NOTAS DOS
COORDENADORES DA EDIÇÃO
A ordem de publicação dos trabalhos dos sócios efetivos obedeceu
à sequência alfabética dos nomes dos autores. Em seguida, foram
ordenados os trabalhos dos sócios correspondentes e convidados;
A Revista não se responsabiliza por conceitos e declarações expedidos
em artigos publicados, nem por eventuais equívocos de linguagem
nela contidos.
A revisão dos disquetes originais foi feita pelos próprios autores
dos artigos publicados.
FINS DO IHGMC
Art. 2º - O IHGMC tem como finalidade a promoção de estudos e
a difusão de conhecimentos de história, geografia e ciências afins, do
município de Montes Claros e da região Norte de Minas, assim como
o fomento da cultura, a defesa e a conservação do patrimônio histórico,
artístico e cultural.
APRESENTAÇÃO
Passou mais do que depressa o tempo de oito anos desde que
fundamos o Instituto Histórico e Geográfico de Montes Claros,
numa bonita noite de 27 de dezembro de 2006. Depois da
diretoria de implantação de 2007, estamos no quarto mandato com
um foco no passado e no presente que honra a história e a geografia de
Montes Claros e de toda a região. Com cerca de noventa confrades e
confreiras, reunimo-nos mensalmente, fazemos lançamentos de livros
nossos e de autores locais e regionais, realizamos palestras e conferências,
concedemos entrevistas, estamos sempre presentes no noticiário
do rádio e da televisão.
Conhecido e reconhecido em todos os segmentos da cultura, o
IHGMC publica com regularidade esta Revista em todos os semestres,
sempre com circulação nacional e internacional. Cada autor fica
responsável pelo custeio do seu próprio espaço, tendo por retribuição
um exemplar para cada página publicada. Até agora tudo deu certo,
sem falhas e com elevado nível de aprovação, principalmente pelo
bom trabalho dos coordenadores e ex-presidentes Dário Teixeira Cotrim
e Itamaury Teles de Oliveira, considerados ainda o elevado nível
técnico da editora Millennium, de Montes Claros, e O Lutador, de
Belo Horizonte, nossas parceiras e amigas.
Estamos nos esforçando para publicar, se possível ainda em
2015, no meu último ano de presidência, dois números especiais com
as biografias dos cem patronos e de todos os associados. Será, sem dúvida,
a grande marca para imortalizar muitos nomes dos que fizeram
a nossa história e dos que sobre ela gravaram lembranças escritas ou
proferidas.
Nossa sede e secretaria se encontram no Centro Cultural Hermes
de Paula, Praça Doutor Chaves, 32, onde estará brevemente também
sediada a Biblioteca Simeão Ribeiro Pires, acervo importantíssimo
do nosso patrono.
Wanderlino Arruda
Presidente 2014-2015
ACONTECENDO....
JULHO DE 2014 - Em pé: Expedido Veloso, Téo Azevedo, Wanderlino Arruda, Eustáquio
Macedo, Dário Teixeira Cotrim, Manoel Messias Oliveira, Denilson Meireles,
Lázaro Francisco sena e Haroldo Lívio. Sentados: (esposa de Expedido), Lola Chaves,
Marilene Veloso Tófolo, Palmyra Santos Oliveira, Mara Narciso, Maria da Carmo Veloso
Durães e José Ferreira da Silva.
AGOSTO DE 2014 – Em pé: José Ferreira da Silva, Maria de Lourdes Chaves (Lola
Chaves), Marta Verônica Vasconcelos Leite, Manoel Messias Oliveira, Maria Ângela
Figueiredo Braga, Juvenal Caldeira Durães, Petrônio Braz, José Ponciano Neto e
Itamaury Teles. Sentados: Maria do Carmo Veloso Durães, Irani Teles, Palmyra Santos
Oliveira, Edwirges Teixeira de Freitas, Marilene Veloso Tófolo, Wanderlino Arruda e
Dário Teixeira Cotrim.
SETEMBRO DE 2014 – EM PÉ: Manoel Messias Oliveira, Aderbal Esteves, Denilson
Meireles, Maria Luiza Silveira Teles, Marilene Veloso Tófolo, Marta Verônica Vasconcelos
Leite, Felipe Gabrich, Lázaro Francisco Sena. Sentados: Wanderlino Arruda, Maria de
Lourdes Chaves (Lola Chaves), Edwirges Teixeira de Freitas, Palmyra Santos Oliveira e
Maria do Carmo Veloso Durães.
OUTUBRO NÃO HOUVE REUNIÃO
NOVEMBRO DE 2014 – EM PÉ: Manoel Messias Oliveira, Expedito Veloso Barbosa,
José ferreira da Silva, Dário Teixeira Cotrim, Eutáquio Macedo, Wanderlino Arruda e
Lázaro Francisco Sena. Sentados: Edwirges Teixeira de Freitas, Felipe Grabrich, Mara
Narciso e Maria do Carmo Veloso Durães.
NOTICIANDO...
LIVRO: A OUTRA FACE DO ESPELHO - Geraldo Magalhães Zuba
Aconteceu no Centro Cultural “Hermes de Paula” o lançamento do livro “A Outra Face
do Espelho”, de Geraldo Magalhães Zuba. A sessão solene foi presidida pela confreira
Yvonne de Oliveira Silveira - presidente da Academia Montesclarense de Letras.
CD 200 ANOS DE POESIAS - Téo Azevedo
O cantador Téo Azevedo lançou pelo IHGMC o CD 200 ANOS DE POESIAS em homenagem ao casal Olyntho Silveira e Yvonne de Oliveira Silveira. O evento foi
presidido pelo presidente do IHGMC, Dr. Wanderlino Arruda.
IHGMC VISITA A INB-CAETITÉ
Os membros do Instituto Histórico e Geográfico de Montes Claros -
Dário Teixeira Cotrim, Lázaro Francisco Sena e Wanderlino Arruda - juntamente
com os sócios correspondentes André Koehne e Antônio Rocha de Caetité
e José Walter Pires, de Brumado e o convidado Pedro Ribeiro Neto estiveram
visitando as instalações da INB-Caetité - Indústrias Nucleares do Brasil. Foram
apresentados duas palestras sobre a produção do Urânio e, também, uma belíssima
explanação do confrade Evandro Carele de Matos, que nos falou sobre a“Falta da Verdadeira e Devida Informação”. Tudo o que realmente devemos
saber a respeito da contaminação do minério na Unidade de Concentrado de
Caetité. Também fomos informados da necessidade do uraninita para o desenvolvimento
da energia elétrica, como combustível nuclear, em todos os sentidos.
Ainda foi nos mostrado o trabalho de recuperação do solo e os cuidados com o
meio ambiente no replantio das árvores nativas e a preservação da fauna e da
flora. Na verdade, foi uma oportunidade única para sanarmos as dúvidas sobre
a radiação do urânio. De todo material recebido, o presidente do IHGMC, o
confrade Wanderlino Arruda irá fazer um apanhado do que foi mostrado para
publicação na nossa Revista com o intuito de melhor orientar os nossos confrades
e toda a população de Montes Claros e da região.
LIVRO: DEGUSTANDO FOLHAS DE OUTONO DE PATRÍCIO GUERRA -
Zoraide Guerra David
Aconteceu no auditório do Colégio Imaculada Conceição o lançamento do livro “Degustando Folhas de Outono de Patrício Guerra, de autoria da confreira Zoraide
Guerra David. O evento teve apoio da Academia Montesclarense de Letras e foi presidida
pela confreira Yvonne de Oliveira Silveira.
HOMENAGEM À D. YVONNE SILVEIRA NA ASSEMBLEIA LEGISLATIVA
A professora Yvonne de Oliveira Silveira foi homenageada na Assembleia Legislativa
do Estado de Minas Gerais pelo deputado Carlos Pimenta nas comemorações do seu
centenário de nascimento. Uma homenagem justa e oportuna.
INAUGURAÇÃO DO MUSEU REGIONAL DE MONTES CLAROS
Foi inaugurado no dia 30 de setembro do corrente ano, o Museu Regional do Norte de
Minas, em Montes Claros, no antigo casarão da FAFIL. A implantação do Museu ficou
por conta da Unimontes – Universidade Estadual de Montes Claros e teve, ao longo
do tempo, a participação decisiva da confreira Marta Verônica Vasconcelos Leite (do
IHGMC). A criação do Museu tem como objetivo a preservação da memória cultural e
histórica de Montes Claros e região. Na oportunidade o Instituo Histórico e Geográfico
de Montes Claros foi agraciado com o diploma de AGRADECIMENTO pela sua
importante contribuição para a implantação do Museu regional do Norte de Minas.
PALESTRAS EM GRÃO MOGOL: Dário Teixeira Cotrim e Marta Verônica
Vasconcelos Leite
Os acadêmicos Dário Teixeira Cotrim e Marta Verônica Vasconcelos Leite estiveram
na cidade histórica de Grão Mogol a convite da Unimontes/Secretaria Municipal de
Cultura e Turismo daquela cidade, representando o Instituto Histórico e Geográfico
de Montes Claros. Na oportunidade eles proferiram palestras na Casa de Cultura“Terezinha Valquez”, abordando a história antiga da região e a necessidade de preservar
o patrimônio público local. O evento fez parte da programação do Festival de Inverno de
Grão Mogol - Lago de Irapé e aconteceu no dia 15 de julho de 2014.
LIVRO: SALUZINHO - LUTA E MARTÍRIO DE UM BRAVO - Leonardo
Álvares da Silva Campos
Foi lançado o livro Saluzinho: Luta e Martírio de Um Bravo, do escritor Leonardo Álvares
da Silva Campos. O evento aconteceu no Centro Cultural “Hermes de Paula” com
o apoio da Academia Montesclarense de Letras.
LIVRO: A RAZÃO DA MINHA ESPERANÇA - Érika Vilela
Aconteceu no Centro Cultural “Hermes de Paula” o Lançamento do livro “A Razão da
Minha Esperança”, de escritora Érika Vilela. O evento teve apoio cultural do Instituto
Histórico e Geográfico de Montes Claros e foi presidido por Wanderlino Arruda.
DÁRIO COTRIM LANÇA ANTOLOGIA SOBRE YVONNE SILVEIRA
Na mesa de honra: Lázaro Francisco Sena, Antônio Neto da Silva (Secretário de Cultura
de Itacambira) Iracy Pereira Santos, Terezinha Teixeira Santos, Ana Valda, Wanderlino
Arruda, Yvonne Silveira, Maria do Carmo Veloso, Itamaury Teles de Oliveira, Evany
Brito Calábria e Marília Pimenta Peres.
Em sessão conjunta da Academia Montes-clarense de Letras e do Instituto
Histórico e Geográfico de Montes Claros foi lançado, no Elos Clube de Montes Claros,
o segundo volume da antologia “A Deusa das Letras”, em homenagem ao Centenário de
Nascimento da ilustre professora Yvonne de Oliveira Silveira. O presidente do IHGMC,
Dr. Wanderlino Arruda, dirigiu os trabalhos previstos da sessão magna: posse de novos
sócios e o lançamento do segundo volume da antologia organizada por Dário Teixeira
Cotrim sobre a professora Yvonne de Oliveira Silveira. O primeiro e o segundo volume
da antologia “A Deusa das Letras” foram publicadas em parceria com o IHGMC, Academia
Montesclarense de Letras, Academia Feminina de Letras de Montes Claros e a
Academia Maçônica de Letras do Norte de Minas num trabalho primoroso da Editora
Millennium/Cotrim, pela sua beleza gráfica e pela qualidade dos textos escolhidos. Participaram
das antologias os amigos e amigas da homenageada, num total de 65 textos,
em verso e prosa, todos eles num breve elogio de vida e das obras de Yvonne Silveira que
agora completa 100 (cem) anos de idade. Ela nasceu no dia 30 de dezembro de 1914 e
durante todos esses anos contribuiu para o enriquecimento e a valorização da cultura em
Montes Claros e todo o norte-mineira.
MEDALHA ISRAEL PINHEIRO DO IHGMG PARA MARTA VERÔNICA
|
Marta Verônica Vasconcelos Leite
foi agraciada com a Medalha Israel
Pinheiro, no Instituto Histórico e
Geográfico de Minas Gerais. Agora são
quatro acadêmicos montes-clarenses que
receberam essa horaria: Dário Teixeira
Cotrim, Wanderlino Arruda, Petrônio
Braz e Marta Verônica Vasconcelos Leite. |
LUIZ RIBEIRO O MAIS PREMIADO JORNALISTA MONTES-CLARENSE
Luiz Ribeiro dos Santos (foto de Danilo Evangelista) |
O nosso confrade Luiz
Ribeiro ganhou duas
premiações na edição do
Prêmio Esso – 2014, e
chegando agora a quatro
edições do mesmo prêmio,
situando-se entre os
maiores ganhadores do
Prêmio Esso da história
do país. Hoje Luiz Ribeiro
já acumula 44
prêmios de jornalismo
regionais e nacionais, por
trabalhos individuais e,
também, em equipe. Eleé membro efetivo do IHGMC
onde ocupa com
galhardia a Cadeira nº
59, que tem como patrono
o saudoso cronista João
Valle Maurício. |
Dário Teixeira Cotrim
Cadeira N. 93
Patrono: Simeão Ribeiro Pires
A Formação do Povo
Montes-Clarense
Tudo aconteceu bem no finalzinho do século XVII, quando
Antônio Gonçalves Figueira, em companhia do seu cunhado
Matias Cardoso de Almeida, voltava do nordeste brasileiro
trazendo consigo mais de setecentos índios preados, para a região
norte-mineira. Muitos desses selvagens ficaram na região, quando
Figueira resolveu fixar moradia nas vazantes do rio dos Vieiras. Nessa
ocasião, notícias davam conta da presença do bandeirante Fernão
Dias Pais, na Serra Resplandecente, em busca das esmeraldas existentes
na lagoa do Vupabuçu, em Itacambira. Não era, entretanto, o que
desejava Figueira senão a comercialização dos índios escravizados aos
fazendeiros que criavam o gado vacum em grande parte do médio
São Francisco. Assim, no ano de 1707, ele recebe quatro sesmarias do
governador da província, criando nelas as fazendas do Brejo Grande,
Olhos d’Água, Jahyba e Montes Claros.
Mas, é importante verificar o que escreveu o ilustre historiador
Ernani Silva Bueno que a formação populacional do interior mineiro
se deu pela “internação do povoamento e ocupação das terras montanhosas, em seguida, à descoberta das jazidas de ouro”. Montes Claros foi
uma consequência desses acontecimentos, pois não era um distrito da
mineração, senão da agropecuária.
Além dos índios existentes na região, os botocudos, os outros
que vieram do nordeste - preados durante a guerra contra os holandeses
- passaram a viver como escravos nas inúmeras fazendas deste
setentrião mineiro, principalmente as mais de quinhentas delas existentes
pelo lado esquerdo do Rio São Francisco, uma herança da Casa
da Torre, do morgado de Garcia D’Ávila. Alguns desses índios ficaram
no domínio de Figueira cuidando da criação de gado e da produção
dos engenhos de cana.
Desolado, Figueira resolve voltar para a cidade de Santos. Ficam
suas terras abandonadas. Entretanto, os índios continuariam nelas
plantando e colhendo para as suas necessidades de sobrevivência. Por
outro lado, na região da mineração, o aumento da escravidão negra
foi astronômico. O distrito de Serro Frio recebia escravos vindos da
Bahia (que passava pela fazendo do Brejo Grande - Vacaria) e do Rio
de Janeiro. Nota-se que os negros fugitivos do distrito diamantino
criavam seus quilombos como forma de se organizar para se defender
dos grilhões da escravatura. Assim, muitos quilombos, ou pequenos
mocambos, abrigavam esses negros como forma de libertá-los da cruel
escravidão. Porém, muitos desses escravos foram resgatados pelo Capitão
do Mato, ou mesmo trazidos da cidade de São Salvador e vendidos
aos senhores fazendeiros, donos dos engenhos de cana.
O sertanista José Lopes de Carvalho é o novo proprietário da
fazenda Montes Claros de Formigas. Para cá vieram também os paulistas
egressos da região de Itacambira, expulsos por Miguel Domingues
e de Grão Mogol, inimigos de João Costa. No primeiro momento,
acreditamos que os paulistas e os índios foram os responsáveis pela
formação da raça populacional de Montes Claros. Os negros também
contribuíram para a formação do povo montes-clarense, se bem que
numa escala inferior. Com a assinatura da Lei Áurea, o transito livre dos escravos libertos avolumou-se incorporando definitivamente o
homem negro no convívio social. Já era do estilo português a miscigenação
das raças: mestiça, cabocla e o mameluco. Portanto, o índio,
o negro e o europeu foram os pilares da formação do povo brasileiro.
Darcy Ribeiro explica isso com muita propriedade.
Na região de Montes Claros desenvolvia em grande escala a pecuária.
Para lidar com o gado a adaptação dos índios foi um sucesso,
haja vista que eles não aceitavam o trabalho de enxada e foice e, por
outro lado, eram eles exímios vaqueiros e gostavam de lidar com o
gado. Sabe-se, no entanto que, com a decadência do ouro na região
mineradora de Diamantina, Minas Novas, Grão Mogol e Itacambira,
os paulistas voltaram para as terras do café, ficando por aqui pequena
quantidade deles que já havia constituído famílias e cuidavam da lavoura
e dos currais de gado.
Dário Teixeira Cotrim
Cadeira N. 93
Patrono: Simeão Ribeiro Pires
LUIZ CARLOS NOVAES
“Era uma vez um menino de seu Novaeszinho e dona Maria
que cismou em ser andarilho e poeta”. (Felipe Gabrich)
A notícia da morte do jornalista Luís Carlos Vieira Novaes - o
Peré - já era anunciada pela circunstância da doença que aos
poucos vinha debilitando-o até o seu último suspiro. O nome
deste grande jornalista é justamente considerado como dos que mais
honraram a imprensa montes-clarense pela cultura, pelo trabalho,
pelo patriotismo e pela criatividade nas letras na concepção dos seus
textos. O Peré sempre foi um Sapo na Muda. Acadêmico das Letras,
ele combateu, com espírito eminentemente liberal, os preconceitos
de uma sociedade demente e imoral. Incentivando as publicações de
livros, as exposições de artes plásticas e outras formas de cultura em
Montes Claros e em todo o Norte de Minas.
Foi em 1993 quando o convidamos para participar do nosso
projeto Consórcio Literário “Oficina das Letras”. Ele esteve presente,
mas não publicou naquela oportunidade. O Consórcio Literário era de responsabilidade do confrade Ildeu Braúna, efetivo da Secretaria
Municipal de Cultura e Turismo de Montes Claros. Na segunda edição,
o amigo Peré retornou com objetivos mais alicerçados. Foi no
ano de 2009, que publicou o seu belíssimo livro: “Sapo na Muda:
meus amigos, meus mortos e meus caminhos tortos” que é este o
título do álbum de crônicas do ilustre jornalista Luís Carlos Novaes.
Não se pode negar da qualidade do trabalho intelectual de Peré
nos jornais e nas revistas. De forma simples, elegante e com características
peculiares a sua escrita jorrava “sapos” e “pererecas” para o entretenimento
dos amigos e companheiros das letras, principalmente para
aqueles que frequentam o Café Galo. Disse com muita propriedade o
confrade Felipe Gabrich que “lendo e relendo as crônicas de ‘Sapa na
Muda’ o leitor vai se identificar com muitas coisas que se passaram, estão
passando e ainda passarão. A caneta de Perereca permite isso ao leitor.
Ele vai se encontrar com o passado, ver o presente e pressentir o amanhã
chegando. Calmamente ou elevado de turbilhões. Como uma Perereca”.
Nasceu o escritor Luís Carlos Vieira Novaes em Montes Claros
no dia 25 de dezembro de 1953. Ele pertencia a Academia Montesclarense
de Letras, onde ocupava, como segundo sucessor, a Cadeira
de número cinco, que tem como patrono o imortal Camilo Filinto
Prates e que foi fundada pelo acadêmico Oscar Valle Moreira, e teve
como primeira sucessora a poetisa Amélia Prates Barbosa Souto. No
Instituto Histórico e Geográfico ele ocupava a cadeira de número 57,
que tem como patrono João Novaes Avelins. Depois de um período
no Diário de Montes Claros, ele foi para Janaúba, onde trabalhou na
Radio AM Gorutubana e no jornal O Gorutuba. Em Montes Claros
ele exerceu a função de diretor-chefe no Jornal de Notícias por mais
de dezesseis anos. Faleceu o jornalista Luís Carlos Vieira Novaes a
cinco de outubro de 2014, sendo a sua morte profundamente sentida,
mormente entre os amigos por quem ele constantemente se encantava.
Assim, o nosso eterno guru do jornalismo em Montes Claros se
encantou para sempre.
Fabiano Lopes de Paula
Cadeira N. 66
Patrono: José Lopes de Carvalho
Uma Igreja na Encruzilhada
Para Hermes, Fina e Maria Custodinha1
Se fosse nos dias de hoje, certamente seria diferente, mas a históriaé construída pelos fatos, e esses pelos homens, e esses
pelas ideias, pelos ímpetos, pelas vontades. Se não fosse tudo
isso, talvez a capelinha do Rosário estivesse aí até hoje. Atualmente,
temos uma compreensão mais clara, mais laica e, sobretudo, mais
ampla sobre Patrimônio Cultural.
Ali, naquela encruzilhada, “das boas”, como diriam alguns iniciados,
havia a história de uma igreja, que fora construída pelos devotos
de Nossa Senhora do Rosário. Este orago está presente no imaginário
religioso do brasileiro, principalmente pela sua matriz cultural
religiosa, trazida de Portugal.
______________________
1- Maria Custodinha, amiga, vizinha, cuja família comandava o Terno de São Benedito
por quem meus avós e minha mãe tinham grande apreço. Pessoa que ajudava nos
eventos, inclusive, quando me via, relembrava: “Fizemos uma festa muito bonita para
o casamento de sua mãe.”
______________________
Em razão do sincretismo aposto à Virgem, a devoção no Brasilé vinculada aos negros, cujas raízes do culto misturam-se às
origens africanas, e aqui, neste nosso Brasil, toma corpo e dá
alma. O culto a Nossa Senhora do Rosário manteve uma expressão
na formação das cidades mineiras , e na formação religiosa dos
mineiros. Os devotos, originários em grande contingente de escravos
e seus descendentes, não mediram esforços para obterem os óbulos
necessários à construção do templo. Prova de resignação, humildade
e, sobretudo, de fé.
Caio Boschi, em sua obra, Os Leigos e o Poder, coloca que....”As
irmandades funcionaram como agentes de solidariedade grupal, congregando,
simultaneamente, anseios comuns frente à religião e perplexidades
frente a realidade social... (BOSCHI, 1986, p. 14).
