamos que a tecnologia do século XXI também
já deixou e deixa marcas de transformação no
rosto da cidade.
A festa do Senhor do Bonfim se repete a cada ano. Modifica-se com
o correr dos anos, mas o fervor e a alegria do povo continua presente.
Louvor, agradecimento, pedidos ao padroeiro se misturam com a satisfação
de poder receber parentes, amigos e romeiros para, juntos, agradecer
e festejar. E não é só na época da Festa.
Quem quiser visitar ou conhecer a cidade, faça isto, porque
vai sentir que a hospitalidade é uma característica
do povo bocaiuvense.
Venha conhecer o nosso povo e o nosso chão. Sua presença
será uma festa para nós.
Estação
Ferroviária - Bocaiúva/MG
FOTOGRÁFIA
HISTÓRICA
Banda
de Música Bocaiuvence do inicio do século XX.
DR.
GEORGINO JORGE DE SOUZA
MEU MESTRE, MEU PATRONO
Maria
da Glória Caxito Mameluque
Cadeira N. 40
Patrono: Georgino Jorge de Souza
Meu
primeiro contato com o Dr. Georgino deu-se em 1963, quando meu marido
era Prefeito em São Francisco e eu o procurei para solicitar
a presença da Banda de Música do Batalhão em
uma comemoração de aniversário da cidade. Ao
entrar no seu gabinete, no antigo Colégio Tiradentes, senti-me
até um pouco intimidada ao ver-me à frente daquela
figura elegante, autoritária, imponente, que me recebeu com
muita cordialidade e simpatia. Nunca poderia imaginar que nos anos
seguintes nossa vida pudesse se entrelaçar em várias
ocasiões, como aconteceu depois.
Cursando Direito na antiga FUNM, no prédio antigo, deparo-me
novamente com ele, dessa vez em outra situação: ele,
professor; eu, aluna. Suas aulas tornavam-se um espetáculo
à parte, quando ele, entremeando as teorias do Direito Penal,
mostrava-nos com toda sabedoria e eloqüência os casos
e júris dos quais participava, trazendo para nós a
prática penal e os meandros dos processos criminais. Suas
aulas, esperadas com ansiedade, eram momentos de prazer e admiração
pra todos nós seus alunos e até hoje lembro-me de
várias de suas frases lapidares: “ o homem é
um animal que só se comporta por causa das frenagens que
lhe tolhem a ação, censurando o que ele pode e o que
não pode fazer...”
Formada,
eis que nossos escritórios ocupavam o mesmo prédio,
o Edifício Ciosa e com ele me defrontava quase todos os dias.
Sentia-me envaidecida quando ao cruzar com ele , me cumprimentava
solenemente: “Como vai, doutora?” E de vez em quando
eu escapava e ia ao escritório dele para trocarmos idéias
, para pedir algum conselho ou até mesmo para ouvir suas
histórias de vida, que com sua verve me deliciavam. E só
ia lá quando tinha algum tempo disponível, porque
ele me prendia por muito tempo, com suas histórias e confidências,
que trocávamos como dois amigos...
Entre nós formou-se um vínculo muito grande: de professor
e aluno, de colegas de profissão, de verdadeiros amigos.
Tivemos oportunidade de atuarmos, eu , o meu marido e ele, em um
caso muito complicado e por isso sempre nos reuníamos e chegamos
a fazer várias viagens juntos, para tratar do caso. Em meus
ouvidos ainda permanece a sua voz vibrante, dizendo-me que fomos
vitoriosos.
Sempre que lia minhas crônicas publicadas nos jornais, ligava-me
imediatamente para comentá-las. Quando lancei o livro “Crônicas
do Cotidiano”, pedi a ele que fizesse o prefácio, que
ele aceitou com alegria. Indicou-me à Academia Montesclarense
de Letras, fazendo o discurso de apresentação na minha
posse.
Quando tive oportunidade de escolher o meu patrono no Instituto
Histórico e Geográfico de Montes Claros, minha opção
caiu em meu mestre e amigo Dr.Georgino Jorge de Souza. Falar sobre
ele é uma missão prazerosa e fácil, pois sua
personalidade e seus feitos são de todos conhecidos e para
tanto reporto-me a artigo escrito em setembro de 2000 pelo então
Reitor da Universidade Estadual de Montes claros, Dr.José
Geraldo de Freitas Drumond , passado às minhas mãos
por sua família:
“Figura ímpar da historiografia norte mineira, Georgino
Jorge de Souza é possuidor de denso e rico 'Curriculum Vitae'
que
costuma apresentar emblematicamente sumarizado em três títulos:
Coronel PM, Professor Emérito da Universidade Estadual de
Montes Claros e Advogado Militante. Esta foi a tríade com
que o autor de 'Reminiscências de um Soldado de Polícia'
quis sintetizar a sua longa, árdua e vencedora caminhada
que tanto tem beneficiado a todos que, com ele, se relacionaram
mas, e principalmente, às comunidades às quais serviu
e até hoje se dedica. Nascido na cidade baiana de Guanambi,
foi em Caitité, na mesma Bahia, que se promoveu nos cursos
primário e normal, tornando-se professor, no ano de 1934.
Inquieto intelectualmente – virtude que permanece até
os dias de hoje – Georgino Jorge de Souza muda-se para Minas
Gerais e, em Belo Horizonte, ingressa no Curso de Formação
de Oficiais da Polícia Militar de Minas Gerais, em 1940 se
forma.
Sua inteligência e cultura continuam a ser buriladas pela
Escola Técnica de Comércio de Belo Horizonte onde
se gradua em 1957, e em 1960 no Curso de aperfeiçoamento
de Oficiais da Polícia Militar de Minas Gerais. No entanto,
era ainda pouco para a inteligência e a capacidade de servir
do jovem Oficial da Polícia Militar de Minas Gerais, que
não se contentava em ascender a todos os degraus da hierarquia
militar, mas que aspirava ampliar a sua formação humanística.
Um fato marcante em sua vida foi triunfar no vestibular de Direito
da Universidade Federal do Espírito Santo, onde recebeu o
grau de bacharel, no ano de 1961, tendo sido o orador da turma.
Exerceu os cargos de Delegado Especial de Polícia em 68 cidades
mineiras, no período correspondido entre 1943 a 1958; Sub-chefe
da 4ª Seção do Estado Maior Geral da PM de Minas
Gerais e de Comandante do 10º Batalhão de Infantaria
da PMMG, sediado em Montes Claros.
Advogado militante em praticamente todas as Comarcas norte-mineiras,
foi guindado por seus pares à presidência da 11º
Subseção da Ordem dos Advogados do Brasil, no período
de 1979-81,
tendo sido ainda presidente do Rotary Clube de Montes Claros.
Sua vocação docente iniciada na Bahia o acompanha
em todas as suas atividades. Especificamente notabilizou-se por
fundar e ser o primeiro diretor do Colégio Tiradentes da
Polícia Militar, em Montes Claros, co-fundador da Faculdade
de Direito do Norte de Minas, hoje compondo a Unimontes, onde ministrou
os conteúdos de Direito Substantivo Penal durante 25 anos,
tendo assumido a chefia do Departamento de Direito Substantivo por
várias vezes, culminando a sua carreira universitária
como diretor da nossa, então, Faculdade de Direito.
Sua brilhante carreira docente foi reconhecida com a insígnia
de Professor Emérito da Universidade Estadual de Montes Claros,
condecoração que veio se juntar a tantas outras, como
a Medalha de Honra da Inconfidência – por méritos
cívicos – a Medalha de Ouro da Polícia Militar
do Estado de Minas Gerais, a Medalha de Prata Santos Dumont, todas
as Medalhas de Mérito Militar (bronze, prata e ouro), a Medalha
Tiradentes, Medalha do Bicentenário do Alferes Tiradentes,
Medalha Baeso ( trinta anos de Maçonaria, grau 33) e tantas
outras condecorações civis e militares, que tornam
a figura de Georgino Jorge de Souza, lenda viva em todas as instituições
por onde passou e junto a toda sociedade mineira.
É justo e salutar, portanto, que este mestre das armas, do
direito da cidadania continue a nos privilegiar com as luzes do
seu invulgar brilho intelectual, como acadêmico da Academia
de Letras João Guimarães Rosa da Polícia Militar
do Estado de Minas Gerais e da Academia Montesclarense de Letras,
cujas posses ocorreram em 10 de agosto e 23 de setembro de 2000,
respectivamente.”
O grande mestre Dr.Georgino Jorge de Souza nos deixou em 27 de fevereiro
de 2004.
Posse de Glorinha Mameluque na Academia Montesclarense
de Letras,
quando foi apresentada pelo Dr.Georgino Jorge de Souza
Dr.
Georgino Jorge de Souza
PAIXÃO
POR DEUS
Maria das Mercês Paixão Guedes
Cadeira N. 73
Patrono: Lilia Câmara
A paixão, entre seus muitos conceitos, é definida
como um sentimento ou emoção levados a um alto grau
de intensidade, sobrepondo-se à lucidez e à razão.
Quantos de nós não experimentamos um dia esse sentimento?
Mas, a paixão também é um entusiasmo muito
vivo por alguma coisa ou por alguém. Desde que Deus assumiu
um corpo humano, tornou-se tão próximo, fascinante
e encantador que não são poucos os que assumem viver
essa paixão. Paixão capaz de transformar toda a vida,
paixão forte e arrebatadora, paixão irresistível,
paixão por Deus. O Carmelo é assim, no Carmelo vive-se
assim. E isso há mais de oito séculos.
Tudo começou com um grupo de homens (apaixonados) decididos
a entregar suas vidas por uma causa: reconquistar a Terra Santa,
que fora ocupada pelos muçulmanos. Era o tempo das Cruzadas.
Muitos desses homens passaram a viver eremiticamente, como o Profeta
Elias (Antigo Testamento), no Monte Carmelo. E como a paixão
é contagiante, inúmeros outros se uniram a este grupo,
que recebeu aprovação de sua Regra de Vida pelo Papa
Inocêncio IV, em 1247. Eram os primeiros carmelitas, Irmãos
da Bem-Aventurada Virgem Maria do Monte Carmelo.
O
desejo de contemplar a Face do Senhor, a sede de solidão
para estar a sós com o Só, com o Amor, com o Amado
e a vida apostólica eram os indícios de que esta paixão
não teria fim na primeira ventania que surgisse. Perseguições,
martírios, sofrimentos de toda sorte, nada poderia deter
o fogo divino que consumia os corações daqueles homens.
No séc. XV nasceu o ramo feminino. Em 1535, Teresa de Jesus
ingressou no Carmelo e após vinte e sete anos de vida religiosa,
ela foi amadurecendo em seu coração a sua opção
radical por Deus. Seu tempo, o séc. XVI, é conhecido
pelas crises econômicas, culturais, políticas e principalmente
religiosas em todo o mundo. Teresa acompanhava as notícias
de sua época e sofria muito. Sentia os apelos de Deus para
fundar um mosteiro onde levassem vida de oração e
fraternidade mais intensa, com um número reduzido de monjas,
na solidão e no silêncio, com clausura mais rigorosa,
pobreza, autêntica entrega e consagração ao
Senhor em favor da Igreja. Dizendo sim a esse convite divino, surgiu
o Carmelo Descalço (devido ao despojamento interior e exterior)
ou Carmelo Teresiano, em 1562 na Espanha. Seis anos depois, auxiliada
por João da Cruz, Teresa reformou também o ramo masculino
da Ordem. E a paixão que invadia sua vida e abrasava sua
alma foi como um incêndio ao seu redor. O Carmelo Descalço
cresceu e se espalhou com força, rapidez e frutos de santidade.
Teresa faleceu em 1582, João da Cruz em 1591, porém
o Carmelo Descalço seguiu mais vivo do que antes, impulsionado
pelo ardor com que seus santos amaram Deus e os homens, e pelos
seus escritos que deixaram toda uma rica e sólida doutrina
a respeito da oração, da contemplação,
da vida mística e união com Deus, união esta
que não poderia ser senão amorosa. A árvore
estava frondosa e dela brotaram Carmelos por todo o mundo. Cada
vez maior número de homens e mulheres assumia sua paixão
por Deus. Sementes dessa árvore caíram também
no Brasil e, levadas pela brisa mansa e suave da graça, chegaram
a Montes Claros no dia 8 de setembro de 1977, trinta anos atrás.
Aqui
retornamos ao nosso ponto de partida: a paixão e suas conseqüências.
O Carmelo Maria Mãe da Igreja e Paulo VI conta hoje com dezenove
mulheres apaixonadas por Deus, entre 19 e 86 anos. Vivem retiradas,
ocupadas na oração e no trabalho, na imolação
e no sacrifício com a Igreja e pela Igreja, tendendo a alcançar
aquele puro e solitário amor, que é mais precioso
diante de Deus e de mais proveito do que tantas outras obras unidas.
Elas rezam pelos que sofrem no corpo e na alma, pelo aumento das
vocações sacerdotais e religiosas, pela unidade dos
cristãos e evangelização dos povos. Têm
espírito missionário, embora excluam qualquer forma
de apostolado ativo.
Parece misteriosa essa maneira de se viver uma paixão. A
que preço? Não será loucura ter desejos tão
imensos? Nunca, desde que o Amor os tenha suscitado. É por
isso que o Carmelo subsiste através dos séculos. Nele
habitam a dor e a alegria, o amor e o sofrimento, pois nele vivem
pessoas "normais", embora sua paixão por Deus tenha
sido, aos olhos humanos, desmedida e em vão. Jovens continuam
abraçando a clausura num mosteiro, vivendo de maneira simples
e silenciosa a paixão que um dia invadiu suas almas. Elas
foram envolvidas pelo Amor, amor incontido e inexplicável.
As Irmãs fundadoras do Carmelo em Montes Claros vieram dos
Carmelos de Belo Horizonte e de Três Pontas. Em nosso meio
ainda estão a Madre Maria Angélica da Eucaristia,
a Irmã Maria Flávia de São José (atualmente
ajudando ao Carmelo do Bonfim), a Irmã Maria Aparecida do
Menino Jesus e a Irmã Maria Teresa Margarida do Sagrado Coração
de Jesus (que entrou no dia da fundação). Deste Carmelo
já saíram duas fundações, uma para o
Senhor do Bonfim, na Bahia e outra para Coronel Fabriciano. Também
enviaram Irmãs para ajudar em Carmelos na Terra Santa (Jerusalém
e Haifa) e neste ano irão outras, em caridoso auxilio, para
Carmelos na Espanha (Alba de Tormes e Valladolid). O amor rompe
todas as fronteiras e é a língua universal, especialmente
quando se trata de seguir Àquele que deixou o Amor como mandamento.
No
final das contas, tal paixão por Deus não tem tanto
segredo. Acontece sempre que abrimos o coração. Sejamos
solteiros ou casados, jovens, crianças, adultos ou idosos...
Todos temos sede do eterno, do amor incondicional. Amor que não
nos tira nada, ao contrário, amor que nos dá tudo.
É só ter coragem de deixar-se amar, de deixar-se conquistar
e seduzir. Não é preciso morar num mosteiro para experimentar
essa paixão vibrante e transformadora, contudo é preciso
algum silêncio senão a única
paixão que experimentaremos será a paixão por
nos mesmos.
JOSÉ
GONÇALVES ULHÔA
Maria de Lourdes Chaves
Cadeira N. 65
Patrono: José Gonçalves Ulhôa
Nascido em Paraisópolis, Sul de Minas, após fazer
o “curso de humanidades” em Pirassununga – São
Paulo, o Instituto Granbery em Juiz de Fora e interromper o curso
de Engenharia em Ouro Preto por motivos de saúde, vem para
Montes Claros onde se estabelece definitivamente.
Fazendeiro, criador e agricultor, produz sementes de milho híbrido
e sementes selecionadas de arroz, de 1968 a 1985, sendo membro da
Associação dos Produtores de Sementes e mudas do Estado
de Minas Gerais pelo mesmo período.
Produtor de carvão pelo sistema seletivo e sustentado do
cerrado, deste 1984 é defensor entusiasta deste sistema,
tendo sido um dos fundadores e o primeiro presidente da Associação
Protetora do Pequi, criada na Festa Nacional do Pequi, em 1 de janeiro
de 1988, em Montes Claros.
Como escritor e jornalista é autor de vários ensaios
e artigos publicados em jornais locais, sendo membro efetivo da
Academia Montes-clarense de Letras desde 1980.
Algumas de suas premiações:
Primeiro
prêmio como produtor de sementes de arroz, na Exposição
Agropecuária de Montes Claros em 1968, conferido pela comissão
do Vale do Rio São Francisco.
Benemérito da Biblioteca Pública Municipal de Montes
Claros, pela colaboração prestada na ampliação
do acervo cultural, em 15/10/1977.
Diploma de Produtor Rural como modelo em conservação
da natureza, em reconhecimento dos serviços que vem desenvolvendo
em sua propriedade a favor da conservação dos recursos
naturais renováveis, conferido pelo IEF-Instituto Estadual
de Florestas de Minas Gerais, em 09/06/1987.
Diploma do mérito Florestal do Governo do Estado de Minas
Gerais, em reconhecimento às relevantes atividades desenvolvidas
em prol do reflorestamento em Minas Gerais, em 21/09/1987.
Certificado pela sua participação como conferencista
no 2º Seminário Regional sobre a Conservação
da Natureza em Januária-MG, em 22/10/1982, conferido pela
Secretaria de Estado da Educação e Secretaria da Agricultura
e pelo Instituto Estadual de Florestas de Minas Gerais.
Diploma de mérito de proteção à Natureza
e dos Bens Culturais, por seu desempenho no trabalho em prol da
proteção do meio ambiente, conferido pela Câmara
Municipal de Montes Claros, na Festa Nacional do Pequi, em 08/01/1988.
Primeira medalha do Mérito Ecológico, homenagem da
Câmara Municipal de Montes Claros, 21/09/1991.
Prêmio Sol 1991 em Ecologia, conferido pela Associação
dos Repentistas e Poetas Populares do Norte de Minas.
Chegando
a Montes Claros, conheceu a bonita moça Cecy Tupinambá
com a qual se casou; aos 04/10/1952. Tiveram quatro filhos, 2 mulheres
e 2 homens.
Homem temente a Deus, religioso, pai extremoso, bem educado, culto
e simples. Defensor ardoroso da natureza. Muito dedicado à
sua família, carinhoso, caridoso e trabalhador.
Era um homem do campo, gostava de ficar sempre em sua fazenda. Era
desprendido dos bens materiais, nunca almejando riqueza, sua fortuna
era seu lar, sua família. Sua vizinha por algum tempo, sempre
o via passar às 6 horas da manhã, rumo à padaria.
Este fato simples dava sua dimensão de homem devotado à
sua família.
Na Academia Montesclarense de Letras, tinha como patrono o Cônego
Chaves.
Escreveu o livro “Congresso dos Bichos” na qual exalta
a natureza e demonstra sua grande preocupação com
a biodiversidade, sua degradação abusiva pelo homem.
Deixou escrito outro livro “Vida de cachorro” que não
veio a lume.
Ele colaborava com publicações de artigos nos jornais
de Montes Claros.
“Bem aventurado o homem que tem uma virtuosa mulher, porque
dobrado será o número dos seus anos.
Eclesiástico”
Bem aventurada a mulher, que tem um virtuoso homem. José
Gonçalves Ulhôa, você era um deles.
Aos 13 de agosto de 2001, faleceu em Montes Claros, deixando uma
clareira nos meios intelectuais e nos movimentos pró ecologia.
José
Gonçalves Ulhôa
FRANCISCO
SÁ
Maria Inês Silveira Carlos
Cadeira N. 38
Patrono: Francisco Sá
Pelo
Decreto-Lei nº. 148 de 17 de dezembro de 1938, assinado pelo
Interventor Federal Benedito Valadares Ribeiro, o município
de Brejo das Almas passou a denominar-se Francisco Sá, tendo
como primeiro prefeito o dr. Arthur Jardim de Castro
Gomes.
Quem foi Francisco Sá? É uma pergunta que a maioria
do povo Francisco-saense não sabe responder. Na minha infância
e juventude a única informação que tive a respeito
de sua pessoa é que ele trouxe a estrada férrea até
Montes Claros e que nada tinha feito por nós. E esta informação
permaneceu por muito e muitos anos para mim e para a população
brejeira. Talvez seja por isso que ainda gostamos tanto de ser chamados
brejeiros e dizer que moramos no Brejo. Faltou e ainda falta interesse
das autoridades e educadores para pesquisar e divulgar quem foi
este homem que deu o seu nome à nossa cidade.
