INSTITUTO HISTÓRICO E GEOGRÁFICO DE MONTES CLAROS

Centro Cultural Hermes de Paula
Praça Dr. Chaves, 32 - Centro
CEP.: 39.400-005 - Montes Claros - MG
Site: www.ihgmc.art.br


REVISTA DO INSTITUTO HISTÓRICO
E GEOGRÁFICO DE MONTES CLAROS

Publicação Semestral

Diretor e Editor
Dário Teixeira Cotrim

Conselho Editorial
Dário Teixeira Cotrim
Wanderlino Arruda
Sebastião Abiceu
João de Jesus Malveira

Editoração e Diagramação
Dário Teixeira Cotrim
José Rodrigues F. Júnior

Fotografias
Alberto Sena, Dário Cotrim, Clarice Sarmento, Dóris Araújo, Felicidade Patrocínio, Geralda Magela, Juvenal Durães, Lázaro Sena, Maria Clara, Marilene Tófolo, Roberto Carlos, Sebastião Abiceu e Wanderlino Arruda

Impressão
Gráfica Editora Millennium Ltda.

ISBN: 978-85-67049-61-8



CAPA: Casa da Rua Dona Eva, 34 - construída por José Lopes de Carvalho


SUMÁRIO

Diretoria 2014-2015 – 7

Lista de Sócios Efetivos do IHGMC – 9
Sócios Correspondentes – 11
Homenagens Póstumas a Sócios – 13
Nota dos Coordenadores – 14
Fins do IHGMC -14
Apresentação – Wanderlino Arruda – 15


ARTIGOS DIVERSOS DOS SÓCIOS DO IHGMC

Clarice Sarmento
A Igreja dos Morrinhos – 19
Dário Teixeira Cotrim
Um momento de muita emoção – 24
Dário Teixeira Cotrim
Uma história de amor e fé – 27
Dóris Araújo
Vargem Grande na trilha do progresso, o livro – 30
Felicidade Patrocínio
Um Patrocínio Patrocinador – 34
Geralda Magela de Serna Almeida e Sousa
A Rua General Carneiro – 40
João de Jesus Malveira
Discurso de formatura – 44
José Ferreira da Silva
Correio Galdino: um Homem de Ferro – 53
José Ponciano Neto
Sexo manual sem o manual – 55
Juvenal Caldeira Durães
Fazenda Cantinho – 58
Lázaro Francisco Sena
Os sessenta anos do 10º Batalhão em Montes Claros – 63
Leonardo Álvares da Silva Campos
Como se forma uma caverna – 68
Mara Yanmar Narciso
O físico fica menor em quanto o mito cresce – 71
Mara Yanmar Narciso
Para levantar a caboclada – 74
Maria Clara Lage Vieira
Juraci Caldeira Brant Alves – 77
Marilene Veloso Tófolo
Centenário de Sebastião Solto Veloso - 1917 a 2017 – 84
Palmyra Santos Oliveira
Incêndios em Montes Claros – 96
Roberto Carlos Morais Santiago
Juventino Ferreira Nunes – 98
Sebastião Abiceu dos Santos Soares
Livros na Praça – 105
Zoraide Guerra David
Revelação divina – 109
Wanderlino Arruda
O IHGMC na FENICS – 114
Wanderlino Arruda
Academia Montes-clarense de Letras - 50 anos – 117

ARTIGOS DIVERSOS DO IHGMC

Adriana Duarte Borges Aquino
A Sesmaria de Antônio Gonçalves Figueira – 123
Alberto Sena Batista
Grão Mogol e o Barão de Grão Mogol – 128
Daniel Antunes Júnior
Tenho uma história para contar – 134
Evany Calábria
Violeta de Alcindo – 140
João Valle Maurício
Irmã Beata - Monumento à sua memória – 144
Manoel Hygino dos Santos
Perscrutando a história regional – 147


DIRETORIA DO INSTITUTO HISTÓRICO E
GEOGRÁFICO DE MONTES CLAROS

Fundado em 27 de dezembro de 2006.

