Lázaro
Francisco Sena
Cadeira N. 55
Patrono: João Luiz de Almeida
APRESENTAÇÃO
Como
acontece ao final de cada semestre do ano civil, estamos publicando
mais uma Revista do Instituto, a 18ª em sua série,
iniciada logo após a fundação do IHGMC,
em 27 de dezembro de 2006.
Já na capa e orelhas desta edição, duas
visualizações importantes:
uma, a imagem da nova sede do Instituto, agora ocupando parte
do “Sobrado de Dulce Sarmento”, hoje de propriedade
da Prefeitura Municipal, com espaço cedido através
da Secretaria de Cultura; a outra, uma galeria de fotos dos
associados efetivos já falecidos, como forma singela,
porém sincera, de relembrar e homenagear aqueles que
já estiveram ao nosso lado, buscando atingir os objetivos
da instituição.
Conforme já temos afirmado em outras oportunidades,
a Revista do Instituto é o mais importante canal de
difusão das matérias produzidas pelos associados,
buscando principalmente resgatar e consolidar a memória
histórica de Montes Claros e região Norte de
Minas. O mais importante, para nós, é a diversidade
de perspectivas do passado, considerando o grande número
de companheiros que participam das publicações.
Na presente edição, foi aberto espaço
para três convidados que, mesmo não sendo associados
efetivos, produziram matéria de forte apelo regional:
o correspondente Honorato Ribeiro dos Santos, de Carinhanha-Ba,
que escreveu sobre “A Morte do Velho Chico”, Maria
das Graças Patrocínio Oliveira que escreveu
o texto “Ela nasceu para brilhar” e o cidadão
José Prates, de Montes Claros, hoje residindo no Rio
de Janeiro, que discorreu sobre a origem do Café Galo,
tradicional ponto de encontro de montes-clarenses aqui radicados
e referência para os visitantes de nossa cidade. Quanto
aos demais artigos, difícil é não recomendar
a leitura de algum deles, cujos autores já são
consagrados aqui e alhures, pela segurança e clarividência
com que discorrem sobre os assuntos abordados. A surpresa
agradável é o surgimento de novos escritores,
como os confrades Yúry Tupinambá de Lélis
e Daniel Oliva de Lélis, que relataram a incrível
saga do Capitão Camilo Cândido de Lélis,
certamente um bravo e nobre antepassado de sua família.
É preciso ler, para conhecer. Façam, portanto,
uma boa e proveitosa leitura.
Clarice
Sarmento
Cadeira N. 31
Patrono: Dulce Sarmento
Tradição
e modernidade
nas Festas de Agosto de
Montes Claros
As
festas religiosas apresentam um aspecto mais ou menos uniforme
em todo o país. É a maior expressão do
catolicismo popular e se caracterizam pela homenagem a um santo
padroeiro ou da devoção da comunidade; novena,
barraquinhas leilões, procissões e finca do mastro
com bandeira trazendo a estampa do santo. Em algumas comunidades,
até a derrubada e carregamento do pau do mastro são
acompanhados de devotos que cantam louvores e dão vivas
ao santo.
Das
Festas de Agosto em Montes Claros, fazem parte atualmente a
festa de N. Senhora do Rosário, S. Benedito e do Divino
Espírito Santo. São agrupadas em três dias
seguidos (17-18-19) do mês de agosto, com ligeira variação
para que a última etapa, a procissão do Divino,
seja realizada no domingo, após as três festas.
Mas nem sempre foram desta maneira. Segundo meu pai, Adail Sarmento,
que aqui viveu no sec. passado (08/1901 a 12/1988), a primeira
festa era da padroeira N. Senhora da Conceição,
realizada na Igreja Matriz. Em seguida, a festa de N. Senhora
e S. Benedito,acontecia na igrejinha do Rosário. A do
Divino era novamente realizada na Matriz e, até pouco
tempo, por volta do ano 2000, era mantida neste local. Hoje,
as festas não são mais precedidas de novena, barraquinhas
e leilões e tem seu ponto alto no desfile dos cortejos
de Reinados e Império com sua corte de princesas, damas
e pajens em desfile diurno, acompanhados dos ternos de catopés,
Marujos e Caboclinhos com seus cantos, instrumentos e danças.
Na noite anterior há também um cortejo, que acompanha
a bandeira e os mordomos até a igreja para finca do mastro,
com foguetório e vivas.
Catopês-Sua
origem remonta ao Sec. XVlll, das festas de Chico Rei em Vila
Rica, organizadas pelas irmandades, com seus Congados e danças
de origem africanos.
Marujos-
De origem portuguesa, fazem referências às aventuras
náuticas da epopeia da Nau Catarineta. Ritmos de fandango,
com pandeiros e rebeca.
Caboclinhos-
Os bailados indígenas que, muitas vezes, eram apresentados
nos festejos religiosos pelos jesuítas com fins de catequese,
passaram a integrar as festas religiosas.
Na manhã da festa, os ternos vão até a
casa do festeiro do dia que, como os mordomos do mastro, foi
escolhido por sorteio realizado no ano anterior entre os que
se candidataram. Os festeiros são os pais das crianças
que se apresentam como reis, rainhas , Imperador e Imperatriz.
O reinado e o império desfilam sob um pálio, precedido
por grande quantidade de príncipes e princesas que representam
a corte. O pálio pode vir, ou não, dentro de um
quadro de varas enfeitadas carregadas por pajens ou damas de
honra. Os trajes ostentam as cores dos santos: azul e branco
para N. Senhora do Rosário, rosa para S. Benedito e vermelho
para o Divino E. Santo.
Saindo da casa do festeiro ou outro lugar mais central (atualmente
optaram pela praça em frente ao Automóvel Clube),
o cortejo desfila pelas ruas centrais com destino a igreja do
Rosário, reconstruída em forma de uma barca, como
a “barca nova” da marujada - Os marujos se deslocavam,
em tempos passados, dentro de uma armação retangular
de pano branco, sem fundo ou teto e , dentro deste quadro, dançavam
até a igreja.
Desde 23 de maio de 1839, quando Marcelino Alves pediu licença
à Câmara Municipal para recolher esmolas para realizar
estes festejos pela primeira vez (Hermes de Paula), muitas mudanças
ocorreram, quer nos trajes, nos cantos e coreografia - O Folclore
é dinâmico, sofre influências, se moderniza
e se modifica, nem sempre por iniciativa do grupo e vai se adaptando
a circunstâncias mais favoráveis e assim criando
uma nova realidade.
Vejamos algumas destas modificações:
- A banda de música, que outrora só acompanhava
o Império do Divino com dobrados ( havia até um
dobrado específico para tal ocasião, segundo o
músico clarinetista da Euterpe Adail Sarmento), hoje
acompanha todos os cortejos e toca todo tipo de música
popular e popularesca.
- Os Marujos –Hoje só um grupo preservou os tradicionais
uniformes azuis e vermelhos de cetim e os lindos chapéus
enfeitados de aljôfares e espelhos. Mas as máscaras
de tela de arame pintadas há muito desapareceram. Recentemente,
o grupo de Miguel Marujo apareceu vestido de roupa branca e
casquete com âncora bordada, provavelmente influenciado
por grupos de outras cidades que aqui se apresentaram no festival
folclórico.
-
Os caboclinhos- Homens e meninos, numa profusão de penas,
pernas e saiotes enfeitados, dorso nu pintado de vermelho e
preto, eram lindos com seus passinhos miúdos de dança
ao ritmo das batidas das flechas. A imponência dos capacetes
de penas rivalizar-se-ia hoje com os maravilhosos capacetes
de pena de pavão do terno de catopês de Mestre
Zanza. Onde a altivez e elegância da caboclada de Leonel
Beirão ou do grupo de seu Carrim
da rua Melo Viana? Pena que até com camisas de malha
vermelha estampadas com propaganda já se apresentaram.
Não foi uma boa modernização!
Os Catopês. No passado usavam ternos brancos de brim,
os mesmos instrumentos de hoje. Dançavam de pés
descalços e os capacetes eram bem mais simples. Estes
sim, sob a tutela de Zanza, estão bem mais apoteóticos
(tirando a invenção das camisas de lamê
dourado, prateado e outros brilhos de influência carnavalesca).
Devo, entretanto, registrar algumas críticas não
só minhas, mas de muitos que, como eu, são montes-clarenses
que amam sua terra:
Torna-se necessária a revitalização dos
cantos. Não se justifica um grupo cantar repertório
do outro, apresentando números que não fazem parte
de seu cancioneiro. Dr. Hermes deixou, em partituras, o registro
destes cantos especificando cada repertório. Os mais
velhos deveriam recordá-los e ensiná-los aos mais
jovens.
A cada ano os participantes se tornam mais numerosos, os trajes
mais ricos e adornados. Mas não se justifica que o orgulho
dos pais em exibir seus parentes os façam intrometer-se
dentro do cortejo. Por que não se postam discretamente
ao lado, acompanhando seus filhos? Se querem tanto fazer parte
e desfilar, por que não se vestem também “a
caráter”? Afinal, nas cortes tem rainha- mãe,
tias e avós, pajens e cavalheiros da nobreza. Uma corte
completa não faria mal ao desfile. Fica a sugestão....
Outra coisa triste é o emporcalhamento das ruas: copos
descartáveis, papéis diversos, garrafas pet. Nós,
brasileiros e, principalmente nós, montes-clarenses,
possuímos dois grandes defeitos: um deles é a
falta de cuidado com as vias e logradores públicos; o
outro é o completo desprezo pelos horários. Senão
vejamos: O horário do início do desfile é
10h da manhã. Ao meio dia, sol “de rachar”,
a banda ( que tem disciplina e respeita horários) as
criancinhas e pais cansados, com fome e sede, esperam de pé,
pelo rei, rainha ou até por um dos ternos que ainda não
chegou...
Vamos
tentar ser pontual, gente! Afinal esta festa é a coisa
mais
bonita que acontece em nossa cidade e os que fazem parte dela
só
merecem ser incentivados, elogiados e aplaudidos. Estejamos
todos
lá, prestigiando orgulhosos o nosso folclore e nossa
querida terra!
__________________________________________________
Atualmente
o brilho destas festas atesta o aumento da vitalidade e grandiosidade
que adquirem a cada ano. Já se vai longe o tempo em que
ficaram esquecidas e, não fora a interferência
e incentivo de Hermes de Paula por ocasião das festas
do centenário da cidade, teriam o mesmo fim que as cavalhadas
e o Bumba-meu-boi de outrora.
Dário
Teixeira Cotrim
Cadeira N. 93
Patrono: Simeão Ribeiro Pires
FREI
CLEMENTE DE ADORNO
1
- O MISSIONÁRIO DE DEUS
No estirão da estrada de Rio Pardo de Minas até
a estância hidromineral de Água Quente, ou Montezuma,
logo depois de receber, pelo lado esquerdo, a estrada que vem
da aconchegante cidade de Santo Antônio do Retiro, encontramos
o povoado de São Bartolomeu.
Todavia, já nessa época do atentado contra o frei
Clemente, fato que tanto enegreceu as páginas de nossa
história, somente existia o sítio São Bartolomeu,
pois o povoado só veio despontar muito tempo depois.
Hoje este povoado já conta com dezenas de casas, uma
escola, um posto telefônico e comércio em franco
desenvolvimento. Na pequena ermida existente ali encontramos
um crucifixo deixado pelo frei Clemente, quando do acontecimento
funesto da sua última pregação na vila
da Boa Vista do Tremedal. Infelizmente, por assim desconhecer
o valor histórico daquele crucifixo, alguém, inadvertidamente,
deixou que ele fosse pintado com tinta óleo, descaracterizando-o
por completo. Entretanto não se pode deixar de reconhecer
a existência de determinado apreço que os moradores
têm pela sua história tão comovente e bonita.
Como já afirmamos acima, a última missa celebrada
pelo frei Clemente de Adorno ocorreu na vila de Boa Vista do
Tremedal (hoje
a cidade de Monte Azul), terra de dona Maria Rosária.
E quem foi frei Clemente de Adorno?
Ele foi um fervoroso missionário, mais do que isso, um
apóstolo de Deus!
Frei Clemente veio para o Brasil através da Sagrada Congregação
de Propaganda da Fé, procedente da Província de
Piemonte, na Itália e aqui se aportou em novembro de
1778. Quando pisou nas areias praianas da cidade de São
Salvador, com ele, outros companheiros que, também, desarrumaram
os seus farnéis contendo muitas esperanças e muita
fé. Os objetivos deles eram catequizar os índios
e realizar as santas missões nas aldeias e vilas. Em
todos os recônditos sertões, ignotos e bravios
deste imenso e querido Brasil, encontramos os bons frutos dos
capuchinhos. A estas obras de caridade, zelo e pregação
dos missionários nas vilas e fazendas de gado, na maior
parte delas foram deixadas para os de hoje alguns manuscritos
históricos, lendas e lições de fé.
Primeiramente, ocupou-se das missões no Norte de Minas,
com extensão a várias outras localidades da província
baiana. De modo muito especial, preocupou-se com a catequese
dos índios residentes na redução de Pacatuba,
uma pequena aldeia da província sergipana, e depois com
os índios das margens do alto Rio Pardo. Era esta região
do alto Rio Pardo, parte sul da província baiana.
“Os índios compreendiam cabalmente a diferença
de tratamento e sabiam distinguir entre a violência
e o bem fazer. Porque os homens, até quando são
índios, respondem à violência geralmente
com a violência e o bem fazer com a gratidão
à colaboração fica lançado à
ponte. Na sua rudeza, os índios acharam a frase gráfica
do seu próprio sentimento. Quando falavam dos Portugueses,
chamavam-lhes homens; quando falavam dos Missionários,
homens bons”.
Foi o homem bom, frei Clemente de Adorno, durante treze anos,
presença constante na paroquia de Nossa Senhora da Conceição,
do arraial de Rio Pardo, isso desde quando aqui esteve pela
primeira
vez em 1793.
Eleito o décimo quarto prefeito da Missão Capuchinho
do Hospício (convento) de Nossa Senhora da Piedade de
Salvador/ Bahia, para o período de 1795 a 1802, não
concluiu o período. Frei Clemente de Adorno renunciou
ao posto em 1799 e voltou para os seus índios do alto
Rio Pardo, pregando no arraial do mesmo nome, desta vez, a Missão
de 1803. Naquela época era vigário da Paróquia
de Nossa Senhora da Conceição, o ínclito
padre Manuel Pereira Ribeiro no período de 1791/1808,
de nacionalidade portuguesa, e muito amigo do frei capuchinho.
Apesar da dedicação à catequese e do apego
à causa indígena do Alto Rio Pardo, Frei Clemente
de Adorno ainda encontrou tempo para missionar numa grande parte
do Norte de Minas e Bahia. Em Minas Gerais, deixou-nos lembranças
de sua missão em Barra do Guaicuí, Vila de Porteiras,
Vila do Porto do Salgado (Januária) vila do Fanado (Minas
Novas), sítio da Boa Vista do Tremedal (Monte Azul),
vila dos Morrinhos (Mathias Cardoso).
Na Bahia, passou frei Clemente pelas vilas da Barra do Rio Carinhanha
(Carinhanha), de Malhada do Porto da Santa Cruz, quilombo do
Parateca, fazenda Santo Antônio do Urubu de Cima (Paratinga),
povoado do Bom Jesus da Lapa, vila do Príncipe e Santana
de Caetité, arraial do Santo Antônio da Barra (Condeúba),
fazenda Brejo Seco ou vila do Bom Jesus dos Meiras (Brumado)
e a vila de Nossa Senhora da Boa Viagem das Almas (Jacaraci).
Sobre
a sua passagem por Bom Jesus da Lapa, diz a Lenda da Serpente
“que um grande missionário, Frei Clemente, que
pregou na Lapa como também na Barra e outros lugares
do Rio São Francisco, no fim do século dezoito,
aconselhou que todos rezassem o oficio de Nossa Senhora porque
cada vez cairia uma pena da serpente e, caídas todos,
não mais poderia voar e morreria”. O belicoso frei
não só gostava de dar conselho como também
de rogar praga em situações delicadas.
Certa ocasião, em visita às recolhidas da casa
de oração do Vale das Lágrimas, a umas
quatro léguas ao nordeste de Minas Novas, em decorrência
da miséria que elas viviam, frei Clemente promoveu a
sua transferência para a Santa Cruz da Chapada, onde lhes
construíram, às pressas, um belíssimo convento.
“Todo o seu cuidado é encaminhar almas ao céu
não só na cidade, mas nos sertões, onde
tem a seu cargo muitas missões nas aldeias dos gentios,
constantes nos sagrados ritos e preceitos da Santa Igreja Católica”.
2 – NA TERRA DE MARIA ROSÁRIA
Quem era essa Maria Rosária da Rocha Pereira?
Era a baiana Maria Rosária a proprietária do Sítio
da Boa Vista do Tremedal, onde é hoje a cidade de Monte
Azul.
Por certo uma infeliz, a quem, como se provou mais tarde pelo
exame de consciência do povo sertanejo, a alienação
mental acendera a cobiça e a vingança mortal contra
o piedoso missionário da Deus.
Diz-se, se ainda a proprietária do Sítio da Boa
Vista do Tremedal e uma aparentada do Padre Francisco Pereira
de Barros, o legendário “Pereirinha”, fundador
da Vila de Nossa Senhora Mãe de Deus e dos Homens de
Montes Alto, no estado da Bahia.
A mulata Maria Rosária da Rocha Pereira era procedente
do Boqueirão das Parreiras (atual cidade de Sebastião
Laranjeiras / Bahia) Na colocação do historiador
Simeão Ribeiro Pires, ela era uma negra de maus costumes
e de gênio muito forte, vivia amancebada com o português
Pompéu e gozava de grande influência nos meios
políticos, não só no Norte de Minas como
também na cidade de São Salvador / Bahia.
"Aconteceu que essa mulher pretendeu um dia batizar
uma criança. O encarregado dos serviços em
toda aquela vasta região era frei Clemente de Adorno,
santo homem que exercia com zelo fora do comum aquele mister.
Não consentiu que se fizesse o batizado. E mais,
do alto do púlpito, num domingo, na hora da missa,
verberou o procedimento daquela mulher que vivia em constante
pecado mortal, para escândalo daquela gente boa do
sertão"
”
Já muito velho e cansado das fadigas apostólicas,
na Missão de 1806, que ocorreu no Sítio da Boa
Vista do Tremedal (hoje a cidade
de Montes Azul), no então arraial pertencente ao município
de Rio Pardo (de Minas), frei Clemente de Adorno censurou severamente
Maria Rosária "dos torpes e maus costumes da
época e notavelmente da terra devassa que desbravava,
semeando nela a palavra divina"”.
Ora, com certo desdém na fala eloquente e estigmatizada
do missionário, palavras estas dirigidas diretamente
à sua pessoa, a cuja cabeça assentou-lhes tantas
e tantas carapuças, Maria Rosária ficou ressentida,
profundamente, dos salutares conselhos do frade.
"Acabada a missão [no sítio da Boa Vista
do Tremedal, atual cidade de Monte Azul], o monge formosíssimo,
encaminhou-se para o arraial de Rio Pardo, acompanhado de
dezenas de pessoas solícitas, que não cansavam
de lhe ouvir a palavra de Deus, entre as quais dono Maria
Rosária...”"
3 – A MORTE DO FREI CLEMENTE
Quando ele dizia mais uma missa, lhe envenenaram o sagrado vinho.
A
perversa Maria Rosária, para vingar-se terrível
e impenetravelmente do missionário que a magoara tão
profundamente no amor próprio, determinou que um de seus
escravos lhe envenenasse o vinha da Santa Missa. Assim, sendo,
ainda no Sítio da Boa Vista do Tremedal, onde a caravana
já tinha pernoitado e se preparava para seguir viagem
com destino a Rio Pardo (de Minas), no raiar daquele infausto
dia, frei Clemente de Adorno teve que dizer missa, assim como
fazia de costume...
“
...e levando o cálice consagrado aos lábios,
percebeu que o seu conteúdo estava envenenado, avisou
ao povo que ia morrer...” e bebeu. “Morro envenenado,
mas guardem as minhas palavras: um dia verá em que
Tremedal será varrido por hórrida tempestade
e transformar-se-á numa imensa lagoa e nada ficará
de pé, nem mesmo esta Igreja.
Outras
pessoas que estavam presentes no local chegaram a afirmar que
no esto da mais incedida comoção religiosa, o
valoroso frei Clemente de Adorno, soberbo e extraordinário,
verberou...
...vou
morrer! Mas, ai do vil envenenador e da terra que habita...
Encerrada
a sua missão no Sítio Boa Vista do Tremedal, era
hora de seguir viagem. Depois de cinco dias de longa caminhada
pelo cerrado, o moribundo frei ainda alimentava o desejo de
dizer missa
no sítio São Bartolomeu.
A
princípio, os fiéis quiseram transportar o frei,
enfermo, para o arraial de Rio Pardo (de Minas). Mas, chegando
ao sítio São Bartolomeu agravou-se muito o seu
estado de saúde. Era necessária uma parada naquela
localidade para que o enfermo recuperasse as suas forças.
Neste mesmo dia, frei Clemente tendo a consciência de
que sua vida escaparia, doou para o oratório daquele
casarão o crucifixo do Senhor do Bonfim.
E,
na noite daquele mesmo dia, o bondoso frei Clemente adormeceu
para nunca mais despertar.
Na
manhã seguinte, a multidão lacrimosa, em repetitivos
ladários, transportou o corpo do Frei numa rede até
o arraial do Rio Pardo (de Minas), onde seria sepultado no interior
da Igreja Matriz de Nossa Senhora da Conceição.