Resolvi sair à procura de dados que compusessem esse quebra-cabeça,
tentando encaixar as peças do mosaico que formam a figura
do, para nós, ainda desconhecido. O véu da minha ignorância
foi aos poucos se dissipando e descobrindo quão
grande foi o homem, o cidadão, o administrador e o político
Francisco Sá.
Francisco Sá nasceu na Fazenda Brejo de Santo André
no dia 14 de setembro de 1862. Filho de Francisco José de
Sá Filho (Brejo de Santo André, 1832-1868) e de Augustinha
Josephina Vieira dos Santos Sá. Seu pai era filho do Coronel
Francisco José
de Sá (1802-1894) e de Jacinta Francisca Veloso de Sá
(1811- 1878). Sua mãe era filha de Josephino Vieira Machado,
Barão de Guiacuhy (1812-1879) e Maria Sylvana dos Santos.
A fazenda Brejo de Santo André, de propriedade de seu avô
Francisco José de Sá, pertencia ao município
de Grão Mogol e hoje pertence ao nosso município.
Seu avô, Francisco José de Sá, era republicano
e abolicionista. E teve a alegria de assistir à realização
de um dos seus mais acariciados sonhos da mocidade de ver que muitos
dos seus descendentes se elevarem as altas posições
sociais e figurarem entre os dirigentes do país. Assim, era
ainda vivo quando seu filho Carlos de Sá foi eleito Senador
Republicano e dois de seus netos, o Dr. Francisco Sá e Camillo
Prates, figuraram na Assembléia Provincial.
Francisco Sá formou-se em 1884 em engenharia pela Escola
de Minas de Ouro Preto (MG), foi também industrial e jornalista
e tinha o excelente dom da oratória. Era um homem nobre na
origem e na vida pública, além de ser nome ilustre
da engenharia brasileira foi um político com uma biografia
invejável. Ministro da Viação por duas vezes,
uma no governo Nilo Peçanha e a outra com Arthur Bernardes.
Antes Francisco Sá, quando recém formado foi servir
no estado do Ceará, na Estrada de Ferro de Baturité,
oportunidade em que conheceu a jovem Olga Acioly, uma das filhas
do representante do Ceará na Câmara Federal, o Comendador,
oligarca e presidente do Ceará, Antônio Pinto Nogueira
Acioly. Na primeira oportunidade ministerial, levou para o Ceará
o recém criado IFOCS - que depois se transformaria
no DNOCS e na segunda, a RVC (Rede de Viação Cearense).
Como Deputado Federal pelo Ceará revelou-se bom deputado,
o que lhe valeu ser, posteriormente, ministro de Estado em duas
oportunidades. Ao voltar para o sul (o sogro foi deposto), Francisco
Sá continuou projetando-se no serviço público
do Rio de Janeiro e Belo Horizonte, a ponto de se tornar, em ambas
as capitais, nome de ruas. Em Fortaleza também é nome
de uma grande avenida e de um município da zona norte do
Ceará. Em Teófilo Otoni (MG) e Teresópolis
(RJ) há ruas com seu nome. Montes Claros também o
homenageou com uma bela avenida, onde nas proximidades está
erguida a majestosa Catedral de Nossa Senhora Aparecida e, em uma
de suas extremidades ( Praça da Estação), há
um monumento em sua honra. Este monumento
tem uma base bastante extensa, tendo no centro uma coluna que sustenta
a estátua. Na parte frontal da coluna há uma placa
confeccionada em bronze onde se lê a seguinte homenagem:
A Francisco Sá
O Norte de Minas
14 de setembro de 1930.
... E em uma tarde
como esta, muito depois, as gerações
que a esta geração
succederem, diante
de seu monumento,
repetirão ainda:
Este foi o nosso melhor amigo
Nas partes laterais, no alto, uma placa que retrata a construção
da estrada de ferro e mais duas com expressões em latim,
do poeta Horácio.
Um dos mais antigos e respeitáveis educandários da
cidade, por onde passaram nomes, que hoje se destacam na história
de Montes Claros, e iniciaram o conhecimento das letras e dos números
na Escola Estadual Francisco Sá.
Durante
o período em que foi Ministro da Viação (1909-
1911) além de criar a IFOCS, organizou diversas redes ferroviárias
e consegui o recorde de 2.225km de ferrovias em um só ano.
Em 1910, bateu a primeira estaca na construção do
ramal de Montes Claros, da Estrada de Ferro Central do Brasil. Voltou
a ser Ministro da Viação entre 1922 e 1926, quando
criou a Contadoria Geral dos Transportes e estabeleceu o primeiro
regulamento de navegação aérea e de radiodifusão
no Brasil.
Dentre suas obras mais importantes, principalmente para a cidade
do Rio de Janeiro, destacam-se a eletrificação da
Estrada de Ferro Corcovado, a reorganização da Inspetoria
de Navegação e dos serviços postais e telegráficos
e o saneamento da baixada Fluminense. No município do Rio
de Janeiro fez melhorias no serviço de abastecimento de água
e cuidou do aspecto paisagístico da Quinta da Boa Vista.
Francisco Sá foi Deputado Federal, Senador e Secretário
de Agricultura de Minas Gerais, e se destacou, sobretudo, como administrador.
Cargos Públicos:
-Ministro de Estado da Viação/Governo Nilo Peçanha
-Ministro
de Estado da Viação/Governo Arthur Bernardes
-Secretário do Presidente do Estado do Ceará
-Secretário de Agricultura de Minas Gerais
-Diretor de Terras e Colonização do Governo Affonso
Pena
Mandatos:
Deputado Provincial 1888 a 1889
Deputado Geral 1889
Deputado Federal 1897 a 1899
Deputado Federal 1900 a 1902
Deputado Federal 1903 a 1905
Senador 1906 a 1909
Senador
1911 a 1915
Senador 1922 a 1927
Senador 1927 a 1930
Sendo um excelente orador, Francisco Sá empolgava a platéia
com seus belos e calorosos discursos. Eis um trecho em uma de suas
falas em que homenageou Pinheiro Machado, fundador do Partido Republicano
Conservador: "Glorioso brasileiro, cuja vida foi exemplo contínuo
de virtude intrépida e de são vigoroso patriotismo.
Ninguém como ele, se devotou à Republica com tanto
fervor e com tanta perseverança. Desde o apostolado que a
preparou até à sua organização, à
sua conservação nunca lhe faltaram o amor desvelado,
a cuidadosa vigilância, a ação indefessa".
Realmente, Francisco Sá não destinou nenhuma obra
específica ao município de Brejo das Almas, porém
várias delas beneficiaram nosso estado e nosso país
o que nos faz seus herdeiros. Ele uniu pessoas e transportou o progresso
em milhares de quilômetros de linha férrea em grande
parte do Brasil. A criação do DNOCS até hoje
beneficia a Área do Polígono da Seca levando soluções
à população que sofre as conseqüências
da seca. E o município de Francisco Sá é beneficiário
deste Departamento. O Cristo Redentor ficou mais iluminado; a agricultura
de Minas Gerais ganhou novo alento. Francisco Sá foi um homem
à frente de seu tempo; suas idéias e ações
contribuíram para o progresso e o crescimento do Brasil.
Creio que a partir do momento em que todo franciscosaense tomar
conhecimento do que foi a vida do nosso conterrâneo Francisco
Sá, assim como eu, terá mais orgulho de ter nascido
aqui. Espero que sua trajetória digna, honrada, laboriosa
e patriótica seja exemplo para todos nós que amamos
esta terra querida. Para que isso aconteça faz-se necessário
que sua biografia seja conhecida. E esta será a partir de
agora uma
causa e uma bandeira que irei abraçar com garra e imensa
honra.
Francisco Sá faleceu no dia 23 de abril de 1936.
DOCUMENTO HISTÓRICO
Documento assinado por Francisco Sá
O
VELHO INSTITUTO
Maria Luiza Silveira Teles
Cadeira N. 42
Patrono: Geraldo Tito da Silveira
Recebo
um e-mail de um grande amigo montes-clarense, residente lá
pela Bahia, há bem uns trinta anos. Disse estar acompanhando,
com gosto, as minhas crônicas e pede-me para falar mais dos
tempos de nossa juventude.
Depois
deste e-mail, uma saudade impiedosa e insistente ficou a arrombar-me
os íntimos do ser. Lembranças, cuidadosamente guardadas,
naquela gaveta que a gente não gosta muito de mexer, insistem
em pular para fora...
E, aí, me vejo tão garota já com a grande responsabilidade
de dar aulas para pessoas mais velhas do que eu. Explico: aqui cheguei
com os meus 16 anos, mas falando inglês muito bem, depois
de já ter cursado o Lower Cambridge, em Belo Horizonte. Então,
minha prima, Ruth Tolentino, educadora por natureza, trata de contar
o feito para Dr. João Luiz de Almeida, nome de respeito e
de lembrança saudosa nos anais da História de Montes
Claros. Ele, muito sisudo, mas um grande educador e um enorme coração,
me chama para assumir um bocado de aulas lá no Instituto
Norte Mineiro de Educação.
Mas,
era difícil acreditar que uma adolescente já falasse
inglês com tanta fluência e, ainda por cima, soubesse
dar aulas e controlar turmas de marmanjos. Ele nunca imaginou que
eu soubesse, mas bem que eu o via, escondido pela porta, acompanhando
minhas aulas. Afinal de contas, seu educandário era uma instituição
de respeito e não podia aceitar qualquer professor!
Depois de um mês, mais ou menos, ele se sentiu seguro: não
é que a menina entendia mesmo do riscado?! Aí, como
um bom pai, deixou de vigiar-me e soltou-me pelas salas do Instituto.
Foi um tempo maravilhoso de minha vida. Lá fiz um montão
de amigos, muitos dos quais ainda conservo, e outros que o Senhor
resolveu levar para as bandas de cima, como Toninho Ramos. Eram
esses amigos que me chamavam para festas, horas dançantes
dos clubes volantes e lá na boate da Praça de Esportes,
no domingo de manhã.
Foi lá, com meus alunos-amigos, que resolvemos criar o Night
Club, que fez história entre a juventude daquele tempo. Isso
sem falar nas festas que já tínhamos, lá mesmo
no Instituto. Quem da minha geração não se
lembra das famosas festas juninas do Instituto? Não havia
quem nos superasse! E os grêmios? Verdadeiras apoteoses, revelando
cantores, atores, poetas, artistas de toda forma. Todo mundo levava
a coisa a sério e se esmerava para apresentar-se no Grêmio,
verdadeiro cadinho de talentos. Dia de Grêmio era dia de alegria!
Não era como depois, em outras escolas, onde eu ouvia os
comentários:" Ah, grêmio, que chatice!...”
Dr.
João não apenas dava suas aulas com muita maestria,
mas exigia que todos fossem bons, disciplinados e não admitia
ninguém "cabular" aulas. Dirigia a sua escola com
mão de ferro e coração de pai.
Tínhamos, também, nossos piqueniques, acho que lá
pras bandas do Carrapato. Era uma alegria só! Eu era umaprofessora
muito segura, apesar dos verdes anos! Mas sempre me encantou a disciplina
impecável dos alunos! Um dia, porém, muitos anos depois,
fiquei sabendo da tal disciplina: não era que os danados
ficavam quietinhos olhando minhas pernas, por baixo da mesa?!
Depois que as aulas acabavam, lá pelas onze da noite, nós
íamos em bando, voltando para nossas casas, contentes da
vida, sem nenhuma preocupação com segurança,
pois Montes Claros era como um grande família. Quando me
lembro, pareceme que éramos um bando de periquitos, fazendo
um barulhão danado! Este meu amigo, que provocou estas lembranças,
era um vizinho de confiança, que me levava, direitinho, para
casa.
Lá, naquela extraordinária instituição,
formaram-se pessoas hoje famosas por sua intelectualidade. Lá,
muitos namoros começaram e muitos casamentos se fizeram.
Tantos rostos me vêm à memória neste mergulho
no passado. Lembrome, por exemplo, de Rilson, o fotógrafo,
sempre presente em todas as nossas festas. Hoje, ele deve andar
fotografando galáxias distantes! Mas, que saudade!
Viu, amigo João, o que provocou? Neste instante não
sou mais uma senhora, entrada nos anos, mas apenas uma jovenzinha
mergulhada em sonhos, esperanças, projetos, muitos dos quais
murcharam e morreram pela estrada da Vida. Mas, que valeu, valeu!
ROMANCE
DAS IDÉIAS
Miriam Carvalho
Cadeira N. 88
Patrono: Plínio Ribeiro dos Santos
Nesta
exposição, procuro trazer algumas idéias básicas
sobre a construção do Romanceiro da Inconfidência,
de Cecília Meireles, examinando o texto como lugar onde o
sujeito se inscreve e se escreve.
Cada um de nós constrói o seu próprio texto,
que é representado por vozes conscientes ou inconscientes,
recentes ou antigas, escritas naturalmente produzidas por várias
leituras, vivências, mitos familiares, vozes que se confundem
umas com as outras, vozes de avó, mães, filhos, inseridas
no espaço familiar e re-produzidas no espaço social.
Num sentido amplo, o Romanceiro trabalha com o texto copiado, invertido,
pontuado aqui, sublinhado ali, escrevendo, por sua vez, um texto
flutuante, preenchendo lacunas, vazios, viajando por outros textos
e através deles, o espaço da ficção
constrói-se de forma extremamente complexa.
Encarando a escrita do Romanceiro sob esse prisma, percebe-se uma
capitalíssima característica: ele é corpo feito
de outros tecidos/ textos.
As
informações contidas no seu espaço não
são semelhantes às informações transmitidas
no discurso usual da história da Inconfidência Mineira.
Mas os sujeitos falantes, os monólogos, as falas, os relatos,
os dados brancos e negros na concepção da autora não
foram colhidos dos Autos da Devassa?
Não fazem parte do material histórico? Onde está
o texto literário? Onde, a relação ambivalente,
dúbia com o real, criando efeitos de verossimilhança
ou fantasmagoria? No questionamento do texto, o espaço ficcional
é representação e nele também se encena
a linguagem, isto é, a linguagem se teatraliza, e, neste
sentido, é possível restaurar a realidade histórico-social:
"intrigas de ouro e sonho", segundo a autora, é
possível restaurar o lado dramático da Conjuração
Mineira, as falas distintas da África - terra do exílio
dos Inconfidentes - o tom reflexivo e dubitativo das personagens.
Temos, pois, de admitir no Romanceiro dimensões que superam
uma problemática história, mesmo porque o texto ganha
infinitas significações. Para entendê-las, é
preciso discernir o que se oculta detrás das palavras, como
o Romance das Palavras Aéreas; é preciso descobrir
a liberdade, vista como pedra grada; ir das palavras às coisas
e contornar este terreno congestionado de dados brancos - "o
ouro, a ciência, a arte, a liberdade, o amor", e os dados
negros: "a ambição, a inveja, a impostura, a
tirania, a covardia, a traição".
É possível situar nesses dados a voz da História
que será ouvida através da poesia. Ela nos dará
a exata medida de uma convicção artística,
dizendo-se e desdizendo-se como ficção. Esse real
da ficção é diverso do outro real histórico,
mas com ele dialoga. Através dele, somos conduzidos por uma
atmosfera de lembranças e mistérios com a predominância
de um discurso apoiado na reflexão que, por sua vez, se sobrepõe
à ação.
São cinco partes bem definidas no Romanceiro: o ambiente
- os 4 cenários - a trama, a frustração, a
morte de Cláudia Manuel
da Costa e Tiradentes, o infortúnio de Gonzaga e Alvarenga
e finalmente, a presença no Brasil, da rainha, D. Maria I.
Na
primeira parte do romance, os motivos folclóricos e tradicionais,
os nomes ligados à matéria folclórica, os nomes
ligados diretamente ao ciclo do ouro e do diamante - Chica da Silva,
Chico Rei, contratador Fernandes, Visconde de Barbacena, etc. entram
nas estruturas do texto, recebendo uma série de traços
que os assimilam aos modelos artísticos.
Por
exemplo, o Romance VIII ou
do Chico Rei
Tigre está rugindo
Nas praias do mar.
Vamos cravar a terra, povo,
Entrar pelas águas:
O Rei pede mais ouro, sempre,
Para Portugal
(...)
Mais ouro, mais ouro,
Ainda vêm buscar.
Dobra a cabeça, e espera, povo,
Que este cativeiro
Já nos escorrega dos ombros,
Já não pesa mais!
Vamos cavar a terra, povo.
A
palavra povo, na acepção política do termo,
pressupõe uma grande comunidade de vizinhos com a experiência
política das eleições. Ora, nas Minas Gerais,
na época dos inconfidentes havia um povo espalhado por um
continente de comunidades florescentes e ricas, com a consciência
de que o governo precisava de seu ouro. E havia também um
movimento patriótico que se destinava libertar a colônia
do jugo português.
Na montagem do sistema artístico a palavra Povo constrói-se
exatamente em torno dessas idéias com repetição
tautológica,
quebrando as alusões referenciais, uma vez que o código
histórico reflete-se na arte enquanto polissêmico.
Introduzida em rima, a palavra "povo", ao ser repetida,
tornou-se melodiosa e declamatória, graças a sua posição
final. Além disso, girando em torno das idéias, ouro,
cativeiro, Portugal, ela reflete a condição social
da asfixia política nas Minas Gerais.
Assim sendo, este segmento abre-se com a descoberta do ouro, seguindo-se
o trabalho servil, além de pôr em destaque o espírito
aventureiro e evocar certos episódios, como o da Donzela
Assassinada pelo pai, a destruição de Ouro Podre,
a troca dos quintos, o clima de violência em que fermentarão
as idéias libertárias, a força incontrolável
da ambição, transformando o ser em objeto. Nesta parte,
ainda, a história do rico contratador de diamantes, João
Fernandes, a quem muito perseguiu o Conde de Valadares, e os insólitos
desejos da Chica da Silva.
Todos esses eventos anunciam, em expectativa dramática, o
amor e o desamor, a desgraça e a ambição, a
paixão e a morte, coisas eternas e irredutíveis que
explodem nas terras das Minas Gerais.
São dados receptivos à exaltação do
subjetivo, não aquele que apenas se limita ao EU, mas aquele
que se reporta ao todo, ao universal, em busca do questionamento
renovado da problemática do Ser, valorizando o mundo, a vida,
a sensação da fugacidade das coisas e o registro do
perene. Eis um exemplo:
Romance XVIII ou
Dos Velhos do Tijuco
(Que tudo acaba!
Quem diz que montanha de ouro
Não desaba?)
(Que tudo engana.
Gente, só a morte, mesmo,
É soberana!)
Mas os homens e as mulheres
Vivem neste desvario...
Não há febre como a febre
Que corta o serro do Frio.
De
acordo com essa consciência lírica, em que o EU não
menospreza o poder da retórica ideológica, a segunda
parte do Romanceiro destaca as idéias liberais em voga, (Romance
das Idéias) e focaliza as reuniões preparatórias
da conjuração, indicando a atividade aliciadora de
Tiradentes cuja figura centraliza motivos poéticos, destinados
à idealização lírica da personagem.
A figura do Alferes (Joaquim José da Silva Xavier), no registro
histórico, segundo perfil traçado por João
Camilo de Oliveira Torres, representa um homem bem dotado, embora
irrequieto, sempre formulando projetos salvadores, um homem que
gozava, no entanto, de boa reputação, consciente de
que os brasileiros eram diferentes dos portugueses, necessitando
de um governo próprio.
No processo de criação artística, a imagem
de homem irrequieto, de inteligência vivaz, atuante, eloqüente,
reflete-se no texto enquanto matéria suporte para a recriação
da figura idealista. O Alferes é a imagem metafórica
do homem bélico, talpídeo, louco, animoso, herói,
por excelência, que assume aos olhos dos que desistiram ou
traíram o movimento, a figura de um pobre louco cuja intenção
messiânica é ressaltada através da palavra.