COMISSÃO FUNDADORA 2006-2007

Dr. Dário Teixeira Cotrim
Dr. Haroldo Lívio de Oliveira
Jornalista Luis Ribeiro
Dr. Wanderlino Arruda


DIRETORIA 2016- 2017


PRESIDENTE DE HONRA Dr. Luiz de Paula Ferreira
PRESIDENTE Lázaro Francisco Sena
1º VICE - PRESIDENTE Regina Maria Barroca Peres
2º VICE - PRESIDENTE Manoel Messias Oliveira
DIRETOR-SECRETÁRIO Maria Aparecida Costa Cambui
DIRETOR-SECRETÁRIO ADJUNTO Maria do Carmo Durães
DIRETOR DE FINANÇAS José Ferreira da Silva
DIRETOR DE FINANÇAS ADJUNTO Sebastião Abiceu dos S. Soares
DIRETORA DE PROTOCOLO Wanderlino Arruda
Diretor de Comunicação Social Itamaury Teles de Oliveira
Diretor de Arquivo, Biblioteca e Museu Dário Teixeira Cotrim

CONSELHO CONSULTIVO

Membros Efetivos
Palmyra Santos Oliveira
Edwirges Teixeira de Freitas
Maria de Lourdes Chaves
Membros Suplentes
Terezinha Gomes Pires
Milene A. Coutinho Maurício
Hélio Veloso de Morais

CONSELHO FISCAL

Membros Efetivos
Juvenal Caldeira Durães
Expedito Veloso Barbosa
Eustáquio V. Santos Macedo
Membros Suplentes
Reinine Simões de Souza
Roberto Carlos Morais Santiago
Antônio Augusto Pereira Moura

COMISSÃO DE GEOGRAFIA E ECOLOGIA

Zoraide Guerra David
José Ponciano Neto
Magnos Denner Medeiros

COMISSÃO DE HISTÓRIA E ARQUEOLOGIA

Denilson Meireles Barbosa
Leonardo Álvares da Silva Campos
Maria Rejane Rodrigues Ruas Colares

COMISSÃO DE ANTROPOLOGIA,
ETNOGRAFIA E SOCIOLOGIA

Maria Ângela Figueiredo Braga
Maria Felicidade Patrocínio Oliveira
Antônio Alvimar de Souza

COMISSÃO DE CLASSIFICAÇÃO E DE
ADMISSÃO DE SÓCIOS

Marilene Veloso Tófolo
Maria Luiza Silveira Teles
Geralda Magela de Sena Souza

COMISSÃO DE DOCUMENTAÇÃO E PUBLICAÇÃO

Dário Teixeira Cotrim
Wanderlino Arruda
Ivana Ferrante Rebello e Almeida

COMISSÃO DE VISITA E APOIO

João de Jesus Malveira - Coordenador
Dário Teixeira Cotrim
Edvaldo Aguiar Froes
Ângela Martins Ferreira