Este esforço fraternal e comunitário que unia o céu a terra recebeu,
nos setecentos, diversos nomes como confraternitas, sodalitas,
sodalitatium, confraternitas, laicorum, congregatium, pia unio, societas
coetus, consociatio. O Código de Direito Canônico define que...
As associações de fieis que tenham sido eretas para exercer
alguma obra de piedade ou caridade se denominam pias uniões, as
quais estão constituídas em organismos, se chamam irmandades. E
as irmandades que também tenham sido eretas para o incremento
do culto público recebem o nome de Confrarias....(BOSCHI1986,
pag 15
Diante da sociedade escravista, havia de se pensar também em
cuidar do espírito, seja na garantia de suas exéquias, encomendações
de alma e campo santo, embora em Montes Claros não tenha sido
marcante a segregação racial, pois os ofícios e obrigações eram
dados quase que exclusivamente na igreja matriz para a população
urbana. A construção de um templo dedicado aos padroeiros, cultuados
pelos africanos, abria espaço também para as expressões laicas,
de outros valores culturais, já ordenadas (ou alinhadas) a um sincretismo, ainda que não incorporado inteiramente pela igreja e pelas
práticas dos grupos dominantes.
Nossa Senhora do Rosário a todos acolhia, poderiam vir dando
dobar2, com seus três tambores, caixas e atabaques, com todas as suas
fitas e guias, seus pés de dança, que viessem em Nagô, em Ketu ou
Angola e, com o seu imaginário, envoltos nas contas do rosário e já
saudosos dos tempos da África, apesar das vilezas do cativeiro.
Ressalte-se que a influência recebida, em Montes Claros, pela
região mineradora do Jequitinhonha foi marcante, principalmente
pela Comarca do Serro Frio e do Tejuco, interligadas pelas estradas
do sertão .
Elementos de um “ethos” identitário de uma matriz africana já
eram consolidados nessas regiões, inclusive com templos já mantidos
pelas irmandades, (cuja presença desconhecemos em nossa terra,
embora Saint Hilaire mencione uma Opa3 numa procissão em 1817).
Dessa comunicação decorre, também, a celebração das festas que conhecemos
como sendo de Agosto (não se sabe quando as festas juntaram-se em um único calendário). A festa do Rosário, em sua origem,
para alguns pesquisadores, foi trazida do Serro no início do século
XIX. E, de fato, há semelhanças entre as celebrações, assim como a
festa de Catopé realizada em Conceição do Mato Dentro.
Nelson Viana, em sua pesquisa documental, contida em Efemérides
Montesclarenses, aponta que, em 1833, na Câmara Municipal
de Formigas, foi lido um requerimento do Padre Feliciano Fernandes
de Aguiar, em que foi pedida a concessão de um terreno para edificar
nesta vila, ao pé da capela principiada de Nossa Senhora do Rosário. Havia,
anteriormente, uma capela inacabada que se localizava junto à praça João Catoni, outrora conhecida como Largo de Santo Antônio no bairro Rosário Velho. Como pode ser demonstrado, o sonho
de se ter um templo dedicado a essa invocação é bem antigo, pois,
na primeira metade do XIX, o projeto inicial já estava abandonado.
Em maio de 1839, José Joaquim Marques pedia novamente à Câmara
licença para erigir a Capela do Rosário em novo local, desta vez no começo
da atual Avenida Coronel Prates (antiga rua do Jatobá). Em 22
de maio do mesmo ano, o Fiscal da Câmara recomenda o deferimento
e que ficasse a rua com 45 palmos de largura, e que a nova via teria
em sua entrada, nesta praça, uma direção reta (VIANA, 1962, p....).
_______________________
2 - Saudação tradicional dos cultos africanos feita às divindades, mediante o ato de
deitar e rotacionar o corpo.
3 - Roupa específica para utilização, no século XVIII, nos ofícios das irmandades.
______________________
Ainda, segundo o mesmo autor, apesar de José Joaquim Marques
ter se empenhado na causa, a construção deveu-se à iniciativa
dos escravos e de alguns devotos, e disse ainda que isso pode ser
comprovado pelos documentos por ele pesquisados. Ele fora o canal
utilizado para a factibilidade, principalmente pelo seu exercício do
cargo de Juiz de Paz e agente dos correios, pois os escravos devotos,
em sua grande maioria, teriam chance reduzida nas suas petições.
Ainda a obra de Viana (1962) traz à luz a informação de que, em 16
de agosto de 1886, falece, no Largo da Soledade (Praça Dr. Carlos),
aos 104 anos de idade, o escravo africano conhecido como Bernardo
Coletor, assim chamado pela função de arrecadar esmolas para
a construção da ermida. Como Capitão do Terno Dançante de São
Benedito, possuía prestigio junto aos seus companheiros e demais
moradores da comunidade. A igreja fora erguida, com esse grande
esforço. Em cima da sua porta principal, havia uma placa indicando
o ano de 1834, como sendo o da inauguração, porém essa informação
não estava correta, pois, somente no ano de 1839, é que
começou a construção da mesma, sendo reformada e aumentada no
ano de 1887 por Domingos Garcia Tupinambá.
O Cruzeiro que conhecemos hoje, no canteiro da avenida, não
é o original, pois fora derrubado durante uma manobra de um
caminhão. Este que aí está, foi trasladado, em 1951, do antigo Largo
de São Sebastião, onde deveria ser edificada a Capela do santo ho mônimo e marcava as Santas Missões do ano de 1907, construído
por Camilo Luiz de Carvalho. O Largo chama-se hoje Praça Coronel
Ribeiro.
Em 27 e 28 de agosto de 1919, outra celebração marcou também
a igreja do Rosário, foi a bênção e transferência do sino para a
recém inaugurada Capela das Almas, depois recebendo o nome de
Santuário do Bom Jesus.
A igreja do Rosário teve a sua pedra fundamental do templo
que aí se encontra, de linhas modernas em 1962.
A origem do culto à Virgem teve inicio no século XIII. Celebra-se a data comemorativa a Nossa Senhora do Rosário em 07 de outubro,
sendo esta data marcada pela Batalha de Lepanto na Grécia,
quando as forças navais da cristandade derrotaram os turcos, daí a associação
com os barcos, seja a Nau Catarineta, no barco dos Marujos
e na planta da nossa igreja atual. Pio V atribuiu a vitória à intercessão
das preces dos devotos do rosário.
Para Monique Augras, a lenda diz que os “Mouros” aprisionados
disseram ter visto a imagem de uma Majestosa Senhora, cuja
aparição desnorteou a frota do Sultão Selim II, então, a data de 07
de outubro foi proclamada como sendo o dia de Nossa Senhora da
Vitória, que prontamente foi identificada com a Nossa Senhora do
Rosário.
Em relação à iconografia da Virgem, Jacopo de Varrazi, autor
da Legenda Áurea, e também monge dominicano, não menciona em
seu texto a aparição da Virgem a São Domingos, cuja lenda chegou
até nós, sequer menciona também o rosário. Esses atributos apostosà imagem surgiram bem mais tarde, em razão de São Domingos ter
dirigido o tribunal da Santa Inquisição contra os heréticos. A Virgem
teria aparecido a São Domingos e lhe “disse que o homem e mulher
cristãos invocariam a sua ajuda com as contas do rosário”.
Acredita-se, ainda, que o fio de contas, o rosário, possa vir a
ser uma influência do Oriente, veio do MASBAHA dos Muçulmanos fio de 99 contas que representa as virtudes e os nomes de Deus, e
também, para o Cristianismo 3 vezes a idade com que Cristo morreu
, e do Jamapala, ou Mala do Hinduismo, e que teria sido levada
pelas Cruzadas, pois foi difundido a partir do séculos XII a XIII .
Em relação às orações, é atribuída a Santo Anselmo a criação,
no século XI a criação do Saltério de Nossa Senhora, uma adaptação
dos Salmos de Davi, composto por 150 versos, começando cada um
com a expressão invocativa “Ave”.
Na divisão do Saltério, em três partes, surge então o Terço e o
Rosário é uma alusão ao roseiral, uma das virtudes associadas à Virgem.
Em Montes Claros, os templos principais datam do século XIX.
A Matriz, antes da atual, foi construída em meados desse século, no
mesmo lugar da capela anterior, do século XVIII, e a tradição barroca
e rococó que marcou o fausto das cidades cheias de ouro, não foi um
traço marcante aqui, pois não tínhamos ouro nem moedas em nossos
potes e algibeiras. Montes Claros floresce no século XIX, no sertão e,
por cá, apesar da nossa fé, não tivemos as irmandades religiosas, disputando
o luxo nem os mesmos atrativos e cobiça para que essas se
instalassem e fizessem tauxiados templos. O sertão era brabo, o ouro
não brotava da terra, a lida era o gado, e nesse período do século XIX,
o algodão florescia e grisalhava o cerrado. A afluência e as exigências
trazidas pelo ciclo do ouro não chegaram a Montes Claros. Chegavam,
sim, boas louças, boas pratas, bons tecidos, boas bebidas e ouro
para nossos ourives fazerem das joias um luxo efêmero, modesto que
se podia. Havia, sim, bons artífices, como o entalhador Constantino
do Rego, trazido para as obras da velha Matriz e de algumas pontes;
bons mestres de oficio e entalhadores cujos trabalhos ainda permanecem
em casas centenárias e sobrados da rua de baixo.
A tradição de angariar fundos para a construção de templos é
uma velha tradição, em Montes Claros, temos bons exemplos, que,
por pagamento de promessa ou não, alguns foram edificados, como exemplo a Capela dos Morrinhos, pagamento de promessa de Germana
Olinda, Capela Santos Reis, erguida por Pedro Mendonça e a
capela de São Marcos no alto da Serra, dentre outras. Vale transcrever
um trecho da obra de Nelson Viana:
Lê-se em sessão ordinária da Câmara Municipal de Montes
Claros de Formigas, uma petição de ação de Rosa Maria de São
Pedro, pedindo licença para edificar uma ermida pública com invocação
de Santo Antônio, depois da autoridade competente, no
lugar onde esteve cravada a Igreja do Rosário mudada há pouco
pelos pretos. É lhe concedida a assistência do Alinhador, mas a ermida
não foi erguida ( VIANA, 1841, p. 200).
Citando, como exemplo, o caso das igrejas de invocação à Nossa
Senhora do Rosário, São Benedito, Santa Efigênia, Santo Antônio
de Catigeró e Santo Elesbão, nos séculos XVIII e XIX, está ligado
aos escravos, que, com parcos recursos e muita luta, construíram os
seus templos recorrendo a esmolas. Em alguns fundamentos da religião
africana, há alguns rituais, em que a fé do crente é medida pela
humildade do mesmo. Há casos em que certas obrigações são realizadas
apenas com a contribuição alheia, faz parte do rito. Mesmo nas
camadas menos populares do catolicismo, usava-se a expressão, no
ato de aquisição de uma peça religiosa, “trocar” em vez de “comprar”,
porque esse sentido, embora não fosse pecado, “fazia mal”.
As Festas de Agosto, em Montes Claros, reproduzem na fé, também,
uma organização social herdada desde os tempos da colônia. O
próprio cortejo, cujo reinado reproduz essa hierarquização, traz de
volta cenários de origem europeia, como a festa do Divino com os
catopés, marujos e caboclinhos. Os marujos e o Terno do Divino,
principalmente, exibem a cor vermelha; por si só já demonstram um
estatuto social, cuja origem vem dos Códigos Suntuários Medievais,
colocando essa cor como regalia da igreja e das classes mais abastadas,
daí a cobiça pelo corante do pau Brasil; enquanto os outros dançantes
exibiam cores brancas de algodão, cuja manufatura era autorizada na Colônia, em decorrência dos Tratados de Comércio. Os caboclinhos
vestem-se de penas.
Montes Claros, ao unir as três festas num calendário único,
15 de agosto, criou uma singularidade local e específica e reiterou a
hierarquização contida no imaginário das festas. Não se sabe a razão e
quando foram instituídas as “Festas de Agosto”, que, desde o início
do século XX, têm a mesma cerimônia. Pelo calendário católico em
sua hagiografia, a festa de Nossa Senhora do Rosário e São Benedito,
originalmente, 5 e 7 de outubro e o Divino, tradicionalmente, celebrado
cinquenta dias após a Páscoa,
Não temos mais a igreja do Rosário, foi demolida em 1960 e
todo esse passado não pode ser condenado, havia ã época motivos,
plausíveis ou não, que justificavam os fatos. Um dia faremos parte
dele.
O importante, nisso tudo é que o Dr. Hermes de Paula, lúcido
como sempre, resgatou um pouco da história. A praça, diminuída,
mutilada, existe ainda como um local sagrado e fundamental para a
celebração da festa. O lugar faz parte da festa e a festa é daquele lugar.
E o lugar ainda está lá.
A manutenção da festa na área da antiga capela onde, desde
1839, se realiza, faz parte do ritual. O desfile pela cidade é um forte
elemento de resistência e de manutenção desse patrimônio cultural,
não deixando que ela se distancie do centro urbano. Na história da
igreja, houve uma manifestação contrária à realização da Festa de
Agosto. Uma comissão foi até o Bispo D. João Pimenta, solicitando a
proibição, quando se alegou que a cidade já estava civilizada segundo
testemunha ocular, D. Eponina Pimenta, o Sr. Bispo que não iria coibir
a festividade, pois se tratava de um ato de fé e que todos teriam o
direito a esse ato de manifestação de fé. Mais uma sabedoria do nosso
primeiro bispo.
A atual igreja, projeto de Mércio Guimarães, em forma de barca,é uma referência à origem da festa, remete à Nau Catarineta, à Batalha de Lepanto e poucos conhecem a razão daquela arquitetura
tão peculiar e de linhas modernistas.
Enfim, mudam-se os homens, ruem as casas, saqueiam nossos
templos, santos são despidos, repintados, trocados, mudam-se de religiões,
mas nunca se pode desconhecer importância da fé.
SALVE O ROSÁRIO!
E como diria D. Eponina Pimenta, em suas belas e preciosas
anotações: “A Nau Catarineta ficará de pé como um legado vivo e
símbolo imortal”.
O privilégio de se ter as obras de Nelson Viana, em suas Efemérides
Montesclarenses, e a de Hermes Augusto de Paula, em Montes
Claros, sua História, sua Gente e seus Costumes, constituíram legado
fundamental para a realização deste artigo. Agradecemos ao confrade
Haroldo Lívio, a amiga Jaqueline Pimenta e à prima Raquel Mendonça.
Montes Claros, Carnaval de 2013.
______________________
Fabiano também é o autor da matéria Memória Absolvida publicada no Jornal de
Notícias em 30/12/2012.
Felicidade Patrocínio
Cadeira N. 20
Patrono: Camilo Prates
COM OS OLHOS NAS LETRAS DE PERÉ
“À LA RECHERCHE DU TEMPS PERDU”
Como Luiz Carlos Novaes, o PERÉ, eu também vivi no tempo
dos sonhos.
Eu chegara um pouco antes, mesmo assim, estávamos, ambos,
lá, no tempo do apelo à vida, no tempo e espaço das revoluções:
sexual, social e tecnológica. Percorria o mundo uma intensa vibração
vital; a palavra vida confundira-se com o verbo que gerou, exigindo
a ação do viver iminente. Vivia-se o “sonho hippie, onde tudo era
permitido”.
Entre as duas décadas; sessenta e setenta, o mundo estava em
convulsão e era “preciso amar como se não houvesse amanhã”. Surgira
a pílula anticoncepcional, liberando as mulheres do determinismo
natural. Liberdade! O homem conquistou o espaço e desembarcou
na lua, mas, os garotos que como eu cantavam à vida, a liberdade e
amavam os Rollys Stones morreram no Vietnan.
Os Beatles já cantavam em todas as casas através da televisão,
até em Montes Claros, com uma lente ainda difusa. Foi quando instalou-se e fortaleceu no Brasil a ditadura e jovens como nós desapareciam
nas torturas, enquanto outros continuavam cantando um canto
de vida e morte nas ruas, que a juventude ensaiou um novo jeito
de ser. O PERÉ estava lá, a tudo vivenciando, vivendo, participando,
discutindo, registrando, criando. Eu, em outra circunstância, estavaà margem desse caminho, a tudo assistia como quem procura ver os
detalhes de uma paisagem distante, porém, não discernindo bem os
seus tons. A distância dessas transformações era garantida por uma
educação conservadora. Os pais e os irmãos mais velhos preservavam
o “claustro” que me impunha segurança. Talvez por isso acompanhame,
desde sempre, um sentimento de perda dos tempos perdidos, os
quais venho resgatando nas leituras dos textos desta figura ímpar nas
letras montes-clarenses, o PERÉ, nascido Luiz Carlos Novaes. Antes
de conhecê-lo pessoalmente, eu já ouvira por demais seu nome e sobre
suas ações; na imprensa local e nas transformações da cidade. Sua
pessoalidade conquistou-me completamente. Percebe-se que PERÉ
conseguiu conservar intacto, todo o arsenal de sonhos e de ideais,
assim como a alegria e a força de uma geração incomum de jovens.É uma mistura de simpatia, bondade, eficiência. Sua argúcia e inteligência
transbordam nas metáforas irônicas das críticas que elabora reclamando
a nossa reflexão sobre a realidade de nossa vida e da cidade
que habitamos, mas o que mais encanta neste “jequitibá” intelectual
tão frutífero é a sua memória e a capacidade de registro de forma tão
pródiga e interessante.
É nos seus textos que encontro a mim mesma nos tempos de
antanho, não aquela que realmente fui, mas aquela que poderia ter
sido se tivesse vivido no cerne de todos os acontecimentos e verdades
que diziam respeito a todos nós, nas transformações locais e universais
da época. Ele sabe a importância do que faz, Luiz de Paula lhe ensinou
que; nós “temos dois passados - o osso e o do mundo”. Além de reencontrar-me na leitura dos seus textos, tenho lá encontrado verdadeiras
pérolas, que percebe-se, são frutos da esperança e de uma reflexão
aprofundada. Sua alma ainda hippie parece perdurar. É ele quem dizainda nestes tempos de vazio, que: “O amor existe. E ao contrário do
que o analista disse, é eterno. Etéreo. É profundo. É animal. Embora a
gente esteja sempre em perigo com ele”. Contemporiza: “A felicidade
ainda demora um pouco”. “A felicidade é mais que uma vontade, é
mais que uma quimera, é mais que uma esperança”. Reconhece que:“Nossa vida é tão em comum como incomum, que os tempos mudaram”,
mas que ele “não tem perigo de ficar velho na cabeça” e sobre a
internet comenta que”: estamos fazendo parte de um mundo mágico,
delirante, inebriante, deste nosso sertão cósmico, que agora é universal”.
“estou aqui, perdido nesta aldeia... mas estou no mundo. Quero
experimentar... este novo mundo com a cabeça dos nossos filhos.
Seduzir e abduzir, ser seduzido e abduzido. Ter experiências! Ficar
neurado diante do computador, pois o colorido que ele nos trouxeé diferente e isso é a maior novidade”. Para PERÉ, profissional que
honra o jornalismo da cidade e região, “o espaço é o avesso do silêncio
onde o mundo dá muitas voltas” Sua página “Sapo na muda”. É a
primeira que leio no jornal de Domingo.
Pois lá, ele nos informa sobre o melhor da música e seus agentes,
desde outros tempos, sobre filmes significativos, fala-nos dos
mais inusitados tipos de comportamentos humanos colhidos no vasto
campo da sua convivência, fala dos sentimentos, dos valores, dos
amigos que se foram, de personalidades que arrebatam, da saudade
que dói, “fala com os passarinhos, com os esmeros, com os meninos”.
Sua letras registram um tempo, cujas idéias, histórias, as vezes sem
começo ou fim, que foram traçadas no real e coloridas pela sua original
percepção. É o resgate deste conteúdo, que vem completando em
mim, a memória do não vivido pessoalmente, embora tivesse desejado
ardentemente, dos elementos que entrelaçam a minha identidade
de jovem das décadas sessenta/setenta. Devo, pois, ao PERÉ, o resgate
de um tempo que perdi e quero agradecer. É importante para mim.
Como se tudo isto não fosse demais o PERÉ criou a pouco tempo
uma “grandiosa” (em todos os termos) revista a qual denominou
TUIA homenageando a figura popular de um escravo que percorria nossas ruas nas décadas de sessenta/setenta. A revista que já está no
3º número é verdadeira obra de arte, tanto da Literatura, quanto do
Jornalismo e das Artes Visuais. Seu conteúdo, além da informação
atualizada trata com carinho da história e arte da cidade. É mais um
manancial de resgate da nossa identidade. PERÉ é um homem que
sonha e realiza o que lhe é prioritário, vencendo qualquer dificuldade,
mesmo no que concerne a sua, as vezes, debilitada saúde. Por tudo
isto, me engrandece e me traz orgulho o fato de tê-lo como amigo.
PERÉ, eu o reverencio. Como você, ainda sonho acordada diversas
vezes, mesmo sabendo que “o destino flui, que o homem flutua”, que
a “vida passa e a novidade acaba”, como disse sua Vó Mariinha. Mas,
também comungando a certeza do que li em seu artigo, que “a vida
segue antes de parar no mar. E o mar retorna em ondas”.
Felipe Gabrich
Cadeira N. 89
Patrono: Robson Costa
O Folclore e o Tempo
Quem viu uma vez, vê duas e revê a vida inteira. Não há atividade
humana mais sublime do que a preservação das manifestações
populares de uma época e de um povo. O que a
sofisticada biblioteca chama de folclore, nada mais é do que a saga
mitificada de modos de vida e de sentimentos de ancestrais que escreveram
suas emoções para as gerações do presente e para o futuro das
sucedâneas.
Não é só necessário compreender o passado, como também é
imprescindível senti-lo, com a nostalgia da alma cujo tempo não tem
dimensões cronológicas.
A imagem, resgatada do arquivo sem pastas suspensas e prateleiras
da memória, onde os fatos são guardados em neurônios de rolos
de microfilmes invisíveis, mesmo com o risco de serem apagados com
a falência múltipla das células, mantém a fidelidade e as cores das cenas
captadas pelas retinas ao longo dos anos.
O acesso aos dados é automático e instantâneo, não sendo necessário
acionar mecanicamente qualquer dispositivo e nem aguardar pelo lento e demorado processo eletrofotográfico de “downloads”
computadorizados. Um simples pensar e a lembrança faz a mente
projetar o assunto focado no visor cerebral, inclusive, com áudio,
conforme o caso.
As cenas, exibidas em “slow-motion”, mostravam um menino
maravilhado com a alegria de acanhadas ruas, onde grupos de dançantes,
de vestimentas multicoloridas e exóticas, tocavam rústicos instrumentos
de percussão - pandeiros, tamborins e caixas - em meio a
evoluções bizarras e cantarolavam modinhas plangentes, quase chorosas,
de versos ininteligíveis à audição.