No
ano de 1923, o insigne padre Horácio Giraldi mandou colocar
uma pedra onde o egrégio Frei Clemente de Adorno fora
sepultado.
Desapareceu
frei Clemente de Adorno. Não desapareceu, porém,
a sua memória. Porque, além da sua função
especifica de catequizar os índios foi também
conselheiro e amigo de todos. Um homem santo. Quanto de lutas,
de todo o gênero, teve de experimentar para conseguir
o seu intento, só Deus é testemunha.
Para
melhor ilustrar e também enriquecer este nosso trabalho,
transcrevemos para cá, na integra, o admirável
registro que o Dr. Tranquilino Leovigildo Torres produziu sobre
a origem da apostolar figura do ínclito frei Clemente
de Adorno. Vejamos:
Em
1806 missionou, o Reverendo capuchinho Frei Clemente... cujo
sobrenome ficou ignorado. Faleceu na cidade de Rio Pardo, Minas
Gerais, onde foi sepultado, havendo ainda hoje grande devoção
e romaria à sua sepultura pela sua grande piedade. Nessa
missão de 1806, plantou ele o cruzeiro em frente à
Igreja, o qual na tarde de 15 de novembro de 1876 foi derrubado
por um tufão. Apesar de ignorar hoje a população
o sobrenome desse monge, completo fanatismo existiu pela sua
memória e alguns objetos de seu domínio. O catre
em que morreu, do mesmo modo que o cruzeiro que caiu com o tufão
em 1876, foi desfeito aos pedaços como Santo Lenho e
são conservados como preciosas relíquias”
(Memória Descritiva do Município de Condeúba
– Tranquilino Leovigildo Torres – página
64. 1924).
Tratando-se
dos nomes próprios dos padres e dos missionários,
algumas ordens religiosas acrescentavam-lhes o topônimo
do lugar de onde eles teriam vindo. Adorno, porém, é
o nome de uma ilustre família plebeia de Gênova,
na Itália, não sendo, portanto, nome de lugar.
Não
é possível dizer tudo a respeito desse santo homem
por falta de outros documentos. Os livros pesquisados, depois
de dissecadas
todas as informações neles contidas, resumiu-se
nesta pequena coleta que indicamos às escolas. Nossa
intenção, do ponto de vista didático, é
levar para os alunos, à luz do conhecimento, a emocionante
história do frei Clemente, com isso, não deixar
que o tempo apague da nossa memória a grande obra religiosa
realizada por ele. Será ainda modesta a nossa contribuição
histórica neste capítulo. Que é a de colocar
a história do frei Clemente de Adorno ao alcance de todos
os que venham a se interessar por ela.
Jazigo
do Frei Clemente na Igreja de Nossa Senhora da Conceição,
em Rio Pardo de Minas
Igreja
de Nossa Senhora da Conceição de Rio Pardo de
Minas, onde está sepultado o Frei Clemente de Adorno
Dóris
Araújo
Cadeira N. 5
Patrono: Antônio Ferreira de Oliveira
Ao
Poeta Prejeiro
com Carinho
É
manhã de terça- feira, estou sentada à
mesa da biblioteca da escola onde trabalho, sobre a mesa, repousa
uma pilha de livros para serem restaurados (pequenos reparos).
Uma capa soltando- se aqui, uma lombada abrindo-se acolá;
nada que não possa ser resolvido com um pouco de cola
e a mesma dose de paciência e habilidade. Os outros, os
mais danificados, foram separados. Serão submetidos a
uma avaliação mais criteriosa.
Cada
livro que passa pelas minhas mãos, recebe tratamento
personalizado, atenção cuidadosa. Pego, viro,
reviro, abro, folheio, fecho, apalpo, ausculto. . . Atendimento
vip para a grande personalidade: o livro. Sempre.
Entre
um atendimento e outro, eis que surge um cliente mais que especial,
justamente porque não parecia haver razão real
para ele estar ali. Definitivamente, aquele livro não
precisava ser restaurado, ao contrário, estava era muito
inteiro, muito bem conservado mesmo, apesar do seu ano de publicação,
1978. Livro de capa simples e bonita, branca e verde, as cores
oficiais da Academia, o título em marrom: “Antologia
da Academia Montes-clarense de Letras”, Editora Comunicação.
Toquei-o com reverência. Virei, revirei e o abri, com
todo carinho, lembrando-me de recorrer logo ao seu índice,
o que fiz com certa impaciência. Deslizei meu indicador
ao longo de sua página, virei a folha, e, para meu encantamento,
lá estava quem eu tanto procurava: Olyntho da Silveira,
na página 237.
Olyntho
da Silveira nasceu aos 25-08-1909, em Brejo das Almas, atualmente
Francisco Sá. Filho de Jacinto Alves da Silveira e Maria
Luísa de Araújo Silveira. Foi, entre tantas outras
coisas, fazendeiro, político, comerciante. Mas, o mais
importante é que foi um Grande Escritor, um Grande Poeta,
um dos nossos melhores sonetistas (segundo o confrade Wanderlino
Arruda), um Grande Homem, enfim.
A
seguir, com o coração desgovernado, leio, de sua
autoria, A GRATIDÃO DUM MATEIRO, dedicada à Yvonne
Silveira, sua amada esposa. A emoção cavalga sem
rédeas no meu peito. Nessa crônica, o escritor
narra, de maneira belíssima, a estória de um legítimo
veado mateiro que tornara seu animal de estimação,
ou ainda mais: um amigo grato pelo carinho e atenção
recebidos.
A
prosa de Olyntho é admirável, escorreita, enxuta,
cristalina; tem gosto de ternura, cheiro de poesia.
Prossigo
viajando pelo universo mágico de sua escrita. Deparome
com a estória da SEREIA DO POÇO-AZUL, que me enfeitiça.
Agora, a exemplo do personagem Faustino, trago também
uma sereia dentro dos meus olhos.
Viro
a página, o poema LINGUAGEM desperta-me a atenção,
nele, o Poeta diz à sua amada:
Vem!
Olha-me nos olhos tristes
Faze deles o teu espelho
Viste-te?
Sim.
Como não hás de ver-te,
Se vives sempre dentro deles?
Magnífico
poema. O bardo continua expressando toda sua dmiração
por sua musa:
Vem!
Aproxima o teu ouvido
Da minha boca e escuta
Ouviste-a?
Sim.
Como não a ouvires,
Se somente o teu nome
Ela sabe dizer?
(....)
Terminada
a leitura, fechado o livro, tenho a viva impressão de
escutar a voz grave e sonora do poeta, dizendo: “Yvonne,
minha querida, hei de amar- te para sempre.”
Sim,
Mestra, Amiga e Confreira, Yvonne Silveira, o seu Eleito, o
Poeta Olyntho Alves da Silveira, estará sempre gritando
o seu nome, pois, como ele próprio afirmou em seus versos
– somente o seu nome sua boca sabe dizer.
Hoje,
fisicamente, ele não está mais aqui entre nós,
tornouse um encantado, metamorfoseou-se, luarizou-se, transcendeu,
virou estrela. No entanto, o seu rastro luminoso permanecerá
indelével em suas obras, em seus livros, em seus versos,
em sua poesia . . . Seu pensamento, tal qual chuva de março,
incidirá suave sobre nós, nos refrescando o corpo
e a alma, nos fazendo reconhecer que a essência sobrevive
ao corpo físico; que, além de matéria,
somos luz.
O
Poeta brejeiro, Olyntho da Silveira, despiu-se da matéria
aos 99 anos, 04 meses e 27 dias de vida terrena. Tornou-se imponderável
aos nossos olhos físicos, porém, o nosso coração
o sentirá sempre presente. Em todo e qualquer lugar.
Onde quer que haja um sopro de poesia.
Dóris
Araújo e Olynton Silveira
Felicidade
Patrocínio
Cadeira N. 20
Patrono: Camilo Prates
Monumento
histórico
literário da saúde de Minas
Após ler atentamente os volumes sobre a Santa Casa de
Belo Horizonte editados por Manoel Hygino, chego à conclusão
de que, com base em apurada pesquisa e através de uma
literatura refinada, foi erguido um verdadeiro monumento à
história da medicina em Minas Gerais. Com eles o autor
mais uma vez se confirma como o maior escritor montes-clarense
da atualidade ele que por longa data foi também redator
dos mais importantes jornais
de Minas.
Para
felicidade de muitos, esse trabalhador e cultor das letras nunca
parou. Hoje, mesmo com mais de 80 anos de idade, Manoel Hygino
exerce o cargo de ouvidor-geral da mesma Santa Casa de Belo
Horizonte, onde bate o ponto diariamente. Quem o procura ali
logo vê o carinho de que é cercado e o quanto é
querido pelos dirigentes e funcionários daquele formidável
complexo hospitalar, gigante no tamanho e na ação
que presta em prol da vida.
De
maneira inspirada e inteligente, o escritor, que tanto enobrece
o nome da sua “Cidade da Arte e da Cultura”, contemplou
cada especialidade médica que funciona no complexo daquela
Santa Casa, a qual entrou em operação nos primeiros
anos do século XX. Num trabalho que exige competência
de pesquisador, visão ampla e ao mesmo tempo focal em
pontos significativos, Hygino foi compilando fatos e versões,
selecionando informações, completando e renovando
antigos conteúdos, além de criar textos inéditos
para as novas publicações e reedições.
O resultado, eu tenho nas mãos, é primoroso, diria
até sofisticado, agradando pela estética delineada
já à primeira vista.
No
entanto, o prazer maior vem quando se começa o folheio
das páginas. Fotos interessantes, registros visuais importantes
das fases e fatos da história da respeitada instituição.
O tamanho e tipo da letra e a espaçosa diagramação
oferecem conforto ao leitor, assim como tempo para internalização
do conteúdo, o qual é simplesmente fantástico.
Na falta aqui de espaço para abarcar todos os volumes
que tratam das diferentes áreas médicas, destacarei
apenas três volumes os quais, a despeito de meu parco
conhecimento em medicina, me encantaram. Aliás, por falar
em encantamento, não duvido que tenha sido justamente
esse o intuito do autor: encantar e despertar o interesse do
leitor em geral.
Desses
três volumes, o primeiro que li foi “Caranguejo
Sinistro, que enfoca a luta contra o câncer no Brasil
desde os seus primórdios. Impressionaram-me os avanços
obtidos pela instituição nesse campo, num tempo
de recursos escassos, fazendo de Belo Horizonte e Minas Gerais
vanguarda no tratamento do câncer. Parte importante desses
avanços foi a instalação na Santa Casa,
em 1926, do primeiro aparelho de radioterapia do Brasil, vindo
da Europa. No dia da inauguração, lá estava
a célebre cientista Madame Curie, uma das inventoras
do mecanismo, que viera da França especialmente para
instruir quanto ao seu manuseio.
O
sonho da existência de uma Santa Casa de Misericórdia
em Belo Horizonte é anterior ao próprio nascimento
da cidade. Surgiu, segundo se pode ler em“Santa Casa de
Belo Horizonte:uma história de amor à vida”,no
século XIX, ainda no Curral Del Rey, paralelo aos planos
de implantação da nova capital. Pois aquele sonho
ao se concretizar se tornou a salvação de mineiros
de todos os recantos do estado, que para lá desde sempre
acorreram, vítimas de todo tipo de enfermidade. Sendo
verdadeiramente uma casa de misericórdia, a instituição
atendia a todos sem necessidade de pagamentos. De acordo com
as passagens narradas, acrescentavam-se atos espontâneos
de caridade, abnegação e amor ao próximo.
No que diz respeito aos médicos, o respeito, o interessee
a responsabilidade que demonstravam pelos pacientes faziam deles
heróis amados. Então abundavam as vocações
genuínas e a medicina visava mais à salvação
da vida que ao lucro. E é assim que somos levados pelo
autor a reverenciar figuras que marcaram época, a exemplo
do Dr. Hugo Werneck, que se tornou efetivamente o primeiro ginecologista
de Belo Horizonte.
O
terceiro e último volume que aqui destaco, Tempo de nascer,
está em sua segunda edição, tendo a mesma
sido publicada pela Santa Casa em comemoração
ao centenário da Maternidade Hilda Brandão, após
ser revista e ampliada por Manoel Hygino. Ao lê-lo, confesso
que fiquei emocionada, além de impressionada com a erudição
do autor. Quando eu já me daria por satisfeita em conhecer
a bonita história de um hospital, acabei também
conhecendo a história do parto, do nascimento humano
em geral e mais especificamente no Brasil. E isto é muito
emocionante, pois essa história muitas vezes tem lances
dramáticos. Eu como mulher e mãe, tendo já
parido três vezes, percebo a importância deste relato.
Neste aspecto, o autor apresenta informações contundentes,
detalhes significativos. Percebo então que a construção
deste monumento ao AMOR humano, a Maternidade Hilda Brandão
da Santa Casa de BH, foi uma odisseia em prol da vida. De lá
se irradiou para todo o estado, paralelo à evolução
médica, a esperança em tempos melhores em matéria
de saúde e longevidade. Foi lá que se executou
a primeira cesariana no Brasil. Foi lá que, pioneiramente,
a obstetrícia brasileira tornou-se um saber mais qualificado,
exigindo a presença do médico no momento do parto.
Desde
então os elevados índices de mortalidade materna
e infantil de outrora só fizeram cair, com as incertezas
que cercavam o parto dando lugar a um maior conforto e segurança.
Descubro, enfim, que a mulher brasileira, não somente
a mineira, tem muito a agradecer a esta maternidade.A Santa
Casa motivou e foi responsável pela criação
da primeira Faculdade de Ciências Médicas de BH,
e era nela que os estudantes de medicina estagiavam, antes de
ganharem o mundo. Embora não possuísse uma roda
de enjeitados, era (é) para lá que os recém-nascidos
abandonados eram levados. Os que não se criavam lá
mesmo, eram encaminhados para boas famílias.
Presentes
na coleção, são numerosos os nomes fundantes
da história desta importante instituição
benemérita. Escolho citar dois,
um dos quais já por mim mencionado, o Dr. Hugo Werneck,
primeiro
diretor clínico da Santa Casa, a partir de 1908. Uma
conduta e condição que estabeleceu para si mesmo
na Santa Casa foi a de não receber qualquer remuneração
pelo seu trabalho ali. Dr. Werneck criou a primeira enfermaria
destinada somente a ginecologia no Brasil e foi um dos fundadores
da Faculdade de Medicina (hoje UFMG). Um herói que dirigiu
um olhar amoroso sobre a mulher quando esta ainda vivia submersa
numa condição inferior.
A
segunda personalidade é aquela que empresta o seu nome
à Maternidade, Hilda Brandão, esposa de Bueno
Brandão, que foi presidente do Estado de Minas. Seu espírito
humanitário levou-a a fundar e cuidar da Associação
Auxiliadora à Maternidade, que, além
de prestar assistência gratuita às parturientes,
foi responsável pelo trabalho de angariação
de donativos e subvenções oficiais para a construção
da Maternidade.
Muito mais poderia ser dito com base nessas leituras enriquecedoras,
as quais recomendo a todos, em especial aos estudantes mineiros
de medicina.
Em justiça ao autor, finalizo relembrando a nossa poderosa
ex -presidente da Academia Montesclarense de Letras, D. Yvone
de Oliveira Silveira, que do alto da sua inteligência
e preparo sempre dizia que Manoel Hygino, além de ser
o maior escritor atual de Montes Claros, tem cacife para a Academia
Brasileira de Letras, onde já envergaram o fardão
dois montes-clarenses, Cyro dos Anjos e o inesquecível
Darcy Ribeiro.
Ivana
Ferrante Rebello
Cadeira N. 56
Patrono: João Luiz Machado Lafetá
CORDÉIS,
CORDELISTAS
E MINEIRIDADES
Foi
brejo dos curiós,
E da alma enflorada.
Cheiro de água de chuva,
Molhando toda estrada.
Da poeira bem distante,
Do vaqueiro e do berrante,
Conduzindo uma boiada...
(Josecé Santos)
Os
versos em epígrafe abrem o cordel de Josecé Santos,
intitulado Brejo dos Versos em Alma. Como anuncia o título,
o folheto apresenta ao leitor, em estrofes de sete versos e
de sete sílabas poéticas, a cidade norte-mineira
de Francisco Sá, antigamente denominada Brejo das Almas,
e nome por que até hoje os sertanejos a chamam, num sinal
de resistência às mudanças e de inconteste
afetividade.
Em
estilo ágil e espontâneo, em que transparece o
caráter popular
do texto, vê-se que o cordelista vai enumerando caracteres
dacidade,
com seus pouco mais de 22.000 habitantes; caracteres que vão
desde os elementos que compõem sua feição
um tanto rural, elogios a alguns habitantes da localidade e
a narração de alguns casos pitorescos. Entre estes
se destaca o de um senhor conhecido como Lopes Sebastião
que, cansado da vida, varre um lugarzinho para si debaixo da
árvore e ali fica deitado, esperando a morte. Antes,
adverte a filha que, se alguém perguntar o que houve,
que respondesse: morreu, “porque precisava/ ninguém
tem nada com isso/ nunca me pegou feitiço”1. Mas
como lembra o cordelista, a morte não veio buscá-lo,
e parece que ele lá está, até hoje, esperando
por ela, debaixo da árvore. O tom, que parece caracterizar
quase todo cordel, é o de melancólica alegria.
Em
Ave Palavra, livro de publicação póstuma,
há um ensaio intitulado “Minas Gerais”, no
qual Guimarães Rosa apresenta oito regiões culturais
que compõem a multiplicidade do estado em que nasceu.
É nesse ensaio que se encontra a máxima, muito
repetida e popularizada: “Minas Gerais são muitas
ou pelo menos várias”.2 O escritor apresenta, no
texto, as muitas Minas Gerais que compõem o estado: a
Minas Antiga, situada na Zona Mineralógica, tradicional,
geratriz, “a de montes de ferro, chão de ferro,
água que mancha de ferrugem e rubro a lama e as pedras
dos córregos que dão ainda mais lembrança
da formosa mulher subterrânea que era a Mãe do
Ouro”3. Aponta, a seguir, a Minas da Mata, “cismontana,
molhada ainda de marinhos ventos, agrícola ou madeireira”
a Minas do Sul, “cafeeiro, assentado em terra roxa”,
a Minas do Triângulo, “saliente avançado,
reforte, franco” a Minas do Oeste, “calado e curto
nos modos, mas fazendeiro e político” a Minas do
Centro “corográfico, do vale do
Rio das Velhas, calcário, ameno, claro” a Minas
do Noroeste, dos
chapadões, dos campos-gerais que se emendam com os de
Goiás e da Bahia esquerda e vão até ao
Piauí e ao Maranhão ondeantes” e, ainda,
a Minas do Norte, “sertanejo, quente, pastoril, um tanto
baiano em
____________________________________________
1
- SANTOS, s/d, p. 13.
2 - ROSA, 2001, p. 339.
3 - ROSA, 2001, p. 339.
____________________________________________
trechos,
ora nordestino na intratabilidade da caatinga, e recebendo em
si o Polígono das Secas.”4
A
partir das diferenciações, Guimarães Rosa
elabora uma espécie de tratado sobre a mineiridade e
o ser mineiro, encerrando o seu texto com um inconteste testemunho
de amor à terra natal, no qual sujeito e lugar fundem-se
numa mesma identificação: “Minas sem mar,
Minas em mim: Minas comigo, Minas.”5 O ensaio do criador
de Diadorim coloca em cena a multiplicidade do estado mineiro,
sobressaltando as características que marcam tais diferenciações,
que vão desde a formação e o tipo de colonização
da região até a vocação econômica
e política peculiar de cada lugar. No entanto, somente
para a “Minas do Norte” há o reconhecimento
de uma identidade mestiça e fragmentada, “um tanto
baiano” ou nordestino, conforme as palavras de Guimarães
Rosa.
João
Batista Almeida Costa, em sua tese de doutoramento, Mineiros
e Baianeiros: Englobamento, Exclusão e Resistência6,
observa que Minas Gerais traz, no próprio nome, uma dualidade
explícita. Ao analisar as muitas territorialidades mineiras,
Costa conclui que a Zona da Mata, o Triângulo, o Sul e
Oeste mineiro são um desdobramento da Minas Geratriz,
originada a partir da descoberta do ouro pelos bandeirantes
paulistas, em fins do século XVII. O Norte do estado,
ou seja, a região conhecida como os Gerais”, teve
sua formação histórica vinculada ao bandeirismo
que aprisionou índios e destruiu quilombos e à
formação dos grandes fazendões de gado,
em meados do século XVII. Nesse período, segundo
Costa, o norte de Minas Gerais era conhecido como os Currais
de São Francisco, que também compreendia os Currais
da Bahia e os Currais de Pernambuco. Originariamente pertencente
à Bahia e à Pernambuco, o norte de Minas foi incorporado
à nascente Capitania de Minas Gerais, em 1720.
______________________________________________
4
- ROSA, 2001, p. 341
5 - ROSA 2001, p. 345.
6 - COSTA, 2003, p. 87.
______________________________________________
Desde
o momento de formação, duas regiões, portanto,
foram articuladas para dar fundação ao estado
mineiro: uma vinculada ao ouro e outra vinculada ao gado. O
traço histórico diferenciador permite ao estudioso
pensar sobre as Minas Gerais na contemporaneidade, onde estão
claras as marcas da dualidade aludidas por Costa. Sylvio de
Vasconcellos, em artigo que discute a caracterização
da mineiridade, conclui: “ao que parece, as Minas se diversificam
das Gerais, que se deitaram posteriormente pelos vales dos rios
Doce, São Francisco, Parnaíba e Rio Grande”.7
As
diferenças apontadas pelos estudiosos estendem-se naturalmente
ao comportamento, à linguagem e às formas de representação.