LISTA DE SÓCIOS EFETIVOS DO IHGMC

CD
Sócios
Patronos
01
Edvaldo de Aguiar Fróes Alpheu Gonçalves de Quadros
02
Escritora Milene A. Coutinho Maurício Alfredo de Souza Coutinho
03
Padre Antônio Alvimar Souza Antônio Augusto Teixeira
04
Maria do Carmo Veloso Durães Antônio Augusto Veloso (Desemb.)
05
Dóris Araújo Antônio Ferreira de Oliveira
06
Prof Marcos Fábio Martins Oliveira Antônio Gonçalves Chaves
07
Professora Maria Aparecida Costa Antônio Gonçalves Figueira
08
Professora Anete Marilia Pereira Antônio Jorge
09
Professora Isabel Rebelo de Paula Antônio Lafetá Rebelo
10
Professora Maria Florinda Ramos Pina Antônio Loureiro Ramos
11
Professor Sebastião Abiceu Ary Oliveira
12
Dr Antônio Augusto Pereira Moura Antônio Teixeira de Carvalho
13
Dr Cesar Henrique Queiroz Porto Ângelo Soares Neto
14
Ana Valda Xavier Vasconcelos Arthur Jardim Castro Gomes
15
Jornalista Magnus Denner Medeiros Ataliba Machado
16
Dr Waldir de Senna Batista Athos Braga
17
Profa. Marta Verônica Vasconcelos Leite Auguste de Saint Hillaire
18
Dr Petrônio Braz Brasiliano Braz
19
Dr Luiz de Paula Ferreira Caio Mário Lafetá
20
Professora Felicidade Patrocínio Camilo Prates
21
Profa.Terezinha Gomes Pires Cândido Canela
22
Dr. Luiz Giovani Santa Rosa Carlos Gomes da Mota
23
Historiador Hélio de Morais Carlos José Versiani
24
José Ponciano Neto Celestino Soares da Cruz
25
VAGA Corbiniano R Aquino
26
Profa. Maria Rejane Rodrigues Ruas Colares Cyro dos Anjos
27
Professora Regina Maria Barroca Peres Dalva Dias de Paula
28
Jornalista Jerusia Xavier Arruda Darcy Ribeiro
29
Professora Filomena Luciene Cordeiro Demóstenes Rockert
30
Escritora Maria Lúcia Becattini Miranda Dona Tirbutina
31
Professora Clarice Sarmento Dulce Sarmento
32
VAGA Edgar Martins Pereira
33
Dr Wanderlino Arruda Enéas Mineiro de Souza
34
Profa. Geralda Magela de Sena e Souza Eva Bárbara Teixeira de Carvalho
35
Dr. Antônio Ferreira Cabral Ezequiel Pereira
36
Dra. Felicidade Vasconcelos Tupinambá Felicidade Perpétua Tupinambá
37
VAGA Francisco Barbosa Cursino
38
Professora Maria Inês Silveira Carlos Francisco Sá
39
Professor Ivo das Chagas Gentil Gonzaga
40
Drª Maria da Glória Caxito Mameluque Georgino Jorge de Souza
41
Dr Reinine Simões de Souza Geraldo Athayde
42
Professora Maria Luiza Silveira Teles Geraldo Tito da Silveira
43
Professor Benedito de Paula Said Godofredo Guedes
44
Economista Roberto Carlos M. Santiago Heloisa V. dos Anjos Sarmento
45
Drª. Viviane Marques Henrique Oliva Brasil
46
Professora Eliane Maria F Ribeiro Herbert de Souza – Betinho
47
Amelina Fernandes Chaves Hermenegildo Chaves
48
Profa. Maria das Dores Antunes Câmara Hermes Augusto de Paula
49
Prof. José Ferreira da Silva Irmã Beata
50
Jornalista Délio Pinheiro Neto Jair Oliveira
51
VAGA João Alencar Athayde
52
Fotógrafa Ângela Martins Ferreira João Chaves
53
VAGA João Batista de Paula
54
VAGA João José Alves
55
Cel. Lázaro Francisco Sena João Luiz de Almeida
56
Dra. Ivana Ferrante Rebelo João Luiz Lafetá
57
VAGA João Novaes Avelins
58
Profa. Maria Ângela Figueiredo Braga João Souto
59
Jornalista Luiz Ribeiro dos Santos João Vale Maurício
60
Dr. Manoel Messias Oliveira Jorge Tadeu Guimarães
61
Jornalista Girleno Alencar Soares José Alves de Macedo
62
Profº José Geraldo de Freitas Drumond José Esteves Rodrigues
63
VAGA José Gomes Machado
64
Professora Palmyra Santos Oliveira José Gomes de Oliveira
65
Dra. Maria de Lourdes Chaves José Gonçalves de Ulhôa
66
Arqueólogo Fabiano Lopes de Paula José Lopes de Carvalho
67
Prof. Denilson Meireles José Monteiro Fonseca
68
Professora Rejane Meireles Amaral José Nunes Mourão
69
Dr. Aderbal Esteves José (Juca) Rodrigues Prates Júnior
70
Eustáquio Vicente Santos Macedo José Tomaz Oliveira
71
Dra. Edwirges Teixeira de Freitas Júlio César de Melo Franco
72
Jornalista Theodomiro Paulino Correa Lazinho Pimenta
73
Dra. Maria das Mercês Paixão Guedes Lilia Câmara
74
Professor Laurindo Mekie Pereira Luiz Milton Prates
75
Vaga Manoel Ambrósio
76
Vaga Manoel Esteves
77
Profª Maria Jacy de Oliveira Ribeiro Mário Ribeiro da Silveira
78
Jornalista Américo Martins Filho Mário Versiani Veloso
79
Professora Maria José Colares Moreira Mauro de Araújo Moreira
80
Vaga Miguel Braga
81
Prof. Juvenal Caldeira Durães Nathércio França
82
Josecé Alves dos Santos Nelson Viana
83
Vaga Newton Caetano d’Angelis
84
Dr Itamaury Telles de Oliveira Newton Prates
85
Historiador Expedito Veloso Barbosa Armênio Veloso
86
Professora Zoraide Guerra David Patrício Guerra
87
Profº Arnaldo Bezerra Pedro Martins de Sant’Anna
88
João de Jesus Malveira Plínio Ribeiro dos Santos
89
Jornalista Felipe Gabrich Robson Costa
90
Folclorista Teófilo Azevedo Filho (Téo) Romeu Barcelos Costa
91
Dr Wesley Caldeira Sebastião Sobreira Carvalho
92
Professor Roberto Pinto Fonseca Sebastião Tupinambá
93
Dr Dário Teixeira Cotrim Simeão Ribeiro Pires
94
Dr Luiz Pires Filho Teófilo Ribeiro Filho
95
Profa. Marilene Veloso Tófolo Terezinha Vasquez
96
Yure Vieira Tupinambá de Lelis Mendes Tobias Leal Tupinambá
97
Prof. Leonardo Alvares da Silva Campos Urbino Vianna
98
Dra. Mara Yanmar Narciso Virgilio Abreu de Paula
99
Profa. Virgínia Abreu de Paula Waldemar Versiani dos Anjos
100
Professora Maria Clara Lage Vieira Wan-dick Dumont