Se o texto valoriza nitidamente o estrato dos oprimidos contra o
opressor, colocando-se ao lado daquele que se revolta contra a cobiça
e a ganância dos homens é porque esta escritura, ao
procurar o modelo de um mundo conturbado em nível de modelização
ideológica, não ignorou a relação entre
o discurso poético e o código histórico. A
própria autora Cecília Meireles, nos dá esta
indicação: "as palavras registradas nos depoimentos
do processo, ou na memória tradicional, vinham muitas vezes
e inesperadamente já metrificadas". E se o discurso
usual prevê o pathos naquele sentido do dicionário,
traduzido por vivência, desgraça, sofrimento, paixão;,
o discurso poético já não se satisfaz
com essa significação literal, preferindo suscitar
no leitor a dúvida, a ambigüidade de sentido entre o
perguntar e o calar, num jogo de fala patética:
"Fala Inicial", "Fala à antiga Vila Rica",
"Fala à Comarca do Rio das Mortes", "Fala
aos Inconfidentes Mortos".
Falas e romances dialogam com o texto histórico e recolhem
os dados da tragédia, sugeridos pelo jogo de cartas, que
prevê a morte de Cláudio Manuel da Costa e Tiradentes
e, ao mesmo tempo, o exílio de Tomás Antônio
Gonzaga, o noivo de Marília. Nesta 3ª parte, seguem-se
os romances da agonia e da morte de Tiradentes, gerados na relação
com os Autos da Devassa e absorvidos no espaço poético:
Romance LVIII ou
Da grande Madrugada
"Ah, não fecheis vossos olhos,
que hoje é tempo de agonia!
Lembrai-vos deste momento,
Neste sinistro aposento
Onde a morte principia!
Vede o mártir como fita
Sereno a sua desdita,
E o negro Capitania!”
Na construção do texto, a própria Cecília
oferece ao leitor a fonte de inspiração do Romanceiro.
Numa carta endereçada à escritora Lúcia Machado
de Almeida, sua grande amiga, ela comenta. "Leio os autos da
Devassa e vejo tudo, sinto, ouço, conheço cada personagem
como conheço você. Vejo como se sentam, como Cláudio
coloca os óculos e Tiradentes pega o boticão. Sei
como são as mãos de Gonzaga, sei que o Padre Rolim
tem um jeito especial de olhar de banda e sei que Alvarenga fala
de queixo empinado, quase sempre em latim.”
Ao enfatizar o comportamento e o sentimento das personagens, o texto
ressalta a condição contraditória do serhumano,
destacando sentimentos de oposição, tais como: força/
fragilidade; amor/ ódio; liberdade/ prisão; esperança/
desespero; nobreza/ vilania. E a autora destaca a busca de sentido
para as coisas, através da formulação de perguntas:
Romance LIV ou
Da Reflexão dos Justos
(...) "Quem se mata em sonho, esforço,
mistérios, vigílias, pressas?
Quem confia nos amigos
Quem acredita em promessas?
Que tempos medonhos chegam,
Depois de tão dura prova?
Quem vai saber, no futuro,
O que se aprova ou reprova?
De que alma é que vai ser feita essa humanidade?”
Ainda
é lícito cogitar que as interrogativas, à medida
que se amontoam nos versos, aparecem como pausas evocativas do fluir
do tempo e coincidem, por sinal, com um espaço distante.
Fala à Comarca
Do Rio Das Mortes
"onde, o gado que pascia
e onde, os campos e onde, as searas?
(...)
Onde, as donas que subiam
Para a missa, estas escadas?
(...)
Onde, os lábios que sorriam
Onde, os olhos que miravam
As pinturas destes tetos,
Agora quase apagadas?
(...)
Onde estão seus vastos sonhos,
Ó cidade abandonada?
De onde vinham? Para onde iam?
Por onde foi que passaram?”
A
palavra onde além de conotar uma realidade distante referente
ao espaço, também se aplica à noção
de distância no tempo. Às vezes, aparece aliada a um
espaço evocador do ambiente em que viveu Gonzaga, como o
sugerido na 4ª parte do
Romanceiro.
"No jardim que foi de Gonzaga
a pedra é triste, a flor é débil,
há na luz uma cor amarga.
Ninguém vê nenhum livro a aberto
Ninguém vê mão nenhuma erguida
Com fios de ouro sobre o mundo,
Para um bordado sem destino,
(...)
Novos eventos aparecem nesta 4ª parte, mostrando os passos
do infortúnio que sobre o poeta Gonzaga se abateu: a maledicência
dos pequeninos, a antevisão da África inóspita,
a suposta despedida de Marília. Há, ainda, o romance
de Juliana de Mascarenhas, o amor de Gonzaga nas terras africanas.
Estes elementos servem, na visão contextual do romanceiro,
como ponto referencial de contraste com a Imaginária Serenata
da Marília Inconformada. Outros motivos são citados
nesta parte: Grandeza e miséria de Alvarenga Peixoto, considerado
como um dos principais chefes da conjuração e desterrado
para terras africanas, o destino trágico de sua mulher Bárbara
Heliodora e a morte da filha Maria lfigênia e, finalmente,
remata esta parte a figuração de Joaquina Dorotéia,
(Marília) já com oitenta anos, a caminho da Paróquia
de Antônio Dias.
"Essa, que sobe vagarosa
a ladeira da sua igreja
embora já não mais o seja,
foi Clara, na carada rosa.
E seu cabelo destrançado,
Ao clarão da amorosa aurora,
Não era esta prata de agora,
Mas negro veludo ondulado.”
(...)
O
último quadro do Romanceiro representa um novo plano temporal:
curto, incisivo, mostra a D. Maria I, a mesma que vinte anos antes
lavraria a sentença de morte e degredo a contemplar com olhos
de loucura a terra onde se desenrolou o drama dos padres, poetas,
doutores e soldados inconfidentes. Os remorsos que a atormentam
culminam com a morte, seguindo-se a lírica exaltação
dos cavalos da Inconfidência, encerrando-se o Romanceiro com
a solene Fala aos Inconfidentes Mortos.
"Parada noite,
suspensa em bruma:
não, não se avistam
os fundos leitos...
Mas, no horizonte
de que é memória
da eternidade,
referve o embate
de antigas horas,
de antigos fatos,
de homens antigos.”
Esta fala, e as outras falas participam da ação dramática
do texto. Conforme afirma um autor russo - Bogatyriou "quem
fala, manifesta pelo que diz, seu estado de espírito, mas,
simultaneamente, seu discuro" (...)
As falas no Romanceiro não fogem da intenção
de dizer o que é a vida, não fogem da intenção
de mostrar que criar é estar em inteira atenção
às coisas da vida, às idéias que são
reproduzidas ao longo dos tempos.
Neste sentido, as falas do Romanceiro não fogem da intenção
de refigurar a condição histórica do ser humano
para que ele alcance o seu estatuto de consciência histórica.
Para concluir a nossa exposição ainda uma questão
se levanta:
Por
que esta poética de sugestão teria recaído
na palavra romance? São 85 romances que compõem o
Romanceiro, mais 5 falas, 4 cenários e ainda, a Imaginária
Serenata e o Retrato de Marília em Antônio Dias. A
obra traz esta marca inconfundível. Romances cronologicamente
numerados e com as marcas específicas de uma determinada
informação. No entanto, romance moderno, aculturado
ao século XX e segundo a perspectiva de Ramón Menendez
Pidal os romances são poemas épicos que cantam ao
som de um instrumento, seguidos de fragmentos épicos. São
combinados com traços de efetiva emoção, com
predominância de elementos que se referem ao diálogo,
desaparecendo, às vezes, o relato para ceder lugar à
intuição rápida e viva de uma situação
dramática. Eis a escolha de Cecília Meireles.
O Romanceiro, portador de fragmentos épico-líricos
e com predominância do elemento dramático, melhor jogaria
com os elementos dialogísticos, retemperando liricamente
os históricos incidentes da Inconfidência Mineira.
Além dos romances, as falas re-presentam o clima emocional
da tragédia maior, dando animação e aura de
presságio a esse extenso cantar épico-lírico.
Exercendo uma função quase idêntica ao coro
das tragédias gregas, o lado dramático do texto aparece
dinamizado e, ao mesmo tempo, provoca a tensão dialética
de uma manifestação teatral. Intercaladas nos romances,
as falas representam um meio de exprimir a emoção
do próprio conteúdo do discurso. Intervindo mais diretamente,
elas funcionam como cenário da própria persona poética
em sua participação emotiva da trama. Ainda a idéia
de ação, movimento, luta, uma tomada de consciência
diante de um acontecimento significativo: um povo governado de fora.
Deparamos, pois, com uma circunstância muito original. O Romanceiro
aproveita elementos de uma representação teatral e
esta, por sua vez, é uma estrutura composta de elementos
pertencentes a diferentes artes (poesia, artes plástica,
música, coreografia, etc.).
No
processo da criação artística, romances, falas,
cenários acentuam semelhanças e diferenças
de dois espaços, portadores de significação
especial: poesia e teatro.
De
todas estas reflexões, cumpre ressaltar que a polissemia
singular dos dados brancos e negros re-presenta a palavra, ressuscita
o valor das palavras aéreas, das idéias, em consonância
com a organização rítmica dos romances, dizendo
o indizível. Fazendo da linguagem da história a matéria
poética de sua tradução.
Os dados da animosidade, da projetada sublevação,
tornam-se eco inquietante de uma consciência indagadora do
ser humano através da voz palpitante de sugestão:
(Palpita a noite, repleta
de fantasmas, de presságios...)
E as idéias...
MONTAGEM
DE FRAGMENTOS BIOGRÁFICOS E POÉTICOS DA AUTORA CECÍLIA
MEIRELES
O
tempo gerou meu sonho
Sete de novembro de 1901.
As ordens da madrugada
Ampliam por sobre os montes.
Nasci no Rio de Janeiro
A minha vida se resume como
Normalista, em 1917.
Fui professora primária
Sem levar dessa trajetória
Nem esse prêmio de perfume
Que as flores concedem ao vento...
Eu fui a de mãos ardentes
Cansada, três filhos, dois netos
E feliz de ser nascida,
Fui subindo altas vertentes
Para a vida.
Não
fumei, não bebi, não joguei,
Gostava de música que soava
Flor em pedra debruçada
Canções medievais, espanholas,
Orientais...
Eu vim de infinitos caminhos
Escutando o galope certeiro dos dias
Soltando as roxas barreiras da aurora.
Preferi os bons poetas
E amei os pintores flamengos
Pois a arte de amar
É exatamente a de ser poeta.
Visitei o oriente
Andei pelo mundo no meio dos homens
Bem sei que, olhando pra minha cara,
Pra minha boca triste e incoerente,
Nos gestos vagos de sombra incerta
Que hoje sou eu,
Minha loucura se faz tão clara!
O meu principal defeito?
Uma certa ausência do mundo
Por isso em meu corpo vã
Brotando, em morno canteiro
Incenso, mirra e canção.
Tive grande emoção
Em Açores, terra dos meus antepassados.
Hoje é tarde para os desejos.
Durmo com a noite nos meus braços,
Mas o vento voa
A noite toda se atordoa,
A folha cai
E amo:
Criança - raio de lua.
Luar
Lua do ar.
Azul
Objetos antigos, flores,
Música de cravo,
Praia
deserta,
Livros, livros, noite
Com estrelas e amigos.
9 de novembro de 1964
morri de infinitas mortes
guardando sempre o mesmo rosto
no muro de saudade!
Eu lhe dizia: Deixa a morte levar teu amor!
Nunca!
Nunca eu tivera, querido,
Dizer palavra tão louca:
bateu-me o vento na boca
E depois no teu ouvido.
Em que espelho ficou perdida
A minha face?
O tempo versátil foge por esquinas
De vidro, de seda, de abraços difusos
Estou vendo...
Viagem, vaga música
Mar absoluto, estudos
Homenagem, reportagens
A lua que chega traz outros convites:
Inclina/ em meus olhos o celeste mapa,
Romanceiro de Inconfidência
Agora, abraço-me à noite nítida
À alta, à vasta noite estrangeira.
Eu mesma não vejo quem sou, na alta noite,
Nem creio que seja: perduro em memória.
À mercê dos ventos, das brumas nascidas
(tão fora do tempo, do reino dos homens)
desenrolei do tempo a minha canção.
(Diálogo
estabelecido com a obra da autora Cecília Meireles)
JOSÉ
GOMES DE OLIVEIRA: UM LÍDER, UM LUTADOR
Palmyra Santos Oliveira
Cadeira N. 64
Patrono: José Gomes de Oliveira
O meu
patrono no Instituto Histórico e Geográfico de Montes
Claros é meu irmão e foi um quase pai, orientando-me
com carinho, firmeza e retidão de caráter, desde quando
perdemos nosso saudoso genitor, vitimado por traiçoeiro e
fulminante ataque cardíaco, em terras paulistas, nos idos
de 1929.
Filho primogênito de Manoel Gomes de Oliveira e de Laura Pereira
dos Santos, JoséGomes de Oliveira nasceu no dia 7 de abril
de 1916, em Montes Claros - MG.
Fez o curso primário no Grupo Escolar Gonçalves Chaves
e o propedêutico no Instituto Norte-Mineiro de Educação,
em sua cidade natal.
Aos 13 anos, ficou órfão de pai e, como filho mais
velho, teve de trabalhar para auxiliar sua mãe a criar os
cinco irmãos. Trabalhou no comércio “Vale quem
tem – quem não tem não vale nada”, do
português Nuno Pereira – dono da “Maria Bambá”,
uma boneca enorme, carregada por uma pessoa que, através
de um megafone, anunciava os reclames publicitários –
de 1931 a 1933.
Aprendeu
o ofício de alfaiate, com o Sr. Cecílio de Souza Barbosa,
mas, logo a seguir, foi funcionário da Prefeitura Municipal
e, por meio de José Dias Macedo (Juca Carteiro),
ingressou nos Correios e Telégrafos, como servente.
Prestou
serviço militar no 10º. Regimento de Infantaria, sediado
em Belo Horizonte, como soldado sinaleiro observador, de 1935 a
1936.
Foi
porta-bandeira e monitor da Patrulha do Cavalo, da Associação
de Escoteiros Antônio Gonçalves Figueira, em Montes
Claros, de 1936 a 1940.
Em
20 de outubro de 1940, tomou posse no cargo de Agente Postal Telegráfico,
em Porteirinha, em cujo cargo permaneceu até outubro de 1943,
quando foi transferido para Montes Claros. Exerceu o mesmo cargo
em Rio Pardo de Minas, Monte Azul e Espinosa.
Fez
diversos cursos profissionalizantes, entre os quais o de treinamento
dos agentes da reforma administrativa, o de supervisão empresarial
e o de inspetor dos Correios e Telégrafos, ocupando este
cargo por 18 anos, até a sua aposentadoria.
Praticou
quase todos os esportes de seu tempo, fundando vários times,
não só em Porteirinha como também em Montes
Claros, onde foi membro fundador da Associação Desportiva
Ateneu, do qual foi campeão de voleibol e de basquete.
Foi
superintendente do Montes Claros Tênis Clube por longo período.
Em suas tividades sociais, foi membro fundador, secretário,
diretor e presidente do Rotary Club Montes Claros Norte.
Foi
fundador e primeiro presidente da APAE em Montes Claros, tendo elaborado
seu estatuto e providenciado sua legalização junto
aos órgãos competentes. Como reconhecimento
ao trabalho que ali desenvolveu, deram ao anfiteatro da instituição
o seu nome.
Quando trabalhava em Porteirinha, ao falar ao telefone com sua colega
Jandinha, de Riacho dos Machados, ouviu uma sonora risada que o
sensibilizou de alguma forma. Ao perguntar de quem era a tal risada,
Jandinha respondeu ser de uma sua amiga. Então ele pediu
para falar com a pessoa e se apaixonou pela voz de Dorzinha. Na
ocasião, ele era noivo da filha do Juiz de Paz de Porteirinha,
mas aquela voz havia mexido com seu coração de tal
forma que, logo a seguir, desfez o noivado e foi a Riacho dos Machados
conhecer aquela pessoa dona da maravilhosa voz pela qual se apaixonara.
Ficou noivo e, no mês de junho de 1942, contraiu matrimônio
com Maria das Dores Guimarães Gomes, tendo os seguintes filhos:
Propércio Gomes Baleeiro (médico), José Carlos
Gomes (advogado e funcionário aposentado do Banco do Brasil),
José Geraldo Gomes (engenheiro mecânico e agro-pecuarista),
Eustáquio Wagner Guimarães Gomes (administrador e
funcionário aposentado do Banco do Brasil), Eduardo Gomes
(médico veterinário e professor da Universidade Federal
de Minas Gerais) e Maria Rosália Guimarães Gomes Silva
(administradora).
José Gomes de Oliveira foi iniciado na maçonaria,
na Loja Deus e Liberdade de Montes Claros, em 15 de outubro de 1946.
Foi elevado a companheiro, em 24 de fevereiro de 1947, e exaltado
mestre em 18 de junho de 1947.
Foi cavaleiro Rosa Cruz, em 4 de maio de 1949 e elevado ao Grau
33, em 4 de maio de 1973.
Foi tesoureiro, secretário e orador da Loja por diversas
vezes e seu Venerável por vários períodos.
Foi delegado do Grande Oriente de Minas Gerais para a décima
quarta Região, com sede em Montes Claros – MG.
Foi membro fundador do Supremo Conselho do grau 33 para a República
Federativa do Brasil, em Belo Horizonte.
Foi
agraciado com inúmeros títulos honoríficos
e condecorações maçônicas em Minas Gerais.
Foi um dos primeiros a receber o título de Cidadão
Benemérito de Montes Claros, concedido pela Câmara
Municipal, conforme Resolução no. 228, de 1º.
de setembro de
1976.
Restaurou
algumas lojas maçônicas já existentes e fundou
outras no Norte de Minas.
Concluiu
a construção do Palácio Maçônico
da Loja Deus e Liberdade, em Montes Claros, em setembro de 1977.
Essa Loja o homenageou, dando ao Salão de Festas o seu nome.
Finalmente, como sua irmã de sangue e testemunha de toda
a sua existência de lutas e desafios, de que nunca se curvou,
faço minhas as palavras do grande poeta e dramaturgo alemão
Bertold Brecht, que retratam, com fidelidade, a vida do meu Patrono
neste Instituto Histórico e Geográfico:
“Há homens que lutam um dia, e são bons;
Há outros que lutam um ano, e são melhores;
Há aqueles que lutam muitos anos, e são muito bons;
Porém há os que lutam toda a vida
Estes são os imprescindíveis.”
José
Gomes de Oliveira faleceu aos 77 anos, em 11 de julho de 1993, em
Montes Claros, em conseqüência de problemas respiratórios
agudos.
NUMISMÁTICA
MONTES-CLARENSE
Nota
de 500 RS. da Fábrica de Tecidos “Companhia Montes
Claros”
Nota de 2000 RS. da Fábrica de Tecidos “Companhia
Montes Claros”
As cédulas impressas neste livro foram cedidas gentilmente
por Terezinha
Gomes Pires ao numismata Dário Teixeira Cotrim.
A
CONJURAÇÃO DO SÃO FRANCISCO
Petrônio Braz
Cadeira N. 18
Patrono: Brasiliano Braz
A
ainda desconhecida Conjuração do São Francisco
foi o primeiro movimento sedicioso ocorrido no Brasil contra a dominação
portuguesa. Abafada pela Colônia, não foirevivida pelo
Império, após a Independência e nem pela Republica.
Pouco se divulgou sobre ela, quase nada se sabendo sobre a pessoa
de Maria da Cruz, de ilustre família da casa da Torre, esposa
de Salvador Cardoso de Oliveira, senhora do povoado de Pedras de
Baixo, hoje município de Maria da Cruz, desmembrado de Januária/MG,
nas margens do rio São Francisco.
No ano de 1736, registram Diogo de Vasconcelos e Brasiliano Braz,
após o desaparecimento do Cel. Januário Cardoso, chefe
da poderosa família Cardoso, o Vale mineiro do Médio
São Francisco foi dividido entre seus familiares, cabendo
a Maria da Cruz o povoado de Pedras de Baixo. Seu filho Pedro Cardoso
movimentava um grande comércio, pelo São Francisco,
entre a Bahia e o Distrito de Ouro em Minas Gerais. Toda a região
era um centro de produção de gado, que abastecia o
Distrito de Ouro, encravado nas entranhas das montanhas mineiras.