A literatura rosiana, que viria ao público com a publicação
de Sagarana, em 1946, causaria assombro ao leitor em razão
de orientar-se por uma forma inusitada de narrar e por trazer
para o livro, sob o aparato poético e com novo estatuto,
a forma lenta, sincopada e diferenciada do falar dos Gerais
– que se diferencia muito do falar dos mineiros das montanhas.
A cultura dos Gerais seria representada, canonicamente, nas
obras de Guimarães Rosa, que buscou nas tradições
orais e na fala do sertanejo a matéria-prima para os
seus livros. Na fusão de uma erudição (sabiamente
preservada em rituais) a estórias, com a linguagem popular,
Rosa cria um imaginário peculiar do sertão, que
traria à cena cultural do país um lugar até
então esquecido. Projetando-se de forma diferenciada
de uma tradição de representar o sertão,
popularizada especialmente por Euclydes da Cunha, o sertão
norte-mineiro apareceria caracterizado por um mineiro, estudioso
de costumes e notável pesquisador das estórias
e crendices do povo.
O
caso específico do escritor Manoel Ambrósio de
Oliveira (1865-1947, januarense, autor de obras como Brasil
Interior, Hercília, Parapetininga, Antônio Dó:
o bandoleiro das barrancas, escritas no
______________________________________
7 - VASCONCELLOS, 1968, p. 9.
______________________________________
final
do século XIX e início do século XX, constitui-se
um elemento isolado entre as publicações norte
mineiras com algum alcance e representação afora
a própria região. Algumas de suas obras, raras
e esgotadas, estão sendo revisitadas em pesquisas recentes,
na Universidade Estadual de Montes Claros / UNIMONTES e integram
uma rede de pesquisa que coordeno e estudo.
O
estudo da literatura rosiana e o contato com as suas fontes
primárias (entre os quais se incluem Manoel Ambrósio
e Hermes de Paula) – por meio das quais Guimarães
Rosa compilou dados para a confecção de suas estórias
– reafirmaram a necessidade da recolha, catalogação
e estudo de outros escritores do sertão, no sentido de
se estabelecer uma linha de pesquisa que contemple as representações,
as imagens e a linguagem da literatura do Norte de Minas Gerais.
A
carência de estudos que privilegiem a literatura e a cultura
do norte de Minas Gerais também contribui para a percepção
fugidia e precária da identidade cultural norte-mineira.
A construção imaginária dos Gerais mineiros,
representada neste estudo pelo cordel realça valores
culturais significativos da identidade cultural do sertanejo,
merecedores de mais atenção e maior análise
por parte da academia.
Falar
de identidade atualmente é aventurar-se em terreno escorregadio,
eivado de sentidos complexos e deslizantes. Isso decorre, frequentemente,
porque os estudos contemporâneos sobre a identidade contemplam
várias áreas do conhecimento, não se circunscrevendo,
tampouco, a determinadas posições teóricas
conhecidas pela tradição. Desse modo, o pensamento
sobre a identidade de um povo convoca questões de vários
campos de saberes como a história, a filosofia, a psicanálise,
as artes e a literatura, requisitando, por essa razão,
a utilização dos mais diversos aparatos conceituais
e referenciais teóricos para o seu amplo entendimento.
Na
análise de Simone Signorini, os estudos recentes sobre
a questão da identidade deixam-se orientar por dois tipos
de paradigmas: o paradigma da modernidade, que vê o sujeito
como pluralidade e a identidade como “forma de totalização
ou completude do heterogêneo”; e o paradigma da
pós-modernidade ou da crise da modernidade, em que o
sujeito é entendido em sua complexidade, na qual cabem
noções de “instabilidade, descontinuidade,
abertura”, em contraposição à tradição
moderna.8
Aliem-se,
ainda, a essa questão, os fatores geralmente considerados
como suporte ao conceito de identidade como o território
(ampliando-se seu conceito para o espaço geográfico,
o espaço político ou o espaço da origem);
a língua; a comunidade e os costumes (modos de vida,
crendices, hábitos, heranças culturais, etc.).
As literaturas têm testemunhado, ao longo de diferentes
épocas, todos esses fatores. Os escritores têm
demonstrado, em sua ficção, uma busca ou definição,
ainda que temporária ou mutante, da identidade, que se
afirma de modo sistemático, seja do ponto de vista do
indivíduo, seja do ponto de vista coletivo.
No
caso da literatura de cordel, produzida no norte de Minas Gerais,
tais características confirmam-se, e o exame das produções
de cordel revela traços e características relativos
à memória individual e coletiva que servirão
de substrato à construção de uma possível
“identidade dos Gerais. Os versos de Cândido Canela,
versejador, poeta e cordelista, a seguir, exemplificam tais
questões:
Sou
sertanejo nacido/
Na mata iscura e bravia,
Numa cafua de paia,/
No cume da serraria!
Naci no léo da pobreza,/
Sem o lume das candeia
Tive pro lume o clarão/
De prata, da lua cheia.
________________________________________________
8 - SIGNORINI, 1998, p. 335-336.
________________________________________________
Os
Passarim me sondaro/
Curingú, Chororó,
Juriti, canaro terra,/
Nas moita, nos cafundó
E foi assim qui nasceu/
Um pueta cantadou
Este humilde sertanejo/
Um pobre versejadou.9
No
poema, extraído do livro Rebenta-boi, percebe-se que
os versos
se projetam rumo a uma identidade individual, reiterada pelo
uso da primeira pessoa do discurso e pelas recorrentes imagens
referentes
ao lugar de origem do eu lírico e suas condições
de vida, culminando com a afirmação final: sou
“um pobre versejador”. Além disso, pronuncia-se
subsidiariamente uma identidade coletiva, que apresenta elementos
constitutivos de um determinado povo ou lugar como descrição
sobre o tipo de morada, nomes de passarinhos típicos
do cerrado e, principalmente, expressão de uma linguagem
específica do sertanejo, em que sobressai a supressão
de certas sílabas, a troca de letras e o uso de substantivos
considerados arcaicos pela média dos falantes urbanos.
O poema sublinha para o leitor duas imagens: a do sertão
e a do sertanejo
A
leitura, a análise e o estudo das recorrências
aos elementos de memória ou da tradição
concorre na reconstituição de uma possível
identidade individual e ou coletiva, perdida ou ameaçada,
nos folhetos de autores do Norte de Minas Gerais. Tendo em vista
a produção significativa de cordéis na
região, cumpre ressaltar a contribuição
desses autores para a construção ou o reforço
de uma identidade coletiva, em seu permanente processo de formação.
O
introito a este estudo é suficiente para evidenciar que
a arte
do cordel está viva e pujante no Norte de Minas Gerais,
malgrado as
_______________________________
9 - CANELA, 1957, p. 28-29.
_______________________________
dificuldades
de distribuição e visibilidade que todo artista
popular carrega. Josecé Alves dos Santos, por exemplo,
autor do cordel que serve de epígrafe ao presente artigo,
é autor de outros 15 folhetos, entre os quais se destacam:
A Moça violada, O coronel, Tio Juca, As aventuras de
Théo Azevedo, Pequi, o viagra do sertão, Cordel
Cantado e Encantado, Montes Claros e o folclore norte mineiro,
Agreste patrimônio do sertão, Os três mosquiteiro
do sertão.
Os
títulos demonstram que o tema preponderante nos folhetos
de Josecé Santos é o próprio sertão,
com suas peculiaridades e belezas naturais. Há em sua
lírica um orgulho visível em mapear os lugares,
ressaltando os rios da região, pássaros, plantas
medicinais e façanhas de bravura e valentia. Como é
repentista, instrumentista (toca violão, teclado e viola
de 12 cordas), poeta e versejador, frequentemente, Josecé
alude a seus companheiros de versos, numa prática que
denuncia o esforço de colocar em circulação
nomes de artistas do povo, quase sempre esquecidos pela grande
mídia.
A
ele se juntam as figuras de outros cordelistas bem conhecidos
na região: Théo Azevedo (homenageado pelo próprio
Josecé em um cordel), Jason de Moraes (que, antes de
cantar seus versos, entoa um tristíssimo berrante), Cândido
Canela (já falecido, mas que imortalizou a arte do cordel
em programas de rádio, na cidade de Montes Claros, deixando
alguns folhetos impressos). Exceto por Cândido Canela,
os demais – Théo Azevedo, Jason de Moraes e Josecé
Santos – são fundadores da ARPPNM, Associação
dos Repentistas e poetas populares de Minas Gerais. Desse grupo,
o mais conhecido é cantador Théo Azevedo, mineiro
de Alto Belo, distrito de Bocaiuva, no Norte de Minas Gerais,
situado entre os vales dos rios Verde Grande, Jequitinhonha
e São Francisco.
Théo
Azevedo é filho do poeta e cantador Teófilo Isidoro
de Azevedo, também famoso cantador mineiro, de quem herdou
a vocação para a poesia popular. Seu pai, figura
legendária da região, era alegre folião
de reis, aboiador, repentista, pequeno comerciante, tropeiro
e ferreiro do local e figura em um poema de Carlos Drummond
de Andrade.
Théo
Azevedo conserva em sua arte, as mesmas técnicas que
passam de pai a filho, de geração a geração,
pela tradição, proximidade e oralidade –
processos naturais de preservação e expansão
da cultura popular. Sua presença na vida artística
brasileira manifestase pelas mais de 1500 músicas gravadas
por diversos intérpretes, de variados locais do Brasil,
entre eles, Luiz Gonzaga, Sérgio Reis, Tião Carreiro,
Zé Ramalho, Banda Cacau com Leite, Tonico e Tinoco, Cascatinha
e Inhana, Caju e Castanha, Milionário e José Rico,
Banda de Pífanos de Caruaru, Valdo e Vael, Jackson Antunes,
Domingos, Fernanda Azevedo, Danilo Brito, Ruth Eli e Jair Rodrigues.
Também no exterior, ele tem músicas gravadas com
intérpretes como o saxofonista inglês Bobby Keys,
da banda Rolling Stones e com o gaitista de blues Charlie Musselwhiteuma.
Conta também com centena de cordéis publicados,
e mais de dez discos editados. Théo Azevedo participa,
como representante de Minas Gerais, de todos os principais festivais
que acontecem no Brasil, de Norte a Sul, e, principalmente,
em São Paulo. Também fez apresentações
musicais em Portugal, em várias cidades, sendo o único
cordelista brasileiro a participar de eventos culturais em terras
lusitanas.
A
literatura de cordel, uma das mais representativas expressões
da cultura popular, tem sua origem na Europa. As primeiras histórias
impressas faziam parte de um conjunto de requisições
manuscritas que compunham o Catálogo para exame dos livros
para saírem do Reino com destino ao Brasil” (que
se encontra conservado no Arquivo Nacional da Torre do Tombo)
e destinavam-se à Real Mesa Censória a quem competia
deliberar sobre a autorização, uma vez que toda
matéria impressa, para atravessar o Atlântico rumo
à Colônia, estava sujeita ao parecer de um censor.
No livro Histórias de Cordéis e Folhetos, Márcia
Abreu informa que cerca de 250 títulos de cordel foram
remetidos para o Brasil. Eram histórias de“Carlos
Magno, de “Bertoldo, Bertoldinho e Cacasseno”, de
“Belizário, da “Princesa Magalona”,
de “D. Pedro”, da “Imperatriz Porcina”,
da “Donzela Teodora”, de “Roberto do Diabo”,
da “Paixão de Cristo”, de “D. Inês
de Castro”, de “João de Calais”, de
“Santa Bárbara”, de “Reinaldos de Montalvão”10.
No Brasil, esses títulos passavam por outras adaptações,
aproximando-os das narrativas orais, já que se destinavam
a um público composto por analfabetos, na sua maioria.
A originalidade criadora do cordelista transformavam as matrizes
dos cordéis portugueses, adequando-os ao cotidiano do
povo brasileiro. Formas fixas preservavam uma regularidade como
elemento mnemônico, criando uma propensão ao conservadorismo.
A questão formal tornou-se de vital importância
para reconhecimento da literatura de cordel: a versificação,
a sonoridade e a seleção vocabular determinavam
a arte e
técnica da produção popular.
Tais
narrativas eram publicadas, inicialmente, sob a forma de livros,
escritos por autores eruditos, com vistas à circulação
entre as elites; sofriam adaptações em seguida
para a publicação sob a forma de folhetos de cordel,
em uma linguagem mais simples. O enredo do cordel tem como estrutura
básica o confronto entre um herói, a quem são
atribuídas virtudes morais, em contraposição
a um vilão. A narrativa sustenta-se no encadeamento de
ações, a descrição de paisagem ou
de situações envolvem atitudes dos protagonistas,
conferindo universalidade aos folhetos.
Conforme se comprova, o cordel e outras modalidades de literatura
popular encontram se em plena vitalidade no Norte de Minas Gerais,
verificando-se que os remanescentes da literatura com base na
oralidade ainda têm seu lugar na cultura sertaneja. Conforme
expressa Paul Zunthor: “Ninguém sonharia em negar
a importância do papel que desempenharam na história
da humanidade as tradições orais. As civilizações
arcaicas e muitas culturas das margens ainda hoje se mantêm,
graças a elas”.11
_____________________________________
10 - ABREU, 1999, p. 132.
11 - ZUMTHOR, 1997, p.10.
______________________________________
A
leitura dos cordéis que circulam na região norte-mineira
expressa o importante papel desempenhado por essa modalidade
milenar de literatura, pois elas fazem circular dados sobre
a cultura e a história de uma época. Conhecida
no Brasil como folheto, é um gênero literário
popular, escrito frequentemente na forma rimada, originado em
relatos orais e depois impresso. Remonta ao século XVI,
quando o Renascimento popularizou a impressão de relatos
orais, e mantémse uma forma literária popular
no Brasil.
O nome cordel tem origem na forma como tradicionalmente os folhetos
eram expostos para venda, pendurados em cordas, cordéis
ou barbantes, em Portugal. Alguns poemas são ilustrados
com xilogravuras, mas essa não é a forma usual
dos cordelistas do Norte de Minas Gerais, que substituem as
xilogravuras por desenhos à mão, feitos por eles
próprios.
A poética de cordel utiliza mais comumente estrofes de
dez (décimas)
ou seis (sextilhas) versos. Mas foram verificadas o uso das
quadras (4 versos), oitavas (8 versos), o quadrão (em
que os 3 primeiros versos rimam entre si; o quarto verso rima
com o oitavo e o quinto, o sexto e o sétimo também
rimam) e o martelo ou martelo agalopado, com estrofes formadas
por decassílabos heroicos, modalidade esta que se comprova
a mais comum nos desafios ou repentes, em que um cantador desafia
o outro em versos. Embora se utilize aqui a terminologia própria
para a poética tradicional, para os cordelistas os versos,
na verdade, são as estrofes e estas são divididas
em linhas ou pé de verso”, denominação
popularizada entre os versejadores. Para atrair a atenção
do público e vender seus folhetos, os cordelistas recitam
os versos de forma melodiosa e cadenciada, acompanhados de viola,
ou fazem leituras muito animadas.
O cordel se enraíza no Norte de Minas Gerais por razões
similares as que justificam sua significativa presença
no Nordeste brasileiro. As condições geográficas,
com destaque para o clima seco do cerrado, as características
muito específicas de colonização e o notório
distanciamento dos grandes centros favorecem a conservação
e a força dos folhetos nessas regiões do Brasil.
Apesar do incremento das tecnologias e novas mídias,
esses fatores favorecem a sobrevivência dos folhetos de
cordel nessas regiões do Brasil. Atuando como uma espécie
de cronista do povo, o cordelista pratica uma “poesia
circunstancial”, pois recorta fatos noticiosos locais
ou do Brasil, narra vidas de celebridades políticas ou
artísticas, além de contextualizar crimes bárbaros,
acontecimentos jocosos ou fatos insólitos em suas produções.
A habilidade do poeta em transformar a notícia em história,
tem proporcionado para as camadas populares e para os leitores,
de modo geral, uma alternativa diferenciada e legítima
de divulgar a cultura brasileira.
Márcia Abreu, estudiosa do gênero, explica que,
em virtude desse cenário, entre o final do século
XIX e os anos 20, a literatura de folhetos consolida-se no Brasil:
são definidas suas características gráficas,
seu processo de composição, a edição
e a comercialização, constituindo-se um público
para essa literatura. Além disso, registrese
que o cordel inspirou e tem inspirado vários escritores
brasileiros como Ariano Suassuna, João Cabral de Melo
Neto, Ferreira Gullar, Guimarães Rosa, entre outros,
além de também influenciar a linguagem da televisão
como se comprova com as minisséries Hoje é dia
de Maria, Capitu e a novela Cordel Encantado, todas dirigidas
por Luís Fernando Carvalho.
Como se sabe, a literatura oral é filha e guardiã
da memória; apresenta-se tanto como o lugar da lembrança
– e por isso pode ser vista como possibilidade de resgate
de identidade – e também como o
lugar da construção de um legado que se transfere
às gerações sucedâneas, por isso
estará sempre em formação. Como uma das
expressões da construção humana, a literatura
constrói símbolos e significados que representam
e identificam um povo, determinando também o seu pertencimento
a uma comunidade ou região específica, o que contribui
sobremaneira para a identidade cultural de um povo. Conhecer
a própria história cultural, investigando os seus
processos de construção, a sua origem e o seu
desenvolvimento é pressuposto essencial para se entender
e aceitar a identidade e a cultura do outro. Conhecerse é
o primeiro passo rumo à valorização das
tradições de um povo e de sua preservação.
REFERÊNCIAS
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Campinas : Mercado de Letras/ Associação de Leitura
do Brasil, 1999.
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de Brasília. – UnB, Brasília, 2003.
COSTA, João Batista Almeida. “Minas Gerais na contemporaneidade:
identidade fragmentada, a diversidade e as fronteiras regionais.”
Disponível em www.
almg.gov.br/CadernosEscol/caderno16/Joao_Batista.pdf. Acesso
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VASCONCELLOS, Sylvio. Mineiridade, Ensaio de Caracterização.
Rio de Janeiro: Editora Imp. Oficial, 1968.
ZUNTHOR, Paul. Introdução à poesia oral.
São Paulo: Hucitec/Educ, 1997.
Juvenal
Caldeira Durães
Cadeira N. 81
Patrono: Nathércio França
O
Instituto Histórico e Geográfico de Montes Claros
trata, essencialmente, de divulgar assuntos que coadunam com
sua própria natureza e assim, procedemos. No entanto,
reconhecemos que além da divulgação de
monumentos antigos já demolidos injustamente e de fatos
históricos do passado, há pessoas notáveis
que viram, também, histórias, como é o
caso do Dr. Romildo Borges Mendes, principalmente, depois da
conversa que tive com seu neto Yury, que demonstra o desejo
de ver alguma coisa publicada que lembre o seu saudoso avô.
Eu
era professor há certo tempo, quando tive o prazer de
encontrar o Dr. Romildo Mendes na velha e saudosa Escola Normal
Oficial, ocasião em que ele tornou-se meu colega e professor
de Biologia de minha esposa Rosa Terezinha. Assim, continuou
na Escola Estadual Prof. Plínio Ribeiro, na FAFIL e na
UNIMONTES, ocasiões em que tive a oportunidade de desfrutar
a sua sincera amizade. Ele, apesar de exercer altos cargos,
era simples, prestativo e atencioso. Nunca prevalecia de sua
posição para impor respeito. Era uma pessoa querida
por todas aquelas comunidades por onde passava. Tempo depois,
ele se afastou por motivo de saúde, ocasião em
que contou com nossas visitas e acompanhamento durante sua enfermidade
e até o dia do seu sepultamento no Cemitério do
Bom Fim.
Lembrando-me
do conselheiro que tive nos anos idos, veio-me a ideia de fazer-lhe,
uma homenagem no ano do centenário de seu nascimento
e publicar na Revista do IHGMC, recordado o nosso saudoso e
velho amigo. E, para facilitar a minha composição,
Yure forneceu-me um farto e interessante material sobre a vida
do saudoso
colega Prof. Dr. Romildo Mendes, o que me faz transcrever uma
pequena parte abaixo, na íntegra, para completar o meu
trabalho e dar conhecimento real e verdadeiro aos leitores de
uma vida de lutas sadias de um grande homem que conviveu entre
nós por vários anos.
DR.
ROMILDO BORGES MENDES
Falaremos
neste mês de um dos grandes nomes da política,
educação e saúde do Norte de Minas durante
o século XX. Trata-se do Prof. Dr.
Romildo Borges Mendes, cujo nome, para que justiça seja
feita, está por merecer o patronato de algum estabelecimento
educacional ou hospitalar no Município de Montes Claros
/ MG, mormente em se tratando de ser este ano o seu Centenário
de Nascimento...
Sua
biografia encontra-se imortalizada nas obras “Efemérides
montes-clarenses: 1707-1962” (Rio de Janeiro: Irmãos
Pongetti, 1964), de Nelson Washington Vianna (que foi reeditada
em 2007 na Coleção Sesquicentenária, coordenada
pela Profª Marta Verônica Vasconcelos, pela Editora
Unimontes), às páginas 181-182; e “A Medicina
dos médicos... & a outra” (Montes Claros: Imprensa
Universitária da UFMG, 1982), de Hermes Augusto de Paula,
à página 68. Recentemente, o Jornal de Notícias
(Página 02, Memória, Terça Feira, 09 de
Abril de 2013, Montes Claros, Minas Gerais) publicou matéria
com sua biografia, em resgate à sua memória.