“Aruê, tingô-gê...
Aruê, tingô-já...
A galinha que bota na cama,
Ó tingô-gê...ó tingo-já”.
Era mês de agosto, de um ano qualquer de século indeterminado.
Zumbi ou Congada.
Os reinados de Nossa Senhora do Rosário e de São Benedito.
O império do Divino Espírito Santo.
Os foliões, agrupados em ternos, pés escondidos em sapatilha
de cor branca, moviam-se em colunas: vestiam calças de linho branco,
enfeitadas por uma larga fita avermelhada de cetim nas laterais, do cós
à barra, jaquetas do mesmo tecido e cor, com botões auríferos na frente
e nos bolsos, e ombreiras - tipo farda militar - de marrom-dourado.
Nas cabeças, um falso boné de papelão, com um espelhozinho
ao centro, de cujas bordas desciam fitas de cetim de vários matizes; os
que vinham à frente de cada grupo ostentavam uma cobertura ainda
mais extravagante nas cabeças, com exuberantes capacetes de longas
penas de ema e pavão, de resplandecente colorido verde-arroxeado.
Festa dos catopês em Montes Claros/MG.
Puxando cada grupo, um folião de vestimenta ainda mais vistosa,
trazendo à mão o estandarte do santo de sua devoção, que o
videoteipe da memória identificava bem através das cores - rosa, azul
e vermelho. Rosa de Nossa Senhora do Rosário, Azul de São Benedito
e Vermelho do Divino Espírito Santo.
O inusitado cortejo corria as ruas em direção a uma igreja, onde
os dançantes se reuniam e, em redor de um mastro, tocavam e cantavam
em conjunto as mesmas melodias lastimosas.
Em volta, a curiosidade cultural e mística popular; nos ares, o
cheiro da tradição; nos corações, de atores e espectadores, a religiosidade
e a fé.
Eram os eternos catopês. Gente simples do povo, de origem
e identidade desconhecidas, representando um esquete herdado dos
pais ou avós.
Os mesmos catopés que, a cada mês de agosto, dedicado ao
folclore, estão de volta às ruas das cidades que sabem preservar-lhes
os costumes.
Mesmo sendo século XXI e início do terceiro milênio.
Os modernos dançantes dos festejos de agosto são uma prova
cabal de que, filosófica e culturalmente, o ontem, o hoje e o amanhã
são, a um só tempo e eternamente, o agora.
E sempre!
Haroldo Lívio
Cadeira N. 82
Patrono: Nelson Viana
Enchente de São José
Esta chuva que caiu, de muito raio e trovoada, nas noites de 22
e 23 de março corrente, ainda pode ser atribuída ao prestígio
pessoal de São José junto a São Pedro, o chaveiro do céu, que
também governa as torneiras de lá de cima. Tradicionalmente, por
volta do dia consagrado ao pai de Jesus Cristo - 19 de março - o
homem do campo, em nossa região castigada pelas secas, aguarda o
socorro da enchente de São José, que alaga os campos lavrados, enche
córregos e barrocas com uma abundância de águas que o sertanejo
aproveita para enfrentar a próxima estiagem. Daqui em diante, a esperança
é que venham as pancadas de chuva de São Miguel e de Todos
os Santos.
No nosso caso particular, temos desfrutado, nas horas de grande
aperto, do privilégio de sermos paroquianos do santo carpinteiro
e de sua esposa Maria Santíssima, nossos venerados padroeiros da
paróquia da Igreja Matriz, a primeira da cidade, a quem os crentes
recorrem quando se anuncia a iminente catástrofe da falta d’água. Felizmente,
ainda merecemos a clemência de nossos padroeiros, apesar de nossos pecados, porque o casal nos ouve e coloca o precioso líquido
nas torneiras de todas as paróquias da cidade, para a gente cozinhar,
lavar a roupa, banhar-se e matar a sede.
Nossos padroeiros mostram que, sobretudo, são gratos pela generosa
doação feita pelo alferes José Lopes de Carvalho, no Século
XVIII, quando entregou aos santos, em troca de um lugar na morada
celestial, quase toda a área atual da cidade mais algumas cabeças de
gado. São José e Nossa Senhora da Conceição adquiriram, com a doação,
a condição de latifundiários e pecuaristas, ocupando lugar de
destaque na economia local. Parece que o casal doador, sem filhos,
se esqueceu dos sobrinhos, deixando os valiosos bens para a Igreja,
prejudicando, entre muitos, o antropólogo Fabiano Lopes de Paula e
o artista Tico Lopes que, mesmo assim, não reclamam do tio-tataratatara-tataravô.
Consta que, no passado, a festa religiosa mais importante de
nosso calendário montes-clarense era a comemoração pomposa do
Dia de São José. Recordo-me de que, no velório do Padre Chico, na
Matriz, fiquei sabendo da importância dos festejos por uma prosa
entre Vicente Veloso Souto e “Seu” Joãozinho de Faria (cunhado de
Niquinho Teixeira), dois profundos conhecedores da crônica local.
(Esta cena se registrou há cerca de meio século, se não me falha a memória.)
acrescento minha colaboração, sobre a importância da festa,
para testemunhar que meu querido pai, aqui nascido no dia 14 de
março de 1898, recebeu na pia batismal o nome de José, pelo simples
fato de ter nascido faltando cinco dias para a grandiosa festa de São
José, com foguetório, procissão solene e banda de música, em grandioso
espetáculo de fé e beleza. Ouviam-se cânticos, dobrados, valsas,
mazurcas, alegrando toda a Baixada, da Rua Gonçalves Figueira até a
Rua Cel. Altino de Freitas, outrora denominadas de Rua do Ocidente
e Rua do Oriente; ou, como já se disse no popular, Rua do Pedregulho
e Rua do Marimbondo.
Haroldo Lívio
Cadeira N. 82
Patrono: Nelson Viana
PRIMO PERÉ
Luiz Carlos Vieira Novaes, o Peré inesquecível e bem-amado de
todos os parentes, contraparentes, aderentes, amigos, admiradores
e leitores, foi cruelmente arrebatado de nosso convívio e
nos deixou por algum tempo. As lágrimas até aqui derramadas equivalem
ao mar de imorredoura saudade em que estamos todos mergulhados.
Sua prematura partida, em meio à consternação geral de todas
as pessoas que o amavam, veio desmentir aquela afirmação de que não
existem pessoas insubstituíveis. Peré não deixou substituto, alguém
que possa igualá-lo em nobreza, em bom caráter e em talento; alguém
que possa reunir tanta simpatia e carisma pessoal ao redor de si, mercê
de seu reconhecido valor de jornalista e cidadão do mundo, sempre
disposto a servir o próximo.
Ele já nasceu abençoado e iluminado pela luz que vem do céu
para mostrar quem está perto de Deus. Foi escolhido pela Providência
Divina para nascer no dia 25 de dezembro de 1953, para coincidir
com a mesma data de nascimento do Menino Jesus. Não resta dúvida
de que há algo de profético nessa feliz coincidência. No dia de seussessenta anos, no ano passado, publiquei um relato sobre o novo sexagenário,
lamentando que seu pai, o saudoso Novaesinho, e a mãe,
dona Maria, não tivessem dado ao bebê um nome alusivo à data máxima
da Cristandade. Ele poderia ter sido contemplado, na pia batismal,
com o nome de Natalício, ou Natalino, ou Salvador, ou mesmo
Jésus (com o acento agudo) para não ser confundido com o outro
ilustre aniversariante. Porém, o pai, que nutria grande admiração pela
figura histórica de Luiz Carlos Prestes, o Cavaleiro da Esperança, perdeu
a oportunidade e decidiu pelo nome do político, sem saber que o
batizando veio a ser, como o pai, um modelo de cristão e criatura do
bem. Coisas que acontecem...
Minha primazia com Peré, como digo no título acima, se origina
na amizade entre meu avô materno, João Vicente Maria do Amor
Divino, pernambucano de Petrolina, e seu avô paterno, João Novaes
Avelins, também pernambucano, de Cabrobó, ambos nascidos em cidades
banhadas pelo Rio São Francisco. Todavia, vieram a se conhecer
em São Francisco, terra barranqueira de Minas Gerais. Até aqui somos
apenas netos de dois pernambucanos unidos pela amizade, ainda
não dando para dizer que fomos primos nem que seja detrás da serra.
Sem querer pegar carona com a fenomenal simpatia do amigo
que partiu, quero informar ao distinto público que a avó paterna de
Peré, dona Angélica Novaes, e minha avó materna, dona Florinda
Barreto Nobre, portadoras de nomes lindos, eram conterrâneas de
São Romão e se apresentavam socialmente como primas. (Não sei
qual o grau do parentesco.) O que importa mesmo e que elas fizeram
o quarto ano primário em Januaria morando na casa de Tia Ursulina,
de quem eu e o querido amigo devemos ter sido sobrinhos-bisnetos.
De qualquer forma, teríamos de ser primos nem que fosse pela coincidência
da presen;a do Rio São Francisco, na caminhada de nossos
antepassados que desceram do Nordeste navegando pelas águas sagradas,
em busca de dias melhores.
Itamaury Teles
Cadeira N. 84
Patrono: Newton Prates
MERGULHO NO
PASSADO COM PERÉ
Meu velho amigo Luís Carlos Novaes - o Peré - encantou-se.
O guerreiro sucumbiu-se, sem se entregar, não sem antes
exaurirem todas as suas forças. Com mil planos para o futuro
e com pautas para as próximas edições da sua revista.
Eu já acompanhava sua via-crúcis contra o câncer havia mais de
cinco anos. Ultimamente, debalde seus esforços pela vida, seu corpo
padecia a olhos vistos. Nosso último encontro aconteceu nas Festas
de Agosto, que ele foi assistir com muito sacrifício. Sua voz era um
fiapo, quase inaudível, mas ainda proseamos um pouco, falando de
amenidades e da sua mais recente criação: a Revista Tuia.
De lá para cá, muitas vezes ocorreu-me de visitá-lo, mas não
tive condições emocionais de fazê-lo. Contudo, sempre mandava uma
mensagem, para encorajá-lo no difícil embate.
Foi difícil para mim ver o amigo partir. Mas partiu como sempre
viveu: suavemente, altivamente, sem de nada se queixar...
Conheci-o em 1970, quando estudávamos no Colégio São José.
Não éramos colegas de turma, mas seu apelido - Perereca, nos últimos tempos reduzido apenas para Peré - era famoso no Colégio. Os belos
textos que produzia, nas aulas de Português, eram lidos com entusiasmo
pelo professor Paulo Teixeira, nas outras salas.
No ano seguinte, por imposição de ofício, ele e eu nos transferimos,
de malas e cuias, para o curso científico, noturno, da Escola
Normal, e passamos a ser colegas de turma. Ali, ainda no primeiro semestre,
fundamos o jornal estudantil O K-VEIRA. Eu trabalhava na
Sisan, no Edifício Ciosa, com o meu cunhado Omir, e Luís trabalhava
no escritório do arquiteto João Carlos Sobreira, na Rua Governador
Valadares. A proximidade facilitava nosso contato e o trabalho de
redação e datilografia dos estênceis, nas horas vagas, para posterior
impressão do jornal, em mimeógrafo.
Este jornalzinho, por incrível que pareça, abriu as portas do jornalismo
profissional para mim, aos 16 anos, no O Jornal de Montes
Claros, e para o Luís, um pouco depois. Eu sugeri o nome dele ao
Jorge Silveira - editor do Diário de Montes Claros, naquela época -,
para que escrevesse uma coluna semanal intitulada “Rádio, Discos e
TV”. O Peré tinha muitos Long Plays em sua casa, e costumava presentear
os amigos com fitas K-7 contendo músicas que ele selecionava.
Com gosto musical apurado, as fitas eram disputadas para serem
ouvidas e copiadas.
Em várias crônicas que escreveu em sua relativamente curta
existência de seis décadas, o Peré relembrava desse tempo, tocandonos
profundamente. Eram reminiscências de uma época bastante
significativa para todos nós que tivemos o prazer de vivenciá-la, em
Montes Claros.
Com sensibilidade para captar todos os movimentos culturais
do início da década de 70, e deles participar, sempre como eminência
parda, Luís nos conduzia ao passado e fazia-nos saborear novamente
de uma época em que a cultura efervescia nos colégios da cidade, com
grupos teatrais, jornais estudantis, academias de letras e outras agremiações
de destaque.
Fundamos, também, juntamente com o Manoel Oliveira, a
Academia Juvenil de Letras - ACAJUL, cujas reuniões ocorriam em
sua casa, na Rua Dr. Veloso. Ali, muito novos ainda, degustávamos,
ao final, uma dose de cachaça, que furtivamente obtinha da elogiada
coleção de seu pai, “seu” Novaesinho.
Depois, enveredamo-nos pelo teatro, com a peça “Hoje também
é dia de rock”. Como eu não era ator, ele arranjou uma forma
engenhosa de colocar-me no elenco, como locutor de um texto introdutório.
Depois de fazermos o Tiro de Guerra, em 1972, e lá escrevermos
o jornal “Pé de Poeira”, seguimos caminhos diferentes. Ele
foi trabalhar em indústrias e, posteriormente, em emissoras de rádio
e redações de jornais, em Montes Claros e Janaúba. Eu segui carreira
no Banco do Brasil, ao longo de 27 anos, sem jamais deixar de colaborar
com os jornais locais.
Com a minha aposentadoria e volta a Montes Claros, passamos
a cultivar mais nossa velha amizade. Tornamo-nos confrades - na Academia
Montesclarense de Letras e no Instituto Histórico e Geográfico
de Montes Claros - e companheiros de prosas matinais, no Café Galo.
Quando chegava, carregando nos ombros um alforje quase arrastando
no chão, cumprimentava-me, com alegria:
- E aí, Ita, tudo bem?
É triste saber que isso ficou no passado, Peré. Mas viverá sempre
em nossas lembranças. Sentirei muito a sua falta.
Até mais ver, amigo.
Juvenal Caldeira Durães
Cadeira N. 81
Patrono: Nathércio França
O Curso de
Matemática /FAFIL
Em 1964, através de um projeto do deputado Cícero Dumont
(de Bocaiúva) e de lutas acirradas das recém-formadas nas faculdades
de Belo Horizonte: Isabel Rabelo de Paula (História
e 1ª diretora dos cursos), Florinda Ramos e Dalva Dias (Geografia),
Baby Figueiredo (Pedagogia) e sua irmã gêmea Mary, hoje na Universidade
em Londres (Letras), conseguiram trazer quatro cursos de
ensino superior para Montes Claros: Pedagogia, História, Geografia e
Letras, amparados pela FELP e instalados provisoriamente em salas
cedidas pelo Colégio Imaculada Conceição. Mais tarde, foi criada a
Fundação FUNM, para dar continuidade ao seu funcionamento, no
casarão da rua Cel. Celestino.
As turmas foram formadas por pessoas portadoras de grande
experiência, que esperavam uma oportunidade para aumentar e aprimorar
seus conhecimentos. Eu participei da 1ª turma do Curso de
Pedagogia como aluno, ao lado daqueles detentores do saber, como a
escritora Maria Pires, a intelectual Elisa Pires, a famosa diretora educacional
América Eleutério e outras de mesmo nível.
Posteriormente, esses cursos passaram a funcionar no Casarão,
ex-Escola Normal, com o nome de FAFIL (Faculdade de Filosofia,
Ciências e Letras).
Em 1968 os professores de matemática sem habilitação que já
lecionavam na cidade tiveram a ideia de criar o curso de Matemática
de nível superior para regularizar as suas situações. Procuraram a
então diretora da FAFIL, Sônia Quadros, que prontamente apoiou o
grupo desde que uma comissão fosse criada para ajudar na concretização
do curso. Eu, Rosa Terezinha Paixão Durães, Wandaik Wanderley,
Waldir Rametta, José Duarte Callado e outros entusiasmados com o
evento, com o apoio da diretora, começamos a movimentar. Passamos
uma lista de adesão ao curso e fomos atrás de Francisco Bastos Gil, lá
em São João Del Rei, onde ele era aspirante do Exército, para dar início
ao curso. Ele aceitou ao nosso convite e veio para Montes Claros,
para nos atender, começar uma nova vida e uma nova profissão. Era
recém-formado em Matemática pela Faculdade de Filosofia de Belo
Horizonte/BH e um grande entusiasta.
O curso foi instalado e formado o corpo docente, em sua maioria
de liberais de notório saber em áreas afins. Gil era a “mola mestra”,
dava o suporte necessário garantindo a qualidade e funcionamento do
curso. Organizou o departamento de Matemática e assumiu as matérias
mais pesadas. Tinha uma organização perfeita do quadro negro e
do seu trabalho. Boa didática, bom manejo de classe e domínio nas
matérias que lecionava, o que o tornou simpático e amigo de todos.
Foi nosso verdadeiro líder, que ainda hoje lembramos com saudade.
Primeira Turma de Matemática-1968/71.
Não presentes nesta foto: Ivonete, Clarindo e Coracil
Prédio da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras/FUNM.
A primeira turma do Curso de Matemática formada em 1971,
na ex-FAFIL/FUNM (Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras/ Fundação
Universitária do Norte de Minas), hoje, CCH/UNIMONTES
(Centro de Ciência Humanas/Unimontes): Clarindo Anacleto, Coracil
Freitas Gonçalves, Edson Guimarães, Egídio Cordeiro Aquino,
Gerson José Barbosa, Geraldo Oliveira Santos, José Carlos Duarte
Callado, José Soares da Silva, Juvenal Caldeira Durães, Maria Ivonete
Lopes dos Santos, Marisa Monteiro Guimarães, Rosa Terezinha
Paixão Durães, Rivaldo Bezerra, Waldir Rametta, Walkiria Gonçalves
dos Santos e Wandaik Wanderley. Esses foram os 16 que chegaram
até o fim do curso, iniciado em 1968, com 64 alunos distribuídos em
duas turmas (uma à tarde e outra à noite) e terminado com uma só
noturna, com apenas, 16 formandos em 1971. Os outros se perderam
no decorrer do curso.
A UNIMONTES tornou Montes Claros um pólo universitário
de renome nacional que, além de atender a nossa cidade, acolhe alunos
de toda região Norte Mineira, com a eficiência de seus devotados
funcionários e com o altruísmo e preparo de seu corpo docente, com
especializações diversas, mestrados e doutorados, apesar de mal remunerados,
desprestigiados e desrespeitados pelo poder público que
renega a Educação e a tem como despesas inúteis ou um peso desnecessário
para o governo. O Estado não reconhece a Educação como
um dos principais pilares do desenvolvimento do seu povo, como
no Japão, nos países escandinavos e noutros, que desenvolveram suas
nações usando a Educação como ferramenta primordial. Num trecho
do hino da Finlândia diz: “... não temos terra, temos gente...”. De
fato, seu território é pequeno e passa grande parte do ano coberto
de neve. Também, o Japão é uma ilha problemática territorialmente
e, no entanto, esses países estão entre as maiores potências do mundo.
Por quê? A educação é aplicada corretamente e considerada em
primeiro plano ali. Assim acontece nas demais grandes potências. O
Brasil, apesar da imensa área coberta de riquezas naturais, o país capenga
com o povo vivendo de bolsas e cotas diversas, na ignorância
e na ociosidade, enganado com falsas promessas. Tudo isto, falta da
Educação como formação da consciência de seu povo.
A Universidade Estadual de Montes Claros/UNIMONTES
com suas Unidades procura juntamente com as outras instituições
educacionais fazer a sua parte, desafiando e enfrentando as dificuldades
e indiferenças governamentais. Montes Claros conta ainda com
diversas faculdades particulares, escolas de ensino técnico, colégios de
1º e 2º graus, públicos e particulares.
A FAFIL virou Centro de Ciências Humanas/CCH-UNIMONTES
e o curso de Matemática transformou-se em Unidade de
Ensino de Ciências Exatas, instalado num suntuoso prédio do Campus
Universitário/UNIMONTES. Há ainda alguns marcos que lembram
a minha saudosa passagem por ali: um laboratório com o meu nome; uma foto na galeria dos diretores, entronizada entre os demais
colegas que por ali passaram. Existem também nossos ex-alunos, hoje
professores titulares com mestrados e doutorados, dando prosseguimento,
com eficiência e zelo, ao nosso trabalho, além de alguns colegas
amigos que ainda restam e ali permanecem. Muitos já faleceram,
outros aposentaram ou tomaram destinos desconhecidos.
Eu procurei participar das diversas áreas de atividade dos educandários
por onde passei: regente de salas de aula, Chefia de Departamento,
Comissão de Vestibular, Vice diretoria por várias ocasiões,
diretor do CCH, Conselho Universitário e do Conselho de Ensino
Pesquisa e Extensão. Foi um passado de lutas atribuladas e penosas,
todavia, compensatórias e saudosas. Minha esposa, Profª. Rosa Terezinha
Paixão Durães, acompanhou me nessa trajetória de lutas, de
trabalho e de estudos, lecionando Matemática e Estatística na Escola
Estadual Prof. Plínio Ribeiro, na FAFIL e na UNIMONTES. Hoje
aposentada e minha companheira na arte musical do Conservatório
Estadual, Lorenzo Fernandez.
Quantos aos professores do curso de Matemática: Gil, como já
foi dito, foi nosso professor durante todo o curso e lecionou Cálculo
Integral e Diferencial, Cálculo Numérico e Fundamentos Matemáticos.
Os outros professores, de igual peso e de nossa alta estima, foram:
Profª. Yvonne Silveira (Português); Profª. Baby Figueiredo (Psicologia);
Profª. Maria de Lourdes Ribeiro (Didática); Dr. João Carlos Sobreira
(Desenho Geométrico e Estatística); Dr. Randolfo, engenheiro
do DER (Geometria Analítica); Dr. Carlos Alberto (Álgebra); Profª.
América (Metodologia Científica); e outros, também importantes,
que me fogem da memória. Para dar continuidade ao curso, depois
dessa etapa inicial, foram aproveitados pela FAFIL, após a colação de
grau alguns alunos, como: eu para lecionar Álgebra, Geometria Analítica
e Análise Matemática; Rosa, Estatística e José Soares, Física. Lá,
permanecemos até a nossa aposentadoria. Também, Callado, Marisa
e Rametta colaboram por um curto período.
Passamos a ser os professores das turmas que nos seguiram e,
também, de alguns dos nossos ex-colegas que ficaram para trás. Os
nossos melhores alunos/as foram sendo aos poucos aproveitados e
nos sucedendo com as nossas aposentadorias: Ruth Tolentino, Rosina
Nuzzi, Cleusa, Chiquita, Rosivaldo, Edson, Rômulo, Sebastião, Dilma
Mourão, João Barbosa e outros que se destacaram, aperfeiçoaram
com especialização, mestrado e doutorado. Alguns já até aposentaram,
outros continuam, com eficiência, o nosso trabalho, dando prosseguimentoà nossa luta em prol do ensino da Matemática. A UNIMONTES
cresceu e com ela, também os cursos, apesar dos pesares.