Revoltados
contra os pesados tributos, bem antes da Inconfidência Mineira,
os barranqueiros do São Francisco saíram da conspiração
silenciosa para a ação militar. Com forte contingente
de homens armados, Maria da Cruz, Domingos do Pardo e Oliveira,
Pedro Cardoso, André Gonçalves de Figueira e outros
chefes subiram o Rio em barcas, para o confronto armado com as forças
da coroa portuguesa, em busca da liberdade.
Relata Diogo de Vasconcelos que na Semana Santa de 1736, em abril,
a família Cardoso reuniu-se em Morrinhos, onde foi idealizado
o plano de invasão de Vila Rica, então capital da
Capitania, para expulsar o governador Martinho de Mendonça.
Não tiveram, contudo, um pulso forte, um líder com
poder para unir os diversos grupos. Pretendiam subir o Rio das Velhas,
que era navegável, até Sabará. Cada um dos
sediciosos comandava seu povo, de forma desordenada, razão
porque não passaram da Barra do Guaicuí (hoje município
de Várzea da Palma).
De ser lembrado, por necessário, que eles foram muito além
dos inconfidentes. Saíram da conspiração silenciosa
para a ação militar. Entre os conspiradores não
havia, no entanto, nobres, nem cultores das letras, que se destacassem,
que marcassem presença para as vistas da história.
Quando se fala, hoje em revitalização do rio São
Francisco - o Rio de todas as águas - cujos afluentes têm
sido vítimas do processo de destruição de suas
nascentes e de suas matas ciliares; quando se reconhece o assoreamento
do seu leito, que impediu a continuidade da navegação
fluvial, a sua história deve ser lembrada como um marco do
passado a exigir o reconhecimento do presente.
A Conjuração do São Francisco está a
merecer mais aprofundados estudos, constituindo-se em um desafio
aos cultores da história.
A
conjurada Maria da Cruz Portocarreiro ou Maria da Cruz Torre Prado
de Almeida Oliveira Matias Toledo Cardoso, descendente dos Ávilas
da Casa da Torre, educada em colégio de freiras em Salvador-BA,
viúva de Salvador Cardoso de Oliveira, está a exigir
um estudo aprofundado de sua vida e de sua ação colonizadora.
A poesia de José Gonçalves de Souza marca sua vida;
Augusta Figueiredo, em “Maria da Cruz e o Velho Chico”,
fixa passagem de sua profícua existência, mas pouco,
muito pouco, sobre ela se escreveu até agora. Diogo de Vasconcelos,
em sua “Historia Média de Minas Gerais”, é
quem melhor informa sobre sua vida, esclarecendo que “em seus
domínios ela possuía teares de algodão, curtumes
e oficinas de couros, tenda de ferreiros e carapinas, escolas de
leitura e de música, além de armazéns de fazenda”.
A ela dedicou Antônio Emílio Pereira pouco mais de
uma página em seu livro “Memorial Januária –
Terra, Rios e Gente”.
Afirmou Alexandre Herculano que o “mister de recordar o passado
é uma espécie de magistratura moral, é uma
espécie de sacerdócio. Exercitem-no os que podem e
sabem, porque não o fazer é um crime”. Há,
todavia, pessoas que afirmam que recordar o passado é um
saudosismo “demodé”.
Dediquei-me,
por um longo período de mais de vinte anos, a pesquisar sobre
a vida de Antônio Dó. Não tenho mais idade,
nem me sobra tempo para investigar sobre a Conjuração
do São Francisco, sobre a vida e a obra de Maria da Cruz,
extraordinária mulher que dominou, durante muito tempo, toda
a região do Alto Médio São Francisco, em Minas
Gerais, numa época em que os homens tinham o domínio
das decisões.
Não poucas mulheres se destacaram no contexto histórico
universal, no campo das artes, das ciências e até mesmo
das guerras. Infelizmente, a televisão nos mostrou Xica (Chica)
da Silva, uma prostituta qualificada, como classificada no mesmo
sentido
foi Cleópatra, que é destacada como personagem de
primeira grandeza no Museu do Sexo de Amsterdã, na Holanda,
que visitei.
A história destaca, entre tantas outras mulheres extraordinárias,
Joaquina de Pompéu, Emilia Snethlage, desbravadora da floreta
amazônica, nos primórdios do Século XX, Josephina
Álvares de Azevedo, defensora do voto feminino, mas não
se lembrou, ainda, de colocar no pedestal que merece a pioneira
Maria da Cruz. A sua fazenda, nas margens do rio São Francisco,
transformou-se em povoado e o povoado em cidade que lembra o seu
nome, apenas isto. Nem mesmo o povo de Pedras de Maria da Cruz sabe
dizer de sua história.
Morei alguns anos em João Pinheiro, todavia, muitos ali residentes
não sabiam, nem sabem, quem foi João Pinheiro, a pessoa
que deu nome à cidade. Quando se fala hoje, em Governador
Valadares todos se lembram da cidade, mas ninguém, ou quase
ninguém, sabe que o nome da cidade é uma homenagem
ao Governador Benedito Valadares. Pedras de Maria da Cruz não
foge a essa realidade. Para muitos é apenas um nome, como
tantos outros, mas um nome que imortaliza a extraordinária
precursora, que, servindo-me das palavras de Euclides da Cunha,
”suportou as agruras daquele rincão”.
Os positivistas, como lembra Vanessa M. Brasília, ilustre
professora do Departamento de História da Universidade de
Brasília, subestimam o rio São Francisco, declarando
ser ele um rio sem história, porque não tem documentos
que a comprovem.
Até
quando?
TRADIÇÃO
E CULTURA
Petrônio
Braz
Cadeira N. 18
Patrono: Brasiliano Braz
Não tivessem as tradições vinculadas à
cultura de qualquer povo, primitivo ou civilizado, sido preservadas,
não teriam chegado aos nossos tempos os valores da Grécia
clássica e, na Europa, os edifícios e as obras de
arte medievais teriam desaparecido.
Aqui pelos nortes das gerais pouco se cuida da preservação
do nosso passado histórico. Nem mesmo em Montes Claros, cidade
universitária, os valores culturais edificados têm
sido resguardados.
Uma advogada, em São Francisco, criticou, através
de escritos em um jornal, o fato de um outro advogado estar mantendo
seu escritório em uma construção antiga, por
ele preservada, enquanto um vizinho havia demolido parte da mesma
construção para nova edificação. Também
ali, na minha terra encravada na margem direita do rio São
Francisco, um político afirmou que relembrar o passado é
saudosismo ultrapassado.
Se assim fosse, para que estudar história? O passado deveria
morrer. Ser esquecido. Nem mesmo de nossos pais, filhos ou avós,
que se foram, deveríamos nos lembrar. É passado. No
entanto, nem os bárbaros esqueciam os seus mortos. Eles -
os bárbaros - não deixavam sair da memória
das gerações as suas tradições.
O que somos está vinculado ao que éramos. Faz parte
do processo evolutivo da humanidade. Até hoje não
me conformo, por exemplo, com a demolição do Mercado
Central, da Praça Dr. Carlos. A Administração
municipal poderia ter retirado dele os comerciantes, como Cristo
expulsou os vendilhões do Tempo, transformando o local em
um Centro Cultural ou em um Museu do Tropeiro. Os vendilhões
foram expulsos, mas as ruínas do Templo ainda se fazem presentes
no contexto urbano de Jerusalém.
Falando em tradição, percorri parte da Estrada Real,
na região do Parque Nacional da Serra do Cipó. Em
Ipoema, distrito de Itabira, que se localiza no curso da mesma Estrada,
presenciei as comemorações do 5º Aniversário
da instalação do Museu do Tropeiro. Ali, no Centro
de Minas Gerais, as tradições são resguardadas
e o povo se orgulha delas. Vive-se o passado com os pés no
presente. O progresso não apagou da memória as andanças
a cavalo, a vida rural em sua inteireza plena. As ruas e a própria
estrada (ainda de terra) com incontáveis cavaleiros, orgulhosos
de serem ruralistas. Na lembrança revivi os meus próprios
tempos de vaqueiro, quando na mocidade auxiliava, nas férias
escolares, os trabalhos de campo na fazenda de meu pai, em São
Francisco. Por que, em Montes Claros, ainda não se lembraram
de fixar o passado de nossos vaqueiros, dos tropeiros? Verdade que
as vaquejadas retêm em nossa memória parte desse
passado. Mas não é tudo que se espera, para essa preservação.
Na realidade presente os caminhões substituíram os
vaqueiros no árduo e edificante trabalho de conduzir boiadas.
O berrante do vaqueiro foi substituído pela buzina do caminhão.
Quem leu Euclides da Cunha viu o vaqueiro nordestino, em sua essência
física.
Como
era eletrizante o topar de um boi na aguilhoada de um vaqueiro!
Nunca me animei a tanto. Como era dramático o estouro de
uma boiada! Presenciei a um, e pretendo descrevê-lo um dia.
A modernidade não deve e não pode apagar as tradições
do passado. O Departamento de História da UNIMONTES tem sobre
os seus ombros a grande responsabilidade da manutenção
da lembrança e da preservação de nossas tradições
culturais, que devem ser tratadas com especial carinho. Preservar
a cultura é um dever universitário.
O
LENDÁRIO ANÍSIO SANTIAGO
Roberto
Carlos Morais Santiago
Cadeira N. 44
Patrono: Heloísa Veloso Anjos Sarmento
“A
história de Anísio Santiago confunde-se com a de Salinas,
cidade onde
são produzidas as mais cobiçadas cachaças artesanais
do Brasil, e das quais
a Havana sempre foi o símbolo mais cintilante.
O alquimista que criou a fórmula de transformar pinga em
ouro era um
homem perfeccionista e obsessivo, e concebeu modelo de alambicagem
e
envelhecimento da bebida até hoje não decifrado pela
concorrência.”
Ronaldo Ribeiro
(Revista National Geographic do Brasil, outubro de 2003)
A
família Santiago surgiu no município norte-mineiro
de Salinas no ano de 1898, século XIX, através do
pioneiro José Santiago (1877-1944), filho de Justino Santiago
e Anna Maria de Jesus, que nasceu na cidade mineira de Diamantina,
no Alto Jequitinhonha.
Ainda jovem, em 1894, José Santiago foi estudar medicina
em Salvador. Por razões desconhecidas desistiu do curso no
segundo ano. Segundo Arlindo Santiago (1910), filho de José
Santiago, o motivo da desistência foi a Guerra de Canudos
(1896-1897), ocorrida no interior da Bahia, que mobilizou milhares
de soldados do governo federal da Nova República para combater
o temido Antônio Conselheiro. Em dois anos de conflito milhares
de pessoas morreram.
Retornando
para Minas Gerais, José Santiago foi morar e trabalhar como
professor na cidade de Medina, no Vale do Jequitinhonha. Ali conheceu
a baiana Virginia Celestina (1882-1965), natural de Urandi, com
quem se casou em 1896.
Em
1898, mudou-se com a esposa para Salinas, exercendo ainda a profissão
de professor como fazia em Medina. Dois anos depois foi lecionar
no povoado de Lagoinha, interior do município. O povoado,
naquela época, tinha importância estratégica,
tendo em vista que era parada obrigatória de pessoas e transportadores
de mercadorias em mulas entre Salinas e Montes Claros. Em 1903 adquiriu
a fazenda Bonfim, próxima ao povoado, onde fixou moradia,
tornando-se produtor rural, além de professor. José
Santiago tornou-se pessoa muito assediada na região pelo
fato de ter conhecimento de medicina, além de ser professor.
Em pouco tempo tornou-se uma espécie de líder do povoado
de Lagoinha e região.
Da união de José Santiago e Virginia Celestina surgiu
prole numerosa, fato muito comum na estrutura familiar do início
do século XX. Foram doze filhos: Antônio Santiago (1897-1950),
Maria Santiago (1899-1953), Leôncio Santiago (1901-1945),
Silvio Santiago (1912-1986), Santinha Santiago (1908-2001), Arlindo
Santiago (1910), Anísio Santiago (1912-2002), José
Elzito Santiago (1915-1945), Anita Santiago (1913), Osvaldina Santiago
(1917) e Osvaldir Santiago (1919-2007). Dos doze filhos, somente
o primogênito, Antônio Santiago, nasceu em Medina; os
demais em Salinas.
José Santiago veio a falecer em 1944, aos sessenta e sete
anos e a sua esposa, Virginia Celestina, em 1965, aos oitenta e
três anos. Foram precursores da família Santiago em
Salinas, cujo tronco da árvore genealógica tem origem
na região de Diamantina.
Da prole numerosa de José Santiago o destino reservou ao
sétimo filho trajetória de vida que o tornaria parte
da história de
Salinas: Anísio Santiago. Nasceu no dia 2 de fevereiro de
1912, na fazenda Bonfim, zona rural de Salinas. Ali cresceu e viveu
sua infância e adolescência ao lado dos pais e irmãos.
Aos doze anos de idade, escondido do pai, experimentou beber cachaça
pela primeira vez. Não gostou. Desde então jamais
bebeu cachaça em toda a sua vida. Entretanto, quis o destino
que a cachaça tivesse importância fundamental em sua
vida.
O jovem Anísio Santiago aprendeu vários ofícios.
Foi carpinteiro, tropeiro, comerciante, motorista e fazendeiro.
Como tropeiro, transportou mercadorias em mulas entre Salinas e
Montes Claros na década de 1930.
De tropeiro tornou-se motorista de um Ford F-8, que adquiriu no
final da década de 1930. Foi um dos primeiros motoristas
da região de Salinas e foi testemunha ocular da
modernidade que aos poucos chegava através das estradas empoeiradas
e esburacadas.
Em 1937, aos 25 anos, Anísio Santiago casou-se com Adélia
Mendes (1916-2007), então com 21 anos de idade. Deixou o
povoado de Lagoinha e fixou residência na cidade de Salinas,
onde continuou a exercer as atividades de comerciante e motorista.
Alguns
anos depois, em 1942, comprou a fazenda Havana de um parente no
sopé da Serra dos Bois, distante dezoito quilômetros
da sede do município. Para lá mudou com a esposa.
Iniciava nova fase na vida do então jovem Anísio Santiago.
Estabelecido definitivamente na fazenda Havana, um ano depois, começou
produzir cachaça no pequeno alambique que existia na fazenda
do antigo proprietário. Em pouco tempo a produção
de cachaça se tornou a principal atividade econômica
da propriedade rural. A cachaça produzida era vendida a granel.
Em
1946 constituiu empresa e passou a identificar o seu produto através
da marca Havana. A marca foi pioneira na região de Salinas.
O produtor Anísio Santiago foi o primeiro produtor de cachaça
a identificar a bebida por meio de uma marca, dando origem e personalidade
ao produto. Até então os produtores do município
e região produziam e vendiam cachaça a granel a comerciantes
e tropeiros da região.
Em 1947, adquiriu o caminhão Chevolet Leadmaster, 1947, no
Rio de Janeiro, importado dos Estados Unidos. Ele próprio
foi à capital federal buscar o caminhão. Com ele passou
a comercializar a sua cachaça em Salinas, região norte-mineira
e sul da Bahia. Como produzia cachaça de qualidade, logo
foi adquirindo fama junto ao consumidor.
Anísio Santiago teve dois fatores decisivos na divulgação
do seu produto: a marca Havana (pioneira na região de Salinas)
e o caminhão que transportava a bebida diretamente ao consumidor.
Com isso saiu na frente dos produtores que comercializavamos o seu
produto a granel. Na década de 1960, vários produtores
de Salinas começaram a identificar o seu produto por meio
de marcas, de olho no sucesso da cachaça de Anísio
Santiago. Viam nele uma referência no processo de produção
de cachaça de qualidade, uma vez que a marca Havana tinha
grande aceitação na região e a sua fama estava
ultrapassando fronteiras. Em função disso logo surgiram
várias marcas como a Piragibana, do produtor Ney Corrêa;
a Indaiazinha, do produtor Waldete Romualdo; a Seleta, do produtor
Miguelzinho de Almeida; a Teixeirinha, do produtor Felismino Teixeira;
a Asa Branca, do produtor Juventino Queiroz; a Sabiá, do
produtor Juca Marcolino; a Estrela do Norte, do produtor Purdencio
Francisco dos Santos; e a Puluzinha, do produtor Narciso Dias Corrêia.
Outro fator determinante para o surgimento de novas marcas em Salinas
foi a decadência da cadeia produtiva de cachaça na
região de Januária, na década de 1960, século
XX, em função
da ação gananciosa dos produtores, que não
souberam manter a qualidade e tradição da cachaça
ali produzida. Até então as marcas de Januária
gozavam de alto conceito junto ao consumidor, na região norte-mineira
e em todo o Brasil.
Com isso, Salinas foi aos poucos preenchendo lacuna no mercado de
cachaça deixado pelos produtores de Januária. Na década
de 1970, Salinas foi se impondo regionalmente como grande produtora
de cachaça. O clima, solo e a variedade de cana Java, que
se adaptou muito bem ao clima da região, foram fatores decisivos
em todo o processo. Outro aspecto interessante no crescimento do
setor produtivo de cachaça é a marca Havana, na época
já reconhecida como marca tradicional, que se tornou um ícone
dos produtores da região.
Na década de 1990, a cachaça de Salinas passou por
novo e vigoroso processo de expansão da produção,
culminando no aumento significativo de marcas em função
da implantação do Pró-Cachaça, pelo
governo mineiro, em 1992, visando estimular o aprimoramento da cachaça
artesanal mineira. E deu certo. O Pró-Cachaça, em
pouco tempo, revolucionou toda a estrutura da cadeia produtiva da
cachaça artesanal produzida em todo o território mineiro,
e em Salinas não foi diferente.
Atualmente, existem mais de cinquenta marcas de cachaça produzidas
no município. A produção já ultrapassa
cinco milhões de litros por safra (anual). Tornou-se a importante
região produtora de cachaça artesanal de Minas Gerais
e do Brasil. Em 2006, foi responsável por 45,87% de toda
a arrecadação de ICMS, imposto de circulação
de mercadorias e serviços de competência estadual,
em todo o território mineiro. O processo de diversificação
da economia brasileira ao longo das últimas décadas
vem forjando e incrementando atividades econômicas de produtos
típicos da cultura do Brasil no mercado, com forte impacto
nas economias locais. Salinas encontrou no agronegócio da
cachaça uma atividade econômica que vem mudando o perfil
de toda a sua economia, contribuindo para o seu desenvolvimento
sócio-econômico.
Reconhecendo
a cachaça como importante atividade econômica e cultural,
o prefeito de Salinas, José Antônio Prates, por meio
do Decreto Municipal nº. 3.728/2006, reconheceu a marca Havana,
ícone das marcas produzidas no município, como Patrimônio
Cultural Imaterial de Salinas, em face de sua história qualidade
e notoriedade no mercado brasileiro e no exterior. Por meio do decreto,
fato inédito no Brasil, o poder executivo municipal reconheceu
o feito espetacular do produtor Anísio Santiago, empresário
rural que conseguiu dar credibilidade e alto conceito de qualidade,
em todo o território nacional e no exterior, da mais importante
e genuína bebida brasileira: a cachaça.
Anísio Satiago foi o empresário local que conquistou
o mundo não por altas cifras em faturamento e sim pela excelência
de qualidade de um produto que foi e continua sendo concebido por
método de produção ainda não decifrado
pelos produtores de Salinas e de outras regiões de Minas
Gerais e do Brasil. O segredo é guardado pelos filhos que
vêm mantendo o processo de produção pelo mesmo
método de origem. Anísio Santiago ultrapassou a barreira
de empresário rural norte-mineiro que deu certo. Mais que
isso, se tornou o símbolo de bebida que faz parte da história
brasileira desde o século XVI, na década de 1530,
quando o português Martin Afonso de Souza construiu engenhos
na Capitania de São Vicente para a produção
de açúcar e cachaça.
A Fazenda Havana, onde é produzida a bebida, se tornou em
espécie de reduto sagrado do universo da cachaça brasileira
ao longo das últimas décadas. O jornalista paulista
Sidnei Maschio afirma que “Em vários lugares ao redor
do mundo, as visitas exigem mesmo um ritual específico, coerente
com a sacralidade que eles encerram. A Fazenda Havana está
nessa lista. A propriedade poderia ser comparada a um templo, pelo
papel na recuperação e na divulgação
das melhores qualidades da bebida genuinamente brasileira. O universo
da cachaça tem duas histórias distintas, uma antes
e outra depois da Havana”.