O
Dr. Romildo Borges Mendes nasceu às 03h do dia 09 de
abril de 1916, na capital do Estado Federado do Ceará,
a Cidade de Fortaleza,
enchendo de alegria o Lar do então jovem casal, recém-conjugado
(1915),Sebastião Mendes dos Santos(*20.06.1889−†fevereiro/1972),
natural de Itapipoca/CE, e sua esposa, a luso-brasileira dona
Julieta Borges Mendes (*03.01.1898−†13.01.1978),
natural de Fortaleza/ CE. Além de Romildo, o casal Sebastião
e Julieta teve, ainda, duas filhas mais novas: 1) Dra. Maria
Nemaura Borges Mendes, que, como o
irmão Romildo (Turma de 1938), também diplomou-se
em Medicina pela Faculdade de Medicina da Bahia – FAMEB,
atual UFBA (Turma de 1941), mudando-se depois para o Estado
de São Paulo, onde exerceu a Medicina sob o CRM/SP de
n° 2960 (cancelado) e depois 18340 (aposentado); e 2) Marlene
Borges Mendes, que fez-se professora e psicóloga.
Seu
pai, Sebastião Mendes, era da parentela materna de Antônio
Vicente Mendes Maciel (mais conhecido como “Antônio
Conselheiro”
e foi notável exemplo de servidor público, enquanto
Fiscal de Rendas
da Secretaria da Fazenda (SEFAZ) do Estado do Ceará,
carreira à qual
ele se dedicou por mais de 50 anos contínuos (ocasião
em que foi merecidamente homenageado pela sociedade, igreja,
maçonaria e imprensa cearenses, pelo “Meio Século
de Honestidade e Devotamento ao Estado” – e, quatro
meses depois, seu filho Dr. Romildo Borges Mendes batizaria
ao primeiro filho homem de seu segundo casamento em sua homenagem:
Sebastião Mendes Neto, nascido a 15 de setembro de 1956),
sem nunca ter gozado de férias nem tirado licença,
desde seu ingresso, aos 16 anos, no dia 02 de maio de 1906.
Cidadão probo e ilibado, de notória e incontestável
honestidade, merecimento e honradez, Sebastião, que era
membro da Loja “Deus e Liberdade, ilustrou os altos quadros
da Maçonaria cearense, ocupando os seus mais altos postos.
Foram
avós paternos de Romildo os fazendeiros cearenses Joaquim
Mendes dos Santos e Maria Evelina dos Santos (filha do Padre
José Rodrigues com uma cabocla, era tia materna de Florinda
Bolkan); e seus avós maternos os comerciantes portugueses,
que vieram para o Brasil no final do século XIX, Ernesto
Borges da Silva e Josepha Borges da Silva.
Romildo
fez o curso primário no Colégio Nogueira e o secundário
no Liceu do Ceará, no Colégio Castello Branco
e no Ginásio São João, todos em sua cidade
natal. Foi aluno de Dom Helder Câmara. Aos 16 anos, em
1932, ingressou à tradicional Faculdade de Medicina da
Bahia – FAMEB (UFBA), onde atuou em sua política
estudantil, por meio do Diretório Acadêmico da
Faculdade de Medicina da Bahia, e recebeu faixa de reconhecimento
de mérito. Ainda ali na FAMEB, diplomou-se em Medicina,
em 1938, aos 22 anos, com o título de doutor, por ter
defendido tese. Exerceu a Medicina no Estado de Minas Gerais
sob o CRM/MG de n° 2929. O Dr. Romildo Borges Mendes (Fortaleza,
CE, Brasil, 9 de abril de 1916 — Montes Claros, MG, Brasil,
5 de setembro de 1990)foi:
•
Médico (CRM/MG 2929) formado pela Faculdade de Medicina
da Bahia, da UFBA (1938), de cujo Diretório Acadêmico
participou, e onde recebeu faixa de mérito e título
de doutor;
• Médico Sanitarista com Curso de Saúde Pública
(1945) pelo Instituto Oswaldo Cruz, no Rio de Janeiro/RJ;
• 2° Tenente da Reserva de Segunda Classe, Médico,
do Exército Brasileiro (1944), por ato do então
Presidente da República, Dr. Getúlio Dornelles
Vargas, e do então Ministro da Guerra, o Generalíssimo
Eurico Gaspar Dutra (que, dois anos depois, viria a se tornar
o próximo Presidente da República), que subscreveram
sua Carta-Patente;
• Médico nos Estados Federados do Amazonas, Ceará,
Piauí, Bahia, Minas Gerais, Rio de Janeiro e São
Paulo;
• Chefe do Posto de Higiene do SESP, em Teresina (PI);
• Chefe do Hospital do SESP, em Fortaleza (CE);
• Diretor da Maternidade “Senhora Juvenal de Carvalho,
em Fortaleza (CE);
• Chefe da S.A. da Delegacia do SAPS, em Fortaleza (CE);•
Chefe do Posto da D.O.S., em Coração de Jesus
(MG);
• Médico Sanitarista da Secretaria de Estado de
Assistência e Saúde Pública do Estado de
Minas Gerais, em diversos municípios mineiros, notadamente
em Montes Claros (MG);
• Médico-Chefe de Unidade Sanitária (Tipo
C) do Município de Montes Claros (MG);
• Chefe do Centro de Saúde de Montes Claros (MG)
vide “A Medicina dos médicos... & a outra”
(Montes Claros: Imprensa Universitária da UFMG, 1982),
de Hermes Augusto de Paula, à página 257;
• Diretor do Departamento Municipal de Saúde e Assistência
de Montes Claros (MG) – equivalente à atual Secretaria
Municipal de Saúde, foi titular da pasta nas duas gestões
do Dr. Pedro Santos à frente do Município;
• Médico da Prefeitura Municipal de São João
da Ponte/ MG (1945-1948);
• Médico Sanitarista no Posto de Saúde de
Conquista
(MG);
• Chefe do Posto de Higiene de Conquista (MG);
• Médico no Posto de Higiene de São Gonçalo
do Pará (MG);
• Licenciado pelo Ministério da Educação
para lecionar a disciplina de “História Natural”
(Biologia) em qualquer parte do Território Nacional;
• Professor de Higiene e Biologia do Colégio Estadual
do Ceará (1939-1942), em Fortaleza (CE);
• Professor da Cadeira de Higiene da Classe de Direito
do Curso Complementar do Lyceu do Ceará, em Fortaleza
(CE);Professor
Titular da Cadeira de Biologia da Escola Estadual Prof. Plínio
Ribeiro” (Colégio Normal de Montes Claros);
• Vice-Diretor (Gestão de Sônia Prates de
Quadros Lopes) da Escola Estadual “Prof. Plínio
Ribeiro” (Colégio Normal de Montes Claros);
• Professor no Colégio Imaculada Conceição
de Montes Claros (Rede Berlaar);
• Co-Fundador (1967) e co-proprietário, juntamente
com o Padre Aderbhal Murtha de Almeida, do Colégio São
Noberto, em Montes Claros (MG);
• Professor do Colégio São Norberto, em Montes
Claros (MG);
• Proprietário da Rádio “Vera Cruz”,
em Conquista (MG);
• Jornalista e Articulista em diversos jornais, notadamente
nos jornais “Tribuna de Montes Claros” e “Diário
de Montes Claros;
• Co-Fundador (1963) e Suplente do Conselho Técnico
-Administrativo da primeira Diretoria (1963) da Faculdade de
Filosofia, Ciências e Letras (FAFIL), da atual Universidade
Estadual de Montes Claros (Unimontes)– vide “Unimontes:
40 anos de história” (Montes Claros: Editora Unimontes,
2002), organização de Regina Célia Lima
Caleiro & Laurindo Mékie Pereira (Capítulo
2 - As Faculdades da FUNM”, de Cláudia de Jesus
Maia & Filomena Luciene Cordeiro), às páginas
56, 63 e 64;
• Primeiro Professor da Cadeira de Biologia da Faculdade
de Filosofia, Ciências e Letras (FAFIL), da atual Universidade
Estadual de Montes Claros (Unimontes)– vide “Unimontes:
40 anos de história” (Montes Claros: Editora Unimontes,2002),
organização de Regina Célia Lima Caleiro
& Laurindo Mékie Pereira (Capítulo 2 –
“As Faculdades da FUNM”, de Cláudia de Jesus
Maia & Filomena Luciene Cordeiro), à páginas
63-64;
• Co-Fundador (1964) da Faculdade de Direito (FADIR), da
atual Universidade Estadual de Montes Claros (Unimontes) –
sendo um dos valorosos homens que, ao dia 09 de novembro de
1964, assinou sua ata de fundação, na assembleia
realizada na Associação Comercial, Industrial
e de Serviços de Montes Claros (ACI) – vide “Unimontes:
40 anos de história” (Montes Claros: Editora Unimontes,
2002), organização de Regina Célia Lima
Caleiro & Laurindo Mékie Pereira (Capítulo
2 – “As Faculdades da FUNM”, de Cláudia
de Jesus Maia & Filomena Luciene Cordeiro), à página
72;“Casa do Direito: Ano XV” (Montes Claros: Polígono
Artes Gráficas, 1979), de Augusto José Vieira
Neto, às páginas 02, 03 e 05; e “Antologia
Jubileu de Ouro da Unimontes: prosas & versos” (São
Paulo: Editora Catrumano, 2012), organização de
Anala Lélis Magalhães e Yury Vieira Tupynambá
de Lélis Mendes (Capítulo A “Casa de João
Luiz de Almeida”, páginas 86-98, de Augusto José
Vieira Neto), às páginas 88-89;
•
Primeiro Professor (1965-1968) da Cadeira de Medicina Legalda
Faculdade de Direito (FADIR), da atual Universidade Estadual
de Montes Claros (Unimontes) vide –“Casa do Direito:
Ano XV” (Montes Claros: Polígono Artes Gráficas,
1979), de Augusto José Vieira Neto, às páginas
03 e 05; e “Antologia Jubileu de Ouro da Unimontes: prosas
& versos” (São Paulo: Editora Catrumano, 2012),
organização de AnalaLélis Magalhães
e Yury Vieira Tupynambá de Lélis Mendes (Capítulo
A “Casa de João Luiz de Almeida”, páginas
86- 98, de Augusto José Vieira Neto), à página
89;
• Co-Fundador (1969) da Faculdade de Medicina (FAMED),
da atual Universidade Estadual de Montes Claros (Unimontes),
para a qual apresentou seus títulos para reconhecimento
da Faculdade – juntamente com os primos de sua esposa
(Terezinha de Lélis Mendes), Dr. Mário Ribeiro
da Silveira e Dr. Antônio Augusto Tupynambá; do
Dr. Hermes Augusto de Paula, e muitos outros asclepianos de
notável valor, foi um de seus idealizadores, pré-fundadores
e fundadores (1969), além de integrar, por muitos anos,
seu Corpo Docente – vide“A Medicina dos médicos...
& a outra” (Montes Claros: Imprensa Universitária
da UFMG, 1982), de Hermes Augusto de Paula, às páginas 345-346;
• Primeiro Professor da Cadeira de Medicina Preventivada
Faculdade de Medicina (FAMED), da atual Universidade Estadual
de Montes Claros (Unimontes), aprovado pelo Parecer de n°
26/69, do CEE-MG (Conselho Estadual de Educação
de Minas Gerais), de 04/03/1969, publicado no “Minas Gerais”
em 01/04/1969– vide “A Medicina dos médicos...
& a outra” (Montes Claros: Imprensa Universitária
da UFMG, 1982), de Hermes Augusto de Paula, às páginas
345-346;
• Vereador da Câmara Municipal de Montes Claros (MG),
onde tomou posse em 15 de junho de 1963, pela UDN;
• Procurador (1959) da Prefeitura Municipal de Montes Claros,
junto à Campanha Nacional de Educação Física
do Ministério da Educação e da Cultura,
onde conseguiu recursos para a construção dos
vestiários para o Campo de Esportes, e pela complementação
das instalações do Play-Ground, unidades existentes
no Centro de Educação Física de Montes
Claros;
• Cidadão Honorário de Montes Claros (Câmara
Municipal de Montes Claros, 18 de novembro de 1980), título
a que fez jus, pelos relevantes serviços prestados à
centenária Princesa do Norte”, por requisição
de autoria do nobre Vereador Humberto de Souza Lima Pereira,
aprovada como Resolução de n° 170, de 29 de
maio de 1974 – vide “Montes Claros: sua história,
sua gente e seus costumes” (Montes Claros: 2ª edição,
Volume I, 1979), de Hermes Augusto de Paula (que foi reeditada
em 2007 na Coleção Sesquicentenária, coordenada
pela Profª Marta Verônica Vasconcelos, pela Editora
Unimontes), à página 197; e “Cidadãos
de Honra (1953-1999) (Montes Claros: ImpreSet, 1999), editado
pela Câmara Municipal de Montes Claros – MG, à
página 26. Desde sempre muito bem relacionado, o Dr.
Romildo Borges Mendes sempre figurou nas altas rodas políticas
mineiras, inclusive mantendo amizade pessoal com grandes homens
públicos brasileiros, como os exgovernadores Dr. Francelino
Pereira dos Santos (tal como ele, também um dos fundadores
da Faculdade de Direito da Unimontes, em 09 de novembro de 1964),
Dr. José de Magalhães Pinto, Dr. José Francisco
Bias Fortes (com o qual, durante sua governadoria, certa feita
se desentendeu e
o mandou “à puta que o pariu”), Dr. Rondon
Pacheco, etc. Vide Revista “Montes Claros em foco”
(Ano XII, n° 36, Agosto de 1979 – O Dr. Romildo Borges
Mendes casou-se, em segundas núpcias, com
dona Terezinha de Lélis Mendes (*05.10.1933), em 1950.
Sua esposa, de tradicional família montes-clarense, nasceu
em Coração de Jesus (MG).
Leonardo
Álvares da Silva Campos
Cadeira N. 97
Patrono: Urbino Vianna
Origens
do Homem
e do Estado
O
homem surgiu nas atuais nações africanas Quênia
e Tanzânia, há 2 milhões e 800 mil anos.
Era o “Homo habilis”, o pai da nossa espécie.
É de se observar que não existiam fronteiras,
isto é, não tínhamos os países,
como hoje os conhecemos. Veio o “Homo erectus” e,
por fim, os primeiros “Homo sapiens”, ainda sem
criação da teratológica figura do Estado.
Temos a mesma origem, lá nas savanas africanas, todo
um território livre à sobrevivência e posterior
dispersão do caçador-coletor. Tudo era compartilhado,
tarefas divididas: o homem caçava e coletada, a mulher
cuidada das lides domésticas, sendo, após, da
responsabilidade desta, por vezes divididas também, o
plantio, a colheita, a feitura da cerâmica e manifestações
artísticas. Indo mais adiante no tempo, já antes
do obscurantismo medieval, inventaram o Estado. Uma figura,
com certeza, teratológica, imiscuindo-se na vida de todos,
inventando impostos, taxas, fronteiras, guerras, ganhos de guerra
(no que os EUA e poucos outros são experts”, como
a França, com seu Tratado de Versalhes pós-primeira
guerra), costumes, etc. Teríamos necessidade do terror
do Estado? Por certo que não. No entanto, ele veio, gostou
e ficou, apenas para alimentar a soberba de uns poucos bafejados
pela sorte, com o que se criou o excluído da sociedade.
Em outras palavras, esse excluído é o serviçal
das castas, a mão de obra inculta e barata. No Estado
nada é o que parece ser, mesmo a nação
com melhor fama de ser democrática. No Estado nem sempre
manda o presidente, o primeiro ministro, etc., mas uma casta,
a qual passa pelo banqueirismo e que vive nas sombras. É
a verdeira dona do poder, imiscuindo-se em tudo a partir do
domínio da mídia e detendo efetivamente a chave
do erário. Essa casta, chamo-a de ‘o mundo das
trevas’, nos seus conchavos na calada da noite para exercitar
seu total domínio sobre os pobres de espírito
(indolentes mentais), e mesmo traçar seus planos de domínio
sobre o mundo, sendo certo inclusive que essa ‘força
oculta’ tem para si que a nossa Amazônia nunca foi
nossa, mas, sim, dos verdadeiros donos do mundo. O aparentemente
simpático presidente norte-americano, Barack Obama, pai
de família exemplar, creio que mesmo um homem com bons
propósitos, seria mesmo ele a decidir os destinos daquele
povo? Por certo que não. Uma força propulsora
norte-americana está evidentemente no banqueirismo, com
aplicações inclusive do mundo árabe e do
Estado de Israel. Sem esse capital amanhã, ou seja, quem
de direito retirando o que é seu, o império desaba
espalhafatosamente. A invasão iraquiana, sob falso pretexto,
foi uma tentativa nem tão bem sucedida de recuperação
da cada vez mais combalida economia norte-americana, a qual
ainda é sustentada por capital externo ali aplicado.
Ora, o ideal seria como antes, o mundo sem fronteiras daqueles
tempos pré-históricos e adentrando-se nos primeiros
tempos do sedentarismo da agricultura, marcando o surgimento
dos primeiros aldeamentos. Pelo menos a hipocrisia, a soberba,
o banqueirismo, enfim, o Estado, nada existiria para nos preocupar.
Por certo, algo utópico nos tempos atuais, mas hoje eu,
particulamente, até prefiro alimentar-me de utopias,
quando vejo que o homem sequer respeita seus consanguíneos,
fazendo-nos ver, a cada esquina, uma inacabada família
humana. Se precisamos de um protecionismo norte-americano? Ora,
por certo que não. Pelo bem ou pelo mal, cuidemos nós
mesmos do nosso destino. E que os Estados Unidos da América,
com sua democracia de aparência, se preocupem em bajular
seu principal protetor, depois a outros seus protetores secundários,
os quais - refriso - são os verdadeiros donos do poder
por lá. Fiquemos, de momento, de olhos nas utopias outras
do presidente de lá, Barack Obama.
Manoel Messias
Oliveira
Cadeira N. 60
Patrono: Jorge Tadeu Guimarães
A
INTEGRAÇÃO NACIONAL
PELO RIO SÃO FRANCISCO
A
historia da navegação a vapor do rio São
Francisco, interessa, e muito, ao norte de Minas. No século
XIX a região não contava com estradas, apenas
caminhos improvisados; pelas condições topográficas,
as tropas eram essenciais para o transporte de cargas viajando
dias e dias, rompendo obstáculos e vencendo as longas
distâncias para atender às necessidade do sertanejo,
facilitando, sobremaneira, os contatos entre pessoas e lugares.
Mas
essa precariedade não podia continuar. Premente era a
de se criar meios mais eficazes, seguros e menos penosos. Então,
em 1862, foi constituída uma comissão visando
desobstruir o rio das Velhas, desde Sabará/MG, para permitir
a navegação até atingir o São Francisco.
Em 1867, o presidente da Província de Minas Gerais, conselheiro
Joaquim Saldanha Marinho, montou um navio a vapor, que
recebeu o seu nome. Sua primeira viagem ocorreu em 10 de janeiro
de 1871, chegando ao povoado de Barra do Guaicuí, no
município de Várzea da Palma a poucos quilômetros
abaixo de Pirapora, em 3 de fevereiro do mesmo ano. Estava inaugurada
a navegação a vapor, criando elo entre o norte
de Minas e os Estados do Nordeste, além de
facilitar os contatos com as demais regiões de Minas
Gerais.
O
rio era a esperança do sertanejo, ele agia como uma locomotiva
do desenvolvimento, uma vez que os vapores navegavam com segurança
e carregavam de tudo: gente, animais e mercadorias diversas,
de porto em porto, de cidade em cidade em viagens memoráveis.
O
São Francisco ficou conhecido como rio dos coronéis
e dos desbravadores. Banhando cinco estados da federação,
Minas Gerais, Bahia, Pernambuco, Alagoas e Sergipe, sempre foi
um grande caminho
por onde as multidões e as riquezas passavam e, de cujos
meandros, não devemos esquecer porque de grande valor
histórico, não só para o norte de Minas,
como também para o país. A navegação
visava também promover a integração nacional,
uma vez que o interior do Brasil era isolado, a civilização
restringia ao litoral; então a navegação
a vapor surgiu por absoluta necessidade da integração
de uma região carente de transportes e comunicações
com os pólos considerados desenvolvidos.
Originariamente,
as margens do rio, foram habitadas por índios; e, paulatinamente,
ocupadas por negros e brancos. Estes ocupantes colocaram n’água
canoas e barcas até chegar aos sofisticados navios, simplesmente
chamados de “VAPOR”, que chegavam ou saíam
da base em Pirapora pelo leito do “Velho Chico”
e seu afluentes, soltando faíscas fumarentas por suas
compridas chaminés, que no resfolegar de suas máquinas
venciam as correntezas carregados de gente e mercadorias, desde
a segunda metade de século XIX até o terceiro
quartel do século XX, fomentando o desenvolvimento daquela
importante cidade do norte de Minas, com reflexo positivo em
toda a região, impulsionando o desenvolvimento de Montes
Claros.
Uma
navegação precária, mas volumosa que beneficiava,
além dos ribeirinhos, as cidades de toda a bacia hidrográfica,
num curso de 1370 Km. de Pirapora/MG a Juazeiro/BA, sem o cômputo
dos seus afluentes. Naquela época havia um intenso êxodo
de nordestinos para
São Paulo, a procura de uma vida menos sofrida. Houve
uma grande migração por causa da seca no Nordeste
em direção à capital paulista
e outras regiões do País, em face às secas
prolongadas; milhares e talvez milhões de nordestinos
fugiram em direção ao Sudeste, Norte e
Centro-Oeste. Deslocaram viajando nos lendários vapores
de Juazeiro
a Pirapora e continuaram a viagem no trem da Central do Brasil.
Naquela época o interior do Brasil padecia. O atraso
imperava em todos os setores. Para fomentar o desenvolvimento
surgiu a navegação a vapor; muitas foram as empresas
que administraram a navegação fluvial, a última
foi a Companhia de Navegação do São Francisco
– FRANAVE, criada em 1963.