Gil era muito exigente e tinha um livro secreto que o batizamos
de “o livro da capa preta” para formular as “intrincadas” questões das
provas. Nós estudávamos extensivamente e fazíamos todos os exercícios
dos livros adotados, porém, na hora dos exames, apareciam questões
inesperadas que nos trariam sérias dores de cabeça. Mas, aquela
turma era formada de “tarimbados” em Matemática e se o mestre
não se cuidasse, todos tiravam a nota máxima. Penso que foi a turma
mais forte que passou por ali. Eram mais ou menos quatro horas para
realizarmos a prova. Gil dizia que os problemas dos livros adotados,
nós já sabíamos, por isso, ele cobrava outros. Mesmo assim, quase
todos tiravam dez. A turma era viva e demonstrava habilidade nos
momentos das provas.
Para completar nossa formação, procuramos, posteriormente,
as universidades dos grandes centros para ampliar os nossos conhecimentos.
Fizemos cursos de Matemática Moderna em Belo Horizonte,
ICEx/UFMG., de pós-graduação na PUC para substituir os
métodos tradicionais desmotivadores. Aprendemos metodologia mais
agradável e racional, porém, a matemática é a mesma, apresentada de
maneira diferente e com uma filosofia mais profunda e com metodologia
especial. O método tradicional ensina fazer mecanicamente,
sem compreender realmente os fundamentos da matéria, o que não é
correto. Para aprender um assunto corretamente deve partir dos princípios fundamentais. A Matemática é uma ciência universal, todavia
chegou às escolas através da teoria dos conjuntos, com aquelas historinhas
dos homens da caverna e pastores contando seus animais com
pedrinhas. Seus estudos evoluíram com formações de conceitos, estabelecendo
propriedades com a evolução da humanidade. Nos nossos
estudos aprendemos assuntos avançados e às vezes, não observamos as
raízes com a devida atenção.
O curso de Matemática da velha FAFIL, hoje, funcionando
no Campus Universitário, no suntuoso Prédio-3, e na categoria de
importante Unidade da Universidade Estadual de Montes Claros/
UNOMONTES, sob a sigla de CCET/Centro de Ciências Exatas e
Tecnológica, abrigando os cursos de: Matemática, Engenharia Civil,
Engenharia de Sistema, Sistema de Informação, para a nossa satisfação
e orgulho, por ter participado do plantio de uma sementinha que
cresceu e deu frutos para a nossa geração e, certamente, para o bem
da posteridade.
Além disso, foi um fato importante na nossa carreira de magistério,
no nosso crescimento do pensamento lógico e no meio estudantil
da região e, também, no desempenho de nossa vida profissional,
afetiva e emocional, deixando saudades indeléveis de cada professor
que nos conduziu com clareza nos momentos de dificuldades e, de
cada colega com seu companheirismo sadio e com suas brincadeiras
alegres, tornando-nos cada vez mais próximos e amigos.
Prédio do Centro de Ciências Exatas
- CCH/UNIMONTES |
O diretor em
solenidade
|
Lázaro Francisco Sena
Cadeira N. 55
Patrono: João Luiz de Almeida
O ORFANATO
Nos dias atuais, se for perguntado a qualquer jovem de Montes
Claros se ele conhece o Orfanato, dificilmente haverá
uma resposta positiva. Não que o Orfanato tenha perdido a
sua importância, mas porque a cidade alcançou dimensões antes impensadas,
envolvendo em seu burburinho desenvolvimentista pessoas
e instituições que, aos poucos, vão perdendo a sua identidade.
O consagrado historiador Nélson Viana, em sua obra “Efemérides
Montesclarenses”, registrou os seguintes eventos:
- no dia 19 de abril de 1941, foi assentada a pedra fundamental
do edifício do Orfanato de Nossa Senhora do Perpétuo Socorro, com
a bênção oficiada por Dom Aristides de Araújo Porto, Bispo Diocesano
de Montes Claros. Dentre outras autoridades e convidados, o Dr.
José Tupiniquim Horta Drummond, Juiz de Direito, e o Dr. Antônio
Teixeira de Carvalho – Dr. Santos, Prefeito Municipal;
- no dia 25 de maio de 1944, o edifício do Orfanato foi inaugurado
pelo então governador Benedito Valadares, que veio à cidade numa composição especial da Estrada de Ferro Central do Brasil, para
inauguração de várias outras obras, entre elas a “Praça de Esportes” e
a Central Hidro-Elétrica de Santa Marta.
Lar Nossa Senhora do Perpétuo Socorro: frente do prédio histórico.
Conforme consta em seu Estatuto original, o “Lar-Escola Nossa
Senhora do Perpétuo Socorro”, que ficou conhecido popularmente
como o Orfanato, fundado em 07-03-l951, “é uma associação de
cunho educacional, social, beneficente, assistencial e promocional,
que tem por fim dar assistência e proteção à infância e juventude
desamparadas”.. Mais adiante, ainda no mesmo documento, foram
estabelecidas as finalidades precípuas do Lar-Escola:
- “manter e educar crianças órfãs, do sexo feminino, dando-lhes
toda assistência educacional, religiosa, alimentar, médico-hospitalar e
de moradia;”
- “manter uma creche para crianças, de ambos os sexos, em regime
de semi-internato.”
Verifica-se, assim, que a construção do prédio durou cerca de
três anos, de 1941 a 1944, vindo o Orfanato a funcionar somente a
partir de 1951, sete anos depois da inauguração. Essa demora decorreu
certamente dos cuidados e das exigências dos doadores à instituição
que viesse a assumir o seu funcionamento.
O ato de doação foi formalizado em escritura pública, datada
de 15-06-1950, tendo como donatária a Mitra Diocesana de Montes
Claros, representada por Dom Antônio de Almeida Morais Júnior. O
terreno foi doado por Da. Luíza Magalhães Santos, viúva do coronel
Francisco Ribeiro dos Santos. O edifício, mandado construir para a
finalidade específica, foi doação da mesma Da. Luíza e mais o casal
coronel Philomeno Ribeiro dos Santos/Da. Laudelina Ribeiro Maia.
Da escritura de doação consta a seguinte descrição: “área de terreno
de 27.700 metros quadrados, situado na fazenda Bois, subúrbio de
Montes Claros, contendo um prédio amplo, de construção sólida,
com instalações de água e luz, coberto de telhas, tipo colonial, apropriado
para orfanato.” Dentre as condições exigidas pelos doadores,
destacamos as seguintes:
- “o edifício doado será destinado a um orfanato para meninas
indigentes e, de acordo com as possibilidades, abrigar algumas crianças
necessitadas, indicadas pelos doadores ou por seus representantes”;
- “impedir qualquer interferência da política local na administração
do orfanato, ou qualquer influência que possa desvirtuar a sua
finalidade”;
- “se a donatária não cumprir as condições estabelecidas, poderão
os doadores ou seus representantes exigir a devolução do imóvel.”
Pela escritura, foram designados, como primeiros representantes
dos doadores, os senhores Benedito Pereira Gomes, Simeão Ribeiro
Pires, Plínio Ribeiro dos Santos e Teófilo Ribeiro Pires, todos já
falecidos. Assinaram como testemunhas os senhores Celestino Soares
da Cruz e Raimundo Prates Guimarães. Como tabelião, o Sr. Cândido
Simões Canela.
Além dos três doadores originais, foram considerados, como
sócios benfeitores “in perpetuum”, os Srs. Agostinho Salgado e Sebastião
Salgado, por contribuições em valores vultuosos, além de Da.
Deolinda Ribeiro Maia, que doou, para usufruto vitalício, os prédios
de números 243 e 249 da rua Governador Valadares, no centro comercial
da cidade.
Em 1992, tive a honra e a oportunidade de participar, como
secretário, do Conselho Orientador do Orfanato, sob a presidência
do então Bispo Diocesano de Montes Claros, Dom Geraldo Magela
de Castro, atendendo a convite do Sr. Lourival Gonçalves Caldeira,
um sócio contribuinte que exercia funções na diretoria social da Instituição.
Foi aí que aprendi a gostar do Orfanato, ao ponto de me
atrever a pintar o seu retrato atual, sem entrar no mérito das inúmeras
transformações experimentadas em seu funcionamento, ao longo do
tempo, para se adaptar às necessidades sócioculturais de cada época.
Atualmente, a Instituição, sob a nova designação de LAR NOSSA
SENHORA DO PERPÉTUO SOCORRO, situa-se no mesmo
endereço anterior, na rua São Carlos, nº 40, bairro Todos os Santos,
CEP 39.400-118, e rege-se pela versão estatutária de 18-01-2005,
com alterações efetuadas em 31-01-2011, que lhe asseguram a natureza
de associação de cunho assistencial, beneficente, filantrópico
e cultural, introduzindo, todavia, algumas modificações em relação
à finalidade original, para atender à legislação vigente que trata da
infância e da adolescência. Podemos, de modo geral, afirmar que o
internato de crianças órfãs do sexo feminino, para manutenção, educação
e moradia, foi substituído por um sistema de acolhimento, com
capacidade para abrigar até vinte crianças do sexo feminino, de dois
a doze anos de idade, que tenham sofrido alguma violação de direito
ou vivam em situação de risco, sempre por decisão judicial. E o que
funcionava como creche para crianças de ambos os sexos, em regime
de semi-internato, evoluiu para um “Centro de Referência em Prevenção
e Inclusão Social”, que hoje atende a cerca de 150 crianças e adolescentes de sexo masculino e feminino, de bairros circunvizinhos,
através dos seguintes projetos:
- Reforço Escolar, executado em parceria com o Banco de Brasil;
- Oficina de Artes (teatro, dança de salão e artes plásticas), em
parceria com a Petrobras;
- TIM Arte e Educação (ballet), em parceria com a Tim-Operadora
de Telefonia.
É importante ressaltar que, além dos projetos aqui relacionados,
o LAR mantém convênio com a Prefeitura Municipal, que lhe
assegura o pagamento de despesas com pessoal e parte do material
necessários para o seu funcionamento. Conta, ainda, com recursos
próprios, provenientes de contribuições dos associados, aluguel de lojas,
doações diversas e promoção de eventos, tais como as tradicionais “Barraquinhas do Orfanato”.
Aspecto relevante do atual sistema de funcionamento é o envolvimento
das crianças “abrigadas” com as atividades desenvolvidas
através dos projetos, como forma de integração social. Apenas isso já
bastaria para deixar satisfeitos os atuais representantes dos “doadores”,
esses que estabeleceram a rígida condição de reverter os bens doados,
caso a instituição “donatária”, a Mitra Diocesana de Montes Claros,
não mantivesse o objetivo exclusivo a ser alcançado pela Instituição.
As atividades dos atuais projetos de assistência social se desenvolvem
nas antigas instalações da creche, enquanto se edifica, ao lado
do prédio principal, um audacioso “Centro de Referência em Prevenção
e Inclusão Social”, já em fase de execução da cobertura, financiado
pelo FIA-Fundo da Infância e Adolescência.
Philomeno Ribeiro dos Santos
Laudelina Ribeiro Maia
Luíza de Magalhães Santos
Deolinda Ribeiro Maia
O LAR NOSSA SENHORA DO PERPÉTUO SOCORRO é
uma ASSOCIAÇÃO sem fins lucrativos, que se constitui por número
ilimitado de sócios, entre pessoas físicas e jurídicas, que dela queiram
participar. São as seguintes, as categorias de associados:
- Benfeitores: além dos fundadores e dos doadores de bens imóveis,
os que contribuam com bens e valores considerados excepcionais;
- Protetores: os que, frequentemente, contribuam com bens ou
recursos de valor significativo;
- Contribuintes: os que contribuem mensalmente em forma de
bens, produtos, serviços ou dinheiro, de qualquer valor;
- Colaboradores Voluntários: os que contribuem, ainda que
eventualmente, com prestação de serviços à Associação.
A administração do Lar Nossa Senhora do Perpétuo Socorro
apresenta alguns aspectos diferenciados, em razão inclusive da sua
evolução histórica. Vale recordar que, de início, os doadores tiveram
alguma dificuldade para encontrar uma entidade competente para
assumir o funcionamento do “Orfanato”, problema esse finalmente superado, com a doação condicional de seu patrimônio à “Mitra
Diocesana de Montes Claros.” Tal condição, todavia, mudou de caráter
e a atual Arquidiocese de Montes Claros passou de donatária a
comodante, especificamente do prédio onde está instalada a sede da
Associação. Mas essa mudança não tirou o poder benfazejo da Igreja,
que prevalece através do Conselho Orientador, onde pontificam um
representante da comodante e um outro da entidade que exerce a direção
interna do LAR, por designação do Arcebispo Metropolitano,
a Congregação das Irmãs da Sagrada Família de Montes Claros, coordenada
pela Ir. Maria Liduína Cavalcante. Esse Conselho Orientador é o órgão consultivo e fiscalizador do cumprimento das normas estatutárias
e se compõe ainda dos seguintes membros: um representante
de cada um dos três doadores originais do patrimônio do LAR; um
representante do Conselho Municipal da Criança e do Adolescente;
um representante do Conselho Municipal de Assistência Social; e um
representante do quadro de associados.
O Estatuto do LAR estabelece ainda os demais órgãos de sua
administração: a Assembleia Geral, a Diretoria Executiva e o Conselho
Fiscal. Define também a Assembleia Geral como órgão soberano
da Associação, é integrada por todos os sócios em situação regular,
toma as suas decisões por maioria de votos dos presentes, e se reúne
sob a presidência do Presidente da Diretoria Executiva.
Os membros da Diretoria Executiva e do Conselho Fiscal são
eleitos pela Assembleia Geral, dentre os sócios em situação regular,
para mandatos de dois anos, podendo ser reeleitos para mais um
mandato consecutivo. Ao Presidente da Diretoria Executiva, no momento
o Sr. Hércules da Costa Silva, cabe a imensa responsabilidade
de representar a Associação e responder ativa e passivamente por ela,
em juiz ou fora dele. É um compromisso mais do que dignificante
para quem, assim como os demais diretores e membros dos órgãos da
Administração, exercem tais funções voluntariamente, sem qualquer
remuneração específica.
Ao final desta pequena “notícia” do Lar Nossa Senhora do Perpétuo
Socorro, não podemos omitir os nomes das profissionais que
ali nos receberam para valiosas informações: Maria Brígida Gonçalves,
coordenadora de acolhimento, e Mariana Abiachell Medeiros,
coordenadora de captação de recursos. Muito além da impressão, elas
nos transmitem a tranqüilidade e a certeza de que o antigo e querido“Orfanato” continua buscando o seu objetivo, de forma cada vez mais
segura e aprimorada.
Leonardo Álvares da Silva Campos
Cadeira N. 97
Patrono: Urbino Vianna
As múmias de
Itacambira explicadas
As múmias de Itacambira, no Norte de Minas Gerais, foram
achadas, em tempos antanhos, por um certo Luiz, um rapaz
de 17 ou 18 anos que, certa manhã, ao varrer a sacristia da
Igreja Matriz de Santo Antônio, notou uma tábua desprendida mostrando
um imenso porão, úmido e escuro, no qual estava aquela multidão
esquecida.
Itacambira é nome tupi, querendo dizer “pedra pontuda que
sai do mato”. Vista a várias léguas de distância, quando se atravessava
a Serra de São Calixto, indo para Grão Mogol, a partir de 1679, o
bandeirante Fernão Dias Paes, em sua busca por esmeraldas, instalou
ali uma feitoria. As supostas esmeraldas encontradas pelo bandeirante
paulista, no cenário da Serra Resplandecente (trecho da Serra Geral)
e Lagoa Vupabuçu, precisamente no município de Itacambira, não
passavam de turmalinas verdes.
Existe um afloramento rochoso de quartzito isolado da Serra
Resplandecente e a leste desta, a Lapa do Bugre, dentro do antigo leito da lagoa, em cujos paredões existem pinturas rupestres. Tal manifestação
parietal em Minas é datada entre sete mil e onze mil anos
atrás, daí não havendo que se falar em ligação entre os índios pré-colombianos
e aquelas múmias de um período mais próximo do tempo
presente.
As múmias de Itacambira
A tradição oral indica que os corpos mumificados de Itacambira
ali se encontram há mais de 100 anos. Dizem, por exemplo, que os
aproximadamente 300 corpos - diversos deles conservados por processos
naturais - seriam integrantes da bandeira de Matias Cardoso,
ou talvez da de Antônio Gonçalves Figueira, ou mesmo índios tapuias,
que preteritamente já mumificavam pequenos animais mortos
com curare.
O professor Artur Valle Campos explicou, em 1966: “Desde
menino, contava o meu pai que um antigo vigário de Itacambira, há
cerca de 80 anos, objetivando embelezar a porta de entrada do templo,
resolveu mandar demolir o velho cemitério na sua frente. Em tal
ocasião, foram encontrados os corpos mumificados, que foram recolhidos
ao porão da Igreja de Santo Antônio.”
Comprova-se essa informação examinando as ossadas no porão
daquela igreja, quando ali estive, em princípios de 1980, ao lado de
três pesquisadores, então da Fundação Oswaldo Cruz, Ulisses Confalonieri,
Adauto José Gonçalves e Luiz Fernando Ferreira, além do
médico montes-clarense Luiz Pires Filho. Alguns crânios chegavam a
apresentar, em marcas induvidosas, sinais de corte e fraturas provocados
por picaretas e outros instrumentos, por ocasião dos trabalhos
de remoção.
No entanto, mister esclarecer que, em meio a uma diversidade
de corpos, não encontramos nenhum mumificado. Alguns crânios e
outros ossos de esqueletos quando muito mostravam restos de pele,
músculos e cartilagem, como um crânio por mim mesmo recolhido,
que apresentava o céu da boca perfeitamente conservado (o mesmo
tinha uma fratura lateral provocada por instrumento contundente,
provavelmente uma picareta).
Os restos mortais, amontoados aqui, ali e acolá, mostram ainda
restos de tecido apodrecido. O que outrora fora uma roupa está agora
colada ao esqueleto ou mesmo solta. As poucas partes mumificadas de
corpos sempre apresentam tonalidade de marrom escuro.
O historiador Simeão Ribeiro Pires mantinha em sua casa, em
Montes Claros, três corpos perfeitamente mumificados, sendo um de
um homem de cor branca, uma mulher e uma criança. Como era
seu costume expor essas múmias em colégios de Montes Claros, ele
mesmo amputou os órgãos genitais do corpo mumificado masculino,
evitando pilhérias não condizentes com o rigorismo moral daquele tempo. Tinha ainda um crânio conservando toda a pele da face. Todo
o seu acervo foi doado, naquela mesma oportunidade do retorno da
viagem dos pesquisadores a Itacambira, à própria Fundação Oswaldo
Cruz.
Simeão Ribeiro Pires disse-me que quem andou colhendo uma
maior quantidade de múmias, doando-as após a pessoas variadas, foi
o médico João Valle Maurício.
Mas é certo que, naquela época da remoção dos restos mortais
do cemitério em desativação, outras múmias foram encontradas, desaparecendo
mormente por causa de brincadeiras dos moradores do
lugar. Era costume, então, a retirada de múmias do porão da igreja,
quando de serenatas ou por libações alcoólicas, para colocá-las encostadas às portas de algumas residências.
Na manhã seguinte, recebiam os desprevenidos moradores madrugadores,
de corpo inteiro, o abraço macabro de uma dessas múmias,
que se desequilibrava para o interior, ao ser aberta a porta.
A matéria putrefaciente de alguns desses corpos (refriso que
os corpos inteiramente mumificados eram mínimos) não foi digerida
pela terra por causa do solo arenoso, extremamente rico em mica
branca e, por certo, outros elementos químicos, os quais tornaram
praticamente impossível a ação das bactérias pertinentes.
Os pesquisadores Ulisses Eugênio Confaloniere (Instituto de
Biologia - UFRRJ), Adauto José Gonçalves de Araújo (Instituto de
Biologia - UFRRJ) e Luiz Fernando Ferreira (Escola Nacional de Saúde
Pública - Fiocruz) relataram no Congresso de Parasitologia, em
1981, em Belo Horizonte:
“O estudo de fragmentos de intestino retirados de corpos humanos
naturalmente mumificados, em Itacambira, revelou a presença
de ovos de Trichuris trichiura em um indivíduo adulto, do sexo masculino
e raça branca.”
A população do antigo cemitério diante da Igreja de Santo Antônio
de Itacambira (esse templo possui o altar-mor em forma de
pagode chinês, sendo o único do tipo existente no Brasil) não é uma
questão para maiores delongas. Sempre foi costume enterrar os mortos
na frente ou ao lado de igrejas.
Nas terras do primitivo povoado de Itacambira houve a chamada
guerra dos papudos. Paulistas, o capitão Miguel Domingues e
seus homens garimpavam as terras em busca principalmente de ouro
e diamantes, nos idos de 1698, quando foram atacados por baianos
expulsos de suas terras na região que hoje forma o município de Cataguases.
Segundo o historiador Diogo de Vasconcelos, os paulistas “foram
assaltados por um bando de mestiços denominados de papudos,
semibárbaros, provenientes do Rio de Contas, e por estes intimados a
darem de mão os serviços, sob pretexto de ser aquele distrito pertencenteà Bahia, e não aos paulistas.”
“De princípio, ousaram viver em paz aqueles dois grupos de
mineradores, mas os homens do capitão Miguel Domingues, não acatando
as determinações impostas pelos invasores, foram por eles - os
papudos - expulsos daquelas terras. Como quer que seja, este episódio
ficou conhecido pelo nome de Guerra dos Papudos”, conforme Dário
Teixeira Cotrim, in “Ensaios Históricos de Itacambira”, 2014.
Conforme do “Dicionário Geográfico, Histórico e Descritivo
do Império do Brasil”, de Miliet de Saint-Adolphe, de 1845, “teve
início esta povoação em 1698, tempo em que uma bandeira de paulistas
comandada por Miguel Domingues entranhou-se nas matas, se
estabeleceu entre as montanhas escabrosas que fazem ao sul do rio
Itacambira. Os companheiros de Miguel Domingues foram expulsos
d’aquele sítio por outros paulistas,” (na verdade baianos) “a que os
primeiros puseram o nome de Papudos. No cabo de muitos anos de
contínuas rixas, ficando os Papudos senhores das minas que só foram conhecidas no governo em 1707, edificaram uma igreja da invocação
de Santo Antônio, que não teve título de paróquia senão passados
trinta anos.”