Anísio
Santiago foi homem que fez história no seu tempo com a sua
lendária Havana. O depoimento de degustadores e especialistas
ratificam a aura criada em torno do mítico produtor.
Vejamos alguns depoimentos:
“Historicamente, Anísio Santiago trouxe para Salinas
fama e prestígio através da Havana. Soube valorizar
a qualidade e agregar valor ao produto em mais de seis décadas
de produção.” (JOSÉ ANTÔNIO PRATES,
prefeito de Salinas).
“A fama da Havana atraiu para Salinas a atenção
do Brasil e do mundo. A capital da cachaça tem o dever
de reconhecer o seu maior benfeitor.” (ISRAEL PINHEIRO,
político, filho do ex-governador Israel Pinheiro e produtor
da Cachaça Cubana em Salinas).
“Anísio Santiago escreveu uma grande história
e se tornou uma lenda. Mas há muito mais por trás
da saga da produção da cachaça Havana –
Anísio Santiago. Para mim uma garrafa de Havana guarda
muito mais que uma bebida rara, ela preserva história,
memórias e lembranças. Na Fazenda Havana não
é produzida apenas uma cachaça. É destilado
um sonho, a realização e a perpetuação
de um sonho muito antigo”. (JANE SALDANHA, jornalista e
repórter do documentário Cachaça de Minas
– Programa Planeta Minas, Rede Minas).
“Anísio Santiago é uma lenda para nós.
Do reconhecimento efetivo da Havana soube manter espírito
investigativo e inovador na produção de cachaça,
não se deixando deslumbrar pelo lucro que poderia ter.”
(JOSÉ BONIFÁCIO DOS SANTOS, presidente da Confraria
Clube da Cachaça de Brasília – DF).
“Se
cachaça fosse carro, a Havana seria uma Ferrari.”
(MILTON LIMA, fundador do site cachaças.com).
“Pesquisar sobre a cachaça de Salinas, nos últimos
cinqüenta anos, forçosamente incluirá a pesquisa
da marca Havana. Discorrer sobre essa marca, cuja trajetória
é assentada na simplicidade e no capricho quase obsessivo
de seu proprietário em manter, ao longo de várias
décadas, um elevado padrão de qualidade, invariavelmente
requer que se teçam comentários sobre quem a idealizou,
cuidou e a construiu.” (ELIAS RODRIGUES DE OLIVEIRA, mestre
em Administração Rural).
“Ainda não acostumei com a ausência de tio
Anísio Santiago. Tive o privilégio de conviver com
ele na Fazenda Havana por muitos anos quando jovem. Tudo
que sei sobre cachaça aprendi com ele. Com a Havana, ele
projetou a cachaça de Salinas no Brasil.” (NOÉ
SANTIAGO, sobrinho de Anísio Santiago e produtor da Cachaça
Canarinha em Salinas).
“Anísio Santiago ia contra as teorias de marketing.
Imagine um político ou um vendedor de bugigangas rejeitar
aparecer na Rede Globo? Ele não ia atrás de
ninguém, as pessoas o procuravam como em romaria, tinha
uma personalidade imantada. Inverteu a lógica vulgar e
fez um marketing sólido, mais sólido que a nossa
moeda. Apesar de ser proibido cunhar dinheiro, que é monopólio
do estado, cunhou a Havana, pagando com ela seus empregados e
suas compras. Anísio Santiago conseguiu ser uma lenda em
vida, mesmo em cidade do interior onde os comentários são
quase sempre negativos. 'Aquele é o Anísio da Havana',
diziam orgulhosos os da terra aos amigos de fora, quando Anísio
passava. A marca que criou cresceu e virou fetiche, invertendo
a lógica criador criatura, pois a Havana é que era
dele, sua subordinada”. (APOLO HERINGER LISBOA, escritor,
médico e professor de medicina da UFMG).
“Os filhos e netos de Anísio Santiago estão
conscientes da responsabilidade de manter a tradição
e o padrão de qualidade adquirido em décadas de
produção.” (OSVALDO MENDES SANTIAGO, filho
de Anísio Santiago e atual sucessor na produção
da Cachaça Havana-Anísio Santiago).
Anísio Santiago faleceu em 22 de dezembro de 2002, aos 91
anos. Em vida foi uma lenda. Transformou-se no maior ícone
da história da cachaça brasileira. É impossível
falar ou escrever sobre cachaça sem tecer comentário
ao seu nome e ao seu feito. Mesmo após a sua morte em 2002,
ainda desperta curiosidade em muitas pessoas. Ainda muito se fala
e se escreve a seu respeito e do legado que deixou. Deixou grande
lição de vida e demonstrou que é possível
crescer e construir uma vida respeitável e obter a admiração
de todos. Sempre permaneceu fiel aos seus ideais e princípios
que acreditou serem verdadeiros.
REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA
FEIJÓ, Atanéia. MACIEL, Engels. Cachaça Artesanal:
do alambique à mesa. Rio de Janeiro: Senac Nacional, 2002.
MASCHIO, Sidnei. Entramos no santuário da Havana. Jornal
de Notícias, Caderno de Turismo, Montes Claros, 9 set. 2006,
p. 16.
OLIVEIRA, Elias Rodrigues. A marvada pinga – produção
de cachaça e desenvolvimento em Salinas, Norte de Minas Gerais.
(Dissertação de mestrado em Administração
Rural).
Lavras, 2000, 178 p.
RIBEIRO,
Ronaldo. A safra seguinte. Revista National Geographic do Brasil,
São Paulo, outubro de 2003, p. 32-39.
SANTIAGO, Roberto Carlos Morais. O Mito da Cachaça Havana-Anísio
Santiago. Belo Horizonte: Cuatiara, 2006.
TRINDADE, Alessandra Garcia. Cachaça, um amor brasileiro.
São Paulo: Melhoramentos, 2006.
WEIMANN, Erwin. Cachaça, a bebida brasileira. São
Paulo: Terceiro Nome, 2006.
Anísio Santiago se tornou pessoa lendária
com a sua famosa Havana.
Prêmio Excelência da Cachaça Anísio
Santiago, concedido pelos
organizadores da VI Expocachaça, em Belo Horizonte (2003).
A Havana-Anísio
Santiago se consagrou como marca ícone
da cachaça artesanal brasileira.
Marca pioneira em Salinas.
1968
O ANO QUE MUDOU NOSSAS VIDAS
Roberto Pinto da Fonseca
Cadeira N. 92
Patrono: Sebastião Tupinambá
É proibido proibir.
“Derrubar as prateleiras,
as vidraças, louças, vidros, sim.
E eu digo não,
eu digo não ao não.
Eu digo é proibido proibir.”
Caetano Veloso
Mil
novecentos e sessenta e oito foi um ano especial, emblemático,
produto de uma década mágica e repleta de situações
extraordinárias. Quarenta anos depois, os reflexos de seus
acontecimentos ainda repercutem pelo mundo afora. De diversas partes,
espocaram acontecimentos que iriam, de alguma forma, modificar um
pouco a face do mundo. Devido a essa efervescência, não
se pode enquadrar os anos sessenta, e, sobretudo 68, dentro de uma
normalidade. Foi uma época de contestação geral
da ordem vigente, de crise existencial mundial, de perplexidades.
Era um tempo em que ainda se pensava em utopias. A geração
de 68 pulsava por transformações, questionamentos,
revoluções e liberdades. Hoje, frente ao neoliberalismo,
essa palavra já não faz sentido.
Em todos os cantos do mundo, movimentos de massas, sob as mais variadas
formas de governo - comunista, capitalista, liberal ou conservador
-, gritavam contra os tabus, os valores sociais vigentes e as instituições.
Ansiavam por novas idéias.
Para o sociólogo francês Edgar Morin, vivia-se o “êxtase
da história”. Segundo ele, “vão ser precisos
anos e anos para se entender o que se passou.” Raymond Aron
assustou-se com a “demência e o psicodrama coletivos”,
mas, posteriormente, concordou que 1968 mudou a face da França.
Referindo-se aos movimentos estudantis ocorridos na França
naquele ano, o filósofo existencialista Jean-Paul Sartre,
figura marcante do período, declarava que não havia
entendido bem toda aquela ebulição social,
Para a maioria dos brasileiros, o ano de 1968 remete a um tempo
louco, quando uma geração de “cabeludos e porralocas”
queriam anarquicamente mudar todo o sistema social.
Infelizmente, não se tem ainda uma visão reflexiva
desse momento, em que a sociedade buscou mudanças, tentou
estabelecer um projeto radical envolvendo a sexualidade, a política,
a economia, o comportamento humano em geral. Um tempo que se pretendia
generoso, governado pela “Era de Aquários”, polêmico,
mas não se pode negar que as tendências libertárias
de 68 fazem eco até os dias atuais.
Foi um ano de partida para o desenvolvimento de muitos movimentos
e questões sociais: a preocupação com as minorias,
a não aceitação de qualquer forma de racismo,
o movimento negro (“black is beautiful”), o ecumenismo
religioso, as organizações não-governamentais,
o movimento gay, o papel da mulher na sociedade, o meio ambiente,
a ecologia, os direitos humanos, a crítica contundente aos
regimes políticos, às instituições e
aos meios de comunicação como manipuladores da opinião
pública, a idéia de globalização etc.
Apontar especificamente as causas que deram origem a 1968 é
uma tarefa complexa, pois, para qualquer direção que
seaponte,
descobre-se novas tendências, reformulações,
questionamentos sociais, irreverências e desmistificações.
Muitas
foram as causas que levaram o mundo, naquele ano, à ebulição.
Dentre elas, o repúdio generalizado à Guerra Fria,
praticada entre os EUA e o mundo comunista, capitaneada pela então
todo poderosa União Soviética. Outro aspecto importante
foi a entrada dos Estados Unidos na Guerra do Vietnã. Desde
1965, tropas foram enviadas para combater os vietcongs, comunistas
do Vietnã do Norte. Assim, buscavam proteção
para o Vietnã do Sul contra uma possível invasão
e vitória dos guerrilheiros comunistas. Mas com as sucessivas
derrotas militares dos americanos no Vietnã, a nação
mais poderosa do planeta começou a ser questionada em todos
os cantos do mundo, sobretudo no ocidente. Como um poderio militar
como o dos EUA sofria aquelas perdas, impondo um tremendo custo
de vidas de soldados americanos e da população civil
das áreas do conflito e não apresentava uma solução
rápida? Como uma pequena nação do Terceiro
Mundo não se sujeitava aos Estados Unidos? As imagens do
conflito, mostrando o sofrimento dos soldados e da população
vietnamita percorreram todo o mundo, provocando ondas de indignações
e protestos.
Com a bancarrota dos EUA no sudeste asiático, muitos, sobretudo
os jovens, perceberam que a ordem vigente representada pelos americanos
poderia ser contestada. Era o momento de romper com todas as amarras
sociais e políticas, questionar abertamente todos os regulamentos
e formas de conformismo, lutar por mais liberdade, ir contra o “satus
quo”.
Outro fenômeno ocorrido na época e que provocou tremenda
influência nas massas foi a Revolução Cultural
Chinesa. O líder Mao-Tse-Tung conclamava todos os jovens
da China a lutar contra as forças conservadoras e romper
com os laços do passado cultural chinês, buscando construir
uma nova sociedade na China revolucionária. Os milhões
de jovens chineses desfilando, agitando suas bandeiras vermelhas
e gritando seus brados a favor da nova ordem inflamavam as mentes.
Contribuíram
também a Revolução Cubana e a morte, um ano
antes, nas selvas bolivianas, de um dos seus mais carismáticos
líderes: Ernesto Che Guevara. A figura do médico argentino
que abandona tudo e se liga de corpo e alma às causas revolucionárias
para a libertação dos povos oprimidos e pela luta
por justiça social fez com que milhares de jovens seguissem
seu exemplo, aderindo sobretudo aos movimentos guerrilheiros: lutar
pelo povo e pela causa revolucionária contra o imperialismo
ianque, mesmo com o custo da própria vida.
Já no início dos anos sessenta percebiam-se os novos
ventos de mudanças radicais. As palavras de ordem eram contestatórias,
sugeriam romper com os antigos valores e o estabelecimento de novos.
As formas de romper com o sistema começavam pela aparência:
cabelos longos, sobretudo para os homens, calças jeans, camisas
coloridas, sandálias, colares - era preciso chocar os mais
velhos.
Nos campi universitários americanos surgem os primeiros “hippies”.
O mentor intelectual desses grupos era Timothy Leary, renomado professor
de psicologia de Harvard. Pregava o uso indiscriminado de drogas
como maconha, LSD e mescalina, como forma de buscar novos caminhos
da mente e da percepção humana. Milhões de
jovens se enveredaram pelos caminhos dessas substâncias alucinógenas,
à procura de “paz e amor”, na fuga das angústias
existenciais.
A juventude escuta muito rock, se relaciona despreocupadamente.
As garotas usam minissaias e, diferentemente de suas mães,
contam com a pílula anticoncepcional para se protegerem de
uma gravidez indesejada. Reivindicam, assim, o direito ao prazer
sexual, o que leva o Vaticano a publicar uma encíclica condenando
a utilização de anticoncepcionais.
“Sexo, drogas e rock-n-roll” era o lema vigente. Janis
Joplin e Jimi Hendrix, grandes ídolos, morrem prematuramente
devido ao consumo excessivo de drogas. Os Rolling Stones e os Beatles
explodem nas paradas de sucesso. O grupo, comando por Lennon, viaja
à Índia para conhecer o guru Maharishi Yogi, estabelecendo,
assim, uma ponte entre o ocidente e a espiritualidade oriental.
Herbert Marcuse, filósofo e sociólogo alemão
naturalizado americano, torna-se o mentor intelectual de grupos
de jovens pelo mundo, sobretudo dos movimentos estudantis. A novidade
de seu pensamento estava na supervalorização do papel
do jovem como instrumento de mudanças sociais. Encarnava
o papel do “intelectual engajado”, responsável
pelas questões de seu tempo e das mudanças necessárias.
Segundo seu pensamento de “cont racul tura” , contes
tado pelo “establishment”, a utopia, o radicalismo e
a ação direta eram importantes para a cristalização
de mudanças sociais e para legitimar a rebelião, sobretudo
contra a ordem capitalista. “Eros e a Civilização”,
um de seus mais importantes livros, ainda ecoa nos dias de hoje.
Na França, ocorre o “Maio de 68”, um dos movimentos
mais radicais contra a ordem vigente. Milhares de estudantes foram
para as ruas de Paris e, entre passeatas e barricadas, conseguiram
abalar o governo autoritário e anacrônico de Charles
de Gaulle, o maior ícone dos franceses do pós-guerra.
Enfraquecido, o presidente deixa o governo em abril de 1969, depois
de 10 anos no poder. Os movimentos contestatórios
mostravam, na prática, o seu poder de abalar as estruturas.
No México, os universitários se rebelam contra o governo
do presidente Gustavo Diaz Ordaz, que autorizou a invasão
da Universidade do México. Essa ação, que causou
a
morte de centenas de jovens e a prisão de milhares, ficou
conhecida como o “Massacre de Thatelolco”. Os protestos
duraram aproximadamente dois meses, e os estudantes quase conseguiram
boicotar os Jogos Olímpicos que estavam sendo realizados
no país. Nessa mesma ocasião, o espírito rebelde
de 68
se manifestou quando dois atletas norte-americanos, ganhadores de
medalhas, subiram ao pódio e durante a execução
do hino nacional americano, fizeram o gesto de saudação
dos Panteras Negras, grupo radical contestador norte-americano.
Nunca um pequeno ato obtivera tanta repercussão.
Outro movimento que chamou a atenção do mundo foi
o denominado “Primavera de Praga”, no qual o povo tcheco,
liderado por Alexander Dubceck, pleiteou reformas democráticas
numa sociedade sufocada pelo regime comunista. O lema de Dubcek
era o “socialismo com face humana”. O sonho, porém,
durou pouco: em 20 de agosto de 1968 as tropas do Pacto de Varsóvia,
lideradas pelos russos, invadiram e reprimiram com a brutalidade
típica dos regimes autoritários um povo que queria
apenas liberdade.
Apesar da agonia sofrida pelo povo tcheco, a “Primavera de
Praga” revelou-se como sendo mais um brado contra o imperialismo
- desta vez russo, que seria desbaratado muitos anos depois pela
Glasnot de Gorbachev.
Na Alemanha, os protestos estudantis e os duros processos de repressão
por parte das autoridades tiveram como conseqüência a
formação de grupos terroristas, como por exemplo o
Baader Meinhoff. Situação análoga ocorreu na
Itália, quando alguns estudantes criaram as Brigadas Vermelhas,
responsáveis por sangrentos atentados terroristas. Essas
ações, infelizmente, foram vertentes das marés
contestatórias, quando alguns grupos optaram pelo terrorismo
indiscriminado. De lugares distantes surgiram grupos com as mesmas
tendências, como os Montoneros (Argentina), VPR (Vanguarda
Popular Revolucionária - Brasil), Panteras Negras (EUA) e
Tupamaros (Uruguai). Esses grupos foram basicamente oriundos da
vontade popular de romper com o sistema político opressor,
mesmo com o alto custo de perda de vidas.
Na América Latina, muitos grupos organizados que buscavam
mudanças sociais tiveram como única opção
a luta armada,
uma vez que os regimes totalitários aos quais se contrapunham
eram extremamente refratários a qualquer espécie de
contestação. Alguns desses movimentos, criados em
anos anteriores, continuaram suas ações mesmo na década
seguinte, fortalecidos que foram pelo espírito de 1968.
A trajetória atípica desse ano continuava: a 4 de
abril foi assassinado um dos maiores ícones dos direitos
humanos, o pastor Martin Luther King. Porta-voz das minorias negras
americanas, sua morte provocou fortes ondas de protestos em todo
o país, repercutindo pelo mundo. Outro assassinato que provocou
comoção em solo norte-americano foi o de Robert Kennedy,
símbolo da política americana, tragicamente assassinado,
como fora o seu irmão, o presidente John Kennedy em novembro
de 1963.
Entre o encantamento e a incredulidade de uma humanidade pasmada,
a nave espacial americana Apollo 8 gira em torno da lua. Esse ato
abriu o grande cenário das conquistas espaciais que viria
no ano seguinte, quando o primeiro ser humano, na figura do astronauta
Neil Armstrong, deixou definitivamente gravadas em solo lunar suas
pegadas.
Outro espanto foi a estréia escandalosa do musical Hair na
Broadway, em Nova York, com cenas de nudez, fortes apelos sexuais
e ao consumo de drogas.
O
político ultraconservador Richard Nixon ganha as eleições
pelo Partido Republicano, tornando-se o 37º presidente americano.
Na esteira dos acontecimentos mundiais, os jovens brasileiros dos
grandes centros urbanos dedicavam-se a atividades intelectuais ou
pacifistas. Discutia-se muito política nos bares, nos locais
de lazer, nas universidades, nos ambientes de trabalho e em centros
estudantis. Outros, sob o lema da paz e do amor, buscavam as experiências
de vida em comunidades hippies. Nos lares, os filhos questionavam
as idéias dos pais.
A
viagem de Sartre e Simone de Beauvoir ao Brasil em 1960 ainda causava
comoção. Ser de esquerda e marxista era a tônica
da maioria dos jovens, mas ser existencialista era o suprasumo.
Em março, no Calabouço, restaurante estudantil do
Rio de Janeiro, organizou-se uma passeata de protesto contra o regime
militar. Os manifestantes entram em choque com a Polícia
Militar e, no desenrolar do conflito, morre baleado o estudante
paraense Édson Luís de Lima. Do seu enterro participaram
50 000 pessoas que aguçaram os protestos contra os militares.
Em diversos Estados surgiram revoltas, o que levou o governo à
tentativa de decretar estado de sítio no Rio de Janeiro,
Distrito Federal e Goiás. Posteriormente, em junho, é
realizada a maior manifestação civil contra o regime
militar, a passeata dos 100 mil, na avenida Rio Branco, também
no Rio de Janeiro. No rastro dos acontecimentos, milhares de trabalhadores
e operários das mais
diversas categorias entram em greve geral. As cidades de Osasco
e Contagem são os principais focos. Os sindicatos dos trabalhadores,
sempre na mira das intervenções dos militares, se
rebelam, ganhando força política. Nesse ano, um simples
torneiro-mecânico, Luis Inácio Lula da Silva, se filia
ao Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo do Campo.