Os vapores subiam e desciam o rio fumegando para o ar, vencendo
as distâncias. Zarpavam saudosos com apito longo e demorado.
Muita gente não perdia a chegada de um vapor no porto
para ver aquela embarcação bonita, cheia de gente
e mercadorias.
Nos gloriosos tempos da navegação, quando o vapor
apitava ao aproximar-se de um porto qualquer, os habitantes
do lugar corriam
Vapor
Benjamim Guimarães
para
a beira do rio para vê-lo chegar e sair, engolindo lenha
e cuspindo fagulhas. Em cada porto desembarcava um chefe de
família de volta para casa, ou um filho com saudade dos
pais. Gente que voltava de São Paulo para rever a terra
natal. Na década de 60 do século passado, foram
adaptados para turismo os vapores Wenceslau Braz, São
Francisco e Benjamim Guimarães. Hoje temos somente o
vapor Benjamim Guimarães navegando para passeios turísticos,
doado pela FRANAVE à Prefeitura de Pirapora em 9 de janeiro
de 1997 e tombado pelo Instituto Estadual do Patrimônio
Histórico e Artístico de Minas Gerais –
IEPHA/MG.
No auge das operações nada menos de 45 vapores
com essa força motriz viajavam pelo São Francisco
e seus afluentes navegáveis. Navegavam rio acima, lentamente,
vencendo as correntezas, deslizando suavemente pelas beiradas
a roçar a quilha nos barrancos. Descendo o rio, a viagem
era relativamente rápida. A viagem ficava mais prazerosa
ao balanço do vapor com sua roda-popa sugando águas,
porque para baixo todos os santos apareciam para ajudar. Foi
nesse período áureo que esses vapores, no transcorrer
da 2ª. Guerra Mundial, a partir de 1942, em face ao torpedeamento
de navios brasileiros, foram usados para o transporte, com segurança,
dos pracinhas para o teatro de guerra e prisioneiros com destino
a ilha de Fernando de Noronha. Os soldados chegavam a Pirapora
pela Estrada de Ferro Central do Brasil e seguiam para Juazeiro
nos vapores, dali para o litoral nordestino. Da mesma forma,
transportaram soldados para dar combate à Coluna Prestes.
Com o tempo várias rodovias foram construídas
interligando o interior aos grandes centros e em 1981 a navegação
começou a entrar em declínio e em face à
nova realidade acabaram com a FRANAVE porque transformou em
uma empresa deficitária e deva prejuízo.
Caminho da história, ou caminho da civilização
brasileira, como bem disse Euclides da Cunha em “Os Sertões”;
rio carinho samente alcunhado de “Velho Chico”,
desde o segundo Reinado do Brasil, cuja navegação
a vapor começou na cidade norte-mineira de Pirapora.
Rio que era da Unidade Nacional e que hoje, pela ação
estúpida dos homens está agonizando, pedindo socorro
e que a cada dia se finda, e já dá os ares de
que está morrendo, corre o risco de desaparecer por completo,
sem deixar vestígios. Ainda existe tempo de fazer algo
nesse particular, pois poucas coisas são, em si, impraticáveis.
Os
homens fracassam mais por falta de esforços do que por
falta de meios.
Tomando de empréstimo as palavras do Cardeal Shuster,
podemos dizer que: “Deus perdoa sempre, os homens algumas
vezes, mas a natureza nuca”.
_______________________________________________
FONTES:
São Francisco Sustentável
Ministério da Integração Nacional.
Secretaria de Comunicação Social da Presidência
da República.
Rio São Francisco Vapores & Vapozeiros
Domingos Diniz. Ivan Passos Bandeira da Mota. Mariângela
Diniz.
Mara Yanmar
Narciso
Cadeira N. 98
Patrono: Virgílio Abreu de Paula
Vamos
brincar
na Praça de Esportes ?
Em
1961, aos seis anos de idade e estudando no Colégio Imaculada
Conceição de Montes Claros, fui morar no centro,
à Rua Carlos Gomes, 167, apartamento 103. O prédio,
recém-construído, no qual morei por dez anos,
era pequeno, com quatro apartamentos simples e apertados. O
que morávamos ficava na parte de trás. Entre um
lance e outro da escada, do primeiro ao segundo andar, havia
uma abertura, de onde as crianças espiavam a rua. A greta
para o mundo ficava fechada, porque a vizinha de baixo tinha
sua janela acoplada à janela da escada e exercitava o
seu direito de fechá-la, para o meu desespero, do meu
irmão Helder e dos primos Virgínia, Vânia
e Júnior, que moravam no apartamento de baixo. Quando
aberta, ficávamos sentados no chão da escada,
com as pernas dependuradas para fora, atrás das grades,
nos deliciando com o mundo lá fora.
O prédio tinha um terraço grande, onde podíamos
brincar de cabana com os restos de construção,
e andar de bicicleta. Era perigoso, pois tinha uma mureta baixa.
As crianças ficavam lá no alto por boa parte do
dia, mas a minha mãe Milena e minha tia Ninha iam
nos
vigiar ou mandavam alguém. Estar no terraço era
a glória, mas de vez em quando, devido às brigas
pela água que nos faltava, o dono do
prédio mandava fechá-lo, e nós sofríamos,
presos em casa. Ainda não tinha televisão, que
viria em 1964.
Quando
fiz sete anos, Helder e eu fomos aprender a nadar com Sabu,
o grande professor de natação, na Praça
de Esportes, que ficava a dois quarteirões. Milena nos
levou umas poucas vezes e depois íamos
sozinhos. Lá conhecemos Ricardinho, Patrícia e
Decinho. Eram meninos
que moravam num prédio vizinho, na Rua Lafetá.
Todos os dias nós íamos visitá-los. Estar
lá era garantia de mais espaço e estripulias.
Subíamos na janela do quarto de Patrícia, íamos
para o exterior do prédio e andávamos sobre o
telhado da casa vizinha, circulando pelo parapeito, loucamente.
Fazíamos equilibrismo e escalávamos tudo em volta.
Apenas por milagre ninguém se machucou. Foi naquela casa
que escutei pela primeira vez a música Alegria, Alegria,
de Caetano Veloso, num disco compacto. Ouvimos mil vezes, até
quase furar o vinil, que tinha duas músicas.
A
Praça de Esportes, inaugurada em 1942, ocupava todo um
grande quarteirão. Era cercada por uma cerca de arame
debaixo de uma cerca de fícus. Para entrar, era preciso
ter pagado a mensalidade, e na portaria falávamos o nome
do pai. Como íamos todos os dias, o porteiro (que olhava
uma lista) não nos perguntava nada. Tinha vários
portões, sendo o acesso à piscina pela entrada
principal. Havia um jardim bem cuidado, com canteiros de flores,
chão de cimento e árvores esculpidas em vários
formatos. Lembro-me de um bule de fícus. Lá voavam
borboletas que caçávamos com um pegador feito
por nós mesmos, de arame e tule. Ninguém nos coibia.
Corríamos e as capturávamos, matando-as e espetando-as
com um alfinete numa placa de isopor. Havia uns poucos tipos
que capturávamos, e até lhes
dávamos nomes. Uma delas meu irmão batizou de
“lócus pocus”. Arrepio ao me lembrar da nossa
crueldade.
Na
frente à esquerda ficavam as quadras de futebol de salão.
Então, vinha a construção principal com
amplos vestiários, homens à direita e mulheres
à esquerda. Os corredores eram cobertos por estrados
e havia água por baixo. O cheiro de cloro me vem às
narinas. Só entrava na água quem tomasse uma ducha.
A aula das meninas era às
15 h e a dos meninos às 16 h. A piscina era semi-olímpica.
Sabu nos dava uma tábua retangular e ficávamos,
após o aquecimento, batendo
pernas e atravessando a piscina pra lá e pra cá.
Após a aula as meninas pulavam para nadar como quisessem.
Depois de três meses, o professor me pediu para nadar.
Como não tive coragem, ele me pegou no colo e me jogou
no meio da piscina. Então eu nadei.
Atrás
da piscina ficavam as mesas de ping-pong. Eu não conseguia
jogar bem, mesmo depois dos dez anos. No fundo, à direita,
havia a boate. No passado havia um baile de 10 as 12 h da manhã,
no qual os jovens dançavam. Desativada, nas imediações,
nós caçávamos lagartixas, ovos delas (moles,
que pulam quando jogados no chão) e coletávamos
látex de uma velha figueira que ficava ao lado do campo
gramado. Com ele fazíamos chicletes. Caso fosse veneno
teríamos morrido. Atrás da boate tinha campos
de tênis, de terra vermelha. No
fundo, do lado esquerdo tinha uns pés de jambo.
A
grande festa eram os brinquedos que estavam em dois locais,
perto da piscina infantil e também nos fundos. Tinha
dois escorregadores imensos, de madeira, que hoje seriam proibidos,
devido ao risco de acidentes. Talvez fossem liberados com capacete
e rede de segurança e não tinha nada disso. Os
balanços eram altos, e nós balançávamos
de pé, até o limite de rodar por cima da trave,
cantando aos berros e rindo a bandeiras despregadas. Nas férias,
fazíamos isso todos os dias, por vários anos.
Era a grande diversão de meninos enclausurados. Sabíamos
todas as letras de músicas da moda, que ouvíamos
no rádio e discos. Não havia qualquer censura,
moderação ou medo. Ninguém nos perturbava,
olhava ou marcava hora. Após a aula de natação,
sem relógio, a noite era o aviso de irmos para casa.
Nunca aconteceu nada. Nós adorávamos a liberdade
infinita, assim como era a confiança dos pais no ambiente
da praça. Nem dá para acreditar.
Mara Yanmar
Narciso
Cadeira N. 98
Patrono: Virgílio Abreu de Paula
Venham
pra feira!
É em Montes Claros !
Toninho
Rebello, o melhor prefeito de Montes Claros, tinha uma visão
administrativa arrojada, mas seus detratores dizem que não
respeitava a História. Derrubou o Mercado Central em
1967 para limpar a Praça Doutor Carlos e fez outro à
Rua Coronel Joaquim Costa. Queria conter a feira dentro de um
prédio. Na cidade da época as pessoas se conheciam
e a construção, ampla e limpa parecia suficiente.
A fiscalização tinha pretensão civilizatória.
Açougues
de azulejo, açougueiros de jaleco branco e lixeiras chegaram.
A carne de sol brilhava nos ganchos mostrando a vocação
local. Adiante, um arsenal de chás, beberagens, pinga,
bucha vegetal,
queijo, requeijão e manteiga, lojas de roupas populares,
temperos e corantes (urucum) expostos em grandes bacias, medidos
com colheres
de sopa, toda sorte de bugigangas setorizadas. Noutro galpão,
bancas
com legumes e frutas do sul arrumadas de forma atraente. Do
outro lado, muitos sacos de feijão, milho, farinha, fubá
e seus derivados, e adiante, num pátio não coberto,
vendiam-se animais vivos.
No
sábado, a feira era incontida. Feirantes invadiam a rua.
Os compradores chegavam a pé com cestas de taquara, sacola
de lona ou embornal de pano ou couro. Alguma coisa era embrulhada
em papel
de pão ou de carne, alguns reutilizados, mas a maioria
era colocada nua dentro da sacola.
As
paneleiras vendiam seus produtos de barro. Traziam potes, bilhas,
jarros e brinquedos. Boa parte era exposta no chão, sem
bancas, no máximo em cima de trapos ou sacos. As vendedoras
eram mulheres que já nasciam velhas. Em geral maltratadas,
desdentadas, descalças, com panos de saco amarrados na
cabeça, roupas remendadas e até rasgadas, nos
típicos vestidos rodados caipiras de cor verde ou rosa,
quando ainda restava cor, muitas vezes sobre calças compridas.
Algumas tinham sandálias de borracha, geralmente gastas
e com tiras rompidas e amarradas com cordão e de cores
diferentes entre si. Tiravam do chão seu sustento na
forma de argila, formatavam a mesma toada sem arte, durante
gerações. Assavam seu suor nalgum forno e na feira
defendiam seus trocados. Traziam seus filhos pequenos que ficavam
dentro de caixotes ao sol ou sob finos panos. Essas trabalhadoras
eram chamadas agregadas, moravam “de favor”, os
maridos trabalhavam na roça e recebiam a feira no sábado.
Quase nunca viam dinheiro.
Outras
mulheres produziam na madeira gamelas, conchas, colheres, ou
faziam peneiras, vassouras, balaios, fruteiras e cestas de taquara
ou arame, numa cantilena sem fim. As verdureiras produziam couve,
coentro, cebolinha, alface e outras folhas. Traziam tudo na
cabeça, dentro de pesados cestos, e falavam que vinham
do Pentáurea, lugar de água limpa e de abacaxi
famoso, de carne amarela muito doce. Eram conhecidas pelo nome
e costumavam ficar na mesma área. Reservavam seus produtos
para as freguesas, assim como guardavam
no chão, cobertas com panos, as cestas delas. Alguns
curiosos bisbilhotavam, cobiçando a feira alheia, mas
a verdureira, tirando a mão intrusa dizia: é compra.
Eu
era uma menina magra que carregava uma cesta de taquara que
machucava meu braço, ainda assim, gostava de ir à
feira com Milena, a minha mãe. Era uma manhã preciosa
estar com ela e vê-la usar com ciência o parco dinheiro
que meu pai lhe dava.
O tempo das águas trazia frutos do cerrado, que afiaram
meu olfato, capaz de separar produtos de um cheiro só.
Têm o mesmo odor e nunca se desimpregnaram de mim: murici,
pequi, manga-ubá, panã e coquinho azedo. Só
muito cedo para achar raridades como mangaba e murici, sendo
preciso ficar de olho nas beiradas, pois os coletores ficavam
desconfiados nos cantos, de olhos no chão, com o pequeno
tesouro nas mãos, querendo ir embora logo.
Homens traziam em bruacas sobre cavalos sua produção
de feijão catador, de corda, verde, e andu. Os animais
ficavam amarrados nas proximidades, sujando o mundo, enquanto
eles vendiam sem balança, medindo em “litros”
de óleo de 900 ml, ou meiando um prato fundo esmaltado,
passando a mão por cima. Farinha de mandioca, goma, beiju,
farinha de milho e arroz estavam lá.
Periquitos, jandaias, mico, preá e pássaros eram
vendidos como qualquer outro produto. Pintinhos de granja de
um dia só serviam para morrer. Banana e laranja eram
vendidas de dentro de carros velhos, sendo contadas as dúzias
e colocadas nas sacolas pelos próprios produtores do
inóspito sertão, onde então, chovia com
regularidade.
Favos
de mel eram vendidos dentro de uma lata no chão, e não
se pensava em adulteração. Os legumes eram pequenos,
e havia mangarito, inhame, mandioca, batata doce, abóbora,
quiabo, maxixe e
caxi. Vendia-se mamão verde como legume. Jenipapo, jatobá,
jambo, bacupari, pitomba, côco macaúba e buriti
eram apreciados. É preciso conhecer para comprar rapadura
boa. Melancia curraleira vinha inteira,
e o comprador dava piparotes para desvendar seu interior, ou
abria uma pequena janela quadrada para ver sua cor. A cana-de-açúcar
era
dita cana caiana.
A
escolha do frango caipira em pé era para entendidos.
Não se pesava e o tamanho era estimado na hora. O bicho
peado com palha de milho era colocado de cabeça para
baixo, levantado e abaixado, avaliando-se a grossura das coxas.
Ovos de galinha caipira eram escolhidos abrindo-se uma brechinha
na palha para olhar a casca, contando-se as dúzias. Havia
quem sacudia o produto e o olhava contra o sol.
Meninos magrelos recebiam algum trocado para levar as compras.
Sem café, mal se aguentavam de pé. A feira de
sábado, um dia já foi assim.
Maria Inês
Silveira Carlos
Cadeira N. 38
Patrono: Francisco Sá
Inauguração
do Prédio da
Prefeitura de Francisco Sá e a
chegada da lu z de Santa Marta
A
Prefeitura Municipal de Francisco Sá funcionava em um
pequeno prédio na Rua Olímpio Dias e vários
Prefeitos nomeados trabalharam por lá. Sendo o Dr. Feliciano
Oliveira o primeiro Prefeito eleito, este também trabalhou
por dois anos neste prédio. Há um fato interessante:
Feliciano tomou posse antecipada. Sendo a eleição
no mês de outubro, a sua posse se deu em novembro, por
que o Sr. Benjamin Figueiredo que ocupava o cargo de Prefeito
abandonou a cidade e o município ficou sem comando. Assim
sendo, o Tribunal Eleitoral deu posse antes da data oficial
ao Sr. Feliciano Oliveira.
Havia
em Francisco Sá uma associação chamada
Sociedade dos Amigos, que pretendia construir uma Casa de Saúde
no começo da Avenida Getúlio Vargas e por algum
motivo não conseguiu terminar a construção,
achou por bem doá-la ao Município para construir
o prédio da Prefeitura.
E
esta foi inaugurada em fevereiro de 1949 e sendo também
sede da Câmara Municipal e era para os padrões
da época um prédio bonito, moderno e confortável.
Primeiros
funcionários que trabalharam na Prefeitura Municipal
de Francisco Sá: Prefeito Municipal: Feliciano Oliveira;
Vice prefeito: Enéas Mineiro de Sousa; Funcionários
administrativos: Alzira Andrade da Silveira, Julieta de Brito
Campos, Miguel Soares de Miranda, Nélson Gonzaga da Cruz,
Sebastião O.S. Colares Bessa; Antônio Ribeiro da
Silva, encarregado do Mercado e do Matadouro; Antero, encarregado
de recolher o lixo (carroça e burro); Andreza e família
(varriam as ruas); Jorge, cuidava da caldeira que fornecia a
luz.
Hoje
onde funcionou a primeira Prefeitura de Francisco Sá
está o prédio do Tribunal de Justiça Onofre
Mendes Júnior. Com o decorrer
do tempo a Câmara Municipal construiu prédio próprio.
Com o crescimento da população e o aumento dos
serviços, se fez necessário ampliar a Prefeitura
e outro prédio foi erguido ao lado do outro e hoje os
dois funcionam com uma boa estrutura para atender à população
da melhor maneira.
OBS. No momento em que escrevo estas memórias, só
a minha mãe, Alzira Andrade da Silveira, ainda permanece
viva, e me narrou
todos estes fatos. No dia 4 de março de 2017, ela completou
98 anos.
LUZ
ELÉTRICA QUE VEIO DA USINA
A
energia elétrica chegou a Francisco Sá em vinte
e seis de julho de 1949 e aconteceu durante o dia. Grande festa.
Antes a cidade era
iluminada por uma usina, cuja caldeira era alimentada com lenha
e que ficava no local onde hoje é o Correio. Começava
a funcionar a partir das dezenove horas e desligava à
meia noite e havia um apito
para anunciar o encerramento.
Feliciano Oliveira o primeiro prefeito eleito (1947), era uma
pessoa dinâmica e de grande visão. E trazer a energia
elétrica para Francisco Sá foi uma das suas bandeiras.
Não foi muito fácil: O Governador Milton Campos
era seu adversário político e a oposição
local apostava que ele não conseguiria tal intento. Os
adversários diziam que:
”Se cipó acender luz, esse prefeito põe
luz aqui.” Era uma referência a distância
da Usina de Santa Marta, e no pensamento deles não haveria
fios suficientes para chegar à cidade. Estavam errados,
porque a vitória foi de Feliciano, com uma luz da melhor
clareza, mais do que tudo, qualidade.
Minha mãe, Alzira Andrade da Silveira, foi uma das primeiras
funcionárias da Prefeitura, e estava de licença
maternidade pelo meu nascimento. O único aparelho telefônico
existente na cidade ficava na Prefeitura Municipal e como não
havia outra pessoa para atender ao telefone, este foi locado
na casa de meus pais, para que minha mãe o atendesse
e passasse as informações para o Prefeito. Por
isso que no momento da inauguração o Prefeito
Feliciano Oliveira foi para a minha casa telefonar para seus
correligionários e autoridades em Belo Horizonte comunicando
o inusitado fato e ouvir o foguetório que pipocava por
todos os cantos da pequena Francisco Sá.
Wilson Maldonado veio de Montes Claros para colocar os padrões
e Nego de Rogério ficou encarregado de fazer a leitura
dos relógios e também fazer consertos e este depois
foi substituído pelo seu irmão Geraldinho.
Assim que o Prefeito anunciou sua intenção de
colocar a energia elétrica na cidade, as famílias
mais abastadas começaram a adquirir aparelhos elétricos
tais como: ferro para passar roupas, geladeira, liquidificador,
rádio, etc.
Com a chegada da energia elétrica, Francisco Sá
passou a usufruir de muitos confortos até então
impossíveis. Além de melhor iluminação
nas residências e nas ruas e dos aparelhos domésticos
que vieram trazer mais comodidade e conforto, foi inaugurado
o Cine Mineiro, que foi a grande novidade para os francisco-saenses.
Ah! O Cine Mineiro, quantas estórias para contar. Teremos
um capítulo só para ele.
Marilene
Veloso Tófolo
Cadeira N. 95
Patrono: Terezinha Vasquez
Simeão
Ribeiro Pires
O pesquisador
Era
ainda criança quando fui visitar com o meu avô,
José Antônio Veloso, a casa de Dr. Simeão.
Nesta época, ele começou a colecionar vários
objetos em sua casa, inclusive uns que me impressionaram bastante,
eram esqueletos que pareciam múmias, que vieram de Itacambira.
Estes
objetos, hoje alguns fazem parte do Museu de Montes Claros.
Já nesta época ele começava a sua vida
de pesquisador e amante de tudo que relacionava com civilizações
extintas, histórias de cidades mineiras e contos afins...