Derrotados, os paulistas foram aportar nos arredores da fazenda
do alferes José Lopes de Carvalho, dando origem ao povoado de São
José das Formigas (hoje Montes Claros), frisando Diogo de Vasconcelos:“Desta sorte foi que alguns daqueles valentes exploradores, atravessando
o rio Verde e a extensão de terras então inabitadas, vieram
ter casualmente à Fazenda de Montes Claros.”
Os corpos dos derrotados da guerra dos papudos foram os primeiros“hóspedes” do local que, após, iria ficar na frente de uma pequena
capela, a qual deu lugar à Igreja de Santo Antônio. Se a povoação
de Itacambira data de 1707, é certo que antes ali já existia uma
feitoria fortificada e com plantações para sobrevivência.
Foi nomeado Baltazar de Morais para a provisão da região, em
13 de fevereiro de 1701, sendo que documento de 15 de março de
1702, do “Arquivo Público Mineiro”, informa que “o guarda-mor
Antônio Soares Ferreira fez minuciosa diligência pelo Serro Frio e
Itacambira em busca de novas minas (Dário Teixeira Cotrim, obra
citada).
Às vítimas da dita guerra se somaram os nativos, estimando-se
que até o ano de 1790, vindo a seguir um antigo vigário, que achou
de bom alvitre que a “casa dos mortos” não mais se situasse diante do
adro da igreja, ou seja, em pleno centro da povoação.
Os trabalhos de remoção trouxeram à tona corpos mumificados
naturalmente e ossadas outras com restos de pele, músculos e cartilagem,
além de pedaços conservados de roupas, tudo depositado no
porão da atual Igreja de Santo Antônio de Itacambira.
Mara Yanmar Narciso
Cadeira N. 98
Patrono: Virgílio Abreu de Paula
A Medicina e as mudanças
de comportamento em
mais de meio século
A Dra. Maria de Jesus Santos Rametta nasceu em 29 de julho
de 1934, na fazenda Mocambo e foi registrada em Miralta,
distrito de Montes Claros. Veio estudar em Montes Claros no
Grupo Escolar Gonçalves Chaves onde fez o Curso Primário e depois
estudou o Ginásio no Instituto Norte Mineiro de Educação. Foi fazer
o Curso Científico em Juiz de Fora no Instituto Metodista Granbery,
fazendo dois anos, mas cursou o terceiro ano já em Belo Horizonte,
no Colégio Metodista Izabela Hendrix. Estudou Medicina na UFMG
- Universidade Federal de Minas Gerais. Graduou-se em três de janeiro
de 1963. Como não havia Residência Médica naquela época, e
a futura médica queria dedicar-se mais a Ginecologia e Obstetrícia,
acompanhava os serviços dos professores nos seguintes hospitais: Santa
Casa de Misericórdia de Belo Horizonte, Hospital das Clínicas e
Pronto Socorro, neste último, como funcionária. Ao chegar a Montes
Claros como a primeira mulher médica a exercer a profissão na cidade,
foi trabalhar na Santa Casa, ocasião em que não havia a proteção
universal do doente pelo SUS, e sim uma classe de doentes nomeados indigentes. Muito trabalho dedicou a Dra. Maria às pessoas carentes,
tendo uma vida completamente voltada para a Medicina.
É casada com o também médico ginecologista Dr. José Rametta
Santos. Em todas as listas de pessoas proeminentes de Montes Claros,
o nome da Dra. Maria se impõe, e assim, nos 150 anos de Montes
Claros foi homenageada com uma das 150 Medalhas Civitas, recebendo
a de número 115. Avessos à sofisticação e fazendo o estilo discreto,
o casal de médicos sempre foi referência na cidade para muitos
temas, mesmo os que não se relacionavam com a Medicina. Nela, a
Dra. Maria trouxe novos conceitos que acabaram por se tornar rotina,
transformando a Ginecologia local. Mesmo em relação à vida social,
as coisas que o casal fazia, entre compras, festas, viagens, decoração,
enxoval e outros hábitos de consumo, as pessoas usavam como referência
e procuravam imitar. Eram como as celebridades do mundo
pop de hoje.
Em 1957, quando começou seu estudo superior, a turma da
Dra. Maria tinha apenas duas mulheres. Naquela ocasião houve uma
alteração no vestibular, que já era a maneira de se ter acesso à universidade.
Buscando aprovar alunos de alto nível, 35 alunos passaram
na prova, numa segunda oportunidade entraram mais dez, e então,
vieram os estrangeiros, chegando um boliviano, um venezuelano e
nove peruanos.
Em toda Minas Gerais havia poucos cursos de Medicina, sendo
dois em Belo Horizonte, a UFMG, federal desde 1949, porém com
este nome a partir de 1965 e a Faculdade de Ciências Médicas. Em
Uberaba e Juiz de Fora também tinha cursos de Medicina, cujos acadêmicos
faziam estágio na capital. Na data marcada, a espera pelo resultado do vestibular demorou um dia inteiro, e a vestibulanda ficou
aguardando em frente à casa do Senhor Hildebrando Mendes.
Recebeu a boa notícia através de um posto telefônico. Tinha de fazer
a matrícula em 24 horas. Contou entusiasmada sua aprovação aos
amigos, mas estes não entenderam a importância do fato. Em Belo Horizonte foi submetida ao trote sozinha, o qual constou de um banho
de fubá com mel.
Quase todos os professores eram brasileiros, já mais velhos, dedicados
a cátedra e à pesquisa, sendo que alguns não mais clinicavam.
O novo grupo que chegava alterou o ensino da Medicina e exigiu modificação
no quadro de docentes e da grade curricular. A escola funcionava
num prédio antigo, no mesmo local que é hoje, na Avenida
Alfredo Balena. No ano passado, 2013, quando a turma completou
50 anos de formada, os ex-alunos foram chamados ao local para, num
ato simbólico, recolocar uma antiga porta dupla de madeira trabalhada
e original que tinha sido substituída por outra de vidro.
Não existia república de estudantes e a acadêmica Maria teve a
sorte de ser adotada pela família da senhora Jamile, e lá morar por seis
anos. Era uma libanesa, amiga da família, viúva de um brasileiro, que
tinha morado no norte de Minas, em Pedra Azul. Era muito difícil
encontrar um lugar seguro para uma moça morar e estudar na capital.
Durante o curso, a única colega mulher adoeceu gravemente,
sendo a própria Dra. Maria quem suspeitou do problema no coração
da acadêmica, devido a um sinal chamado “ingurgitamento jugular”
que era indicativo de insuficiência cardíaca. Usando o estetoscópio,
ouvindo o coração e analisando os sons anormais, fez o diagnóstico
correto e falou para o professor. A colega teve dificuldade em aceitar,
e de tão sério precisou se afastar do curso, voltando apenas muito
tempo depois.
A família da futura Dra. Maria morava na cidade de Montes
Claros desde 1948, para os filhos estudarem. O endereço era Rua
Coração de Jesus, número 68. Vinha pouco a casa, apenas em feriados
maiores e férias, porque a viagem era longa e sofrida. Ficava algum
tempo na fazenda, mas já preferia ficar na Santa Casa.
Recorda a Dra. Maria que “durante o curso de Medicina, todas
as áreas eram estudadas e praticadas por nós acadêmicos. No setor de laboratório, manipulávamos materiais e fazíamos todos os exames
existentes, como hematologia, por exemplo. Toda a abordagem que
envolvesse o paciente em nosso leito era da nossa responsabilidade,
fossem Raios X, tratamento clínico ou cirúrgico. Tinha-se a impressão
de que o médico era um profissional mais completo”. Como havia
pouco exame complementar, a conversa era longa, uma verdadeira
anamnese e o exame físico detalhado. Dra. Maria diz: “aprendi obstetrícia
num treinamento exaustivo, fazendo o exame obstétrico completo,
através do qual, apalpando o abdômen da grávida, conseguia
avaliar o tamanho, a posição e as condições do feto”. Um exame bem
executado, feito por quem entendia, segundo ela, dava o diagnóstico
de qualquer alteração, inclusive posições fetais anormais e gravidez
gemelar.
Família Rametta: Sérgio e seus pais.
Para Sílvia Serrat, sua sobrinha, também médica ginecologista e
obstetra, “Maria é um ícone para todos que chegaram depois”. É uma
pessoa aberta, chegada aos problemas dos outros, assumidamente a‘mãezona’. “É competente, estudiosa, inteligente e líder”. Como professora,
mostra muito bem como deve ser a relação médico/médico,
e médico/paciente. Trata os seus pacientes como parentes, sendo carinhosa
com todos. Ela sofre com os que precisam dela”, diz ela.
“Medicina sempre foi o que eu queria”, reafirma Dra. Maria.
Quando se formou, não havia concurso para emprego, e sim nomeação
de acordo com o currículo. Foi então nomeada por um dos seus
professores para o IAPFEST, instituição que congregava os ferroviários,
mas acabou atendendo a todo mundo. Não existiam planos de
saúde e nem convênios. A primeira ginecologista de Montes Claros
falou: “fui muito festejada, recebia muitos presentes, não percebia rejeição
alguma por ser mulher, e tive todo o apoio do corpo clínico
da Santa Casa”. Segundo a Dra. Maria, foi normalmente aceita pelos
médicos que lá trabalhavam como Dr. Konstantin Christoff, Dr.
Aroldo Tourinho, Dr. Santiago de Paula e Dr. Elton Lessa. As freiras Irmã Malvina, Irmã Ninfa e Irmã Thais eram quem faziam os partos,
chamando os médicos apenas quando havia alguma complicação. Dr.
Aroldo Tourinho dava assistência e quando necessitava de ajuda chamava
Dra. Maria, que morava perto e estava em permanente sobreaviso.
Havia noite em que ia ao hospital muitas vezes, num trabalho
exaustivo e quase sem interrupção.
Relembra que começou no INPS da Rua Pires e Albuquerque e
que depois se mudou para a Rua Dom Pedro II. Lá fazia Ginecologia,
introduzindo um novo e importante conceito de prevenção do câncer
ginecológico e o uso do colposcópio (aparelho para ampliar a imagem
do colo do útero), com envio do material colhido em lâminas para o
Serviço de Patologia em Belo Horizonte (não havia esse tipo de serviço
em Montes Claros). Informa que chegou a ocupar o sétimo lugar
em coleta de material em todo o Estado de Minas. Também fazia biópsias e, em caso de resultado positivo, embora tivesse feito trabalhos
de Radioterapia em Belo Horizonte, colocando agulhas de rádio em
tumores, não executava aqui este serviço, devido à falta de condições
técnicas relativas ao material radioativo, preferindo encaminhar a paciente
para o Hospital do Rádio em Belo Horizonte - Hospital Borges
da Costa.
Em relação ao câncer de mama, fazia-se a quimioterapia com
uma droga chamada Induxan, que era o que existia, e executava tal
trabalho com a experiência que tinha adquirido na capital. A mamografia
ainda demorou a vir. A evolução foi chegando devagar e a
Faculdade de Medicina do Norte de Minas, criada em 1969 acelerou
esse processo. Relembra que “a FAMED foi minha primeira filha. Arrumei
tudo para ela, as primeiras roupas, os paninhos, tudo por conta
própria. Na época não havia problema financeiro. Podia fazer e fiz.
Foi muito gratificante e a faculdade não tem memória”.
Irmã Veerle, freira belga que está a serviço da Santa Casa desde
1968, diz: “quando começaram a surgir os primeiros acadêmicos de
Medicina, a Dra. Maria ensinava com a maior paciência. Era uma
pessoa atenciosa, cem por cento disponível. O que ficou de imagem
da Dra. Maria de Jesus depois de todos esses anos, foi eu não conseguir
entender e nem saber explicar como ela conseguia ser tão boa
com as pacientes, aquelas tantas mulheres que passaram pelas suas
mãos”.
“Naquele tempo o médico era visto como um santo, uma coisa
diferente, sendo muito respeitado”, vai contando Tonha. “A Dra.
Maria era muito bondosa, fazia caridade e por isso mesmo era muito
querida. Aonde ia, havia mulheres querendo falar com ela, pedir-lhe
coisas, que ela atendia na medida do possível, dando roupas, feira e
outros favores, além de atendimento médico”, recorda a técnica em
enfermagem e muito amiga da Dra. Maria, batizada como Maria Antônia
Colares.
Gostosa lembrança tem Dra. Maria sobre a chegada do seu filho
Sérgio em 9 de fevereiro de 1977. Para ela, a gravidez tardia, aos
42 anos, despertou muito interesse e curiosidade. O filho nasceu após
nove anos de casamento e depois de uma primeira gravidez que resultou
em aborto. Tinha ganhado muitos presentes na primeira vez e a
frustração foi geral. O acompanhamento foi feito pelo seu professor
Dr. Mário Dias Correia, em Belo Horizonte. Um ano e meio depois
ficou grávida novamente e não contou a ninguém. Uma amiga descobriu
aos cinco meses e espalhou a notícia. Fizeram versos: “Até que
enfim se encontraram os gametas/ ficou grávida a Maria/ Será pai o
Rametta.”
“Naquele começo de profissão, lá atrás, se ganhava muito bem.
As pessoas pagavam com boa vontade, reconheciam o serviço prestado,
ficavam gratos, e mesmo quando não tinha tratamento eficaz,
elas se conformavam. Clientes morriam, algumas vezes por fatalidade,
outras por falta de recurso, ou por falha, mas relembrando, vejo que o
balanço foi totalmente positivo”, conta Dra. Maria. E continua: “hoje
há uma fuga da Obstetrícia. Ela está se esvaziando. Os alunos não
querem se dedicar à especialidade, provavelmente devido ao tempo
exigido para um bom atendimento ao parto ou ainda a possibilidade
de complicações e processos judiciais”. Dra. Maria confirma a constatação
geral da preferência das mulheres pelo parto cesariana. Mesmo
com muitas mulheres com trompas laqueadas, e tendo apenas um ou
dois filhos no máximo, há muita gestante e pouco espaço para elas nos
hospitais. “A cidade precisa de outra maternidade”, alerta Dra. Maria.
“Tive a sorte de, em 52 anos de profissão, nunca ter enfrentado
nenhum processo na Justiça. Não me sinto infalível, e atribuo não ter
tido nenhuma ação, por nunca ter abandonado a paciente. Sempre
tive um bom relacionamento e dei total atenção, acompanhando o
tempo todo, dando assistência e fazendo questão de agir de forma
humana, de estar sempre presente”, reflete Dra. Maria.
Até recentemente classificada no DATASUS como Médica Ginecologista
e Obstetra, a incansável Dra. Maria trabalha ainda hoje,
e diante de reclamações pela demora das consultas, justifica-se, dizendo
que adora conversar. Mantém o atendimento em seu consultório
quatro vezes por semana de manhã e à tarde. Continua fazendo
pré-natal, mas avisa que não fará o parto, pois deixou o atendimento
hospitalar. Tem atendido particulares e convênios, pois, como não
tem nenhuma ambição, vai fazendo a sua parte social. Não tem lhe
faltado trabalho.
Os hábitos e o comportamento da população em geral e da
clientela em particular modificou-se muito nessas cinco décadas, o
que é facilmente notado. No começo, a consulta médica era envolta
num excesso de recato e isso foi, naturalmente, se modificando com
o tempo. Antigamente quando havia impedimento familiar para o
matrimônio, em casos extremos, casais apaixonados chegavam a fugir
para se casar. Nos dias de hoje as mães levam suas filhas de 13 anos
em busca da vacina contra o HPV - Papiloma Vírus Humano, causador
do câncer do colo do útero. E pessoas pedem naturalmente o
teste de HIV, vírus causador de AIDS. “As moças vão consultar junto
com suas mães, chegando bem informadas devido a revistas, televisão
e internet, o que facilita as coisas”, relata Dra. Maria. E continua: “as
mães sabem que, independente do casamento, em algum momento se
iniciará a vida sexual das filhas, e nesse ponto a sociedade de hoje tem
mais autenticidade”. No outro extremo, há mulheres maduras que
tiveram oito ou mais filhos com parteira, e nunca foram ao médico,
mas depois decidem se consultar com uma ginecologista.
Conta que “décadas atrás, no começo da sua carreira, o exame
ginecológico não era prática costumeira, acontecendo dificuldade
desde a conversa, até o exame local. Há tempos trata-se de rotina, e
a orientação da mídia foi indispensável para ensinar a necessidade de
se fazer a prevenção do câncer de colo do útero e também da mama”.
Antes da mamografia e do ultrassom de mamas o diagnóstico era feito pelo exame clínico e biópsia aberta, pois não havia agulhamento.
Após a confirmação, fazia-se a mastectomia radical (retirada total da
mama), e os maus resultados terapêuticos desanimavam as doentes e
suas famílias, evitando-se falar o nome da doença. “Devido ao atraso
dos recursos diagnósticos, as pessoas só procuravam o médico com a
moléstia já adiantada”, ela diz, “e vi caso de mulher que vinha com
as duas mamas afetadas por feridas visíveis e cobertas por curativos, e
ainda viviam algum tempo”. Os diagnósticos precoces de hoje permitem
a quadrantectomia, que é a retirada de parte da mama, seguida
de quimioterapia e radioterapia. Atualmente quase não se vê câncer
de colo do útero em estado avançado, com aquele cheiro característico.
Durante muito tempo as pessoas faziam o tratamento na capital,
deslocando-se a cada quinze ou trinta dias para serem submetidas ao
tratamento oncológico. Hoje a Santa Casa de Montes Claros tem o
que há de mais moderno na área.
De acordo com a Dra. Maria, atualmente não há mais necessidade
de se vencer uma barreira para se utilizar a palavra câncer. Muitas
vezes a paciente já chega sabendo, seja da mama, seja de algum outro órgão. Antes o diagnóstico era feito em fase avançadíssima nomeada
carcinomatose, quando não havia nada a ser feito. Quando se abria,
já estava tudo tomado. O câncer do ovário só era diagnosticado em
fase de metástase, câncer à distância. Nisso as imagens de ultrassom,
tomografia computadorizada e ressonância nuclear magnética chegaram
para antecipar o diagnóstico, possibilitando a cura. O acesso geral
a essa tecnologia cara é possível através dos convênios. Também a
colonoscopia (exame direto do intestino por via endoscópica) foi um
avanço imenso, em que se diagnostica e se retira pólipos com displasia
leve, evitando-se a progressão da doença.
“O advento dos anticoncepcionais foi libertador”, comemora
a Dra. Maria, “porém o seu uso passou por um longo caminho até a
sua aceitação completa, especialmente a laqueadura de trompas, por
questões religiosas”. Temos hoje diversos recursos para evitar a gravidez,
e como era de se imaginar, quando seu marido, Dr. José Rametta chegou, alguns anos depois da Dra. Maria, após fazer Residência Médica,
então já instituída, trouxe novidades da capital na área da anticoncepção,
como o DIU, por exemplo, e novas técnicas cirúrgicas.
A Dra. Maria acompanhou a liberação dos costumes como
todo mundo, porém de uma posição privilegiada. Segundo ela, essa
liberdade veio de forma bem gradual, acontecendo aos poucos, de alguma
maneira sob a influência da televisão. Os divórcios aconteciam
raramente. Casais se separavam, e não eram com essa rapidez. Havia
muita gente separada, morando na mesma casa, dentro de um casamento
que não existia mais. Ainda hoje há. As mulheres eram boas e
tolerantes. Os maridos iam embora e depois quando estavam doentes,
eram recebidos de volta e cuidados por elas. “No tempo em que era
comum o homem ter duas famílias, a revelação era um desespero para
algumas mulheres. A esposa oficial sofria e acabava aceitando, por
falta de opção, sem possibilidade de criar os filhos sozinha. Usando
de eufemismo, a mulher se referia à amante do marido como ‘uma
mulher que a ajudava’. Não falava quem era, dividindo marido e despesas”,
relata este costume, a Dra. Maria. O homem casado jurava
até o fim de que não havia outra. Quando acontecia a descoberta
era dramática. Algumas mulheres se mudavam da cidade. As esposas
submissas aceitavam, pois não tinham profissão, nem renda. A grande
preocupação era sobre como manter a casa. E diz a doutora: “quando
começaram a trabalhar fora, romperam tradições, rasgaram a fantasia.
A mulher que tem seu sustento, não precisa de ninguém, faz sua independência,
cria coragem de mudar a sua história e passa a se separar”.
“Algumas mulheres desconfiavam que seus maridos molestavam
as filhas e tentavam contornar a situação, afastando a menina,
mas sem ter coragem de denunciar, nem de se separar, e dessa forma
garantiam a manutenção do casamento e o sustento familiar”. Embora
a sociedade fosse muito fechada, havia casos de duas irmãs que
dividiam o mesmo marido, e até moravam juntas para facilitar a vida
a três. “A infidelidade feminina, pelo menos a confessada, era pouco frequente. Mulheres infiéis mal falavam das suas infidelidades”, relata
Dra. Maria. Algumas queriam tratamento de doenças sexuais para os
dois homens que tinham. No caso oposto, a esposa era tratada e não
ficava boa, a doença ia e voltava, levantando-se a hipótese de haver
outra mulher. Assim, o casal só sarava quando a outra parceira era
tratada. Muitas coisas ficavam ocultas, e ainda ficam. Também havia
maior procura pelas prostitutas. As mulheres da vida procuravam médicos
específicos, que acabavam se dedicando a atendê-las.
Há casos de meninas grávidas de homens com grande diferença
de idade e a situação é tolerada quando o parceiro tem boa condição
financeira. “Já fiz atestados exigidos pela justiça, afirmando que a menina
de 12, 13 anos, no caso, já grávida, estava apta a coabitar. Após
a consumação era preciso servir a lei”, diz ela.
Para a ginecologista, o uso do preservativo é mais comum para
evitar a gravidez do que para evitar a AIDS. Tem pedido muitos exames
de HIV e tem visto poucos casos positivos. Pede de todas as grávidas
e ainda não se deparou com nenhum caso da doença. Pode acontecer
de alguém ser soropositivo e lhe fazer essa afirmativa, ocasião em
que todos os cuidados preventivos são usados. Quando começou na
profissão, a onda de sífilis já tinha passado. Como tem reaparecido,
continuou a pedir o VDRL, mas não tem vindo positivo. Noutros
tempos tratou cancro duro e condiloma acuminado, o que não tem
visto agora. Não têm aparecido muitos casos de infecção por HPV,
havendo profissionais que se direcionam para esses casos específicos,
tratando e curando parte deles. E sobre outro assunto reservado, ela
diz: “Hoje o homossexualismo parece mais comum, mas antes era
inconfessável. Algumas coisas continuam inconfessáveis ainda hoje”.
E uma revelação: “as mulheres que tiveram seus úteros retirados
(histerectomia) se sentem vazias, como se tivessem ficado sem sua matriz.