Muita história viria depois.
A igreja católica progressista alia-se aos estudantes e às
camadas mais carentes da população. Endurecem as relações
entre a Igreja e o Estado. Muitos padres são presos, torturados.
Religiosos estrangeiros são expulsos do Brasil. Os militares
acusavam o clero progressista de atender aos “objetivos do
comunismo”. Os setores radicais do clero entram em confronto
com as alas progressivas. A igreja se divide. O Ministro da Justiça,
Gama e Silva, reconhece como lícita a atuação
da organização denominada TFP (Sociedade Brasileira
de Defesa da Tradição, Família e Propriedade).
Recrudesce o antagonismo dentro da Igreja. As comunidades Eclesiais
de Base (CEBs) ganham força junto às comunidades carentes
de todo o país, fortalecendo as relações
entre os leigos e as paróquias. As questões religiosas
e sociais se fundem. A ala conservadora, no entanto, provocaria
fortes abalos no setor progressista. Mas as bases de uma Igreja
voltada para os problemas sociais e políticos estavam firmemente
plantadas.
O C.C.C (Comando de Caça aos Comunistas), surgido no governo
de João Goulart, volta em grande estilo atacando sindicatos,
principalmente de jornalistas, combatendo os movimentos estudantis
e tudo aquilo que mostrasse alguma tendência que fosse contra
os ideais do regime militar. Metralham o prédio da Faculdade
de Direito da USP e queimam o prédio da Faculdade de Filosofia,
também da USP, em São Paulo. Esse
episódio, no qual morreu um estudante, ficou conhecido como
o “confronto entre Mackenzie e Filosofia”. Os estudantes
da Universidade Mackenzie, de tendência conservadora e influenciados
por membros do C.C.C, enfrentam na rua Maria Antônia, na capital
paulista, os estudantes liberais da Faculdade de Filosofia da USP.
Um dos líderes dos estudantes da USP na época, então
presidente da União dos Estudantes, viria a ser mais tarde
ministro do governo Lula, José Dirceu.
Em outubro, numa fazenda próxima a Ibiúna - SP, realiza-se
o 30º. Congresso da União Nacional de Estudantes. Todos
os 900 participantes são presos e enquadrados na Lei de Segurança
Nacional.
A escalada do terrorismo nacional, tanto de esquerda como o de direita
faz estragos e vítimas em diversos pontos do território
nacional. A direita pratica 24 atentados contra 10 atos terroristas
da esquerda.
Em 13 de dezembro, diante da grave situação política
e social pela qual a nação passava, é decretado
o Ato Institucional No. 5. O governo Costa e Silva decreta o recesso
do Congresso Nacional, a suspensão de todos os direitos políticos
de qualquer cidadão, além do poder de intervir nos
Estados e Municípios. O estado
de sítio pode ser decretado conforme as conveniências
necessárias. O Estado passa a assumir o controle total da
sociedade. São adventos dos tempos negros da ditadura militar
no Brasil.
Entretanto, mesmo diante dessas agressões aos direitos civis,
o brasileiro vivenciou grandes momentos de emoção,
como ocorreu em maio, ante a capacidade da ciência nacional,
com a realização, pelo médico Euryclides Zerbini,
do primeiro transplante de coração do Brasil, seis
meses após a realização do primeiro transplante
no mundo, pelo Dr. Bernard, na África do Sul. O paciente,
de 23 anos de idade, João Fernandes da Cunha, sobreviveria
apenas 27 dias. Mas o Brasil se tornaria uma referência mundial
em tratamentos cardíacos.
Nas artes, é dado o pontapé inicial para a Tropicália
com o lançamento do disco Tropicália – Panis
et Circencis – com a participação de Caetano
Veloso, Gilberto Gil, Gal Costa, Os Mutantes, Tom Zé e Nara
Leão. No IV Festival da TV Record, em São Paulo, o
público, chocado com a letra da canção “È
proibido proibir”, de Caetano Veloso, o vaia calorosamente.
Ainda não digere o vanguardismo cultural que se iniciava.
Do palco, o cantor grita: “ Mas é isso o que é
a juventude que se diz que quer tomar o poder? São a mesma
juventude que vão sempre matar amanhã o velhote inimigo
que morreu ontem. Vocês não estão entendendo
nada, nada”.
“Essa música é atentatória à soberania
do País, um achincalhe às Forças Armadas e
não deveria nem mesmo ser inscrita.” Foi dessa forma
que o General Luís de França Oliveira, secretário
de Segurança da Guanabara, referiu-se à canção
de Geraldo Vandré, “Caminhando”, (“quem
sabe faz a hora, não espera acontecer”), uma das classificadas
no III Festival Internacional da Canção. Posteriormente,
os militares pediram a prisão do compositor, enquadrado como
subversivo.
Ao mesmo tempo em que escandalizava a nação, a atriz
Leila Diniz servia de modelo para o ainda insípido movimento
feminista
nacional, numa época em que as mulheres geralmente pouco
saíam de casa, completamente submetidas aos maridos. Com
sua beleza, nudez, despojamento, adesão ao amor livre, serviam
de bandeira contra o conservadorismo.
A TV em preto-e-branco era de pouca penetração e não
dominava como agora o pensamento das pessoas. A mídia era
música e cinema. Os caras mais alienados gostavam de Roberto
Carlos e da Jovem Guarda, enquanto os politizados optavam por Chico
Buarque, Caetano, Gil, Tropicália e a Bossa Nova.
Lia-se muito: Eric Hobsbauwn, Lukács, Marcuse, Caio Prado
Júnior, Sartre, Lênin, Gramsci, Althusser, Mão,
Herman Hesse, James Joyce, Norman Mailer, Régis Débray,
Adorno, Guevara, Walter Benjamin e outros.
Muitas das questões engendradas em 1968 podem ter sido incongruentes,
utópicas, irrealizáveis ou ainda estão em processo
de gestação. Mesmo assim, não se pode negar
que os acontecimentos daquele ano, de uma forma ou de outra, contribuíram
para uma nova forma de agirmos e pensarmos a nossa existência.
Evidentemente que surgiram muitos atos negativos e equivocados,
como a apologia ao uso de drogas, a luta armada, os seqüestros,
a intolerância e radicalismos tanto de grupos políticos
de esquerda como de direita. Porém, não se pode discutir
que as buscas posteriores por mudanças foram influenciadas
pelos acontecimentos de 1968. Esse ano também contribuiu
para mostrar às gerações futuras que muitas
causas e idéias defendidas na época não passavam
de tremendos engodos. Muitos sistemas políticos, em especial
os de tendências socialistas, demonstraram que eram opressores,
muitas vezes utilizando os mesmos instrumentos de persuasão
e controle dos regimes que combatiam. Acreditava-se que a política
era o principal ordenador do comportamento humano.
Os principais legados da geração de 1968 foram, em
síntese, o total repúdio ao autoritarismo e a defesa
irrestrita dos direitos
civis. Os heróis daquele ano mágico foram os jovens
que amavam os Beatles e os Rolling Stones. Uns morreram por seus
ideais, alguns se perderam pelo meio do caminho e muitos seguiram
em frente. Uma geração que dizia “não
confiar em ninguém com mais de trinta anos” e que buscou
sofregamente, num curto período, as soluções
para o seu tempo e o das gerações futuras. Num país
de memória quase inexistente, onde os acontecimentos históricos
são pouco conhecidos, o maior legado que aquela geração
nos deixou foi a capacidade de ousar, de agir e de atuar, fazendo
com que aquele momento histórico seja relembrado hoje e sempre.
Como na canção de Geraldo Vandré, ensinaram-nos
que “Quem sabe faz a hora, não espera acontecer.”
Geração
1968
A
RÉPLICA DO MERCADO MUNICIPAL
Ruth Tupinambá Graça
Cadeira N. 96
Patrono: Tobias Leal Tupinambá
Foi
em 1996 que eu fiquei encantada com o entusiasmo com que Wanderlino
Arruda, secretário municipal naquela época me falou
do seu Programa de Trabalho e principalmente sobre a construção
de um teatro com a réplica do antigo Mercado Municipal e
no mesmo local.
Graças a Deus ainda existem homens como Wanderlino, que valorizam
o passado e procuram preservar os monumentos que traduzem e conservam
a memória da nossa cidade. Mas infelizmente Wanderlino pregou
no "deserto"... E a réplica do Mercado Municipal
caiu no esquecimento.
E quem não se lembra do nosso antigo Mercado Municipal que
durante muitos anos dominou a praça Dr. Carlos? Por alguns
era considerado grotesco e mal construído, mas para os outros
ele era o máximo. Considerando as dificuldades em que fora
construído, ele merecia um voto de louvor.
Em 1897, quando então presidente da Câmara o Dr. Honorato
Alves, comerciantes daquela praça, fizeram um ofício
pedindo-lhe a construção de um mercado moderno que
satisfizesse
as necessidades da nossa comunidade. O pedido foi atendido, a planta
foi feita por um engenheiro da época e João Fróis,
um "prático" curioso, apressado e com muita vontade
de servir, achou por bem, não fazer alicerces de pedra (como
projetara o engenheiro) resolvendo por sua conta, fazer o travamento
de madeira. E para andar mais depressa suprimindo algumas exigências
da planta.
Como todos os acontecimentos existem os prós e os contras,
com o Mercado aconteceu o mesmo.
Na cidade já existiam dois partidos o "de Baixo"
e o "de Cima" e iniciando a construção,
começou uma guerrinha. Os "de Cima" aplaudindo
a idéia e os "de Baixo" fazendo grande pressão.
A construção foi rápida e uma certa noite,
toda a cidade acordou com um forte estrondo.
A esperteza de João Fróis deu zebra. O Mercado que
já estava de cumeeira inaugurada com cerveja e tudo mais,
havia desabado, felizmente sem vítimas. Com isto os "de
Baixo" ficaram contentes e os "de Cima" se lastimavam.
Foi uma tragédia, mas não desanimaram.
Novas lutas, novos fracassos, mas a vontade maior dominava aquele
"formigueiro humano". O Cel. Antônio dos Anjos,
grande batalhador contra os problemas da cidade, embora desapontado,
não perdeu a cabeça e, liderando uma turma de amigos,
foi de casa em casa, com uma subscrição para recomeçar
a obra.
Cassimiro Mendonça (meu avô) encabeçou a lista
com 200$000. Foi um escândalo! E a cidade toda comentou a
sua doação chamando-o de "estróina"
e gastador e assim, milagrosamente, as doações se
multiplicaram. Em pouco tempo o Cel. Antônio dos Anjos (pai
do Cyro dos Anjos) conseguiu 2.360$000
e desta vez seguiu-se as instruções do engenheiro,
e a 2/09/1899 sendo presidente da Câmara Simeão Ribeiro
dos Santos, o Mercado foi solenemente inaugurado.
A partir desta data ele tornou-se o assunto da cidade. Um enorme
casarão branco (tipo chalé) com quase 30 metros de
frente e 32 de fundos, com sete cômodos de cada lado para
as vendas, onde se instalaram os comerciantes daquela época.
Ao centro, uma enorme área vazia onde os tropeiros e bruaqueiros
espalhavam suas bruacas. Mais tarde ampliaram-no com uma torre de
17 palmos, onde colocaram um Regulador Público inaugurado
em 1906, com muita festa já no governo do Dr. Honorato Alves.
Este mercado foi por muitos anos o ponto vital da nossa cidade,
onde a preferência para os "bate papos", assuntos
políticos, religiosos e sociais, negócios, decisões
familiares, até batizados, casamentos e desquites, tudo era
ali discutido e não existia lugar melhor para as "fofocas".
Aos sábados, tornou-se o hábito de todos, era o dia
da feira. Todos os moradores da nossa cidade antiga dirigiam-se
ao Mercado para fazerem suas compras. Era feira de verdade onde
se encontrava de tudo: arroz com casca ou socado no pilão,
açúcar mascavo, rapadura cerenta gostosa, doce de
cidra, laranja em formas embrulhadas em folhas de bananeiras, batidas
de Santo Antônio, café em grão (torrado em casa)
tão saboroso.
Os bruaqueiros com enorme variedade de mercadorias iam chegando,
aos poucos, desde a madrugada e enchendo o Mercado: farinha de milho
bem torradinha, queijos, requeijões, farinha de mandioca
do Morro Alto, beiju de goma tão clarinhos. As carnes de
porco, carne de sol de "dois pelos", em grandes montes.
Colocados em giraus de madeira, muita lingüiça feita
em casa, com muito tempero, cheirosa... muita fruta: banana roxa,
mulata,
caturra, cachos enormes, lima da Pérsia (que hoje não
existe mais), coco azedinho, muita manga rosa, espada, sapatinha,
umbu, tão bonitas! Melancias aos montões, verdinhas
e lustrosas, cabeça de negro, panâs, araticum, gravatás,
pitombas, tamarindos, jatobás, e o nosso célebre pequi.
Muito caldo de cana, tabuleiros enormes de bolo de arroz, doce de
mocotó de boi, daquele escurinho, gostoso, sem sofisticação.
Biscoito caseiro, cascorão, mingau de milho verde, pamonha,
goiabada embrulhada em palhas de milho, uma delícia.
Os bruaqueiros ofereciam suas mercadorias naquela simplicidade do
caipira: "Compra minha dona, é feijão novo catado,
cozinha ligirim, com uma só água, arroz do bão
mesmo, cuido agora e socado no pilão, sem quebrá,
os ovo fresquinho, cuido de manhãzinha ovo de galo bão
mesmo".
As mocinhas da roça que vinham vender suas verduras cultivadas
na beira dos regos (abóboras, quiabo, chuchu, maxixe, tomatinhos
para molho, salsa, cebolinha; tão verdinhas) eram bem bonitinhas
de vestido novo de chita, um "rouge" muito vermelho, boquinha
de coração, brincos e colares de contas coloridas,
mas quando riam mostravam sempre falhas de dentes na frente. Era
uma pena. De boca fechada até que passavam. Mas mesmo assim
com toda "jecura", faziam conquistas, com moços
da cidade que lhes davam uma "colher de chá".
No fundo do Mercado, do lado de fora ficavam os animais e também
as bruacas espalhadas pelo chão. Muito fumo de rolo e cachaça
em "banquinhos" atrás do Mercado. Era ali o paraíso
dos roceiros. Um cheiro forte de pinga e fumo espalhavase por todo
o Mercado. No final do dia havia sempre bruaqueiros "escornados"
no chão, dormindo com o chapéu no rosto, protegendo-se
do sol. Na maioria das vezes nem este cuidado tinham e com a boca
aberta lambuzada, roncavam alto, enquanto os mosquitos passeavam
saboreando, entrando e saindo, escondendo-se nos bigodes molhados
de pinga e saliva.
Os
animais eram tão mansos que não se espantavam nem
davam coices. Eram mesmo treinados para transportar bruacas pesadas
e bruaqueiros folgados e pacientemente esperavam que seus donos
fizessem bons negócios, dessem suas "voltinhas proibidas",
bebessem à vontade, não tinham hora certa para voltarem
para casa. E o dia inteiro era aquele movimento no Mercado.
Eram comum vê-los voltando para casa, à tardinha, alguns
montados e tocando cargueiros; outros bêbados procurando se
equilibrar em cima do cavalo, tombando de um lugar para outro, conversando
sozinho; outros a pé com alpercata de couro cru, chapéu
desabado pelo tempo e pelas chuvas, cigarro de palha no canto da
boca, tocando seu burrinho lerdo, as bruacas vazias, e os "cobrinhos"
no bolso. Iam felizes da vida, já pensando na feira do próximo
Sábado, para tomar outra bebedeira.
Este espetáculo durou anos. A cidade cresceu e aos poucos
foi se modificando. Estas lembranças simples ficam guardadas
em nossos corações.
O Mercado anos depois foi demolido. A Praça Doutor Carlos
perdeu seu companheiro. A cidade assistiu tristemente àquele
espetáculo como se fosse o enterro de um amigo. E com isto
a cidade vai se descaracterizando, perdendo o encanto natural. Os
casarões e os sobrados que nos lembram HISTÓRIAS DO
PASSADO estão desaparecendo...
O relógio antigo do Mercado Municipal está hoje silencioso
na Catedral. Era ele que durante anos quebrava a monotonia daquela
praça, com suas fortes e compassadas badaladas, cujo eco
levava para longe, desaparecendo por trás dos montes.
Quantas vezes acordavam as crianças para a escola e os homens
para o trabalho com seu badalar amigo e pontual?
Ele
hoje deveria estar ainda funcionando para ver e sentir o progresso
desta cidade, que ele viu engatinhando e dando os primeiros passos!
Agora nos resta a saudade e a esperança de que a cidade acorde,
grite e proteste contra a demolição dos monumentos
do nosso passado.
O antigo Mercado Municipal de Montes Claros.
EXPOSIÇÃO
DO PINTOR SAMUEL DE SOUZA FIGUEIRA
Wanderlino
Arruda
Cadeira N. 33
Patrono: Enéas Mineiro de Souza
"...
de azul-claro e de rosa devíamos todos revestir uma
fração de nossa vida, já que não é
possível pintá-la
completamente de cores tão puras.”
CARLOS
DRUMOND DE ANDRADE - "Fala, Amendoeira"
A
semente, para libertar o vegetal que conduz em germe, não
se nega a vencer o solo que a agasalha... A ação da
semente em busca da vida é reflexo de amor puro do Criador,
o mesmo ato de vibração e equilíbrio que movimenta
as existências de todas as coisas e de todas as criaturas.
A vida é amor, é brilho que palpita a luz, a sabedoria
e a beleza, erguidas à glória da imensidade, como
o rio que busca o oceano e não se detém ante os obstáculos
que lhe impedem o curso. O amor é plasma divino com que envolve
tudo o que é criado. O amor é o reflexo da ordem universal,
sentimento de pureza, eternamente em busca do belo e da perfeição.
O amor é doação de cada ser em favor dos demais,
um hálito de fé, fundamento da justiça e da
força que nasce da
própria alma, como que uma certeza instintiva da Sabedoria
Divina.
Se o amor é sublimação do instinto, é
vibração de luz espiritual, é sensibilidade
sem medidas, nada melhor para definir os
sentimentos que nos trazem aqui, todos nós, como eloqüente
ato de amar. Amor à amizade, amor à admiração,
amor à excelsitude do ideal do artista, amor à exteriorização
do bem, deificada manifestação de um plano mais alto
que polariza as esperanças do amanhã. Estamos aqui,
contritos, no altar da beleza e emoção artística,
para fruir os talentos da fidelidade contemplativa do agradável,
tangendo as cordas mais vibráteis do nosso sentimento, abrindo
um caminho infinito de transcendências entre o real e o utópico,
numa busca eterna das manifestações supremas da harmonia
e da verdadeira arte.
Estamos,
aqui, para compreender e sentir as emoções de um companheiro
e amigo, o construtor da beleza, o edificador de plasticidades e
relevos, o tradutor de cores e movimentos, sempre afeito ao trabalho
bem organizado e alvissareiro da perfeição técnica,
que caminha em direção a valores cada vez mais voltados
ao verdadeiramente humano e espiritual. Estamos, aqui, para apresentar
o homem e o artista, o criador e a criação, a arte
e o sentimento do artista que ela conduz. Entregamos oficialmente
ao mundo cultural de nossa região, na sua primeira mostra
individual de pinturas, o já conhecido pintor SAMUEL DE SOUZA
FIGUEIRA, floração espontânea de traços
e de coloridos, síntese profunda de qualidades transcendentais
que honram a sua terra e a sua gente, o bom e altaneiro povo de
Montes Claros.
A arte, o patrimônio artístico, do passado e do presente,
todos ou quase todos, que aqui estão, já viram e contemplaram
de olhos admirados, de corações mergulhados no otimismo,
numa quase que profecia de vitória. A arte está aí,
vivida, palpitante, explodindo em ricas tonalidades e ritmos de
rara beleza, como que a dançar um balé, ao mesmo tempo
de fantasia e de rude franqueza. A arte, o fruto do psiquismo é
resultante do mundo íntimo do artista, é riqueza de
esferas mais altas, resultante de recordações infinitas
e ao mesmo tempo figurações concretas da realidade
de cada um. Deixemo-la para o fim. Falemos, agora, do artista. Conheçamos
o autor, estudemos SAMUEL DE SOUZA FIGUEIRA.