Sendo engenheiro civil, professor do Colégio Estadual
Professor Plínio Ribeiro, político, prefeito de
Montes Claros, possuía a dom da oratória, mas
recordo que o que eu mais apreciava eram os comícios
do PR (Partido Republicano), onde nos caminhões, com
sons tocavam “Pisa na fulô, não maltrate
meu amor!”. Vinham cantores de fora, Dalva de Oliveira
e outros...
Quando iniciei o curso de História da Fafil, o Dr. Simeão
foi nosso colega. Ele queria fazer o curso para os seus trabalhos
de pesquisa. Dr. Simeão escreveu os livros Raízes
de Minas, Serra Geral e Gorutuba.
Através de seus estudos e conhecimentos, realizou pesquisas
na Torre do Tombo, em Portugal. Escreveu os livros que relatam
a nossa história local e regional.
Simeão
Ribeiro Pires
Hoje
através de seus escritos e pesquisas, podemos conhecer
nossa história, local e regional, e a valorização
do homem mineiro, e
montes-clarense.
Foi um pioneiro, estudioso, que lutou pela pesquisa local e
regional, resgatou a nossa história através dos
seus livros.
Através dos seus livros, faz investigação
dos segredos e mistérios em que mergulha o povoamento
da terra mineira”.
A cada trilha que Simeão Ribeiro passou, mostrou que
Minas, através das suas pesquisas na Serra Geral, fugiu
da historiografia regional e mostrou o novo retrato dos gerais”.
CONCLUSÃO
O homem através dos seus escritos, suas pesquisas locais
e regionais, contribui para a formação de nossa
história local e regional, trazendo valiosa contribuição
para o conhecimento em geral em todos os seus ramos.
No livro do autor: Serra Geral, de Simeão Ribeiro Pires,
editado após seu falecimento, ele nos mostra o seu talento,
através dos lugares comuns da historiografia regional,
como observou João Camilo de Oliveira Torres, e confirmado
por Aires da Mata Machado Filho, quando homenageava o homem
leitor, de papéis antigos, mas também acostumado
a varar serras, e andar pelas matas, com a visão concreta
do Engenheiro formado, Historiógrafo e Professor universitário.
Por saber da sua pesquisa e o grande devotamento às coisas
da sua terra, e seu modo de escrever comprovado por documentos
e fotografias é que escrevo sobre o seu valioso trabalho.
Dr. Simeão Ribeiro Pires foi no interior mineiro, o grande
espaço de suas pesquisas. Ele atravessou rios, serras
e desbravou sertões à procura da verdade e a história
do valente homem norte-mineiro.
Roberto
Carlos Morais Santiago
Cadeira N. 44
Patrono: Heloísa V. dos Anjos Sarmento
CACHAÇA
HAVANA & ANÍSIO SANTIAGO
74 ANOS DE HISTÓRIA
Tradicionalmente
a produção de cachaça na região
de Salinas se inicia no mês de junho e se estende até
dezembro. O solo e clima da região propicia a produção
de cachaça em fazendas escondidas em colinas e serras
da região.
Nas últimas décadas a cachaça de Salinas
alcançou tamanha projeção que é
reconhecida como a Capital Mundial da Cachaça de Alambique“.
O município virou sinônimo de cachaça e
faz parte da
história da cachaça brasileira.
Recentemente ganhou um museu da cachaça construído
pelo governo de Minas Gerais. Tem, ainda, um festival anual
de cachaça que atrai grande número de turistas
ávidos por degustar as mais de
sessenta marcas ali produzidas. Atualmente, o agronegócio
da cachaça em Salinas já representa cerca de um
terço da economia do município.
Em junho ao iniciar a produção nas fazendas da
região, uma terá motivo especial para comemorar:
a fazenda Havana, que fica no sopé da Serra dos Bois,
entre os municípios de Salinas e Novorizonte.
Figura 1:
Anísio Santiago, fundador da cachaça Havana
e maior ícone da história da cachaça brasileira
Figura 2:
Rótulo antigo da cachaça Havana.
Figura 3:
Marcas do clã Anísio Santiago.
Figura 4:
Fazenda Havana.
A
produção de cachaça na fazenda teve início
em 1943 e, desde então, de forma ininterrupta, nunca
deixou de produzir.
A fazenda Havana se transformou numa espécie de reduto
sagrado da cachaça brasileira. Dali sai a marca de cachaça
mais antiga de Salinas e região: a Havana. A projeção
nacional e internacional da cachaça de Salinas teve início
nesta fazenda de propriedade do produtor Anísio Santiago
(1912-2012). A cachaça de Anísio Santiago fez
tanto sucesso que estimulou outros fazendeiros seguirem o mesmo
caminho.
Nestes setenta e quatro anos de produção de cachaça,
o produtor Anísio Santiago criou método de alambicagem
e envelhecimento da cachaça Havana, agora também
com a marca Anísio Santiago, até hoje não
decifrado pelos concorrentes.
E, mais, se tornou numa das marcas de cachaça mais caras
e cobiçadas do país. Ainda assim, a produção
continua restrita. A família de Anísio Santiago
vem mantendo o mesmo método de fabricação
forjado pelo patriarca. As marcas de cachaça Havana e
Anísio Santiago são exemplo de sucesso. A longevidade
da produção é prova inconteste disso. Bom
para Salinas e para a cachaça brasileira. Marcas históricas
como a Havana são importantes para o agronegócio
da cachaça no Brasil. Serve de referência para
outros produtores.
Ao
longo dos anos de produção a cachaça Havana
vem demonstrando que é possível fazer sucesso,
ainda que a estrutura de produção seja pequena
e que o alambique esteja instalado longe dos lugares de consumo.
A marca possui alto renome no país e no exterior como
uma das mais tradicionais marcas de cachaça do Brasil.
É apreciada por degustadores, especialistas e personalidades
somente em determinadas ocasiões. É guardada como
se fosse um tesouro dada a sua preciosidade. Osvaldo Mendes
Santiago, filho de Anísio Santiago, atualmente coprodutor
das cachaças Havana & Anísio Santiago e também
produtor da cachaça Havaninha, comenta:
"A
tradição e qualidade da cachaça Havana-Anísio
Santiago permanecem. Sabemos da importância histórica
da cachaça produzida em nossa fazenda. Não abrimos
mão do legado deixado pelo nosso pai. Buscamos o centenário
da nossa cachaça com esmero e capricho. Muita gente não
entende, mas não buscamos riqueza. A fazenda Havana continua
do mesmo jeito que ele deixou."
O
jornalista Sidnei Mashio em visita que fez à fazenda
Havana, fez o seguinte comentário:
"O universo da cachaça brasileira tem duas histórias
distintas: uma antes e outra depois da fazenda Havana. Preservar
a fazenda é manter intacta parte da história da
cachaça brasileira."
É com esse espírito de preservação
histórica que a cachaça Havana vem se mantendo
no tempo e no espaço em busca do seu centenário.
O tempo virou companheiro inseparável dessa magnífica
marca de cachaça produzida com esmero e capricho na fazenda
Havana, motivo de orgulho do povo de Salinas.
O produtor Anísio Santiago faleceu em 2002 aos noventa
e um
anos, mas o seu feito continua sendo perpetuado pelos filhos.
Um
exemplo de empreendimento familiar que se perpetua ao longo
do
tempo num país em que a maioria das empresas fecham no
primeiro
ano de funcionamento.
Em reverência ao feito de Anísio Santiago, centenas
de reportagens em jornais, livros, mídia eletrônica
e revistas vem registrando o feito histórico dessa marca
lendária.
Alguns depoimentos:
“Historicamente, Anísio Santiago trouxe fama
e prestígio para a
cachaça de Salinas através da Havana. É
um dos maiores patrimônios culturais da nossa terra.”
(JOSÉ ANTÔNIO PRATES, prefeito de Salinas).
“A fama da Havana atraiu para Salinas a atenção
do Brasil e do mundo. A capital da cachaça tem o dever
de reconhecer o seu maior benfeitor.” ISRAEL PINHEIRO
FILHO, engenheiro, político e filho de Israel Pinheiro,
ex-governador de Minas Gerais).
São poucos os produtores de cachaça no Brasil
que conseguem manter a tradição e qualidade. Anísio
Santiago soube produzir sem fazer concessões para o mercado
e as tentações de aumentar o volume de produção.”
(MAURÍCIO MAIA, cachacier).
“Anísio Santiago é referência aos
produtores de Salinas, pois viam nele um expoente no processo
de produção de cachaça artesanal de qualidade.
(ANTÔNIO EUSTÁQUIO RODRIGUES, produtor de cachaça
em Salinas sob as marcas Boazinha, Saliboa e Seleta).
A cachaça Havana é a Ferrari das caninhas.”
(MILTON LIMA, cachacier e estudioso da cachaça).
_____________________________________________
REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA: SANTIAGO, Roberto Carlos
Morais. O Mito da Cachaça Havana-Anísio Santiago.
Belo Horizonte: Edições Cuatiara, 2006.
Téo
Azevedo
Cadeira N. 90
Patrono: Romeu Barcelos Costa
O
CERRADO É MINHA
INSPIRAÇÃO, A VIOLA,
O VIVER E A POESIA
Eu,
Téo Azevedo, considero o Cerrado o tipo de vegetação
mais importante do Brasil. Até mais do que a Floresta
Amazônica. Porque o Cerrado é humilde e generoso,
pois aceita dentro do seu espaço qualquer tipo de terreno,
como Caatinga, Carrascais, Tabuleiro, Baixia, Gerais, Capoeira,
Montanhas, Mata Seca, Veredas e até pedaços da
Mata Atlântica; há sempre uma beiradinha para todos.
Este mote fiz há alguns anos, em homenagem ao Cerrado
do Norte
de Minas.
O
CERRADO É MINHA INSPIRAÇÃO,
A VIOLA, O VIVER E A POESIA
Mote em decassílabo (martelo)
Na beleza que reina no Cerrado
No vento que sopra a brisa quente
No sol que desponta no nascente
No arroz cacheando no banhado
Na cantiga
de um sapo embarreirado
No miolo da doce melancia
Na beleza que tem a cotovia
Na mudança de um camaleão.
O Cerrado é a minha inspiração
A viola, o viver e a poesia.
No sabor
tão gostoso do pequi
No buraco cavado do tatu
No bote que tem o urutu
No passo manhoso do quati
Na couraça que tem o jabuti
Na mulher popular que é Maria
No fuso de renda que ela fia
No cantar mavioso do azulão.
O Cerrado é a minha inspiração
A viola, o viver e a poesia.
Na pescada
de um martim-pescador
Na malícia que tem o carcará
No uivado manhoso do guará
Na elegância que tem um beija-flor
No carro de boi que é cantador
O candeeiro puxando lá na guia
Na água que canta melodia
No repente folclórico da canção.
O Cerrado é a minha inspiração
A viola, o viver e a poesia.
Na caatinga
que tem o ribançã
No trinado vibrante do ferreiro
No aboio dolente do vaqueiro
No agouro do pio acauã
No orvalho
que pinga na manhã
Na coruja mateira que só pia
Na bênção de ramo a simpatia
No esquipado suave do alazão.
O Cerrado é a minha inspiração
A viola, o viver e a poesia.
Na pelota
que vira o tatu-bola
No pandeiro de um embolador
No verso que diz o cantador
No improviso tirado da cachola
No sonoro ponteio da viola
Na disputa que tem uma porfia
Na beleza que tem a cantoria
No martelo, galope ou quadrão.
O Cerrado é a minha inspiração
A viola, o viver e a poesia
Na sustança
que tem nosso panã
No aroma gostoso do araçá
Na cantiga que tem o sabiá
Respondendo da mata o Jaçanã
Na mangueira canta o maracanã
Na grandeza que tem um novo dia
O canto tristonho de uma gia
No forró de latada, o poeirão.
O Cerrado é a minha inspiração
A viola, o viver e a poesia
Virgínia
de Abreu e Paula
Cadeira N. 99
Patrono: Waldemar Versiani dos Anjos
Ruth
Tupinambá Graça
Grande
memorialista. Brindou-nos com textos deliciosos contando, com
carinho e precisão, histórias de nossa cidade
vividas por ela. Prima carnal dos meus pais. Minha prima em
segundo grau, e por ser mais velha, tornou-se Tia Ruth. De olhos
fechados eu a vejo em sua casa na rua Dr. Veloso, em casa da
Titia Maria, aqui em casa, sem nunca afastar o sorriso dos lábios.
Bonita a tia Ruth. Quando mocinha foi considerada uma das mais
belas da cidade. Ganhou segundo lugar num concurso de beleza
acontecido num parque de diversões. O primeiro lugar
foi para minha mãe. Elas se pareciam! Casou-se com Armênio
Graça, um marido incrivelmente elegante e fino. Teve
diversos filhos. Não sei bem a razão torneime
mais chegada aos meninos! Alberto Graça, o cineasta,
e Armênio, o musicista, entre outras coisas. Tia Ruth
não apenas recordava seu passado. Em suas crônicas
era comum defender, e bem, as suas convicções.
E que delícia passear pela antiga Montes Claros através
da sua narrativa. Eu marcava trechos do seu livro “Montes
Claros Era Assim...” para comentar com minha mãe,
sua leitora voraz. Passávamos horas entretidas com aquelas
memórias saborosas. Minha mãe sempre acrescentando
detalhes lembrados por ela. Foi assim, graças a Tia Ruth,
que surgiu em mim a vontade de escrever sobre as memórias
da minha mãe no seu tempo de menina na Rua de Baixo.
–“Ruth era mais ligada a Aracy do que a mim, pela
idade. Ela morou lá em casa, sabia? Para estudar. Os
pais estavam morando onde não havia escola...”
–“Espere aí, mamãe. Vou pegar caderno
e caneta. Vamos fazer um livro!” O livro tornou-se realidade
graças ao primo Fabiano de Paula que, sonhou comigo o
mesmo sonho. Encontrou novos parceiros e escritores... inclusive
a tia Ruth. Foi na sua sala inglesa (aquele recanto ficaria
bem no condado de East Sussex ou Glouscestershire), que estive
com ela pela última vez, numa tarde de pesquisas para
o livro. Eu e Fabiano. Ela entusiasmada com o projeto, removendo
nossas dúvidas, acrescentando informações.
-“Que memória prodigiosa,
comenta Fabiano.” –“Fui criada com leite de
cabra”, nos revela.
Serena nos deixou. Despediu-se dos filhos sem dramas, consciente
de estar indo para um bom lugar. Não duvido que, no novo
e belo mundo onde agora reside, escreva suas memórias
desse plano grosseiro em que vivemos. Minha gratidão
à Tia Ruth pelo que fez por nossa cultura e pelo muito
que me ensinou.
Ruth Tupinambá
Graça
Wanderlino
Arruda
Cadeira N. 33
Patrono: Enéas Mineiro de Souza
COROGRAFIA
MINEIRA
As
pessoas são todas iguais, o que muda são os caminhos
seguidos.
Jeff Guilherme
Sérios,
organizados, tranquilos, firmes e plenos de cidadania foram
os caminhos do desembargador Antônio Augusto Velloso,
de tão grata memória para os seguidores da história
de Montes Claros e de todas as suas relações com
a cultura brasileira. Um homem bom e honesto, ativo desde o
início da juventude. Estudioso e trabalhador
em tempo integral.
Antes de dizer mais sobre o montes-clarense Antônio Augusto
Velloso, nascido em outubro de 1856, na fazenda Lama Preta,
de propriedade de seus avós, gostaria de dizer que este
livro deveria ter sido escrito pelo historiador Dário
Teixeira Cotrim, há mais de dois anos, para que pudesse
ser prefaciado pelo nosso inesquecível Haroldo Lívio
de Oliveira, em um dourado momento de felicidade. Haroldo adorava
o desembargador e tinha orgulho da sua trajetória de
latinista e homem culto, intelectual dos melhores.
Curso
primário e primeiros rudimentos de latim, em Montes Claros,
com o professor José Rodrigues Prates Junior, mesmo e
completo nome do meu quase patrão Juca Prates, o criador
do jucapratismo.
Humanidades e muito mais latim em Diamantina, no Colégio
Inocêncio Campos, internato no Colégio Paixão
em Petrópolis, exames preparatórios para o curso
superior na capital paulista. E finalmente a famosa Faculdade
de Direito de São Paulo.
Mestre
competente na língua romana e em filosofia, foi professor
em dois colégios e na Escola Americana mais tarde, mais
tarde superfamosa como Instituto Mackenzie. Não suportando
a vida de república e pensões, em razão
de sua índole retraída, passou a morar sozinho
em uma casa alugada no Largo do Arouche, tendo como auxiliar
doméstico um velho e dedicado escravo, que mandara ir
de Montes Claros. Uma vida quase monástica, rígida
como a de um antigo leitor e copista beneditino, foi aos vinte
anos, tido e reconhecido como o melhor tradutor das Odes de
Horácio, o grande clássico de todos os tempos.
Ousado e sonhador, mesmo solitário, Antônio Augusto
Velloso sempre honrou as tradições de cultura
da sua cidade natal, os Montes Claros. Era consciente de um
dos encantos das ideias de Leonardo Da Vinci: “Uma vez
que você tenha experimentado voar, você andará
pela terra com seus olhos voltados para céu, pois lá
você esteve e para lá desejará voltar.”
Viver cada hora do presente, mas andar sempre para o futuro,
seja na realidade, seja nos sonhos.
Graduado em ciências jurídicas e sociais em outubro
de 1897, o novo bacharel veio de volta pela estrada de ferro
até Barbacena, onde o esperava animais e camaradas, mandados
por seu pai, para trazê-lo por um caminho que passava
por Ouro Preto e Diamantina. Ao todo, de São Paulo a
Montes Claros mais de duzentas léguas. Claro que a chegada
à terra natal foi a maior festa para um recém-formado,
portador de canudo universitário. Festas de dois dias
e duas noites, com direito a carne de sol, arroz com pequi,
doces de casca de limão e de anéis e muitos foguetes.
Advogado,
jornalista fundador do Correio do Norte, deputado e senador,
o doutor Antônio Augusto Velloso, deixou tudo para se
dedicar à função de Juiz de Direito em
Ouro Preto e Belo Horizonte, e, mais tarde, desembargador no
Tribunal da Relação, porque era no Direito que
estava a sua maior vivência.
Bem faz o historiador Dário Teixeira Cotrim, também
homem do Direito como Haroldo Lívio e como eu, os três
sem exercício de advocacia, voltar toda a sua atenção
para a vida do grande magistrado Antônio Augusto Velloso,
um resgate histórico que valerá para sempre.
Parabéns, pois, ao Organizador de Corografia Mineira
do Município de Montes Claros. E todos os agradecimentos
do IHGMC e das Academias Montes-clarense e Maçônica
de Letras do Norte de Minas pela escrita e publicação
deste livro. Como bem disse o grande Pablo Neruda, a vida não
começa quando se nasce, começa quando se ama.
E é de amor à História e a todas as artes
da Literatura que vive o baiano-montes-clarense doutor Dário
Teixeira Cotrim. A ele, todos os nossos aplausos!
Wanderlino
Arruda
Cadeira N. 33
Patrono: Enéas Mineiro de Souza
JANAÍNA
Falamos
de nossa vida e de nossas experiências porque precisamos
delas para nos firmarmos como personagens do mundo.
Somos um abismo de ânsias pela verdade em todos os tempos.
Aprendemos, sentados ao redor do fogo, desde o início
dos milênios,
a contar estórias, falar de experiências, lembrar
de medos e
desejos. Muito pequena a humildade - como homens ou mulheres
-
para confessarmos erros, reviver ciúmes, entender fracassos,
relembrar
dores. Dia aqui, dia ali, qualquer que seja o nosso nível
intelectual
ou social, acabamos tocados por fraca ou intensa alegria, por
leves ou
intensas dores. Somos, quase sempre, exemplos de resistência,
seres
de novas e velhas saudades, tudo coloridamente real no ato do
viver e
conviver. Enfim, somos humanamente humanos.
Linda e proveitosa para mim a experiência de leitura -
com
olhos de prefaciador - do livro JANAÍNA, do meu irmão
e amigo Manoel
Messias Oliveira, conterrâneo de sertão, companheiro
de ideias e
de muitos ideais. Viajar pelo livro foi um imenso prazer e um
intenso
trabalho, ao mesmo tempo dedicada tarefa na Linguística
em face mundo Bahia-Minas, principalmente por estas bandas do
médio São
Francisco. São tantos os falares, tantas as palavras,
tão marcante o
subdialeto, que só quem nasceu por cá, sabe avaliar
e compreender.
Manoel Messias é tão consciente do vocabulário
de sua meninice e
juventude na beira rio, tão seguro tem sido no seu emprego
em romances,
que autores e diretores novela Velho Chico, da TV Globo,
pediram-lhe autorização para usá-lo nas
composições dos diálogos,
fator de autenticidade, fruto de sucesso e tanta marca de sertão.
Romancista nato, narrador competente, mestre nas descrições
e nas análises do ser e do estar, meu confrade no Instituto
Histórico
e Geográfico de Montes Claros e na Academia Maçônica
de Letras
do Norte de Minas, chega a ser, ao mesmo tempo, fotógrafo
e pintor,
psicanalista do pensar e do agir, ainda afeito à sua
arte de interrogar
e receber confissões tão próprias em sua
antiga função de sargento
da PMMG, e dos muitos anos de delegado na Polícia Civil.
Um verdadeiro
doutor na ciência de conhecer e reconhecer gestos do corpo
e de alma de jovens e velhos que passaram por suas salas de
gestor
da ordem pública. Perfeito redator e relator de fatos
e acontecências,
capaz de colocar no papel o que muitos colegas não fazem
nem em
pensamento. Daí a maestria na composição
e na feitura do romance.