Reclamam ter perdido a finalidade de procriar”. Havia um excesso
de indicação desta cirurgia, algum tempo atrás. Muitas operações
aconteciam sem nem ao menos haver um diagnóstico preciso. Havia uma banalização. Hoje se protela o quanto se pode, mesmo quando
estão acontecendo menstruações volumosas. Nos casos de miomas,
pode-se fazer a miomectomia, ou embolização da artéria do mioma,
acabando com sua irrigação e fazendo-o regredir, assim como se pode
fazer a ablação do endométrio (parte que se descama na menstruação),
o que possibilita a manutenção do órgão.
Outro aspecto, o câncer inicial de colo é situação contornável
e tratável, com cura, sem necessidade de retirada do útero. Também
não mais se faz a histerectomia pós-parto quando há hemorragias intratáveis,
e sim embolização das artérias uterinas. As mulheres que
tiveram muitos filhos em casa, coisa de décadas atrás, algumas vezes
apresentavam-se com prolapso uterino, o útero exteriorizado, motivo
de grande vergonha e sofrimento, e cujo tratamento é a histerectomia.
Uma boa avaliação e tratamento adequados evitam tratamentos cirúrgicos
desnecessários.
Um hábito de outros tempos, a Dra. Maria destaca que “as mulheres
com frigidez sexual diziam servir ao marido. Aceitavam e não
entendiam o fato como um problema a ser tratado. Com a evolução
dos tempos procuram recursos para melhorar a libido, ou cuidar de problemas vaginais que causam dor como vagina seca ou estenosada
(estreita). Assim, a mulher tem procurado se realizar sexualmente,
buscando o prazer. A tibolona que é um medicamento usado no climatério,
pelo seu efeito androgênico (masculino) aumenta o desejo
sexual e a possibilidade de clímax na mulher. Outros recursos ajustam
o casal e boa parte das mulheres se realiza sexualmente”.
Maria de Jesus e Dr. Rametta avó do ano.
Maria de Jesus - Março 2009.
Assim se comportou a população norte-mineira no decorrer
destes últimos 52 anos, como grupo, pela visão da Dra. Maria de
Jesus Santos Rametta.
Maria de Lourdes Chaves “Lola”
Cadeira N. 65
Patrono: José Gonçalves de Ulhôa
A Vocação de Montes Claros
Nos primórdios da civilização da Vila das Formigas de Montes
Claros, seus habitantes compravam mantimentos vindos das
fazendas. Iam às casas dos fazendeiros e adquiriam rapaduras,
carnes, aves, peixes, arroz, feijão e tudo que fosse necessário às
suas necessidades alimentícias.
Como os produtores de alimentos não tinham um local apropriado
para fazer escoar as mercadorias inventaram uma espécie de
feira livre, numa praça. Lá eram vendidos: feijão, arroz, salitre, carne,
cachaça, farinha de mandioca, trigo, couro. A maior riqueza do local
era o salitre, extraído de cavernas que abundavam a região. O salitre
vai para o Rio de Janeiro e para Vila Rica. A cachaça era de péssima
qualidade, sendo sua maior parte, consumida pelos habitantes da
Vila. O gado e os cavalos vendem-se para a Bahia. Parte dos couros
se consome no comércio local, no empacotamento do salitre, e outra
parte se envia a Minas Nova, onde se fabricam sacos especiais para
transportar algodão. Quanto às peles, os próprios arredores de Formigas,
pouco fornecem atualmente.
Importam-se também, vários objetos europeus em troca de salitre
e de Santa Luzia, lugar de entreposto, em troca de peles. August
François César Provençal de Saint - Hilaire.
As estradas mandadas construir pelo capitão Antônio Gonçalves
Figueira facilitaram a vinda de novos aventureiros reduzidos pelo
comércio do gado... e por ilação, o que nos revelou notar nossas evocações,
foi o início do desenvolvimento da Vila em torno de uma
capela e, em seguida, o aparecimento de uma pequena feira livre.
Formigas é um dos pontos principais da parte oriental do sertão
e faz-se aí um comércio importante de gado, salitre, couros e peles,
detalhes desta situação já narrados.
Comentemos um pouco sobre os engenhos de cana. O primeiro
criado e instalado na Fazenda Brejo Grande de Gonçalves Figueira,
era de natureza precária. O melhor engenho de cana da região do
norte de Minas se encontrava na Fazenda Santo Eloi, de propriedade
do Sr. Pedro José Versiani.
A construção de uma intendência (mercado de negócios), em
1831, por José Gonçalves Pereira Branco solidificou duma vez, a
grandeza dos filhos desta terra. Essa intendência garantia a permanência
dos tropeiros em vai-e-vem dos logradouros públicos. Fortalecia
substancialmente o poder de revenda dos produtos oriundos da Corte
Real. Foi importantíssimo o papel dos tropeiros no desenvolvimento
geral das Vilas e cidades de todo Brasil.
A vocação inconteste de Montes Claros é o comércio. Ele é
uma atividade cujo fim é a aquisição de dinheiro, visando um lucro.
O comércio é traço marcante do desenvolvimento da nossa cidade e
de seus habitantes. Antes, porém, o comerciante tem um sentimento
altruístico, qual seja colaborar, agradar, ajudar o cliente a realizar o
seu sonho.
Eu quero nesta crônica homenagear dois comerciantes de Montes
Claros. O primeiro trabalha no estilo de encomendas. O segundo,
no ramo de farmácia.
Arnaldo Maravilha, como gosta de ser chamado, trabalha no
ramo de roupas, diversificando a mercadoria quando é solicitado. Às
vezes, atende pedidos de bacalhau norueguês, vinhos importados, etc.
Como vendedor ambulante, no passado, trazia de São Paulo, só
roupas masculinas e, ia vendê-las nos escritórios, consultórios médicos,
para juízes, promotores, serventuários da justiça, dentre outras.
Nesta época, quando começou, tinha 25 anos de idade. Com o passar
do tempo, as cousas mudaram, ele já estava ficando cansado de ir de
porta em porta, quando aos 50 anos, deliberou a mudança da forma
de trabalhar. Só vendia os produtos por encomenda.
Uma linda jovem quer um short, no último modelo jeans, desfiado
nas extremidades, e lhe diz: vou a uma festa e quero conquistar
um rapaz. Vou arrasar com esta roupa e já vou sair da festa com um
namorado. Outra jovem diz: quero um vestido justo, abaixo do joelho
e, a partir daí um babado em godê. A cor deve ser preta e o decote
grande. Quero encantar meu marido e as pessoas todas da festa.
Arnaldo vai a São Paulo, lá se dirige às lojas especializadas e
cumpre o seu papel, comprando com todo capricho as encomendas
feitas por seus clientes. Na sua lida, ele vai a São Paulo cinco vezes por
ano. Está sempre preocupado em fazer as pessoas felizes.
Falemos agora sobre o comerciante Ivan de Souza Guedes. Seu
comércio é voltado para uma rede de farmácias. Ela é formada por 25
estabelecimentos, onde se vendem remédios para todas as doenças.
Também explora o ramo da estética e beleza, proporcionando a vasta
clientela feminina, produtos para cuidados da pele e do corpo. A
Minas Brasil, se preocupa com a beleza das mulheres Montes-clarenses.
Ivan quer vê-las bonitas, não somente sua amada Mercês, minha
querida prima.
Arnaldo e Ivan, no trabalho, dedicam-se a ramos bem diferentes.
Entretanto, num ponto, são iguais. Ambos se interessam pelo bem
comum, querem ajudar as pessoas e vê-las felizes, realizando sonho da saúde, da beleza e elegância. Este comportamento é típico do Montesclarense,
de bem com a vida, alegre, amigo e solidário. Eles são felizes
e o merecem, pois também fazem seus clientes felizes.
De parabéns está Montes Claros, terra dadivosa e boa que nunca
nega às pessoas trabalhadoras e honestas, o sucesso, elevando-as ao
topo dos vencedores.
____________________
Os dados históricos foram compilados das informações registrados nos livros dos renomados
historiadores: Urbino Vianna, Dário Teixeira Cotrim, Saint-Hilaire, Nelson
Viana, Simeão Ribeiro Pires, Hermes Augusto de Paula, Milene Antonieta Coutinho
Maurício.
__________________________
Maria Luiza Silveira Teles
Cadeira N. 42
Patrono: Geraldo Tito Silveira
BREJO DAS ALMAS
A super-lua ainda brilhava linda e majestosa no céu e o sol nem
havia nascido. Acordei com a bela música, achando que sonhava.
Mas, não! Era a Banda tocando a “alvorada”, que acordava
os brejeiros para o último dia dos festejos de setembro.
Abri a janela, emocionada e com lágrimas nos olhos, pensando:“será para me dizer adeus ou um simples até breve?”.
Na véspera, eu havia reclamado que sentira a falta da “alvorada”,
que sempre, no passado, despertava a cidade para o seu aniversário
e as festas de setembro.
Foi, então, que vi um espetáculo que, provavelmente, ninguém
mais viu: à frente da Banda, minha prima, Zita Sapucahy, com sua
imensa alegria, ia regendo e dançando uma mistura de valsa, samba
e marcha...
Logo atrás, também dançando, seguindo o ritmo de Zita, e segurando
as bandeiras do Brasil e do município, as minhas primas,
Maria, de tia Lourdinha, e Maninha, de tia Edite. Elas, que foram tão simples, em vida, mas de talentos múltiplos, felizes como nunca, talvez
mais que a lua, brilhavam numa luz incomum e pareciam levitar...
Ah, eu vi, também, meus avós, logo atrás, com seus filhos, netos,
noras, genros e até bisnetos (gente que povoa outras dimensões...)!
Depois, meus tios, tias e uma grande legião de primos.
Atrás da família, vi ainda uma legião de velhos conhecidos: seu
Mateus, seu Rogério, seu Valdivino, dona Valdemira, Abessone, dona
Quinó, Manoel, em um belo cavalo, Neco Vasconcelos, Dôra Xavier
e Zezinho, Dedé de Alice, Cristiano Xavier e Lurdinha, seu Florentino,
Véizinho... Ah, quanta gente, que mora hoje em nossa saudade!...
E lá se foi a Banda, com seus seguidores, atravessando as ruas
do Brejo...
Não há uma única vez em que entro em Francisco Sá, sem ser
tomada por profunda emoção! Aquele solo parece sagrado! É a terra
de meu pai, de meu avô, de meus antepassados, de meus parentes tão
queridos. O município pelo qual meu avô, Jacintho Alves da Silveira,
tanto lutou e tanto amou! A terra por onde se espalha a nossa enorme
família, guardando o velho costume de casar primos com primos. A
terra onde entrei em minha juventude e, também, tive minhas paixões
secretas por primos...
O tempo toma intensidades diferentes de acordo com o que
vivemos. Passei lá, dessa vez, apenas dois dias, mas foram tão intensos
e tão felizes, no carinho dos parentes e amigos, que voltei meio tonta,
parecendo-me ter vivido séculos de tamanha alegria!
Não me surpreendi com as festas sempre mui belas! Nunca
achei que as festas de Agosto, em Montes Claros, que viraram um espetáculo
folclórico para turistas, fossem mais bonitas que as de lá. As
festas de Setembro, no Brejo, jamais perderam o seu cunho religioso e
me encanta ver a fé do povo, perpetuando a tradição!
Surpreendi-me sim com o crescimento e o progresso da cidade.
Recantos lindos foram construídos, como o Parque dos Namorados e o Cristo Redentor e apareceram novos bairros com suas belíssimas e
confortáveis mansões.
Lá no alto do lendário Morro do Mocó, que, antes, parecia tão
longe da cidade, a estátua do Cristo, guardada por dois anjos enormes,
e iluminada por holofotes, abraça, abençoa e protege o nosso
amado Brejo das Almas. Lá de cima, podemos ver a enorme expansão
da cidade, como que formando um imenso círculo de luz.
No Brejo, os amigos são amigos de verdade e os primos, não
importa se de primeiro, segundo, terceiro ou quarto graus, são primos
sempre! Parente é parente!
E, assim, a família Silveira, misturada às outras pioneiras do
Município, Xavier, Dias, Vasconcelos, Pena, Ruas, etc., vai se expandindo
e extrapolando os limites da cidade, de Minas e do Brasil. Famílias
de gente inteligente, valorosa, talentosa, de caráter, apesar das
mazelas próprias de quem é gente...
As casas dos brejeiros estão sempre abertas para receber, com a
mesa sempre posta: café, chás, biscoitos os mais variados, compoteiras
com deliciosos doces em calda, além do famoso doce de leite e fio de
ovos. Ah, ninguém faz doce e biscoito como nossa imensa família!
Francisco Sá já parece cidade grande, inclusive com os males
das metrópoles. Entretanto, para o verdadeiro brejeiro, parafraseando
o velho poeta, a gente sai do Brejo, mas o Brejo não sai da gente.
Nunca!
Hoje, compreendo meu pai, Geraldo Brejeiro, que, mesmo
morando por tanto tempo na capital, só sonhava em voltar para o seu
Brejo querido!...
Marilene Veloso Tófolo
Cadeira N. 95
Patrono: Terezinha Vasquez
Genesco Veloso, um homem
à frente do seu tempo!
Histórico Familiar = Veloso
Em meados do século XVIII fixou-se em Formigas, o português
Bento Veloso. Chegara recentemente de Portugal, acompanhado de
mais dois irmãos, os quais demandaram um para São João Del Rey e
o outro para Minas Novas. Eram filhos de Maria José Belo e Manoel
Veloso, vinhateiros na aldeia de Santa Eulália no Minho.
Bento, nascido em 1815, casou-se com Maria Santa Rita, e teve
os filhos Manoel José Veloso, Vicente José, Manoel e Pedro Augusto.
• Manoel José casou-se com Gertrudes Veloso, tendo os seguintes
filhos:
a)- Manoel José
b)- Cândida
c)- Lavínia
d)- Ramiro (meu avô)
e)- Antônia Veloso
f )- Armênio
g)- Genesco Veloso
h)- Maria Inês Veloso
• Genesco, casado em primeiras núpcias com Maria Assunção
Miranda, tendo 4 filhos:
a)- João Veloso
b)- Dílson
c)- Aparecida
d)- Maria de Jesus Veloso
Em segunda núpcias, casou-se com Maria Ferreira Veloso (Santinha),
tendo 4 filhos:
a)- Dalcira
b)- Dulce
c)- Delci
d)- Délvia
Numa época em que Montes Claros era uma cidade pacata, as
ruas não eram asfaltadas, os carros eram em número reduzido, Genesco
Veloso era um comerciante pautado por princípios éticos, com
honestidade exercia a sua função e colocava os seus conhecimentos à
serviço de seus semelhantes.
No início do século XX, quando o progresso ainda não havia
chegado a Montes Claros, a sua visão sobre todos os assuntos era ampla
e gostava do trabalho, da honestidade e ajudava os seus parentes
e o próximo.
Na sua loja onde, como em toda cidade interiorana, era ponto
de encontro das pessoas da sociedade, falavam-se de tudo, dos acontecimentos
locais, políticos e sociais.
Sr. Genesco Veloso, o meu pai, seu sobrinho e afilhado, recebeu
os primeiros ensinamentos no trabalho comercial, social e princípios
de honestidade que carregou pela vida e deixou aos seus descendentes.
O amor pelo trabalho, honestidade, convívio social e a preocupação
pelo semelhante.
Genesco, calado, elegante, integro, seguindo os seus princípioséticos e familiares, colocou a educação como seu bastão, e através dela
deixou para os filhos o seu legado, e conseguiu que o seu filho, o médico
Dr. João Veloso tornasse General das Forças Armadas e seguisse
os mesmos princípios do pai.
O seu lema era o trabalho, a honestidade, os valores familiares,
a retidão que hoje poucos prezam e só querem levar vantagem.
Foi através dos seus princípios que conseguiu transmitir aos
seus descendentes a mesma postura de amor aos seus semelhantes, aos
estudos, à cultura, e ao progresso através do trabalho.
Não o conheci pessoalmente, ouvi histórias sobre ele, padrinho
do meu pai, meu padrinho, e através do seu retrato na parede, olhos
azuis, elegante, cabelo claro, eu apenas o conheci através do meu pai.
Em um mundo tão diferente, com outros valores, onde a política,
a ganância, a injustiça, a maldade, as atrocidades com o semelhanteé difícil conviver com outros valores esquecidos no fundo do baú...
Será que o homem mudou? Ou nós mudamos com o mundo,
que prioriza o que leva mais vantagem?
Pelos telejornais, na televisão, nos jornais, na vida cotidiana só
encontramos crimes, corrupção, desastres e lutas entre seres humanos,
e esquecemos de resgatar os valores que são necessários à nossa vida.
Por que o homem mudou? Foi o mundo que mudou? Ou foi
nós que mudamos na maneira de encarar à vida, o futuro e a civilização?
Os valores são os mesmos, mas nós não podemos perder a esperança
de resgatar os valores que dormem em nós, e que precisam
ser resgatados para que a sociedade não seja exterminada através da
corrupção, do desamor e destruição.
Genesco Veloso
Marilene Veloso Tófolo
Cadeira N. 95
Patrono: Terezinha Vasquez
DIVISÃO DE MONTES CLAROS
DE ANTIGAMENTE: A RUA DE
BAIXO E A RUA DE CIMA
Em algumas cidades existem a cidade alta e a cidade baixa, como
em Salvador e outras mais, seja pela localização geográfica ou
mesmo pelo surgimento das mesmas, que se localizam em uma
região e daí começam a desenvolver-se.
Este não é o caso de Montes Claros, mas apenas por questão
de localização, no inicio de sua formação, foram chamadas de Rua
de Baixo e Rua de Cima, para situar os primeiros habitantes. Daí
surgiram os partidos de cima e os partidos de baixo, quanto a questão
política, social e de prestígio. É o início de uma divisão social, onde
uma parte da cidade não deveria ter contato com a outra, por que já
nascia em uma parte da mesma, e deveria ai permanecer, sem mobilidade
social.
É o início da segregação social e começaram as primeiras divisões,
muitas vezes irreconciliáveis, pois não podiam ter livre trânsito
entre as mesmas, quanto a relações políticas, de casamento e sociais.
Os de cima não se misturavam com os de baixo, surgindo várias
divergências. Já nasciam-se com o estigma de classe, posição, e não
havia mobilidade social, porque não podia-se lutar contra o seu nascimento,
que era o início de sua posição social.
As primeiras famílias eram formadas dentro de seus clãs, e não
podiam conviver com outras, contrárias aos seus objetivos.
Os partidos políticos: PR, PSD, UDN eram inconciliáveis. Os
interesses econômicos eram segregados aos seus correligionários, através
dos chefes políticos que protegiam os seus adeptos.
A força política, policial, econômica eram manipuladas pelos
chefes locais ou regionais.
A mobilidade social era estática, e não misturavam as famílias
no século XIX (início) por causa de posição econômica, social, familiar
e religiosa.
Nota: A segregação social começou com a divisão da região na
Rua de Cima e na Rua de Baixo, retratada pelos que aqui viveram no
início da formação da cidade, que a dividiram geograficamente.
Inicia-se ai a divisão de castas, famílias, posição e interesses.
Na própria discriminação da Rua de Cima e Rua de Baixo inicia-se uma divisão de classes que até hoje perdura, em sentido pejorativo,
e foi muito difícil transpor esta barreira
Na divisão geográfica, iniciava-se a divisão social, baseada na
região onde nascia-se, o que já era marcado no berço, sem condições
de lutar contra o inevitável. O que destacava a pessoa era a origem,
não os seus valores.
Montes Claros cresceu, mudou os seus costumes, mas no fundo
ainda perduram valores esquecidos, mas que vivem na memória dos
seus filhos, descendentes dos primeiros habitantes originários e que
construíram a cidade baseada na família, classe social e política.
Cidade provinciana que se tornou metrópole, hoje acolhedora,
mas que trás no seu interior toda luta para tornar-se uma cidade diferente.
_____________________________
Nota: A cidade de Montes Claros foi durante muito tempo dividida em duas partes, era
uma divisão por partidos políticos = partidos de cima e partido de baixo, com os seus
apelidos: “estrepes” e “pelados”. O de cima com seu chefe Honorato Alves, deputado que
morava na parte superior da cidade. O de baixo chefiado por Camilo Prates, também
deputado, morador da Praça da Matriz.
Os moradores da parte de cima pertenciam ao grupo dos “pelados” e os da parte de
baixo do grupo dos “estrepes”. A rixa entre os partidos políticos era enorme, os de cima
julgavam-se superiores aos de baixo, que pertenciam às famílias tradicionais (professores,
doutores e coronéis, etc.).
Tudo era demarcado entre dois lados, surgindo rixas entre elas.
Nós, descendentes destes pioneiros ainda guardamos algumas sequelas destes antepassados,
que deixaram marcas e ideologias políticas na formação dos montes-clarenses que
ajudaram a construir esta cidade.
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Petrônio Braz
Cadeira N. 18
Patrono: Brasiliano Braz
O valor de uma Medalha
Do presidente da Academia de Letras “João Guimarães Rosa”
da Polícia Militar de Minas Gerais, coronel João Bosco de
Castro, recebi a incumbência de proferir palavras nesta Sessão
Solene, em que são outorgadas comendas de real importância cultural
a privilegiadas personalidades.
Revelo que a seriedade do encargo desencorajou-me em um
primeiro instante, instante que se dissipou em face do honroso privilégio
e da presença em lembrança da figura ímpar de um dos cidadãos
mais cortejados e admirados em Minas Gerais, especialmente nas barrancas
do rio São Francisco, o antropólogo Saul Alves Martins.
Perquirindo, confesso que não encontrei as razões do honroso
convite-designação, mas ele trouxe-me um júbilo rejuvenescedor em
um dos momentos mais difíceis de minha vida, quando me preparava
para ser submetido a uma intervenção cirúrgica, dando-me forças e
coragem na certeza de que a vida haveria de continuar, e transformouse
em vetor determinante de justo orgulho.
Ressalto que o convite-designação precisou a minha fala nesta
noite. Deveria enfocar o meu livro “Serrano de Pilão Arcado - A saga
de Antônio Dó” e falar sobre dois vultos que o douto presidente, coronel
João Bosco de Castro, definiu como honoráveis: Meu pai Brasiliano
Braz e o professor Saul Alves Martins.
Senhor Presidente, estou nesta tribuna em obediência ao convite-
designação.
Nesta Sessão Solene da Academia de Letras “João Guimarães
Rosa” da Polícia Militar de Minas Gerais, uma instituição de luminares
da cultura vinculados à rigidez da caserna, os homenageados e
eu fomos agraciados com a Medalha Cultural “Acadêmico Saul Alves
Martins”.
Uma honra para todos nós.
Senhoras e Senhores.
Ilustrados membros da Mesa.