Montesclarense,
da Rua Dr. Santos, nascido em casa velha com soleira de pedra bruta
na porta, no vendaval de poeira do número 249, e do centro
dos barulhos políticos do final do ano de 1946. Parece que
o menino já nasceu de olhos abertos para as nuanças
da vida, buscando sensações visuais e perspectivas.
Começou cedo no mundo da arte, pois aos cinco anos de idade
fez seleção no Grupo Francisco Sá com uma bonita
prova de desenho. Aluno de Terezinha Pimenta, nos bancos da escola.
Aluno de Godofredo Guedes, nos bancos da oficina. Mas, aí,
aluno sem ser aluno, porque estudante apenas de observações,
de perguntas, de tomar tintas emprestadas, de experimentar a maciez
dos pincéis. Ao lado do mestre, o grande início da
aprendizagem dos tons, das misturas, dos matizes, de características
especiais que fazem um artista. A cópia, os decalques iniciantes,
os primeiros passos em direção de
combinações novas. Aprende alguma coisa e, aos dez
anos, a exposição inicial nas vitrinas da casa Luso-Brasileira,
mais para agradar a parentes e professores e para entusiasmar a
colegas do educandário.
Um dia o garoto toma coragem, veste a sua melhor roupinha, põe
na cara o melhor dos sorrisos, e corre pressuroso em busca do elogio
e do incentivo do já famoso futuro colega Konstantin Christoff.
Leva o mais trabalhado dos quadros, aquele mais acadêmico,
mais certinho, de pinceladas bem cuidadosas. Pede a opinião
e baixa a vista, modesto, temendo, antecipadamente, as palavras
de louvor. Mas tudo sai ao contrário. Konstantin, jovem e
fogoso, não sabe mascarar a verdade. Não gostando,
diz sinceramente ao menino que não gostou. Faz mais: manda-o
ir embora, esquecer o entusiasmo, jogar fora os pincéis e
as tintas e tentar fazer outra coisa mais condizente com a sua vocação,
que, de natural, pelo que via, não seria a de pintor. O menino
revolta-se, fica com o espírito em brasa, assustado, coça
a cabeça e, imediatamente resolve aceitar o conselho, a sugestão...
Chateado, sai e volta para casa, triste e meditativo, conclui que
está diante de um grande desafio: nem Konstantin, nem ninguém
pode sufocar o seu desejo, sua vontade de ser artista. Se com aquelas
palavras Konstantin estava querendo
despertá-lo, provocá-lo, iria ver, iria conhecer a
sua reação, o seu grito de luta em busca de novo mérito.
O que fez então o menino? Voltou a sua energia em direção
ao próprio crítico e conselheiro, produzindo, na hora,
a sua primeira e revolucionária composição
moderna, uma mesclagem de variações geométricas
e instrumentais, em cores robustas e enérgicas, com pinceladas
marcantes. Para compor o rosto, desenhou uma chave inglesa, representando
todo o conjunto facial; para traduzir o cachimbo, enfiou-lhe um
machado bem
tosco na boca. Resultado: uma figura chocante, mas de grande
efeito. O crítico gostou. Gostou tanto, que o aconselhou
agora a
buscar de novo, e com muito amor, os velhos pincéis baratos
e
que partisse para a realização de novas tentativas.
Procurasse ser
menos Godofredo e muito mais Samuel.
Data daí a nova fase da vida do artista. Pouca produção,
mais procura de melhor qualidade. Idéias sobre idéias.
Formas sobre formas, transparências e coloridos novos. Entusiasmo
comedido, mas firmeza no ideal. Três cousas, entretanto, afastam-no
do aprimoramento natural: o trabalho, os namoros, as pescarias.
A vida começava a apresentar problemas. O trabalho, uma necessidade;
o namoro, sublimação; as pescarias, o encontro com
a liberdade e a natureza, sua melhor amiga. Assim, um quase hiato
no caminho da arte, meses e anos de pequena ou quase nenhuma produção.
O amor transforma-se em paixão e vem o casamento. Com o casamento,
a prisão do amor. Com o amor, os incentivos da arte, e, de
novo, a inspiração. Duas mulheres, uma após
outra, ou uma juntamente com a outra, dão-lhe nova importância
no ato de viver. Duas morenas tocam-lhe o coração
e dinamizam a sensibilidade. E, com o amor remove montanhas, MILA
e ADRIANA abrem ao poeta das cores a renascida e gloriosa avenida
do talento, para um não mais parar de instituir belezas.
Quando Konstantin Christoff lança a idéia de feira
de arte para velhos e novos, Samuel e todos nós atiramo-nos
ao trabalho e à divulgação, conclamando participantes
e admiradores pedindo
aceitação pública, marcando, em Montes Claros,
a nova etapa de uma fase de civilização. Unidos, conscientizados,
armados de audácia e coragem, temos enfrentado todos os obstáculos,
mas, graças a Deus, sempre vitoriosos, principalmente o SAMUEL.
Com mais de duzentos quadros produzidos e com esta Exposição,
SAMUEL marca definitivamente a sua permanência no mundo da
pintura. Daqui para frente, o artista é, não mais
estará sendo como parecia que fosse. Forneça-lhe o
mundo o azul, o amarelo, o branco e o vermelho, que ele transformará
em colorido o próprio mundo. A sua sensibilidade pelo fator
humano e social não terá limites. As preocupações
urbanas, as angústias dos tempos modernos terão uma
tintura nova e audaciosa. O simbolismo das flores fará contrastes
com a singeleza dos fundos, com o rubro dos sóis, com o cinza
quase cerúleo dos infinitos. Os vícios, as fraquezas
humanas estarão iridescentes de misticismo, numa espécie
de religiosidade que o autor não tem, não procura
ter, mas que mostra na exteriorização de sua personalidade.
As mulheres, mais do que tudo as mulheres, nuas, seminuas, de pé,
deitadas, sentadas, mas sempre divinamente belas, sempre estão
presentes. De vez em quando, a natureza, figurativismo da criação
de Deus; outras vezes, as favelas, problemática da criação
do homem. A seca, uma preocupação permanente e, dentro
da seca, o homem que sofre e espera. As aves geométricas
e transparentes superposições. Nelas, a alma diáfana
do autor. Aos poucos, a obra de Samuel toma feição
pessoal, o estilo aparece com firmeza, o traço se torna inconfundível.
O pintor marca definitivamente a sua força, a sua afeição
ao aprimoramento constante, o progresso renovador, o sacrifício
que enobrece e a vontade que santifica.
Nesta noite, Senhores, desejo ressaltar a minha alegria, a nossa
alegria, a alegria de todos. Com esta exposição de
SAMUEL DE SOUZA FIGUEIRA, Montes Claros, fica mais rica, mais atuante
e mais consciente de seus valores culturais. Estamos todos de parabéns,
pois como incentivadores e como críticos deste jovem, temos
também a nossa parcela de colaboração, uma
vez que
a tarefa, quase nunca individual, tem, no ambiente, o essencial
e o imprescindível, aquela argamassa social que mantém
todas as estruturas vigentes, o fortalecimento da confiança,
a projeção da decisão sincera, sem o que, nenhum
objetivo pode ser alcançado.
Assim, meu caro SAMUEL, continue a sua missão de embelezar
o mundo, engrandecer a sua terra natal. Na sua obra, respirarão
os heróis do seu ideal, os santos da sua fé, os apóstolos
da sua inspiração e, sobretudo, a grandeza do seu
puro e grandioso coração.
SHOPPING-ART, Montes Claros, 7 de maio de 1976.
NO
TEMPO DOS CORONÉIS
Yvonne
Silveira
Cadeira N. 5
Patrono: Antônio Ferreira Oliveira
Inácio
pôs a mão em concha, Gabriela firmou o pé e
sentou-se no silhão, para o passeio diário a cavalo.
Saia longa, rodada e de botas, não aparecia nem um centímetro
de pernas, bonitas pernas, ele imaginava. Gabriela instigou o cavalo
e partiu.
Da varanda da casa grande o Cel. Janjão Soares observava
o ritual, a demora de Inácio em retirar a mão, olhos
nos olhos. É... essa história de padre gostar de moça
rica é velha, vem de muito tempo... é a tal de plebeu
e da princesa, tudo acabando nos conformnes... Mas esta fazendona
custou dinheiro e morte dos sitiantes que não queriam vender
as terrinhas este cabra mesmo matou uns cinco. Preciso ter cuidado,
vigiar. Nada de final bem bom.
Sentado no chão da varanda, Inácio aguardava Gabriela
para ajudá-la a descer e tirar os arreios do cavalo.
Bela Gabriela - dizia a si mesmo - porque sou pobre, sou diferente,
não posso nem pensar que a senhora também gosta de
mim. Mas sou branco, freqüentei escola, antes de chegar aqui,
para ser como escravo do coronel, trabalhando sem descanso, até
matando, para ganhar tão pouco dinheiro. Se o diabo quiser,
dou minha alma em troca de riqueza, para casar com Gabriela.
Não,
meu Deus. Loucura de homem apaixonado.
Mas, como posso viver sem a senhora? Só mesmo fazendo a troca
com o diabo.
Gabriela regressava do passeio, linda, os cabelos soltos pelo vento,
esvoaçando. Sorrindo, o pai disse: - Tudo ocorreu bom de
novo, filha, acabam as preocupações.
- Sim, meu pai, o passeio foi bom, fui até perto da Malha
da Pitombeira. - Longe, filha, deve estar cansada. Desça
e vá descansar.
Preocupações? E se descobrir minha paixão?
Vai fazer de mim o que fez com Zé Manuel. Tremia Inácio
ao pensar nas conseqüências, mas embevecia-se, olhando
para Gabriela. Insistia, porém a lembrança de Zé
Manuel, jogado vivo num panelão de breu fervendo, só
porque pôs um filho na barriga de Crioula, filha da melhor
cozinheira do coronel. Esconderam, até que o filho nasceu
e ele, sabendo de tudo, enfureceu-se, por sentir sua casa desonrada,
a casa de homem respeitador, como era julgado pelos vizinhos, que
praticavam os mesmos crimes, para se tornarem os grandes senhores
coronéis, porém, honrados e dignos entre eles.
- Na minha casa não quero pouca-vergonha, peguem Zé
Manuel, quero ver a cara do safado.
Ele chegou com os punhos amarrado, cabisbaixo, tremendo, certo de
que o final de sua vida estava perto.
- Então, se atrevido, desonrou minha casa.
- Perdão, coronel, perdão, ele aceitou.
- Você procurou, não tem perdão. Joguem este
desavergonhado no breu fervendo.
- Não! Pelo amor de Deus! Não! Não!
- Levem.
E foi levando, já apanhando chicotadas dos jagunços,
gritando, pedindo misericórdia.
Inácio presenciara o ocorrido, os gritos de Zé Manuel,
pavorosos diminuindo, até se calar.
Foi com a filha da cozinheira, e se souber que eu gosto é
de sua filha? Que será de mim?
Tremia
e persignava-se. Era supersticioso e acreditava em mula-sem-cabeça,
lobisomem, cobra grande e ainda mais no demônio e no inferno.
Mas como casar com Gabriela? Só mesmo o pacto com o diabo,
ou o capeta. Rico serei aceito pelo Cel. Janjão. É
o modo para ser feliz em vida, depois de morto, não me importo.
Gabriela sabia do amor de Inácio. Olhares, alegria ao vêla,
submissão às ordens dadas com brandura e a angustia,
o desassossego quando chegava Mateus, feio magro, seu primo, destinado
pelo pai, para seu marido, juntando riqueza com riqueza.
Preferia Inácio, bonito e forte, mas jamais poderia imaginar
tal união, ou encontrar-se ao menos às escondidas,
pois, se descobertos, o castigo seria pior do que foi dado a Zé
Manuel. Inconformada, dizia a si mesma: gosto dele, e chorava.
Outro medo de Inácio. O Cel. Janjão tinha um trato,
como dizia, com seu parente, o Cel. Pedroso, outro latifundiário,
vizinhos separados por cercas de arame.
Por acaso, Inácio ouvia conversa dos dois sobre o tal trato.
Os coronéis diziam que se alguém descobrisse o seu
segredo "de estado", seria alguém morto. Inácio
sofria ainda mais de medo. Mas se eu ficar rico, pensava, nada de
empréstimo, para serviço especial. A carta de recomendação,
lacrada, terminava com as iniciais E.P.S.P., código de envia
para S. Pedro. Por uns dias, o jagunço era bem tratado, trabalho
leve, que o intrigava, pois, nada tinha de especial. Chegada sua
hora, o coronel mandava-o para S Pedro.
Sempre preocupado com o risco previsto pela paixão de Gabriela
e conhecimento do pacto dos coronéis, Inácio continuava
trabalhando como escravo.
Certo dia, sentindo a falta de uma vaca prestes a parir, saiu à
sua procura, encontrando-a na Malhada das Pitombeiras, à
sombra da grande gameleira, sob o qual descansava, depois de muito
percorrer os pastos, à procura dos animais.
Encontrou Rosada pastando, enquanto o bezerrinho tentava mamar.
Inácio tirou-lhe todo o leite, para evitar a mamite, curou
o bezerrinho e... ah, minha amiga gameleira, vou descansar
à sua sombra e lembrar de minha deusa Gabriela. Vem, meu
amor, vou ficar rico e o coronel vai-me aceitar.
Na fazenda, já noite, Gabriela torcia as mãos, levantavase,
o coronel, tranqüilo, fingia nada perceber.
- Senhor, meu pai, mande procurá-lo?
-
Por que tanta aflição, minha filha?
-
Ele é bom vaqueiro, serviçal...
- Anh, amanhã, antes da madrugada, Sebastião e Joaquim
vão atrás dele,
- E matutava...
Descansando, Inácio cochilava, mas não descuidava
de Rosada, amarrada em frente, o bezerrinho a mamar.
- Vem Gabriela, vou ficar rico. Vendo, ven-en-do a alma ao diabo,
ou ao capeta... ven... do...
Nem tivera tempo de arrepender-se, pois, dando gargalhadas, aproximava-se
um fantasma vestindo de presto, com rabo e chifre;
- Venho aceitar o negócio, aqui está o dinheiro.
Emoção fortíssima, medo inenarrável,
olhos arregalados, o corpo vai derreando para o lado e com um grito
que ecoou pelos campos, Inácio cai, hirto, no chão,
à sombra da protetora gameleira.
HOMENAGEM
À IRMÃ ROSITA NA CÂMARA DE
MONTES CLAROS
Zoraide Guerra David
Cadeira N. 86
Patrono: Patrício Guerra
Entre as muitas idéias que a imagem do "livro da Vida"
pode suscitar, destaca-se a do valor do campo. Todo dia é
uma página, todo minuto uma linha em nosso livro.
No reino do passado permanece o que "se passou". (...)
O futuro é para nós ainda incerto, condicional. O
presente é a possibilidade da escolha, pois viver é
selecionar, a cada momento, dentro da fartura de possibilidades,
uma única". Felizmente, escolhi estar aqui. “O
destino individual, independentemente de nossa vontade, é-nos
permitido por Deus; interpelamos sem que o chamemos.”
Devemos responder, devemos corresponder à expectativa divina,
que nos colocou diante de tal ou tal situação, seja
como somos honra em nome dos ex-alunos do Colégio Imaculada
Conceição de Montes Claros.
Assim, ficaremos em "correspondência", união
permanente com Deus, cumprindo a cada momento e em cada nova situação,
a sua santa vontade. “É assim que chegaremos à
nossa perfeição individual, e é assim que nossa
vida se torna cheia de sentido". Entendemos a incumbência
desta saudação imposta positiva à expectativa
de Deus.* O que escrevemos a cada momento, fica eternamente escrito.
Em
assim sendo, nossa alma vibra de alegria, ao saudarlhe porque registra-se
neste instante um gesto grandioso que se torna histórico,
grafando-se no livro de atas do Legislativo de Montes Claros, o
reconhecimento a Clarice Ribeiro Montes - nossa querida Irmã
Rosita, concedendo-lhe o título de Insigne Benfeitora, autoria
da vereadora Fátima Macedo, aprovado por unanimidade por
seus pares através da Resolução número
7 de 26 de fevereiro de 2008.
Irmã Rosita possui um nome ilustre, no jardim da vida, não
apenas no Colégio Imaculada Conceição de Montes
Claros, como nas ruas e ambientes outros por variados motivos marcando
presença, é rosa perfumosa!
Seu sorriso terno e espontâneo reveste-se de uma paz que se
torna ímã que nos atrai. Espírito elevado inspira-nos
a imitar sua jovialidade.
Sensibilidade é sua tônica, manifesta no gesto pelas
artes, com destaque para a música como pianista, acordando
outros para a beleza das sinfonias da vida ou ainda incensando nossas
orações de louvor na Capela do CIC avalizando o pensamento:
"Quem canta, ora duas vezes".
Hildebrando insiste em que "a vida religiosa não tem
por encargo abafar, mas desenvolver a capacidade de amar (...) Não
há limitação quanto à intensidade ou
profundidade do amor que passa sentir a Esposa de Cristo, para com
determinadas criaturas”.
Quanto à maneira deste amor, isso sim, pois ela não
pode amar senão em Cristo, com Cristo e partindo de Cristo.
O verdadeiro amor é amor/amizade. É união entre
duas personalidades. Quanto mais coisas conhecemos mais se alargam
os nossos horizontes no mundo interior. Amar significa antes de
tudo: sair do "jardim fechado" do próprio EU.
É abrir-se para encontrar porta aberta.
A porta principal é o amor.
Quem
nunca recebeu amor, não é capaz de enfrentar positivamente
a vida, isto é, de dar amor.
Esta reflexão sobre o amor, deixa translúcida a razão
desta homenagem.
Montes Claros qual imã luminoso desde o passado, atraia norte-mineiros,
baianos ou baianeiros, a ofertar-lhes futuro promissor, permitindo-lhes
usar no presente os meios que seriam alicerces confiáveis.
Os pais, sequiosos para ofertarem às suas filhas orientação
segura, seqüência do zelo da casa paterna, confiavamnas
às Irmãs do Sagrado Coração de Maria,
conhecidas por "Irmãs do Colégio Imaculada Conceição"
jornada diária, orientada em situações próprias.
Capela (silêncio, respeito, oração ou simplesmente
louvor e gratidão pela espiritualidade consciente), refeitório
(boas maneiras, importância nutritiva dos alimentos, civilidade);
pátio (importância do lazer preparava-nos para enfrentar
os desafios ensinando-nos a perder e a ganhar através das
partidas de esporte); sala de aula (responsabilidade na aprendizagem
para um amanhã digno e frutuoso); dormitório
(respeito ao repouso); passeio pelas ruas (interação
social, terapia para amainar a saudade tão grande pela falta
de meios de comunicação). Benditos portadores que
traziam as cartas!
Desta forma, essas Vestais moldavam-nos e consequentemente plantaram
em nossas mentes e corações as sementes sadias da
gratidão a Deus, à Família e à Escola
- meios eficazes para que o homem possa fazer jus à sua característica
de essencialmente um ser social.
Não se praticam deveres com tanta edificação
e constância, do que quando não se é predestinada
para eles.
No Colégio Imaculada não existiam nem pai, nem mãe,
nem irmãs biológicos, mas, aqui eles "mestres"
que deram o SIM ao chamado de Deus, com sua elegância monástica,
orientavam nos seguindo a orientação do esposo Jesus
Cristo.
"Amarás
ao teu próximo como a ti mesmo." Mt 12.31.
Após essa retrospectiva que justifica ou referenda o Legislativo
montes-clarense ao prestar esta homenagem às irmãs
do Sagrado Coração de Maria, na pessoa de Irmã
Rosita, alertamos carinho somente através desta mensagem.
"Todo o universo é o grande concerto sinfônico
em louvor ao Criador, cada homem tem sua voz neste concerto. Contribui
com uma nota singular, que só ele pode dar, e mais
ninguém (...), o lugar que eu ocupo é de constelação
única; sou pessoa humana, sou única, inconfundível,
insubstituível.