Quanto às personagens – Janaína, seu Pacheco,
D. Marcelina,
Abílio, Henrique, Marta, Otaviano - o melhor para identificá-las
é o
uso das palavras próprias e apropriadas ao idear e ao
falar de cada um.
Para mim é como se eu também estivesse por lá,
pelo lado de dentro
e pelo lado de fora do balcão da casa comercial que vendia
de um
tudo, nas varandas, na cozinha e no quintal das casas da cidade
e da
fazenda, vendo e respirando as poeiras das ruas e das estradas,
degustando
sabores, deleitando-me com os coloridos, encantando-me com
os barulhos e as musicalidades das conversas de meninos e de
adultos.
Saudosos os costumes interioranos, as considerações
tidas para viventes
mais ou menos situados no mandar e no obedecer, embora sempre
afeitos ao um mínimo de civilidade, poucas as exceções
em alguma
violência ou mania de fuxicos. Nada que não pudesse
acontecer em
pequenas cidades como São João do Paraíso,
onde nasci, e em Salinas,
Mato Verde e Taiobeiras, onde também vivi, aprendi a
ler e escrever e
naveguei em primeiras e muitas leituras. Nada que não
pudesse estar
no livro “Na venda do meu pai”, perfeita descrição
dos bons tempos
de infância de Luiz de Paula Ferreira na sua amada Várzea
da Palma.
Toque final, com alguns exemplos para dar água na boca
dos
felizes leitores de JANAÍNA, expressões e vocábulos
que só sabem
deixar saudades: mercadorias encalhadas, coração
do tamanho do
mundo, medida de feijão, libra de toucinho, enganar o
estômago,
dependurado a tiracolo, mulato pachola, soverter rua afora,
mulher
separada, carestia, goela seca, tripa murcha, algibeira, mantença,
lida
sem descanso, escarafunchado, cabeçada, lenço
na cabeça, xale, cacareco,
bodum, perrengue, adjutório, frincha, bestagem, caneta
tinteiro,
bruaca, sarapatel, andar zanzando. Lindo o uso de algodão
como
tecido, pena como peça de escrita, jornal como salário
do dia, jardineira
como ônibus, apear como descer, de-comer como comida,
ladino como inteligente, zonzo como tonto, insosso como sem
sal,
facultativo como médico, boticário como farmacêutico,
maroteiro
como mau pagador, vendeiro como dono do comércio, gato
cheira
e cobre de terra como aquilo que minha sogra chamava “daquilo
que
Luzia escondeu atrás da horta”.
Salve, salve, para o lindo romance de Manoel Messias, que merece
todos os parabéns, aqui e nas beiradas do São
Francisco!
Yury Vieira T. de Lélis Mendes
Cadeira n.º 96
Patrono: Tobias Leal Tupinambá
|
Daniel Oliva T. de Lélis
Cadeira n.º 83
Patrono: Cônego Newton d’Ângelis |
Capitão Camilo
Cândido de Lélis
A história nem sempre é justa com aqueles que
dedicaram uma
vida inteira à causa pública. Muitas vezes figuras
proeminentes,
cujo destaque ultrapassa as fronteiras regionais, têm
sua
memória esquecida pela coletividade, fazendo com que
novas gerações
não tenham contato com fatos e passagens marcantes do
desenvolvimento
de um povo ou de uma região. Perde-se assim, a oportunidade
de aprofundamento do conhecimento do passado.
Em Montes Claros e região, há com certeza exemplos
de homens
e mulheres valorosos cujas memórias, ninguém sabe
explicar
como e nem por que, foram relegadas ao esquecimento, ou pelo
menos
não tiveram a interpretação ou espaço
dado à sua importância,
por quem se dispôs a escrever a História. O trabalho
do historiador,
do memorialista, é vital para que esses desvios históricos
sejam corrigidos.
Assim sendo, há de se resgatar da galeria dos injustiçados,
a
figura marcante do Capitão Camilo Cândido de Lélis,
cuja atuação se deu em vários níveis,
militar e político, e em várias cidades do norte
de Minas Gerais.
Não é só a profícua carreira militar
e política que o fazem especial
e merecedor do destaque na galeria de figuras marcantes do Estado
de Minas Gerais. A personalidade do Capitão Camilo Cândido
de
Lélis é sobremaneira acentuada e faz desse homem
quase uma lenda.
Lamentável que a isenção tenha faltado
a historiadores que fizeram
citações de sua existência mas não
tiveram a sensibilidade de
interpretar essa figura única, à frente de seu
tempo, desprovido de
qualquer vaidade, culto, alheio às convenções
sociais, excêntrico ao
extremo, possuidor de dons artísticos. Enfim, uma personagem
da
história regional, de múltiplas facetas e que
agora começa a ser justiçado
pela História.
Comemorou-se no dia 30 de dezembro de 2015 a efeméride
do Centenário de Morte daquele que foi um dos grandes
nomes da
política, cultura, segurança pública e
militarismo do Norte de Minas
durante os séculos XIX e XX. Trata-se do Capitão
Camilo Cândido
de Lélis, cujo nome, para que justiça seja feita,
está por merecer o
patronato de alguma via pública ou órgão
público nos Municípios
de Montes Claros, Turmalina, Brasília de Minas e/ou Coração
de Jesus,
todos em Minas Gerais. Sua biografia encontra-se imortalizada
na obra “Efemérides montesclarenses: 1707-1962”,
de Nelson Viana,
dentre várias outras.
O Capitão Camilo Cândido de Lélis foi um
Militar, nascido
a 15 de julho de 1845 no Município de Minas Novas (MG),
que se
tornou célebre como Herói da Guerra do Paraguai
(1864-1870). Foi
encarregado das Colletorias1 do Norte de Minas, e organizou
o sistema
_______________________________________________
1 - Lélis, Camilo Cândido de. (1845-1915). Notas
Sociaes. Fallecimentos. MG, 5 jan.
1916, p. 3. Disponível na “Plataforma Hélio
Gravatá” do Arquivo Público Mineiro. No
mesmo sentido, dá nota o Cônego Newton D’Ângelis,
em suas Efemérides Rio-Pardenses,
que o Capitão Camilo foi coletor em Rio Pardo de Minas
em 1889.
______________________________________________
Tributário de Montes Claros (MG)2, onde foi Vereador
por diversas
legislaturas e chegou a presidir a Câmara Municipal, tornando-se
o 27°
Agente Executivo (Prefeito) do Município, entre 1893/1894.
Presidiu
as Sessões de Instalação dos Municípios
de Sant’Anna de Contendas
(atual Brasília de Minas), em 1894, e de Inconfidência
(atual Coração
de Jesus), em 1912, onde foi o primeiro Presidente provisório3
e vereador
na primeira legislatura (1912-1914) de sua Câmara Municipal,
tornando-se o 1° Agente Executivo (Prefeito) do Município,
entre
maio e junho de 1912. Foi, ainda, delegado de polícia
em diversos
Têrmos em Minas Gerais, além de Chefe do Destacamento
Militar de
Montes Claros (sede da 4ª Circunscrição Militar),
Comandante da 5ª
Circunscrição Militar (com Sede em Paracatu) e
Comandante da 3ª
Circunscrição Militar (com Sede em Diamantina).
Ilustração de Marcelo Lélis
______________________________________________
2 - Lélis, Camilo Cândido de. (1845-1915). Notas
Sociaes. Fallecimentos. MG, 5 jan.
1916, p. 3. Disponível na “Plataforma Hélio
Gravatá” do Arquivo Público Mineiro.
3 - Entre maio e junho de 1912, sendo sucedido pelo Cel. Francisco
Ribeiro.
__________________________________
Filho do Capitão Paulo Cândido de Souza e de Dona
Benvinda
Carolina de Souza4, ambos professores no Distrito de Piedade
(hoje
Turmalina), com os quais teve as primeiras lições.
Seu pai, o Capitão
Paulo Cândido de Souza, era membro do Partido Liberal
e ocupou,
por diversas vezes, os cargos de Vereador da Câmara Municipal
de
Minas Novas e de Delegado do Termo de Minas Novas5, além
de ter
sido Eleitor Especial da Freguezia de Piedade, Porta-Bandeira
do 6°
Batalhão de Reserva da Guarda Nacional em Minas Novas,
Fabriqueiro
da Paróquia de Nossa Senhora da Piedade, e Negociante
de Secos e
Molhados da mesma Freguezia e Districto.
A família Cândido de Souza era proeminente em Minas
Novas
e particularmente legou a Montes Claros dois prefeitos, além
do próprio
Capitão Camilo Cândido de Lélis (27º),
seu primo carnal, o Ten.
Cel. Joaquim Costa (33º)6.
Em março de 1857, ainda mancebo, o jovem Camilo já
demonstrava
seu espírito irrequieto e aventureiro, ao assentar praça,
por
ato do Dr. Herculano Ferreira Penna7, no 1º Batalhão
de Minas Gerais,
em Ouro Preto, para servir à gloriosa polícia
mineira. Demonstrava com esse gesto, vocação para a carreira
militar, como fosse de se
esperar de um membro da nobre e destemida Família “Cândido
de
Souza”.
____________________________________
4 - Católicos fervorosos, seus pais deram-lhe, na pia
batismal, o nome de Camilo Cândido
de Lélis, em homenagem ao santo do dia. Carregava o infante
ainda o nome de
família, “Cândido”, componente do patronímico
da tradicional família dos “Cândido
de Souza”, verdadeira dinastia de homens dados às
armas, mas também às letras; à
tribuna, mas também aos negócios; homens aventureiros
que se distinguiram quer como
negociantes, quer como fazendeiros, quer como militares, quer
como políticos.
5 - Conforme colhemos notas, p. ex., das edições
de 14 de setembro de 1882 do jornal “A Província de Minas” (órgão
oficial do Partido Conservador na província) e de 12
de dezembro de 1881 do jornal “A Actualidade” (órgão
oficial do Partido Liberal na
província).
6 - Um dos donos da Fábrica de Tecidos do Cedro, era
filho do Coronel José Antônio
da Costa (02/10/1825 – 15/03/1913), residente em Minas
Novas, onde foi vereador
e o primeiro tabelião de notas; com Dona Maria Josefina
de Souza (filha do Capitão
Fulgêncio Cândido de Souza e dona Maria Beatriz
de Sena; portanto, irmã do Capitão
Paulo Cândido de Souza, este pai do Capitão Camilo).
Vide: FERREIRA, Valdivino
Pereira. Genealogia Norte Mineira: resumo genealógico
das grandes famílias nortemineiras
e do sudoeste baiano, v. 1, Turmalina: Edição
do autor, 2003.
7 - Natural de Diamantina (MG) e então presidente da
Província de Minas Gerais, era
do círculo social de sua parentela.
____________________________________
Em 13 de abril de 1867, depois de servir por 10 anos à
excelsa
Polícia mineira, Camilo Cândido de Lélis
se desliga da corporação,
apresentando-se, então, como voluntário ao 17°
Batalhão de Infantaria,
do Corpo de Voluntários da Pátria, quando era
Chefe de Operações
o Marechal Luís Alves de Lima e Silva, então Marquês
(e depois
Duque) de Caxias. E, como Tenente, parte para a Guerra do Paraguai,
incorporando-se às forças enviadas pela Guarda
Nacional sediada em
Minas Novas sob o comando do Coronel José Bento Nogueira
Góes
(o “Zebentão”), seguidas para o Mato Grosso.
De Piedade de Minas
Novas (Turmalina), seguiram, em companhia do Coronel Zebentão
e do Tenente Camilo Cândido de Lélis: o capitão
José Leonardo da
Rocha Pompéu (Juca Leonardo), de sua parentela materna;
o capitão
Joaquim Pinheiro Torres, o tenente João Pinheiro Torres
Júnior, o
tenente Tristão Aarão Ferreira dos Santos, o tenente
Patrício Pereira
Freire, o tenente Fabrício Pereira Freire, o sargento
Antônio Soares
Falcão, e o sargento Joaquim Lopes Barbosa, todos acompanhados
de
quatro escravos, que se incorporaram ao Regimento 21.
Uma Brigada composta de efetivo mineiro, comandada pelo tenente-coronel Antônio Enéias Gustavo Galvão8,
era formada pelo 17º
Corpo de Voluntários da Pátria, Batalhão
21 de Infantaria e policiais
mineiros, com um efetivo de mais de mil soldados.
Distinguiu-se, o jovem Camilo, no conflito, onde lutou com
bravura e heroísmo, tendo realizado notáveis feitos,
realmente extraordinários,
praticados quase diariamente, durante a longa campanha,
oportunidade na qual participou do famoso episódio imortalizado
como “A Retirada da Laguna”9 pela pena de Taunay,
também um de
_________________________________
8 - Filho do Coronel José Antônio da Fonseca Galvão,
veio a tornar-se marechal do
Exército Brasileiro e Barão de Rio Apa.
9 - Sob o comando do coronel Carlos de Morais Camisão.
________________________________
seus protagonistas. Chegou a matar em combate um Porta-Bandeira
do Exército Paraguaio, a salvar a vida de seu capitão,
também em
combate; e, mais do que tudo isso, o que realmente lhe rendeu
todos
os louros conquistados na Campanha e que para sempre lhe acompanhariam
em sua vida, a salvar a vida do Imperador Dom Pedro II. Trata-se do famoso episódio em que perigou a vida do Imperador
Dom
Pedro II, quando visitando os soldados em Campanha, um soldado
insatisfeito invadiu a barraca onde ele dormia e quase degolou
nosso
imperante que dormia candidamente.
É que, sem víveres para o sustento da tropa, afetada
pela cólera,
o tifo, e pelo beribéri, a coluna do Exército
Brasileiro sofreu constantes
ataques da cavalaria paraguaia, que utilizou táticas
de guerrilha,
infligindo perdas severas aos brasileiros, inclusive da intendência
que
levaria víveres para o sustento da tropa, que passou
fome e toda sorte
de necessidades. Um dos grandes problemas enfrentados pela Expedição
ao longo dos quatro anos foi a constante falta de alimentos
e
fardamentos e também a ausência de uma melhor logística
por parte
do Império. Desse modo, logo no início da jornada,
era grave a dificuldade
de abastecimento de víveres. Vale lembrar, por esclarecedor,
o que diz Taunay: “À medida, porém, que
nos íamos aproximando
do núcleo de convocações, as deserções
se acentuavam do modo mais
significativo, pondo cada qual em prática o rifão
muito em voga, naqueles
tempos da campanha do Paraguai: Deus é grande, mas o
mato
ainda maior!”.
O meu capitão Camilo é diferente: é o bravo
soldado da campanha
do Mato Grosso. Esteve na retirada da Laguna, comeu o couro
dos arreios com seus comandados, salvou-se por um milagre da
epidemia do cólera morbus que dizimou a tropa, graças
aos laranjais
nativos das selvas matogrossenses.
Tudo isso é confirmado pela História, mas quando
ele contava
que os soldados comiam capim, ninguém acreditava. Pois
comeram. Havia nos campos de Mato Grosso, dizia ele, um capim
cujo
pendão tinha um talo adocicado.
Os soldados, mortos de fome, mesmo em forma não se mantinham
quietos, abaixavam-se a todo momento, para arrancar o pendão
saboroso.
Afim de não prejudicar a disciplina o Coronel Camisão
via-se
obrigado a ordenar: “Debandar para pastar”. E era
então com grande
alvoroço que a tropa faminta se espalhava pela campina
verde10.
Para elevar o moral das tropas, que sofreram com a fome e falta
de víveres, dando-lhes nova energia e motivação,
quis Dom Pedro II
visitá-las disfarçadamente, como se soldado fosse,
já que não tivera
apoio de seus assessores (nem do Conselho de Estado, nem do
Parlamento)
em seu intento. Teve, no entanto, sua barraca invadida por
um soldado insatisfeito com o governo imperial, que gastava
parte
considerável de seu orçamento com as tropas em
combate, elevando o
déficit público e a dívida com o estado
bretão em quantias astronômicas,
assunto glosado com frequência pelos jornalistas da Côrte,
e pelos
republicanos baianos, mineiros e paulistas. O soldado insatisfeito
entrara, às escondidas, com uma adaga, na barraca de
repouso do imperante
que dormia candidamente, sendo surpreendido incontinente
pelo jovem oficial de Infantaria, Camilo Candido de Lélis,
à altura
com apenas seus vinte e poucos anos11, que foi logo desembainhando
sua rapieira imperial e travando intensa luta com o traidor,
que sacara
espada encontrada na barraca do monarca, mas que, após
árduo confronto,
sucumbiu aos pendores militares de Camilo, não conseguindo
resistir ao ser atingido mortalmente por aquele que viria a
se tornar
_______________________________
10 - TEIXEIRA, Antônio Augusto. Um caso antes de noventa.
Belo Horizonte: O Lutador,
1975, p. 108-109.
11 - Na oportunidade, estavam Camilo Cândido de Lélis
e seu parente Juca Leonardo
jogando truco e contando piadas em sua barraca de repouso quando,
ouvindo um barulho,
este último, hierarquicamente superior na escala militar,
ordenou, debochadamente,
a Camilo que fosse verificar o que seria, pois “soldado
raso deve obedecer”. Bendita seja
essa ordem que mudou os rumos da vida do tenente Camilo.
______________________________
um dos grandes Próceres da Guerra do Paraguai, devido
à sua brava e
heróica atuação em inúmeras batalhas
da Campanha. Para não alardear
o fato e arriscar por em choque a legitimidade da necessidade
da Guerra contra o Paraguai e do próprio regime monárquico
– e
por estar o imperador no campo de batalha sem a necessária
ciência
e anuência do Parlamento – tal episódio fora
severamente ocultado,
inclusive não havendo, sequer, julgamento militar do
soldado-traidor,
mesmo porque este já tivera sido morto pelo Tenente Camilo,
que
sagrou-se verdadeiro Herói da Guerra do Paraguai (1864-1870).
Imediatamente
promovido a Capitão, após ciência ao Conde
d’Eu (Príncipe
Gaston Luiz Filipe)12, pelo próprio Imperador Dom Pedro
II, de
quem se tornou íntimo amigo a partir de então,
e que devotou-lhe
verdadeira amizade tendo-o na mais alta estima e distinta consideração
(em homenagem aos mais notáveis feitos de bravura), o
doravante
Capitão Camilo Cândido de Lélis, tido como
Oficial Distintíssimo,
teve o Peito Enobrecido com diferentes Condecorações
ganhas nas
Batalhas do Paraguay, e passou a ocupar um posto de oficial
honorário
no Exército, o qual por mais orgulho e vaidade que pudesse
despertar,
não mexia com os brios desse homem, que se matinha o
mesmo, sem
nenhuma afetação ou qualquer coisa que mudasse
seu espírito, acima
das convenções.
O Capitão Camilo Cândido de Lélis recebeu
duas provas inequívocas
que ilustram seu nome e enobrecem a sua descendência,
intimamente
ligadas à sua profissão e a sua brilhante carreira
na Chefia
de Polícia de Minas (no império e na república),
como delegado de
polícia e militar de comprovada probidade. A primeira
foi receber as
honras de tenente honorário do Exército Imperial
por determinação
do Sr. Ministro da Guerra. A segunda foi a outorga, pelo Imperador
D. Pedro II, da comenda da Ordem da Rosa no grau de oficial13.
________________________________
12 - Marido da Princesa Isabel e Comandante das Forças
Aliadas (união militar do
Império do Brasil e das repúblicas da Argentina
e do Uruguai contra as Forças Beligerantes
de Solano Lopez).
13 - FERREIRA, Valdivino Pereira. Capitão Camillo Cândido
de Lélis. Tribuna dos
Geraes, Norte de Minas, Ano I, número 1, setembro de
2014. Memórias dos Geraes, p. 6.
_________________________________
Aqui se faz importante ressaltar que as honrarias recebidas
e
as passagens da guerra foram contadas diversas vezes pelo Capitão
Camilo Candido de Lélis ao longo de sua vida. E assim,
geração após
geração, essas mesmas histórias foram recontadas
entre seus descendentes,
até os dias atuais. Os pormenores, que aqui se resgata,
se perderam
no passar impiedoso do tempo. Mas a essência do heroísmo,
do espírito rebelde e aventureiro do capitão,
nunca deixou de ser valorizado
e reverenciado por aqueles que carregam nas veias o seu sangue.
Essas passagens também são corroboradas pelo pesquisador
Valdivino
Pereira Ferreira, do Instituto Histórico e Geográfico
de Minas Gerais
(IHGMG), que sobre elas fez remissão: “Segundo
uma versão difundida
pelos descendentes do major Licínio de Castro, mineiro
de tradição
radicado em São José do Rio Preto (SP) (...) Essa
versão também a
ouvi diversas vezes contadas por minha avó materna, dona
Cecília de
Paula Godinho, ótima causeur e memorialista”14.
O 17º Batalhão retornou a Ouro Preto no dia 6 de
março de
1870, comandado pelo tenente-coronel José Maria Borges,
onde foi
recebido com festas populares e grandes cerimônias, que
culminaram
com a entrega da Bandeira deste Batalhão ao Presidente
da Província
na Catedral de Mariana.
O Capitão Camilo Cândido de Lélis, a partir
de então, passou
a gozar de incontestável e unânime respeito, por
onde quer que fosse.
Laureado com a admiração geral, passou a fazer
parte da Elite Política
regional norte-mineira e do Círculo Social das elites
políticas provincial
e imperial. Foi, com efeito, a partir de então, Delegado
de Polícia
em diversos Termos, dentre os quais podemos citar: Rio Pardo
de
Minas, Montes Claros, Juramento, Minas Novas, Turmalina, Itamarandiba
(antiga São João Baptista), Teófilo Otoni
(antiga Filadélfia),
Araçuaí, São João d’El Rei,
São Francisco, Diamantina, Itabira15, Januária,
Brasília de Minas e Coração de Jesus.