Guimarães Rosa, Saul Martins e Polícia Militar.
Uma trilogia que se interliga em um conjunto aparentemente
heterogêneo, mas com a mesma soma de expoentes valorativos, dentro
de um espaço-tempo de variadas dimensões, que nos remete à
relatividade da vida.
Três pontos a serem considerados perante esse ilustre auditório.
No primeiro ponto deste conjunto, estamos presentes em uma
Academia de Letras que eterniza o já imortal nome de João Guimarães
Rosa, que surgiu como um fenômeno dentro da literatura brasileira.
Pesquisador curioso, inquieto, atento e minucioso, ele levou a
extremos sua capacidade de inovar.
Uma delicada poesia emerge de seus textos em prosa: captura
o falar do homem do sertão, conferindo-lhe musicalidade e imagens
inesperadas. A aparente simplicidade que emana de suas frases evidencia
um apurado senso estético e um equilíbrio formal singular. Sua língua, que é única, articula-se a um longo e exaustivo trabalho de
recolha de vocábulos, experimento de novas combinações e exaustivos
processos de elaboração.
Acrescento mais.
Seus escritos ultrapassam a forma. Além da precisão estética,
seus espaços e personagens assinalam para uma necessidade de aprofundamento
e aprendizado sobre a vida.
Movimento, cor e música parecem conceber, no plano da literatura,
a apoteose de todas as artes, como se o autor quisesse atestar, a
todo instante, que o belo, a natureza e o homem unem-se, de forma
inescapável, para compor o milagre chamado vida.
As histórias de Guimarães Rosa têm caráter de fábulas. Revelam
um olhar metafísico sobre as coisas, seres e objetos, a partir de uma realidade
extraída dos planos geográfico, folclórico, social, econômico,
político e psicológico.
Em seu discurso de posse na Academia Brasileira de Letras, ele
proferiu a tão famosa frase:
“As pessoas não morrem; elas ficam encantadas.”
Três dias depois, ele ficou encantado. Tinha apenas 59 anos de
idade e 20 anos de literatura.
Seus livros continuam a provocar a imaginação e a inteligência
de seus leitores. Diadorim, Riobaldo, Otacília, Surupita, Sucena,
Augusto Matraga, Rosalina são seres que levam adiante o poder da
estória bem contada e o mistério contagiante da poesia.
Tão relevante quanto o primeiro, o segundo ponto ressalta
a lembrança de Saul Alves Martins, antropólogo, folclorista, poeta,
militar, professor, doutor em Ciências Sociais, homem do sertão, merecedor
de nossa reverência.
Vitorioso em todos os campos do saber em que pugnou, ele
deixou marcas profundas nos passos de sua vida.
Foi presidente do Conselho Diretor das Escolas “Caio Martins”,
membro do Conselho Universitário da Pontifícia Universidade
Católica de Minas Gerais, Chefe do Departamento de Sociologia
e Antropologia da Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas da
UFMG, Presidente de Honra da Comissão Mineira de Folclore.
Saul Alves Martins foi um iluminado.
Servindo-me da lição de Tomaz de Aquino, citado por Vieira,
os iluminados dentro das imperfeições do mundo são perfeitos.
Ele é natural de Januária, a princesa do Vale do rio São Francisco.
Não poderia deixar de aqui lembrar que nos ligou a mesma tese
de estudos: a biografia de Antônio Dó. Creio eu ter sido essa junção
cultural o móvel de minha indicação para o recebimento de tão elevada
comenda.
No meu livro “Serrano de Pilão Arcado - A saga de Antônio
Dó”, um romance histórico, esforcei-me para encontrar uma junção
comunicante entre a realidade exposta pelo sociólogo Saul Martins,
do ponto de vista da Polícia Militar e memorizada pelo historiador
Brasiliano Braz, sob o aspecto político, empregando os recursos possíveis
para pôr em lembrança a vida de um homem lendário, com
sua dualidade de corpo e de espírito, de virtudes e de fraquezas, de
ambições e de competições, de desejos e de orgulhos, de atritos e de
angústias, procurando resgatar a figura humana do mito sertanejo,
agregando-lhe um conceito de cidadania, que altivo e desassombrado
enfrentou as vicissitudes que lhe foram impostas.
Todavia, foi o professor Saul Martins quem primeiro promoveu
o resgate dessa página proeminente da história de Minas Gerais, com
sua tese de mestrado: “A biografia do cangaceiro Antônio Dó”.
Guimarães Rosa imortalizou o nome de Antônio Dó em “Grande
sertão: Veredas”, “Sagarana” e “Tutameia”.
No terceiro ponto destaca-se a presença da gloriosa Força
Pública de Minas Gerais, à qual me encontro irmanado no campo
literário. Sou membro da Academia Montesclarense de Letras e nela
ocupo a Cadeira nº 25, que teve a ilustrá-la o coronel Geraldo Tito
Silveira. Coronel que honrou a Polícia Militar das Alterosas e literato
que dignificou a aldeia montes-clarense com suas obras de repercussão
nacional.
Declarou o coronel Antônio de Pádua Falcão, em 1966, então
Comandante Geral da Polícia Militar do Estado, que os ledores ocasionais
dos livros de Geraldo Tito Silveira “com ele ficam impressionados
ao primeiro contato, como no meio daqueles que se dedicamàs pesquisas históricas da terra mineira”.
A Polícia Militar de Minas Gerais está repleta de cultores das
letras, que integram o corpo imortal dos membros da Academia de
Letras “João Guimarães Rosa”, instalada em 21 de agosto de 1995,
pelo coronel Ary Braz Lopes e que tem como presidente o acadêmico
coronel João Bosco de Castro.
Por todos os pontos ou coordenadas em que analisarmos os
valores dessa Academia, nos sentimos levados a reconhecer a interação
cultural de uma classe específica de literatos, que lhe transmite estabilidade
e coerência.
Se não bastassem essas afirmações, como mineiro, tenho, pela
Força Pública do Estado, respeito e reconhecimento pela efetiva sustentabilidade
da segurança pública.
Como a quarta coordenada do espaço-tempo, que interliga os
três pontos abordados, destaco esse maravilhoso evento que nos une e
nos ilumina, não de forma relativa, mas absoluta, presente e positiva.
Por derradeiro, dentre os sentimentos de que sou possuído neste
momento, peço vênia para dizer que se mesclam memórias saudosas
de Brasiliano Braz, de quem tenho orgulho de ser filho.
Menino que aos sete anos de idade foi doado pelos seus pais ao
comerciante João Maynart, de São Francisco, onde foi criado. Anos
depois, já senhor de seus próprios atos, tornou-se líder inconteste do
povo daquele município, que ele tanto amou e brindou com o livro“São Francisco nos Caminhos da História”, livro que é citado por
todos os historiadores que escreveram sobre o Vale do São Francisco
a partir de 1977.
Livro que foi fonte de pesquisas e está inserido na Bibliografia
da obra “Power, Patronage and Political Violence”, de Judy Bieber,
editado nos Estados Unidos (University of Nebraska Press), “State
Building on a Brazilian Frontier, 1822-1889”, que retrata a região do
rio São Francisco, em Minas Gerais.
O professor Judy Bieber, fundamentado em Brasiliano Braz,
entre outros aspectos de sua obra, explora a centralização política durante
o Período Imperial. Ele vê as origens do coronelismo como força
do poder político rural, uma forma de máquina política que ligava o
poder rural em nível municipal à política estadual e federal. Ao destacar
o papel estrutural do município dentro do sistema político, ele
fornece uma chave para explicar a capacidade do Brasil de manter a
coesão territorial e política, no quadro de uma monarquia constitucional,
em vez de se fragmentar violentamente, como ocorreu com as
colônias espanholas.
Brasiliano Braz está imortalizado como Patrono da Cadeira nº
18 do Instituto Histórico e Geográfico de Montes Claros, da Cadeira
nº 36 da Academia de Letras do Noroeste de Minas, de Paracatu, da
Cadeira nº 01 da Academia de Letras, Ciências e Artes do São Francisco
e da Cadeira nº 38 da Academia Januarense de Letras.
Senhor Presidente.
Creio eu que a missão está cumprida.
Muito obrigado!
Téo Azevedo
Cadeira N. 90
Patrono: Romeu Barcelos Costa
200 ANOS DE POESIA
Olyntho da Silveira & Yvonne Silveira
Conheci o casal Olyntho e Yvonne Silveira em 1979, quando
eu estava organizando em Montes Claros talvez o mais importante
movimento musical de cultura popular da história do
Norte de Minas e dos vales do Mucuri e Jequitinhonha, que, inclusive,
deu origem à Associação dos Repentistas e Poetas Populares do
Norte de Minas, entidade que abrigava todas as correntes destas culturas.
Esse acontecimento revelou artistas como Zé Côco do Riachão,
Grupo Agreste, Fatel, Pedro Boi, cantadores como Jason de Morais,
Pau Terra, Zé Figueiredo, Tone Agreste, Nato Jatobá, Beija-Flor, cordelistas
como Josecé, Silva Neto (Juca) e outros.
Nessa época também conheci a poetisa e romancista Amelina
Chaves e musiquei o seu poema “Andarilho do São Francisco”, gravado
em vinil primeiramente pela minha irmã Beatriz Azevedo. Foi
Amelina quem me possibilitou uma maior aproximação com o casal
de poetas Olyntho e Yvonne. Os três foram inclusive meus padrinhos
quando recebi o título de Cidadão Honorário de Montes Claros, em
10 de fevereiro de 1981 (uma proposição do vereador Deosvaldo Pena), e depois quando recebi a placa do Mérito Cultural Cândido
Canela (uma proposição do vereador Ademar Bicalho), em 28 de dezembro
de 2001.
Olyntho e Yvonne sempre me contavam casos importantes
ocorridos no Brejo das Almas (Francisco Sá), uma cidade fantástica.
Eu convivi muito tempo com o povo daquela região, pois a minha
irmã, Maria Flor de Maio, tinha fazenda nos Dois Riachos depois da
serra, dentro do município. Fiz muita serenata com meu irmão Antônio
Augusto, com Zía, Casquinha e outros seresteiros nessa terra, e
era comum vararmos a noite cantando e tocando no famoso Rancho
da Lua. Anos depois fiz uma parceria artística com o ex-prefeito José
Mário Pena, da qual surgiu um disco de vinil com a cultura musical
de Francisco Sá, um trabalho histórico. Assim sendo, a minha ligação
é muito forte com aquela região de origem do casal de poetas.
Naquela época, Olyntho me deu uma poesia de sua autoria
para musicar, chamada “Passarinho”. Mas só agora neste álbum é que
ela foi gravada, interpretada pela minha sobrinha, a médica Fernanda
Azevedo, em parceria com minha irmã Beatriz, mãe de Fernanda. Em
2013, quando fui eleito membro do Instituto Histórico e Geográfico
de Montes Claros, ouvi um diálogo entre Dario Teixeira Cotrim,
Wanderlino Arruda e Itamaury Teles, no qual disseram que o ano de
2014 seria dedicado ao centenário da escritora e poetisa Yvonne Silveira.
Na sequência recebi da minha esposa Maria de Lourdes Chaves,
Lola, dois livros de poesia, um de Olyntho e outro de Yvonne, e fiquei
encantado com o trabalho dos dois. Então tive a ideia de musicar poemas
de autoria do casal e produzir um CD, principalmente os poemas
românticos que me inspiraram a ir pela trilha musical dos anos setenta.
Também musiquei um poema de autoria de Amelina Chaves, cujo
teor homenageia dona Yvonne. Por fim, colhi depoimentos espontâneos
de personalidades da cultura montes-clarense que conhecem e
admiram o casal de poetas, os quais inseri no CD.
Aí saí em busca de patrocínios para ajudar nos custos de produção.
Tive muito apoio de Lola Chaves no desenvolvimento do projeto. Convidei alguns cantores do Norte de Minas e outros de São Paulo.
Comecei a produção em maio e terminei em agosto. Foram quatro
meses de muita batalha, mas consegui realizar esse sonho. O título do
CD, “200 Anos de Poesia”, faz referência aos 100 anos de dona Yvonne
mais os 100 de seu Olyntho, que faleceu faltando apenas cinco
meses para também completar o centenário. Este álbum vem se somar
a outros trabalhos musicais históricos que produzi abordando uma
parte significativa da cultura da nossa região. Entre eles, “Zé Côco do
Riachão”, “Grupo Agreste”, “Repentistas do Norte de Minas”, “100
Anos de Cândido Canela”, “Sob o Olhar Januarense - Velho Chico”,
o box com cinco CDs da obra completa de João Chaves e o “Terno da
Folia de Reis de Alto Belo”. Sinto prazer de ser da terra do Pau-Brasil.
No aroma e no gosto do pequi, vamos saborear o som deste novo
trabalho.
MÚSICAS DE TÉO AZEVEDO
01 - MARIA FLOR - Yvonne / Téo Azevedo - Canta Ana Walkíria Mariotto
02 - NÃO FUJAS DO AMOR - Yvonne / Téo Azevedo - Canta Nílton
César
03 - MENINA MOÇA - Yvonne / Téo Azevedo - Canta Ricardo Braga
04 - COMPANHEIRO - Yvonne / Téo Azevedo - Canta Edith Veiga
05 - MAIO E MARIA - Olyntho / Téo Azevedo - Canta Diego Jimenez
06 - BELA - Yvonne / Téo Azevedo - Canta Roberto Monte Sá & Ana
Walkíria Mariotto
07 - AMIGOS - Yvonne / Téo Azevedo - Canta Célio Roberto
08 - REMORSO - Olyntho / Téo Azevedo - Canta Eliane Bonfim
09 - ETERNO SONHO - Olyntho / Téo Azevedo - Canta Djalma Lúcio
10 - MANHÃ - Olyntho / Téo Azevedo - Canta Eliane Bonfim
11- ENCONTRO MARCADO - Yvonne / Téo Azevedo - Canta Nílton
César
12 - CANÇÃO DE AMOR - Yvonne / Téo Azevedo - Canta Coral Feminino
do Grupo de Seresta Amo-te Muito
13 - EPÍSTOLA - Olyntho / Téo Azevedo - Canta Adélcio Saraiva
14 - PASSARINHO - Olyntho / Téo Azevedo - Canta Fernanda Azevedo & Beatriz Azevedo
15 - CONVITE AO SONHO - Olyntho / Téo Azevedo - Canta Daiane
Lopes
16 - MAIO E MARIA (Balada) - Olyntho Silveira e Téo Azevedo - Roberto
Mont’Sá & Quirino Filho.
17 - YVONNE, MULHER ESTRELA - Amelina Chaves / Téo Azevedo -
Canta Valdo & Vael
18 - LUA BENDITA - Olyntho (poesia) - Declamação Luiz Vieira
19 - DE MISS MONTES CLAROS A MISS MUNDO - Yvonne -
Declamação Luiz Vieira
20 - DANÇA ZITA (Poesia) - Declamação: Karla Celene
21 - METAMORFOSE (Poesia) - Olyntho da Silveira - Declamação Karla
Celene
22 - BALADA DE AMOR PARA YVONNE E OLYNTHO - Ivana Rebello
- Declamação Ivana Rebello
23 - DEPOIMENTO - Wanderlino Arruda
24 - DEPOIMENTO - Itamaury Teles de Oliveira
25 - DEPOIMENTO - Dário Teixeira Cotrim
Virgínia de Abreu e Paula
Cadeira N. 99
Patrono: Waldemar Versiani dos Anjos
Capela do Rosário
A boa nova da restauração da Capela do Rosário levou-me ao
passado, se é que existe realmente um passado. Tudo me parece
tão presente! No ano de 54 entrei naquela capela pela primeira
vez. Aquela outra capela, tão bonita, tão imponente... e que, de
acordo com algumas pessoas ficava no meio da avenida. Era de noite.
Meus olhos perderam-se olhando o teto, a escada, os pilares, as imagens
dos santos... Já a conhecia bem pelo lado de fora. Morava na Dr.
Veloso com quintal voltado para o largo onde ela tinha sido erguida: o
largo do Rosário. Sonhava com aquele largo todas as noites enquanto
morei ali. O mesmo sonho. Melhor dizer o mesmo pesadelo. Descia a
escadinha para o quintal e abria o portão. Ali na minha frente, ao lado
da capela, via uma cena de partir o coração. Escravos acorrentados,
rostos contorcidos pela dor. Voltava para casa, entrava na cozinha,
pegava uma faca e, como por milagre, ela servia de chave. Eu abria os
cadeados libertando um por um... até acordar. Tudo recomeçava na
noite seguinte. Será que aquele largo foi algum ponto de escravos?
Será que ali ficavam esperando pelos futuros “donos”? Os sonhos deixaram
de acontecer assim que mudei -me para a Chacrinha.
A mudança não foi para longe. Continuava vizinha da capela
passando a frequentá-la mais amiúde embora fosse comum ir à missa
das crianças na Matriz. Ou à missa da capela do Colégio Imaculada.
Mas foram muitas as vezes que preferi a missa das 8 horas na capela
do Rosário. Padre Ciardo! Ou seria Siardo? Ou seria um nome bem
diferente? Sendo estrangeiro falava com forte sotaque. “Uma parrede
não pode ser brranca e amarrela ao mesmo tempo”, disse numa de
suas práticas. Práticas que os homens nunca ouviam. Assim que tinha
início todos se levantavam para um bate papo entre eles do lado de
fora. Voltavam quando a prática, hoje chamada homilia, tinha fim.
Ali, muitas vezes, ensaiei cânticos de coroação da Matriz. Claro está
que seus melhores momentos aconteciam em agosto durante as festas
de Nossa Senhora do Rosário e de São Benedito. A festa do Divino
tinha lugar na Matriz. Aquele largo ficava cheio e a capela também
se enchia para as missas cantadas pelos dançantes com a presença
da “nobreza”. A marujada chegava na carroceria de um caminhão
simbolizando a barca. Antes da missa, em pleno largo, dançavam a
Rezinga ou Morte do Patrão. Os caboclinhos representavam a Dança
do Cipó. Imaginem o que sentiram ao saber que a capela seria demolida.
Um lugar sagrado. A festa teria fim. Impossível transferir aquela
celebração para outra igreja.
Foi então que meu pai teve uma ideia. Marcou hora com o
prefeito para apresentá-la. “- Hermes! Se estamos derrubando a capela
porque está atrapalhando o trânsito, como você quer construir outra
no mesmo lugar”?” “Não será no mesmo lugar. Será erguida no canteiro
da avenida com frente para o largo. Sem atravessar a rua. Diminuta.
O importante é salvar a festa.” O prefeito Dr. Simeão Ribeiro
Pires, também historiador, entendeu bem o projeto do meu pai e sua
importância. Deu o consentimento.
Tal projeto serviria para aliviar a dor da demolição da capela
antiga. Não aliviou. A noite da despedida despedaçou nossos corações.
Todos os dançantes desceram para ali dançar pela última vez.
Impossível esquecer o rosto molhado de lágrimas de Zé de Custodinha
dançando o Sarambé em frente ao altar. Todos choravam com
ele, inclusive meu pai. Eu não suportei ficar até ao fim. Minha mente
infantil não entendia aquilo. Como atrapalhando o trânsito se havia
uma rua que a contornava? Os carros sempre passaram por ali sem
problemas!
Dia seguinte... a demolição. Um “assassinato” consentido... e
nada podíamos fazer. Meu pai aguentou chegar até lá para salvar algumas
relíquias. Trouxe para a Chacrinha um dos pilares e pedaços
do corrimão da escada. Trouxe também uma boa notícia: o cruzeiro
antigo permaneceria no mesmo lugar. Evitei por meses passar por
ali. As ruinas machucavam meu coração. Voltei apenas quando teve
início a construção.
Igreja do Rosário
A NOVA CAPELA
Teve como arquiteto o Mércio Guimarães. Seguindo orientação
do Dr. Hermes ele optou por algo lembrando nosso folclore. O estilo
seria modernista. Era tempo de Brasília e Oscar Niemayer fazia escola.
Formato inspirado na Barca da Marujada. Na parte dos fundos, do
lado de fora, haveria um painel de azulejos lembrando o que existe
na capela da Pampulha de Belo Horizonte. Sobre o altar haveria um
letreiro em neon com a frase “Deus te Salve Casa Santa”, uma das músicas
dos catopés. Meu pai não cabia de tanto contentamento ao ver
a planta da capela pronta. Dizem que foi premiada em algum lugar
da Europa. Esse contentamento deu origem a uma interpretação incorreta
dos seus sentimentos agravada quando do lançamento da nova
edição do seu livro “Montes Claros, Sua História, Sua Gente e seus
Costumes.” Num dos capítulos ele diz ter sido a favor da demolição.
Que susto! Virgílio o procurou sem entender nada. “Mas como? O
senhor sempre foi contra...” Ao que parece, devido a sua amizade com
o então prefeito, achou melhor parar de censurá-lo. Afinal de contas ela havia dado o consentimento e apoio à nova capela. Por dentro ele
sentia diferente. Nunca esquecerei suas lágrimas. O contentamento
era por estar salvando a festa, por ver a alegria dos dançantes. Eles
tomaram a frente na construção que teve o Zanza como mestre de
obras. Será que foi a partir daí que passou a ser conhecido como
Mestre Zanza?
E assim, pelas mãos dos catopés, marujos e caboclinhos a capelinha
foi erguida. Infelizmente ficou incompleta. O letreiro em
neon, assim que se quebrou, não foi substituído. O painel nunca foi
feito. Faltou acabamento. Bancos da pior qualidade. E não funcionava
como a antiga. Estava sempre fechada... sendo aberta só em agosto.
Logo os vidros das portas se quebraram. Triste passar por ali e ver
o piso empoeirado, lixo acumulado. Nada de missas aos domingos.
Nem ensaios de coroações. Vem meu pai com nova ideia. Descobre que uma igreja pode ser usada para eventos culturais. Procura o bispo com a proposta de consentir que ela fosse usada pela comunidade.
Dom José diz sim. As vidraças quebradas são substituídas e o piso
volta a ser limpo porque ali passa a ter exposições de artesanato, aulas
de inglês (como sala do Brasil Estados Unidos) chegando a ser
sede temporária do Cine Clube de Montes Claros. A população é
informada que, conseguindo um padre, poderiam pedir por missas
especiais. Relembro o dia 19 de junho de 1966. A capela belíssima e
florida: bodas de prata do casal Hermes e Josefina de Paula. No início
dos anos 70 é a vez da peça teatral “Hoje é Dia de Rock”. De autoria
de José Vicente, a peça marcou aquele tempo. A montagem do Rio
de Janeiro no Teatro Ipanema foi considerada pela crítica como o
mais importante espetáculo de 1971. “Hoje é dia de Rock” é o nome
de um dos mais ouvidos programas de rádio no Brasil nos anos 50
e início dos 60 pela juventude. A peça fala sobre cinco irmãos do
interior de Minas vivendo as transformações da época sob a influência
do rock ‘n’ roll. Segue o estilo da década de 60, tocando em
assuntos polémicos sem censura. Uma turma valente de nossa terra
faz sua própria montagem. A capela se transforma em teatro de arena
com arquibancadas. Casa lotada todas as noites. Porém uma turma
de poder não aceita “aquilo” dentro de uma capela. Com boa vontade
ainda podemos ouvir os protestos. Dizem que até jogaram praga
contra os atores. Dois deles sofreram grave acidente deixando-os
em coma por alguns meses. Assim, dramaticamente, encerram-se
as atividades culturais na capela do Rosário que passa então a ser sala
para velórios por anos a fio.