Vida tem caráter dinâmico. A graça de Deus também
é vida. A graça, esta energia divina, não exerce
coação sobre o ser humano. Solicita-o. Ele atende
às inspirações do Espírito Santo e desta
maneira realiza-se plenamente no seu potencial humano".
Que a partir desta noite memorável em que você Irmã
Rosita, recebe o título de "INSIGNE BENFEITORA",
você possa se
sentir recompensada e coroada com as rosas do nosso
amor/gratidão e dizer como São João da Cruz:
"Minha única
tarefa doravante é amar". Obrigada pela confiança
para o
desempenho desta nobre tarefa.
Montes Claros 25 de abril de 2008.
Querida
amiga Zoraide,
Suas lembranças de época do internato no Colégio
Imaculada evocadas com saudades, evidenciaram o carinho e gratidão
que enche o seu coração de poeta. Ficamos todas emocionadas
e eu revendo a baianinha graciosa que é hoje a amiga de todas
nós.
Obrigada, querida, pela homenagem que me prestou e sobretudo, pelo
afeto que ela demonstrou. Que deus a abençoe, multiplicando
seus dons, para alegria nossa, suas amigas e também os seus
familiares. Com carinho Irmã Rosita
15.05.2008
UMA
CONSTATAÇÃO: O TAIOBEIRENSE
TEM UMA INTELIGÊNCIA ACIMA DA MÉDIA
* Avay Miranda
Sócio Correspondente
Brasília/DF
No livro que escrevi sobre a Historia de Taiobeiras, cujo título
é TAIOBEIRAS, SEUS FATOS HISTÓRICOS, fiz uma constatação
de que normalmente o taiobeirense é inteligente e, mais ainda,
pessoas de boa memória, além de ser aquela cidade
dotada de mulheres bonitas.
Quando o livro circulou, este fato causou certa repercussão,
porque algumas pessoas não concordaram com aquela afirmação,
dizendo que eu queria ressaltar as qualidades de meus conterrâneos.
Abordei
na matéria que, quem nasce em Taiobeiras é bastante
inteligente, portador de prodigiosa memória e é capaz
de narrar fatos acontecidos na antigüidade. Por esta razão,
eu não tive muita dificuldade em colecionar os vários
fatos históricos narrados no livro, graças às
entrevistas que fiz com várias pessoas maiores de 70 anos
de idade, já que a história de Taiobeiras até
então era registrada apenas na memória do povo, que
vinha na tradição, passando de pai para filhos, via
oral.
Não é só na memória prodigiosa, ou nos
casos contados por seus habitantes, que eu afirmo que as pessoas
de Taiobeiras são
inteligentes, porque isto acontece com qualquer cidade do interior
do Brasil.
Taiobeiras é praticamente isolada. Não sofre influência
de Belo Horizonte, porque não recebe, com nitidez, as transmissões
de rádio da Capital Mineira. Com o advento da televisão,
as emissoras captadas por via de antena parabólica são
do Rio de Janeiro e de São Paulo. Belo Horizonte não
possui televisão que transmite via satélite. Mesmo
Montes Claros, que fica mais próximo, não exerce influência
sobre Taiobeiras. A Televisão de Montes Claros, que é
captada pelo sistema de retransmissão por sinal, muitas vezes
fica sem sua imagem entrar normalmente nos lares taiobeirenses.
Os habitantes da cidade não recebem influência quer
de Governador Valadares, Teófilo Otoni, Vitória da
Conquista, de Salvador ou de outra cidade qualquer. Tenho afirmado
que o taiobeirense possui o seu "mundinho" e sua cultura
é típica de lá mesmo, de sua tradição.
Por esta razão, não há explicação
plausível para a inteligência do taiobeirense ser acima
da média do que se verifica em outras cidades. Várias
hipóteses já foram levantadas por curiosos ou estudiosos.
Uns dizem que o grau de inteligência do taiobeirense advém
do clima frio e agradável de que dispõe a cidade.
Outros defendem a hipótese de que o fato de ter o habitante
de Taiobeiras uma inteligência acima da média normal
de outras cidades é por causa da ingestão de alta
dose do pequi e de seus derivados e de outros frutos nativos. Já
outros apresentam a explicação sobre a questão,
a fatores espirituais, ou extrasensoriais, achando que o taiobeirense
é um predestinado pela vontade de um ser superior.
O fato é que serve de admiração a inteligência
de pessoas da antiguidade, como Vitoriano Pereira Costa; Candinho
do Jacaré; João Mendes Teixeira, alguns de seus descendentes,
destacando-se os mais novos, como Trajano Americano Mendes, Amílcar,
Martinho e Teófilo (Tezinho) Mendes; Vicente Martinsde
Oliveira e seus parentes, Clemente Martins, Januário Martins,
Marcelino Martins de Oliveira; Maciel Ferreira Marques, destacando-se
alguns de seus descendentes, como Jovita Secundina Rêgo e
seus filhos Maciel e Martinho Rêgo; João Mendes Cardoso;
João e Teófilo Rêgo; Antonino de Almeida; Arquimedes
Moreira; Euclides Moreira (Marotinho); Manoel José do Nascimento
(Nenezinho); e outros.
Da mesma forma, alguns que não são descendentes das
pessoas relacionadas acima, mas, demonstraram sua inteligência
e seu modo de ver as coisas, como José Eustáquio Rocha
(Juca Rocha); Osvaldo Lucas Mendes, Joaquim Teixeira, Abel Costa
de Araújo, Clemente Costa Araújo, Geraldo Inácio
de Sena, Hermínio Miranda Costa, que descobriu sua veia poética
após os 80 anos de idade, Isalino Miranda Costa, Geraldo
Sarmento de Sena e tantos outros.
Não podendo esquecer as professoras que formaram várias
gerações, sem terem saído de Taiobeiras para
buscar lá fora a cultura e o saber, como dona Ana Rosa de
Freitas (a dona Preta) e Elizabeth Pereira de Souza (dona Betí),
que já faleceram, Anísia Matos e várias outras.
Todas estas pessoas foram retratadas no meu livro.
Das pessoas que estão vivas, existem várias, especialmente
as mais jovens e descendentes das pessoas acima relacionadas, que
estão aí a demonstrar no seu trabalho, nas suas atividades,
no seu progresso e no modo de criar sua família, o grau de
inteligência do taiobeirense.
Maciel Rêgo gostava muito de ler livros interessantes. Leu
quase todos os filósofos da antigüidade e tinha uma
cultura geral fabulosa. Os moradores de Taiobeiras não tinham
muito assunto com ele, por causa de seu elevado grau de cultura.
Ele fica à espera de um visitante ilustre para levar aqueles
longos bate-papos, uma verdadeira tertúlia literária.
Ele gostava muito de dialogar com os taiobeirenses que estudavam
fora. Por exemplo, todas as vezes que eu ia passar minhas férias
em Taiobeiras, era convidado por Maciel Rêgo para longos diálogos
e troca de idéias sobre
filosofia, literatura, religião, moral e política.
Manoel José do Nascimento, o "Nenezinho", era muito
comunicativo, filho do professor Francisco Costa (Professor Chiquinho
Costa). Maciel Rêgo passou a bater papo com ele e tocava naqueles
assuntos profundos, como filosofia e história antiga e Nenezinho
ficava sem jeito de manter o diálogo à altura, esperado
de um filho de um professor daquela época.
Ele ficava encabulado com a cultura geral de seu interlocutor e
se achava inferiorizado perante aquele homem. Num determinado dia,
ele deixou a vergonha de lado e disse: "seu Maciel, o senhor
não saiu daqui para estudar lá fora, onde aprendeu
tanta coisa?" Ele respondeu: "Nos livros, meu filho, nos
livros". Aí Nenezinho disse, "então me empresta
alguns destes livros para eu ter condições de dialogar
com o senhor".
Os livros foram emprestados e Nenezinho, que tinha inteligência
e memória prodigiosa, passou a ser uma das pessoas cultas
de Taiobeiras e batia papo em alto nível com Maciel Rêgo,
tornando-se um interlocutor à altura da cultura daquele taiobeirense.
Para escrever o livro, Nenezinho foi uma das pessoas entrevistadas
por mim, meses antes de sua sentida morte, quando ele narrou este
episódio.
Além de ter inteligências, Taiobeiras é pródiga
em pessoas bonitas, especialmente as mulheres. No passado tivemos
muitas mulheres bonitas. Menas Rêgo, filha de Jovita Rêgo
era uma delas, moça bonita e inteligente. Maria e Nininha,
filhas de Antonina Rêgo, muito bonitas. As filhas de João
Rêgo, como Laury, Janete e Olímpia. As filhas de Maciel,
especialmente a Bérites e Eusa, que são muito bonitas.
As filhas de Cândido Pinheiro de Azevedo, Marinólia
(Doninha) e Jandira (dona Sinhá), para ficar apenas nestas.
Depois da edição do livro, o progresso tecnológico
chegou a Taiobeiras, com a integração da cidade a
Minas, ao Brasil e ao mundo, por intermédio da televisão,
em rede nacional, do telefone interurbano e da Internet. Mas, a
constatação perdura o
Taiobeirense, geralmente, possui uma inteligência acima do
normal. Embora com a globalização dos fatos, ele continua
no seu "mundinho", conservando as suas características
e preservando a sua cultura.
Tivemos no passado e temos no presente, muitas provas de pessoas
que foram vencedoras em diversas atividades da vida cotidiana, quer
econômica, profissional ou intelectual.
É comum os estudantes saírem do segundo grau, feito
em Taiobeiras, enfrentar um vestibular e ser classificados nos melhores
lugares, muitas vezes sem freqüentar os famosos cursinhos.
Com a instalação de cursos superiores na cidade e
com a saída dos jovens taiobeirenses para estudarem em outras
cidades, esta constatação ficou mais patente, com
a quantidade de pessoas que se dispõem a freqüentar
aqueles cursos, concluindo-os com eficiência, brilhantismo
e ótimo aproveitamento.
Assim, reafirmo que o taiobeirense é possuidor de uma inteligência
acima da média normal de outras cidades.
*Avay
Miranda é taiobeirense, Juiz aposentado e sócio
correspondente do IHGMC.
HISTÓRIA
DA DROGARIA MINAS-BRASIL
Tudo começou pelas mãos firmes e empreendedoras de
um homem desbravador, Ivan de Souza Guedes, natural de Bocaiúva
/MG, com 5 anos de idade mudou-se de Bocaiúva com o pai,
a mãe e 7 irmãs para Jequitaí em um caminhão
pau de arara. Alguns anos depois, em um carro de boi, pois ainda
não existia estrada, mudou-se para Coração
de Jesus juntamente com a família, agora com 10 irmãos.
Conhecidos por sua integridade e visão, os seus pais decidiram
mudar-se com os filhos para Montes Claros, para que tivessem um
futuro melhor. Assim, Ivan chegou à cidade em 1950, de caminhão
com toda a sua família, aos 12 anos de idade, e, desde muito
cedo, teve de trabalhar para ajudar o pai, o alfaiate autoditada
Nino de Souza Guedes. O seu primeiro emprego foi na Farmácia
São José, do Sr. José Dias de Sá (Juca
de Chichico), então localizada na Rua Doutor Santos, número
50, onde funciona hoje a matriz do grupo Minas-Brasil.
Como funcionário da farmácia, trabalhava durante todo
o dia e, no horário de almoço, bem como depois do
expediente, saía na sua bicicleta para aplicar injeções
em domicílio, aumentando,
assim, o seu modesto orçamento. Todos os anos de estudos
foram feitos à noite. Depois de oito anos trabalhando na
Farmácia São José, Ivan abriu o seu próprio
negócio, estimulado pelo grande amigo Samuel Lessa, que lhe
ofereceu gratuitamente 2 um ponto comercial de 40m , na Rua São
Francisco, nº 437, por dois anos. Raulemar Couto, amigo e colega
do Curso técnico de Contabilidade, entrou com ele nessa sociedade.
Assim, em 6 de maio de 1958, nascia a Drogaria Minas-Brasil, no
coração da cidade de Montes Claros com apenas dois
colaboradores. Após 2 anos, muito agradecido, Ivan entrega
o ponto comercial da Rua São Francisco a Samuel Lessa que
já estava preparando o ponto para sua filha Eulina Lessa,
que havia terminado o Curso de Farmácia , no Rio de Janeiro.
Raulemar e Ivan alugam um ponto comercial na Rua Dr. Santos, 14
(atualmente Copasa). Alguns anos depois é desfeita a sociedade
com Raulemar, ficando apenas Ivan.
Seu ex-patrão e amigo, Juca de Chichico, ofereceu-lhe o ponto
comercial onde ele iniciara a sua profissão. Era enfrentar
com coragem mais um grande desafio, comprar o ponto comercial onde
tantas vezes limpara o chão onde comprava e vendia, conquistando
com o seu carisma a freguesia.
A Drogaria Minas-Brasil, fruto do sonho de um homem de fé,
visão de futuro e acima de tudo trabalhador, foi a primeira
farmácia a usar o serviço de entrega domiciliar desde
a inauguração ele mesmo como um dos entregadores.
Em 1962, Ivan casou-se com Maria das Mercês Paixão
Guedes, que até hoje, é a administradora do setor
financeiro. Era o início de uma história de sucesso...
A TRAJETÓRIA
Acompanhando o desenvolvimento da cidade de Montes Claros, com muita
persistência, competência e ética, a Drogaria
Minas-Brasil foi gradativamente se expandindo, subindo degrau por
degrau a árdua escalada rumo ao sucesso, superando
passo a passo as dificuldades e obstáculos que surgiam, sempre
com muito esforço, seriedade e respeito aos seus clientes.
TRABALHOS SOCIAIS
Todo início de ano são distribuídos pelo Sr.
Ivan de
Souza Guedes, mais de 200 caixas de engraxate para crianças
de
rua, dando a elas a oportunidade de cidadania e inclusão
social.
Foi feita a doação do terreno onde foi construído
o prédio do Pronto Atendimento do Hospital Universitário
e também a doação de um terreno na Vila Oliveira
para o Projeto Casa Própria, onde foram construídas
18 casas populares. São realizadas também, inúmeras
doações a creches, escolas públicas e pastorais
além de campanhas que fazem parte do calendário anual
da Drogaria Minas – Brasil. São elas:
a. Campanha do agasalho.
b. Campanha Contra a fome.
c. Campanha de combate à hipertensão.
d. Campanha de arrecadação de brinquedos no Natal.
e. Copa Minas Brasil de Futebol Infanto Juvenil, que já está
na sua 11ª edição e reúne atletas com
idades entre 12 e 16 anos de idade, devidamente matriculados em
uma rede de ensino. Mais de 50 atletas estão nas categorias
de base e profissionais nas principais equipes do futebol brasileiro
e no exterior.
f.. Campanha "Seu Filho na Escola" 1ª a 8ª série
– com objetivo de incentivar o estudo dos filhos dos seus
colaboradores, distribui anualmente "Kit Escolar" para
os que alcançarem média superior a 80. Nessa mesma
campanha é realizada uma redação para todos
os filhos de colaboradores, sendo as duas melhores redações
premiadas com uma bicicleta.
a. distribuição de Kits Escolares aos filhos dos colaboradores
que alcançam média anual igual ou superior a 80.
b.
Corrida 10KM.
Em 2005, foi fundado o Instituto Ivan Guedes, idealizado por Sr.
Ivan de Souza Guedes, que percebeu ao longo de sua vivência
como empresário e balconista da Drogaria Minas Brasil, a
quantidade crescente de pessoas carentes que o procuravam no balcão
da farmácia, solicitando auxílio para aquisição
de medicamentos dos mais variados possíveis. Sensibilizado
com o infortúnio dessas pessoas, criou o Instituto Ivan Guedes,
que atende por mês uma média de 150 pessoas carentes
de Montes Claros e região, portadoras de câncer.
MINAS BRASIL HOJE
Atualmente a rede de Drogarias Minas-Brasil tem 13 lojas na cidade
de Montes Claros e 1 Centro de Distribuição Interna
devendo chegar a 15 lojas até o final de 2008. É primeiro
lugar nas pesquisas quanto à preferência pública
e reconhecidamente o grupo empresarial que mais gera empregos no
comércio de Montes Claros. São mais de 560 colaboradores
e a empresa é optante pelo regime de tributação
Lucro Real.
A Drogaria Minas-Brasil é o maior contribuinte do comércio
varejista de Montes Claros, cumprindo assim, sua responsabilidade
social junto à comunidade e seus compromissos legais e tributários.
Atribuímos o sucesso desta expansão aos clientes e
toda a equipe de colaboradores que contribuíram para a realização
destes importantes 50 anos de história.
MATRIZ (24 horas) - R. Dr. Santos, 50 - Centro.
ÍNDICE
Diretoria do Instituto Histórico e Geográfico de Montes
Claros - 03
Lista de sócios efetivos do IHGMC- 05
Sócios correspondentes do IHGMC - 07
Notas dos coordenadores da edição - 07
Homenagens - 08
Apresentação da Revista - 09
Antônio Augusto Velloso
- Colonização da Jaíba - 11
Amelina Chaves
- As lendas de Itacambira - 23
Antônio Augusto Pereira Moura
- Montes Claros sob os olhos da arquitetura - Inserção
da obra de
Antônio Augusto Barbosa Moura - 27
Dário Teixeira Cotrim
- Padre Adherbal Murta de Almeida - 39
Felicidade Patrocínio
- Restauração da arte de Godofredo Guedes no ano do
seu
centenário - 42
Filomena Luciene Cordeiro
Tratamento documental da imprensa Norte- mineira: um resgate da
história e da Memória Regional - relato de experiência
inclusiva - 51
Geralda Magela de Sena Almeida e Sousa
- O escritório do meu pai - 65
Gy Reis Gomes Brito
- “Bons velhos tempos” da cidade de Montes Claros -
75
Haroldo Lívio
- O milagre do ouro branco - 95
Itamaury Teles
- Dona Tiburtina: Mulher de fibra, sim senhor! - 99
João Carlos Sobreira
- Hotel São Luiz - O Cristo de Godofredo - 105
Juvenal Caldeira Durães
- Um breve histórico do ensino de Montes Claros
a partir de 1955 - 109
Karla Celene Campos
- Sobrados e Sertões - Memorialismo, regionalismo e nostalgia
na
obra de João Valle Maurício - 120
- Gente de Minas - O caso do burrinho da Prefeitura - 126
Lázaro
Francisco Sena
- “Montes Claros”, uma hipótese - 131
Luiz de Paula Ferreira
- Luíza Burra - 137
Maria Clara Lage Vieira
- Bocaiúva, gosto mesmo é de você - 143
Maria da Glória Caxito Mameluque
- Dr. Georgino Jorge de Souza, meu mestre, meu patrono - 151
Maria das Mêrces Paixão Guedes
- Paixão por Deus - 157
Maria de Lourdes Chaves
- José Gonçalves de Ulhôa - 161
Maria Inês Silveira Carlos
- Francisco Sá - 165
Maria Luiza Silveira Telles
- O velho Instituto - 171
Miriam Carvalho
- Romance das idéias - 174
Palmyra Santos Oliveira
- José Gonçalves de Oliveira: um líder, um
lutador - 187
Petrônio Braz
- A conjuração do São Francisco - 193
- Tradição e Cultura - 197
Roberto Carlos Morais Santiago
- O lendário Anísio Santiago - 200
Roberto Pinto da Fonseca
- 1968 - O ano que mudou nossas vidas - 212
Ruth Tupinambá Graça
- A réplica do Mercado Municípal - 225
Wanderlino Arruda
- Exposição do pintor Samuel de Souza Figueira - 231
Yvonne de Oliveira Silveira
- No tempo dos coronéis - 237
Zoraide Guerra David
- Homenagem à Irmã Rosita na Câmara de Montes
Claros - 241
Avay Miranda
- Uma constatação: O taiobeirense tem uma inteligência
acima da média - 245
História da Drogaria Minas-Brasil - 250
Impresso
na oficina da
GRÁFICA EDITORA MILLENNIUM LTDA.
Rua Pires e Albuquerque, 173 - Centro
39.400-057 - Montes Claros - MG
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Telfax: (38) 3221-6790
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e Geográfico de Montes Claros,
Praça Dr. Chaves, 32
E-mail: ihgmc@gmail.com - Site: www.ihgmc.art.br
39400-005 – Montes Claros – Minas Gerais
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