____________________________
14 - FERREIRA, Valdivino Pereira. Capitão Camillo Cândido
de Lélis. Tribuna dos
Geraes, Norte de Minas, Ano I, número 1, setembro de
2014. Memórias dos Geraes, p. 6.
15 - Onde gozava da amizade do coronel Antônio Menezes
de Freitas Drummond, avô
paterno do poeta Carlos Drummond de Andrade.
___________________________
No âmbito político gozava o capitão Camilo
de elevadíssimo
conceito eleitoral no Norte de Minas, de modo que, sem o qual,
nenhum
pretendente à chefia política da Província
poderia cogitar a
conquista eleitoral da zona norte-mineira. Era tamanha a sua
influência
na Província de Minas Gerais, sobretudo na região
setentrional;
isso, para não dizer da influência direta que possuía
na Côrte, sobretudo
pela sua ligação com o Imperador, conquistada
na Campanha do
Paraguai e perpetuada pelo convívio e amizade que possuíam,
regada
pelas obrigatórias visitas que fazia à Sua Majestade
Imperial, sempre
que ia ao Rio de Janeiro, motivo que fosse.
Foi, ainda, membro da Comissão de Sindicância (1908)
da
Liga Operária Beneficente, em Montes Claros; Chefe do
Destacamento
Militar de Montes Claros (sede da 4ª Circunscrição
Militar);
Comandante da 5ª Circunscrição Militar (com
Sede em Paracatu);
Comandante da 3ª Circunscrição Militar (com
Sede em Diamantina);
Tenente Honorário do Exército Imperial Brasileiro;
Oficial da
Guarda Nacional; Capitão do Corpo de Polícia (Polícia
Militar de
Minas Gerais); Veterano da Guerra do Paraguai (1864-1870); Tenente-
Coronel Comandante do Corpo Policial, Membro da Banda de
Músicas do Corpo Policial, além de Delegado em
diversos Termos.
Membro do Partido Liberal, o capitão Camilo Cândido
de Lélis
foi um dos fundadores do Club Abolicionista, fundado a 15 de
agosto de 1884 no Paço da Câmara Municipal de Ouro
Preto, e instalado
solene e festivamente nas comemorações do dia
7 de setembro
do mesmo ano.
O município de Sant’Anna de Contendas (atual Brasília
de Minas)
foi criado em 1890. Sem dúvida alguma, motivo de alegria
e
júbilo para os habitantes. Mas quatro anos haviam se
passado sem que
a instalação de fato acontecesse. Foi necessária
a insistência e interferência
de várias pessoas para que o processo se tornasse realidade.
O
esforço de muitos deve ser lembrado e reconhecido, mas
também de
um homem que carregava em si um espírito libertário
e emancipador, que foi o prefeito de Montes Claros16, Capitão Camilo
Cândido de
Lélis, que não mediu esforços junto ao
governo estadual para apressar
a concretização do sonho daquele povo. O Capitão
Camilo, figura
memorável, tinha diversas amizades em Sant’Anna
de Contendas, entre
elas as de Theóphilo Lopes Silqueira e Antônio
Vieira de Araújo,
e não colocou óbice à sua plena emancipação,
ao contrário, fazendo
gestão para a rápida implantação
do novo município, que se deu em
02 de janeiro de 1894. As eleições para o primeiro
agente executivo
municipal (prefeito) e para a primeira Câmara Municipal
(16 de novembro
de 1893) e a Sessão de Instalação do Município
(2 de janeiro
de 1894) foram presididas pelo Capitão Camilo Candido
de Lélis:
A instalação do município se deu a 2 de
janeiro de 1894. Antes, porém, a 16 de novembro de 1893 se realizava, sob a presidência
do
Capitão Camilo Cândido de Lélis, ao tempo
servindo de presidente
da Câmara de Montes Claros, a apuração das
eleições para presidente
da Câmara e Agente Executivo de Contendas, assim como
dos vereadores
do novo Município e especiais de Boa Vista e Campo Redondo17.
Igualmente, presidiu, entre os dias 24 de maio a 1° de junho
de 1912, as três sessões preparatórias e
a Sessão Solene de Instalação
da Câmara Municipal de Inconfidência (atual Coração
de Jesus), sendo
um dos grandes próceres da Emancipação
do Município, onde
foi Delegado, Vereador e primeiro Presidente (provisório)
da Câmara
Municipal, e portanto 1º Agente Executivo Municipal (Prefeito)
daquela
municipalidade, durante nove dias, quando foi sucedido pelo
seu amigo, o Cel. Francisco Ribeiro dos Santos18.
________________________________
16 - Naquela época, Agente Executivo Municipal.
17 - BRASIL, Henrique de Oliva. De Contendas a Brasília
de Minas. 1977, p. 31.
18 - “A respeito do Capitão Camilo, conta-se o
pitoresco episódio: O coronel Francisco
Ribeiro dos Santos, Presidente da Câmara e Chefe do Executivo
Municipal, seu amigo
e admirador, convidou-o a passar alguns dias na capital da República,
oportunizando,
assim, ao capitão, matar as saudades dos sítios
de sua predileção na grande metrópole,
onde sempre costumava ir após a demorada vitória
contra Solano Lopez” (MACEDO,
Ubirajara Alves de. Coração de Jesus: sua lenda,
sua história, seu folclore).
___________________________________________
O Capitão Camilo Cândido de Lélis, veterano
da Guerra do
Paraguai, agraciado com a patente de capitão pelo Imperador
Dom
Pedro II, de quem era íntimo amigo, presidiu no dia 1°
de junho de
1912 a sessão solene que proclamou a emancipação
do município
de Inconfidência, o Coração de Jesus de
hoje, voltando a assumir a
cadeira de vereador na Câmara Municipal e a prestar serviços
à comunidade
nascente19.
Finda a Guerra do Paraguai (1864-1870), o Cap. Camilo foi
destacado para São João d’El Rei, onde se
casou com dona Jesuína.
Nomeado, por ato do Govêrno, de 13 de novembro de 1886,
Comandante
do destacamento de Montes Claros, transferiu-se para esta
cidade, sendo logo, designado para as funções
de Delegado de Polícia20.
_________________________________
19 - MACEDO, Ubirajara Alves de. Coração de Jesus:
sua lenda, sua história, seu
folclore (no prelo).
20 - Cronologia da Vida Política do Capitão Camilo
em Montes Claros:
A 13 de novembro de 1886, por ato do Govêrno, o cap. Camilo
Cândido de Lelles é
nomeado Comandante do destacamento da cidade de Montes Claros.
A 09 de novembro de 1892, instala-se a nova Câmara Municipal
de Montes Claros,
sendo que o vereador do distrito dos Morrinhos, Josefino de
Oliveira França, perdeu o
mandato por haver aceitado um emprêgo federal, sendo substituído
pelo cap. Camilo
Cândido de Lélis.
A 21 de março de 1893, sob a presidência do cel.
Celestino Soares da Cruz, presta
juramento e toma posse do cargo de vereador à Câmara
Municipal de Montes Claros o
cap. Camilo Cândito de Lélis, eleito pelo distrito
de Morrinhos (hoje Miralta).
Exerceu o capitão Camilo Cândido de Lélis,
entre os dias 09/10/1893 e 12/02/1894,
a presidência da Câmara Municipal e a Chefia do
Executivo Municipal de Montes
Claros, sendo sucedido pelo Dr. Honorato José Alves a
partir do dia 13 de fevereiro de
1894.
A 16 de novembro de 1893, sob presidência do cap. Camilo
Cândido de Leles,
servindo de Presidente da Câmara Municipal de Montes Claros,
procede-se à apuração
dos votos das eleições para Agente Executivo e
Presidente da Câmara Municipal de
Contendas, assim como dos vereadores gerais do novo município
e especiais dos distritos
de Boa Vista e Campo Redondo. A 2 de janeiro de 1894, sob a
presidência do cap.
Camilo Cândido de Lélis, é instalado o Município
de Sant’Anna de Contendas (a
Brasília de Minas de hoje), desmembrado do de Montes
Claros.
A 24 de julho de 1896, em sessão da Câmara Municipal
de Montes Claros, sob
a presidência do dr. Honorato José Alves, toma
posse do cargo de vereador geral, pelo
________________________________
O casal, Camilo e Jesuína, não tiveram filhos.
Apesar de ansiarem
por um herdeiro, a falta deste nunca foi motivo para discórdia
ou brigas entre o casal. Embora fosse um homem excepcional,
uma
figura marcante, o lado humano e falho do Cap. Camilo se mostrava
quando o assunto era a fidelidade conjugal, virtude que não
possuía.
Mas apesar de tudo, tal questão também não
foi motivo de brigas entre
os dois, uma vez que as escapadelas do marido se davam de modo
a
não “magoar” ou “ferir” sua santa
esposa, até o dia em que o descuido
mudou o destino de ambos. Bendito seja esse mau passo, que ensejou
anos mais tarde o nascimento dos autores destas linhas.
Dono de um bom humor fantástico, muitas vezes ferino,
piadista
inveterado, boêmio, o Capitão Camilo Cândido
de Lélis também
possuía outros dons, dentre eles a música. E foi
tocando violão
que mudou os rumos de seu casamento e de sua vida, às
margens do
rio Canabrava...
Quando exercia suas funções de Delegado de Polícia
em Coração
de Jesus, lá pelos primeiros anos da década de
1880, se encantou
pela jovem Adelaide Odília de Medeiros, filha de dª
Bernardina
Felippina de Oliveira com o maior fazendeiro, comerciante e
chefe
político regional, o Cel. Cypriano de Medeiros Lima (1829-1891),
Tenente-Coronel da Guarda Nacional e depois Barão de
Jequitahy
(25/09/1889), dono da maior fortuna do Norte de Minas e o maior
fazendeiro da Província, além do maior proprietário
de escravos.
________________________
distrito da cidade (Montes Claros), o cap. Camilo Cândido
de Lélis; e de Juiz de Paz,
também pelo distrito da cidade, Rodolfo Cândido
de Sousa.
A 1° de Janeiro de 1905, instala-se a nova Câmara
Municipal de Montes Claros,
tendo na presidência o vereador mais idoso, cap. Camilo
Cândido de Lélis, que conduziu
a eleição para formação da Mesa,
sendo eleito para Presidente da Câmara, o dr. Honorato
José Alves; para Vice-Presidente, o major Joaquim José
Costa que, após a eleição, assumiu
a Presidência. O dr. Honorato Alves tomaria posse a 23
de janeiro de 1905.
A 1° de junho de 1912, sob a presidência do Capitão
Camilo Cândido de Lélis, é
instalado o Município de Inconfidência (antigo
e futuro Coração de Jesus), desmembrado
do de Montes Claros.
_________________________
A jovem Adelaide, passando temporada na casa de suas primas
em Coração de Jesus, se deixou levar pela sedução
do Cap. Camilo de
Lélis, o que resultou numa gravidez escandalosa para
a época. Além
de ser filha de quem era a moça se envolveu com um homem
casado,
também de destaque regional. A questão da honra
se fazia presente e
acirrava os ânimos, razão pela qual mandar matar
era mais um ato de
bravura e virtude do que propriamente um crime comum. “Lavar
a
honra” era uma questão eivada de simbolismos e
significado. O Barão
de Jequitahy, sabedor da “ofensa moral” sofrida
pela filha, e mais
tarde sabendo do estado civil do pai de seu futuro neto, se
enfureceu
e chegou a maquinar um atentado contra a vida do Capitão
Camilo
de Lélis. A ação malograda se deveu ao
ocaso do destino. Um dos dois
jagunços contratados para a feita foi picado de cobra
em plena tocaia,
resultando em morte deste. O segundo jagunço, deveras
um homem
dado a superstições, atribuindo a perda do comparsa
a um castigo
divino, resolve purgar seus pecados contando em pormenores seu
intento
ao Capitão Camilo, bem como quem foi o mandante da ação.
O Capitão Camilo então, ciente de que sua vida
corria riscos,
arquitetou uma solução honrosa e inteligente para
o problema. Em
conversas reservadas com o Barão de Jequitahy, Camilo
ofereceu seu
irmão, Rodolfo Cândido de Sousa21, para casar-se
com a jovem Adelaide22,
reparado assim seu “erro”, mas com a condição
de que uma
vez nascida a criança, a mesma seria criada por ele e
por sua esposa,
Dona Jesuína. E assim foi feito. Desnecessário
dizer que o acordo foi
aceito, e um opulento dote foi oferecido ao noivo.
Aqui não há o que se pensar em oportunismo, ou
qualquer outro
subterfúgio menos nobre. Essa engenharia montada e colocada
em
prática não visava ludibriar quem quer que seja.
Todos tinham noção
dos seus papéis e os aceitaram e desempenharam de forma
consciente,
__________________________________
21 - Cometa (comerciante) e juiz de paz em Montes Claros. Também
foi professor e
capitão.
22 - Que passou a assinar “Adelaide Odília de Medeiros
e Sousa” ou “Adelaide de Souza
Medeiros”.
____________________________________________
livre e desimpedida. O que aqui aconteceu foi a demonstração
de
honra por parte da família Medeiros, que precisava de
reparação. E
demonstração mais ainda honrosa por parte da família
Cândido de
Souza, que não se furtou em encontrar uma solução
e cumprir o que
foi acordado. Sem mencionar o exemplo de amor fraterno e companheirismo
entre os irmãos Camilo Cândido de Lélis
e Rodolfo Cândido
de Souza. Vale acrescentar que após o nascimento do pequeno
(ocorrido a 28 de fevereiro de 1884), o infante Álvaro
Augusto de
Lélis, o casal Rodolfo e Adelaide viveram felizes e tiveram
mais dois
filhos (primos-irmãos de Álvaro):
1 - Egídio de Sousa Medeiros23 (1896-1950);
2 - Jésus Chateaubriand de Souza24 (1902-1960), conhecido
como “Chatô”.
_______________________________
23 - Nasceu em Montes Claros (MG), em 01/09/1896, filho de Rodolfo
Cândido de
Sousa e Dona Adelaide Odília de Medeiros. Na mesma cidade
foi batizado, na igreja
Matriz, em 29/01/1897. Iniciou seus estudos na terra natal e
veio a diplomar-se em
farmácia, em Belo Horizonte, em 25/12/1918. Depois de
breve período trabalhando
para a firma Dolabela, em Granjas Reunidas, abre uma farmácia
em Bocaíuva, em
28/11/1920. Casou-se em 29 de Janeiro de 1922, em Bocaiúva,
com Dona Eutália
Gomes Medeiros, de cujo matrimônio teve quatro filhos:
1) Adelaide, normalista, já falecida,
prestou relevantes serviços ao ensino e hoje batiza um
dos educandários estaduais
em Brasília de Minas; 2) Eni, normalista, já falecida.
Foi uma excelente professora.
Casada com Euri Hessinger, teve duas filhas, Aléxia e
Telma. 3) José Maria, que faleceu,
ainda muito moço, vitimado em serviços de sua
profissão de laboratorista; 4) Dr. António
Geraldo de Sousa Gomes, médico de grande clientela que
tem se mostrado ser um
excelente clínico e possuidor das qualidades inerentes
para a bela profissão que abraçou.
Casado com Lúcia Martins, filha de Néco Martins,
tem os seguintes filhos: Marco Aurélio
e Antônio Egídio. De Bocaiúva, Egydio transferiu-se,
posteriormente, para Brasília
de Minas, onde instalou uma farmácia em 1932, que, mesmo
após sua morte, ainda
serve até os dias de hoje a população.
Em Brasília de Minas, permaneceu até o seu falecimento
que se deu em 23/09/1950. Possuidor de uma boa cultura intelectual,
falava
fluentemente o francês e conhecia bem a língua
vernácula, além de jamais ter deixado
de estudar e aprimorar os seus conhecimentos.
24 - O “coronel” Jésus Chateubriand de Souza
formou-se em Farmácia em Belo Horizonte
(MG) e foi Delegado de Polícia em Coração
de Jesus (MG), onde faleceu em 1960,
aos 58 anos.
_________________________________
Ou seja, do romance entre o Capitão Camilo
Cândido de Lélis
e dona Adelaide Odília de Medeiros nasceu seu filho único,
o muito
amado Álvaro Augusto de Lélis, formado professor
normalista pela
Escola Normal de Montes Claros. Conta-se que o capitão
Camilo
mandava colocar perfumes às águas que banhassem
ao pequeno Álvaro.
Após o banho, jogava-se a água da banheira fora,
o que incendiava
toda a rua em que moravam dos mais agradáveis odores,
muitos dos
quais de colônias importadas da Europa.
Faleceu, aos 70 anos de idade, de morte natural, o capitão
Camilo
Cândido de Lélis, a 30 de dezembro de 1915, deixando
um
Testamento e bens a inventariar. Herdeiro universal do pai,
Álvaro
tornou-se fazendeiro e – com a experiência que adquirira
como 1º
Secretário da Liga Operária Beneficente em Montes
Claros (1908) –
político em Coração de Jesus, tendo feito
parte, como Vereador, além
da primeira legislatura (1912-1914)25, de que também
fez parte seu
pai26, de outras 04 (quatro) legislaturas ininterruptas (5ª,
6ª, 7ª e 8ª
legislaturas, de 1927 a 1954) da Câmara Municipal de Coração
de
Jesus, onde serviu, no total, por cerca de 30 anos, como legislador. Álvaro (tal como o pai27) era homem culto, dado às
letras, fluente em
francês e em inglês e profundo conhecer da língua
latina, sendo um
_______________________________
25 - Na primeira legislatura (1912-1914) da Câmara Municipal
de Inconfidência (hoje
Coração de Jesus), foi vereador especial pelo
então Distrito de Jequitahy, comunidade
fundada pelo seu avô materno, Cel. Cypriano de Medeiros
Lima – o Barão de Jequitahy.
26 - Que, inclusive, foi seu primeiro presidente provisório,
do dia 24 de maio a 1°
junho, a partir de então sucedido pelo Cel. Francisco
Ribeiro dos Santos.
27 - O Cap. Camilo teve uma esmerada educação,
pois era filho de professores e neto
de distintos militares. Com o pai, militante do Partido Liberal,
tomou ainda o gosto
pela discussão e pelo embate político. Filho predileto,
foi tão bem educado que versou-se
em francês e na língua latina e, durante sua vida
(sobretudo a mocidade), arriscou-se
no mundo das letras, quer dedicando-se a compor versos ou a
contribuir para com as
páginas jornalísticas. Na historiografia regional,
autores como Nelson Viana (Foiceiros
e Vaqueiros, p. 142) e Antônio Augusto Teixeira (Um caso
antes de noventa, p. 110)
narram o episódio no qual o Capitão Camilo, quando
da Guerra Franco-Prussiana, em
1870, ameaça ao Imperador Dom Pedro II a alistar-se voluntário
no exército francês,
fluente que era na língua de Alexandre Dumas e Victor
Hugo.
________________________________________
assíduo leitor, tanto dos poetas clássicos
quanto dos mais diversos periódicos.
Admirador e estudioso da obra de Castro Alves, declamava
de cor seus principais poemas. Casou-se (14/09/1907) em uma
das
mais tradicionais famílias brasileiras28, com dona Felicidade
Perpétua
Leal Tupinambá, fazendeira e professora que estudou em
Diamantina,
filha de dona Felicidade Perpétua da Silveira29 e do
major
Domingos Garcia Leal Tupinambás30. Do consórcio
entre Álvaro e
Felicidade, entre outros, nasceu Camilo Augusto de Lélis,
cujo nome
foi em homenagem ao avô paterno, e que, como o pai (Álvaro)
e
o avô (Cap. Camilo), também foi Vereador à
Câmara Municipal de
Coração de Jesus, cujo plenário leva seu
nome em sua homenagem.
A Álvaro Augusto de Lélis há, merecidamente,
em Coração de Jesus,
uma importante rua, no Bairro Sagrada Família, e uma
Escola Municipal,
na Fazenda Almecegas, que levam seu nome.
_______________________________
28 - BARATA, Carlos de Almeida; CUNHA BUENO, Antonio Henrique.
Dicionário
das Famílias Brasileiras, Tomo II, p. 2216.
29 - Filha de Francisca Cardosina da Silveira (falecida em 15/07/1877)
e Florentino
José da Silveira (1808-24/07/1878), tetravós dos
senadores da República Darcy Ribeiro
da Silveira (1922-1997) e Carlos do Patrocínio Silveira
(1942-), dos quais Felicidade
Perpétua da Silveira é tia-bisavó; e, portanto,
neta do inconfidente (Conjuração Mineira
de 1789) João José da Silveira. Florentino José
da Silveira, nascido em 1808 em São
Gonçalo do Rio Preto (MG), foi negociante em Serra Nova
(distrito de Rio Pardo de
Minas) em 1840, fiscal municipal em 1842 e 4º Juiz de Paz
do mesmo distrito, em
1863; fazendeiro, faleceu em sua Fazenda do Garrote e foi sepultado
em Mato Verde
(MG).
30 - O major Tupynambá foi membro do Partido Conservador,
Oficial da Guarda
Nacional, fundador e Subdelegado do Distrito de Furados (atual
Distrito de Tauape,
Município de Licínio de Almeida-BA), Termo de
Caetité, no Sudoeste da Bahia; e
fazendeiro e comerciante de grosso trato no Norte de Minas,
que descende diretamente
dos Garcia d’Ávila da Casa da Torre, e que era
grande amigo do capitão Camilo
Cândido de Lélis.
______________________________
Zoraide Guerra David
Cadeira N. 86
Patrono: Patrício Guerra