Dezembro de 2009. Encerramento da celebração do centenário
de Hermes de Paula com missa na capelinha ao som de Folia de Reis.
Minha mãe se emociona lembrando a todos da dedicação do homenageado
ao folclore e à capela. Que alegria ver suas portas abertas
para algo tão bonito. Por que não sempre assim? É então que começo
a tomar conhecimento das boas novas. Em breve haveria missas
dominicais. Também seria lembrada por ocasião da Semana Santa.
Hoje vemos que as boas novas eram verdadeiras. E como uma coisa puxa a outra, perceberam a necessidade da restauração. O jovem e
entusiasmado padre Fernando, ao saber que nunca foi completada,
entende que é hora de assim o fazer seguindo o projeto original. Ao
tomar conhecimento de sua importância histórica e folclórica, reconhece
que a restauração não deve ser apenas para que os fieis tenham
mais conforto. Deve visar principalmente seu compromisso com os
dançantes e nossa mais bela festa: a Festa de Agosto. Alguém lá em
cima está muito feliz.
Wanderlino Arruda
Cadeira N. 33
Patrono: Enéas Mineiro de Souza
A VOZ DO ESTUDANTE
Sob a orientação do nosso saudoso monsenhor Osmar de Novais
Lima, órgão do Grêmio Lítero-Esportivo D. João Antônio
Pimenta, circulava em agosto de 1942, no antigo Ginásio Municipal
de M. Claros, direção de Antônio Augusto Athayde, redação
de Luiz G. Prates, o jornal A VOZ DO ESTUDANTE, número 17,
ano III, nova fase. Seis alentadas páginas, bem impressas, feitas pelas
Oficinas Gráficas Simões, constituem ainda uma gostosura de passado
histórico, interessante registro de uma época de patriótico respeito
por instituições e costumes, uma como que quase revelação de pureza
d’alma de jovens estudantes, ciosos e compenetrados na luta por um
futuro melhor.
A colaboração farta contava também com o professor Alfredo
Coutinho e, segundo me parece, com alguma coisa do dr. João Antônio
Pimenta, tal a seriedade de conceitos, que só o velho mestre
sabia imprimir. Outros nomes, alguns ainda bem lembrados, outros
esquecidos, representam, hoje, curiosidade: Barulas Alves Reis, Vivaldo
Macedo, Ione Feitosa, Eunice Fialho, Zilca Miranda, Adelaide Barbosa, Manoel J. G. Calaça, Antônio Franco Henriques, Célia A.
Neto, além de Geraldo G. Prates e de um misterioso A., tudo indica
ser o mesmo Antônio Augusto Athayde, autor de outro artigo vazado
em idêntico estilo e entusiasmo.
Interessante é a coluna de aniversários. Vejam os nomes de quem
naquela época já andava frequentando ginásio: Aristides B. Braga, 1ª
série; Péricles A. Andrade, José A. Guimarães, José Braga, 2ª série;
os terceiranistas eram Rosália Pinto, José Romualdo Torres, Carlúcio
Athayde; ainda do segundo ano, Elton Rocha Lessa e Artur Fagundes
Oliveira. “A todos, principalmente ao Padre Gustavo F. de Souza, os
votos de felicidades de A VOZ DO ESTUDANTE” - dizia a nota.
A colaboração principal parece que era mesmo a do diretor Antônio
Augusto Athayde, que ainda escrevia o sobrenome sem o “h” e
o “y”, como o fazia também o Carlúcio, seu parente. Coisas de garotos...
Antônio Augusto tinha boa redação e muita riqueza de adjetivos
e verbos no gerúndio. Os períodos eram longos, cheios de subordinação,
bem temperados à moda de Rui Barbosa, Castro Alves e Padre
Antônio Vieira. Seria influência de muitas leituras? Por exemplo: “Em
nossa memória tenra ainda, períodos como os que agora atravessamos
ficarão gravados para jamais esquecermos dos tempos bons de nossa
florida adolescência - tempos que não voltam mais...” Outro trecho:“Enquanto do alto dos céus, os raios fulgentes do sol sertanejo banham
os vastos pátios do Ginásio...” etc.
Tempo bom, tempo ótimo, coisa linda de tempos de remota juventude.
Nada mais coerente que a voz dos jovens - espontânea, pura,
colorida, limpa de coração... É pena que a realidade da vida nos tire
tanta poesia e beleza. É pena que a crueza do dia-a-dia nos tire tanto
da jovialidade dos primeiros anos de vida...
Mas, afinal, é bom ter motivo de saudades...
Terezinha Teixeira Santos
Sócia Correspondente
Guanambi - Bahia
A CASA DO ESCRITOR
DOMINGOS ANTÔNIO TEIXEIRA
(TEIXEIRINHA)
“Todo e qualquer artefato humano que, tendo um
forte componente simbólico, seja de algum modo representativo
da comunidade, da região, da época específica, permitindo
melhor compreender-se o processo histórico, a ele dá-se
o nome de Patrimônio.” Pellegrini Filho (1997 )
Como um patrimônio cultural, foi criada, na cidade de Guanambi-Bahia, a CASA DO ESCRITOR, situada na Praça
Gercino Coelho, no centro da cidade, em homenagem ao
escritor e historiador Domingos Antônio Teixeira-Teixeirinha. É uma
entidade particular sem fins lucrativos, com diretoria efetiva, atendendoàs normas estabelecidas no seu Regimento Interno. Tem como
objetivo principal valorizar a cultura do Município e retratar a sociedade
e a sua cultura de diversas formas, enaltecendo aqueles que
contribuíram ou contribuem para a preservação da história.
O local agrega arquivos sobre a Vida e Obra do Escritor, mesclados
com um rico acervo cultural, resgate de um passado construído pelos nossos antepassados, sendo cuidadosamente dividido em duas
classes culturais:
1. Vida e Obra do Escritor Domingos Antônio Teixeira - Teixeirinha,
com um conjunto de documentos e fotos da sua árvore genealógica
e registros de fatos importantes que marcam a sua identidade
cultural e sua influência na política e na sociedade de Guanambi.
Teixeirinha era filho do Major Antônio Othon Teixeira e de
D. Mariana da Silva Teixeira. Nasceu em 21 de junho de 1903, na
Fazenda Pajeú (Morrinhos - Gentio), Guanambi - Bahia, onde passou
a sua infância. Em 1917 iniciou seus estudos no Colégio São Luiz
Gonzaga, em Caetité /BA. Casou-se com D. Maria Alice Cassimiro
Teixeira, de cuja união nasceram 13 filhos.
Residiu em Ceraíma (antigo Gentio) até 1939, quando se
transferiu para Umburanas (atual Guirapá, distrito de Pindaí). Pouco
tempo depois estabeleceu residência em Malhada e posteriormente
em Guanambi, onde ocupou o cargo de Secretário Municipal e por
três vezes exerceu o cargo de Prefeito desta cidade, vindo a aposentarse
como Secretário Municipal, o seu cargo de origem.
Ainda jovem teve despertado o gosto pelas letras e, como grande
amante da terra natal, cantou suas belezas em prosa e versos. Como
escritor e historiador escreveu o livro “Respingos Históricos”, primeiros
registros da história de Guanambi, obra literária pioneira lançada
na cidade de Guanambi. Escreveu também poemas, alguns deles já
publicados em livros e jornais.
Faleceu em 30 de novembro de 1976, no seio da sua família e
dos amigos.
2. Amostras de cultura - A Casa do Escritor guarda um valioso
acervo sobre a Vila do Gentio, a exemplo de fotos do açude de Ceraíma,
(desde o início até o final da construção), fotos de casas e igreja
da antiga Vila, também objetos e documentos. Possui várias amostras
que revelam a cultura de um povo de épocas distantes, histórias perdidas no tempo, resgatadas e expostas, mesclando um grande acervo
cultural de Guanambi. Existem peças relevantes da antiga casa grande
da Fazenda Pajeú, lugar onde nasceu Teixeirinha, local reconhecido
como patrimônio cultural por ter sido identificado como grande sítio
arqueológico da região.
A Casa do Escritor está aberta ao público diariamente, promovendo
e divulgando cultura e história.
Domingos Antônio Teixeira
O IPÊ EM GUANAMBI*
Domingos Antônio Teixeira
Acorre Guanambi a ver, interessada,
Veteranos jogar com gente do Ipê.
Com juros, desforrar a derrota passada,
O mineiro esportivo planeja e prevê.
Bem disposto, vestido as cores da esperança,
O time visitante entra no “Dois de Julho”,
O nosso Veteranos, que não é criança,
Não tem nenhum temor, só pelo seu orgulho.
O Juiz apitou. Começa vigorosa
A luta que, renhida, não trouxe vantagem,
Pois, no primeiro tempo, a visitante airosa
Inútil se esforça para abrir a contagem.
Se zero a zero foi no tempo inicial,
No segundo, também diverso resultado
Não houve, porque foi um a um o final
E muito fez o Ipê não sair derrotado.
_________________________________
NOTA: este poema foi escrito pelo poeta-historiador Domingos Antônio Teixeira, em
homenagem ao jogo de futebol do Ipê Futebol Clube de Montes Claros contra a Associação
Atlética Veteranos, de Guanambi, no dia 14 de julho de 1968.
____________________________________________
Convidados
A FALTA DA VERDADEIRA E
DEVIDA INFORMAÇÃO
Evando Carele de Matos
“O cidadão tem que ser inserido no mundo da ciência
e tecnologia. Ele é o principal ator”.
Deve-se estabelecer um diálogo entre a ciência e a população
brasileira em geral, considerando todas as camadas. O cidadão
comum desconhece os conceitos, a funcionalidade, o
uso e as aplicações, de forma correta, didática e educativa, em relação
a quase tudo.
A disponibilização da informação ao público pode e deve ser
estendida e aplicada em benefício do próprio País, principalmente em
relação à elementares questões sociais, de demandas básicas. Portanto,é preciso produzir o conhecimento, ampla e claramente, conforme
abordagem e opiniões em áreas importantes, que embasam parte deste
artigo, apresentadas na 60ª Reunião Anual da Sociedade Brasileira
para Progresso da Ciência - SBPC, realizada em 2008.
Desta forma, a sociedade deve ser devidamente informada sobre
a interdependência entre sustentabilidade ambiental, econômica
e político-social, adquirindo senso crítico e, consequentemente, efetuando
reflexões e tendo posturas convenientes. É preciso perceber,
entender e distinguir a realidade das motivações comerciais, políticas
e filosóficas.
De alguma maneira, deve-se transformar a necessidade em interesse.
Esta necessidade não é nova, registra-se. Ela, pode-se dizer,
remonta aos primórdios do ser humano.
Os meios de comunicação, talvez por razões comerciais, não
dão a devida importância, mas a população, de maneira geral, interessa-se por ciência e tecnologia. Esta área embora seja pouco abordada
pela mídia ela merece melhor destaque, sendo, por vezes, mais demandada
e reclamada pela sociedade do que outros temas priorizados
publicitariamente.
Salutarmente, no Brasil, o consumo e interesse por informações
científicas e tecnológicas tem aumentado significativamente, não
somente para ampliação do conhecimento em si, mas também para
efetuar reflexões e participar da resolução de problemas inerentes ao
tema, porquanto trata-se de uma área extremamente importante ao
desenvolvimento do País e à melhoria das condições de vida da sociedade.
Importa observar que a aplicação do conhecimento científico
e, muitas das vezes, a comercialização dos seus produtos, é permeada
por uma série de “interesses outros”, situação que nem sempre é transmitidaà sociedade.
É importante, por exemplo, que o cidadão saiba que o preço
dos produtos, encarecido pelo imposto, deve ser justo e compatível
com o custo de produção. Não poderia haver, conforme acontece,
majorações e, até, exorbitâncias, motivadas por ganância empresarial.
Geralmente, a infraestrutura, relacionando qualquer aspecto,
natureza e condição, é criada pelo governo, com recursos advindos de
imposto pago principalmente pelo trabalhador/consumidor. O produtor
não tem a responsabilidade, as vezes nem condições, de arcar
com este tipo de despesa.
Considerando razões externas, aborda-se o discurso pronunciado
por países europeus, que relacionam a produção de biocombustíveis
com a escassez de alimentos e a alta inflacionária no mundo. Todavia,
existem sérios estudos cujos resultados contrapõem a assertiva
acima.
Observa-se que a Europa não tem território condizente com a
sustentação de programas de produção de combustíveis e uma ampla
produção de alimentos para a autossustentabilidade, ao passo que o
Brasil, assim como alguns países da América Latina e da África, dispõem
de terras para produção de biocombustíveis, sem afetar o cultivo
de alimentos e suas reservas naturais.
O Brasil detém a maior área agricultável do mundo - cerca de
100 milhões de hectares. Assim sendo, o País tem todas as condições
favoráveis para conciliar a produção de alimentos com biocombustíveis.
Mas, é necessária uma adequada política de estado que garanta
esse equilíbrio.
Na questão da energia as pessoas devem se conscientizar da necessidade
do uso racional e da finitude de certas fontes energéticas.
Há de se observar, também, que na produção de energia, proveniente
de qualquer fonte, gasta-se energia e causa-se, impactos. Trata-se de
uma relação custo-benefício.
Concernentemente ao biocombustível cabe considerar que
pode-se produzir, em grande escala industrial, etanol (álcool combustível)
da cana-de-açúcar (primeira geração) e obtenção do etanol
de segunda geração (processo tecnológico em desenvolvimento, denominado
hidrólise), através da conversão da palha e do bagaço da cana-de-açúcar. Neste quesito o Brasil possui um programa vencedor,
sendo muito competitivo internacionalmente.
Uma questão de capital importância que deve ser corajosa e
adequadamente abordada e devidamente esclarecida e informada é
em relação às verdadeiras causas e efeitos ocasionados, especialmente,
ao ser humano. A exposição humana à substâncias tóxicas em áreas
contaminadas são geralmente bastante prejudiciais, bem como existem
processos naturais em determinados locais que podem ser responsáveis
pela prevalência de doenças, mas cuja relação não é conhecida.
Portanto, um mapeamento geoquímico, por exemplo, poderia revelar
a existência ou não de uma conexão entre esses fatores geológicos
naturais e possíveis efeitos adversos à saúde, revelando, assim, as reais
causas e determinando as medidas a serem eficiente e adequadamente
adotadas, a bem da verdade e da saúde.
Um bom exemplo da ilação acima é a tragédia ocorrida na década
de 1980 em Bangladesh e em uma região da Índia. A ingestão
prolongada de água com concentrações excessivas de arsênio, elemento
químico cancerígeno, envenenaram milhares de pessoas. A água
subterrânea, consumida durante mais de vinte anos, estava historicamente
em contato com uma rocha contendo o mineral pirita, um
sulfeto de ferro rico em arsênio. Porém, desconhecia-se esse fato.
De igual forma, é comum consumir, inadvertidamente, água
com excessivas concentrações naturais de flúor, levando o desenvolvimento
de fluorese, grave doença.
O mapeamento geoquímico pode ajudar, também, a identificar águas radioativas, que apresentam o caráter benéfico ou maléfico, dependendo
da intensidade radioativa.
E por falar em radioatividade, cabe aqui enfocar, mesmo superficialmente,
alguns aspectos da energia nuclear, fundamentada, no
caso brasileiro, na fissão de átomos instáveis de urânio, que liberam
extraordinária energia calorífera. Para se ter ideia, a equivalência energética desta fonte com combustíveis fósseis, como por exemplo carvão
mineral e petróleo (óleo combustível), que são utilizados em usinas
térmicas, seria a seguinte: 100 gramas de urânio coresponderia a 1,3
toneladas de carvão mineral ou a 3,1 toneladas de petróleo. Esta ínfima
quantidade de urânio tem energia suficiente para suprir uma casa
brasileira, padrão médio, por um mês.
A principal utilização comercial da energia nuclear é para produção
de energia elétrica, em reatores nucleares. Outras aplicações,
também importantes, encontram-se na medicina, para diagnóstico e
tratamentos médicos (radioterapia, radiofármacos) e na agricultura,
para conservação e melhoria da qualidade de alimentos, notadamente
grãos.
Entretanto no Brasil e em alguns países, por desconhecimento
ou interesses escusos, existem opiniões equivocadamente desfavoráveisà energia nuclear. Contudo, vale observar que as várias fontes
energéticas não são excludentes, elas são somatório. Nenhum país, em
sã consciência, pode abrir mão de qualquer modalidade energética,
seja ela de fonte renovável (hidrelétrica, biomassa, eólica, etc.) ou não
(termonuclear, termo a carvão, óleo combustível, gás natural).
Alguns grupos defendem a eliminação da energia fóssil, nuclear
e hidroelétrica, que respondem por 99% de energia do mundo. Eles
dizem que as energias renováveis podem substituir suficientemente.
O que pretendem? Voltar a situação dos povos primitivos? Morar em
cavernas? Isto não é ciência, nem desenvolvimento. Na verdade, desta
forma, estão desinformando as pessoas que acreditam em conto da
carochinha.
Há de se dizer que no Brasil a demanda de eletricidade dobra a
cada sete anos, e a sociedade exige o atingimento de melhores condições
de vida, que passam pelo Índice de Desenvolvimento Humano -
IDH, onde leva-se em conta a disponibilização e consumo de energia
elétrica. Eletricidade significa lazer, educação, saneamento e saúde.
Existe, ainda, uma situação bem preocupante que é aquela referente
ao uso, na região amazônica principalmente, de mercúrio, metal
líquido muito tóxico, que é utilizado na separação do ouro contido
em areias e cascalhos (aluvião), contaminando o solo e a bacia hidrográfica.
Mas, esta não é a única forma de contaminação por este elemento
químico. No caso amazônico a contaminação, em tese, pode
ter ocorrido a partir do mercúrio emanado ao longo de milhares de
anos de vulcões localizados na região andina.
Portanto, a bem da verdade, o vulcanismo é um processo natural
e incontrolável, responsável pelo lançamento na atmosfera de
elementos e substâncias nocivas à saúde. No caso, o mercúrio pode
percorrer grandes distâncias, através de gases, e contaminar áreas extensas
e longínquas, principalmente em regiões de solo rico em íons
ferrosos, que tem a propriedade de reter e fixar o metal. Segundo o
professor Bernardo R. de Figueiredo, do Instituo de Geociências da
Unicamp (in Jornal da Unicamp, N.º 402, 1998) esse processpo poderia
explicar a existência de elevadas concentrações de mercúrio emáguas e sedimentos amazônicos de áreas onde nunca existiu garimpo
de ouro, como, por exemplo, a bacia do Rio Negro.
Mostrar os possíveis efeitos adversos à saúde é papel da “geologia
médica ou medicina geológica”, como queiram.
Cabe enfatizar que a informação precisa é muito importante e
deve ser divulgada com responsabilidade, tanto por parte do pesquisador,
quanto pela mídia. Não se pode criar precipitadas expectativas,
como ocorre em relação às células - tronco, que embora se encontram
em estágio de pesquisa, estão sendo divulgadas e entendidas como
uma panaceia, ou seja “remédio para todos os males”, curando, plena
e rapidamente, toda sorte de doenças. Mesmo sendo uma técnica de
tratamento médico, a sua propagada eficiência e disponibilização fácil,
imediata e acessível a todas as camadas sociais, conforme focada
pela mídia, não é, infelizmente, uma realidade de hoje.
Ao indivíduo cabe, racionalmente, abrir-se para a informação,
deixar-se permear por ela, entendê-la, discuti-la e aplicá-la, tudo isso
com adequação e sensatez.
Um tema bem atual e inovador é a Nanotecnociência. De
acordo com o físico da Unicamp, professor Peter A. B. Schulz, graças
aos conhecimentos gerados e aplicados pela nanotecnociências as
pessoas já podem se beneficiar de medicamentos ditos “inteligentes”,
para citar um exemplo na área médica. Esses medicamentos agem
no organismo somente no local onde eles são necessários. Nesse caso
o princípio ativo é encapsulado em nano partículas que cumprem a
função de transportá-lo.
Para se ter ideia da revolução que esta área de conhecimento
pode proporcionar, informa-se que cientistas israelenses gravaram os
textos do Velho Testamento sobre uma camada de ouro de 20 nanômetros
(um nanômetro corresponde a um milionésimo do milímetro
= 10 - 6).
A nanotecnociência pode gerar impactos industriais extremamente
importantes em todos os setores das atividades humanas, tais
como materiais, medicina, energia, meio ambiente, água, alimentos,
eletrônica, etc. Assim sendo, deve-se permear todos os segmentos da
sociedade, deixando claro o significado prático dos produtos criados
e colocados à disposição para consumo, demonstrando as aplicações
e os riscos.
Na medicina a nanotecnociência vislumbra novos e adequados
tratamentos, aponta as possibilidades de diagnósticos rápidos, mais
preciosos e de menor custo.
Embora a população não tenha ainda percebido, os produtos
gerados pela nanotecnociência já estão incorporados ao seu cotidiano.
Através da nanotecnologia criou-se tecidos antibacterianos para a
confecção de lençóis, fronhas, jalecos e bandagens destinados a ambientes
hospitalares, conforme assinala o professor Osvaldo Luiz Alves,
do Instituto de Química da Unicamp.
Portanto, a sociedade deve entender a nanotecnociência como
uma possibilidade de uma revolucionária melhoria da qualidade de
vida.
Na tarefa de divulgar este tipo de informação e fomentar a educação
científica, o jornalismo científico tem um papel fundamental.
Entretanto, deve-se considerar, sempre, que não se pode perder
a perspectiva de que a pesquisa científica envolve a ética e a opinião
pública.
Brincadeira à parte, a falta de informação, de conhecimento,
pode levar a situações do tipo: este anel, é diamante orgânico? (pergunta
da amiga, referindo-se a possível produção do mineral, a partir
de carbono contido na cinza resultante de cremação de cadáver humano).
Não, foi meu marido quem me deu, pouco antes da sua morte
(resposta condicionada por supor, equivocadamente, a insinuação da
existência da figura do amante).
LIVROS PUBLICADOS
2º semestre de 2014
Impresso na oficina da
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