Sócios Correspondentes

Jornalista Adriano Souto Belo Horizonte - MG

Prof. Alan José Alcântara Figueiredo

Macaúbas - BA

Jornalista Alberto Sena Batista

Grão Mogol - MG

Dr. André Kohene

Caetité - BA

Prof. Regente Armênio Graça Filho

Rio de Janeiro - RJ

Dr. Ático Vilas-Boas da Mota

Macaúbas - BA

Dr. Avay Miranda

Brasília - DF

Jornalista Carlos Lindemberg Spínola Castro

Belo Horizonte - MG

Escritora Carmem Netto Victória

Belo Horizonte - MG

Jornalista Cláudia Correia Costa Carvalho

Luz - MG

Jornalista Cintia Bernes

Belo Horizonte - MG

Historiadora Célia do Nascimento Coutinho

Belo Horizonte - MG

Historiador Daniel Antunes Júnior

Espinosa - MG

Historiador Dario Cardoso Vale

Belo Horizonte - MG

Dr. Dêniston Fernandes Diamantino

Januária - MG

Historiador Domingos Diniz

Pirapora - MG

Dr. Enock Sacramento

São Paulo - SP

Dr. Eustáquio Wagner Guimarães Gomes

Belo Horizonte - MG
Dr. Fernando Antônio Xavier Brandão Belo Horizonte - MG

Escritor Flávio Henrique Ferreira Pinto

Belo Horizonte - MG

Jornalista Genoveva Ruisdias

Belo Horizonte - MG
Jornalista Geraldo Henriques (Riky Terezi) New York – USA

Prof. Herbert Sardinha Pinto

Belo Horizonte - MG

Dr. Hermano Baggio

Pirapora - MG

Jornalista Jeremias Macário

Vitória da Conquista - BA

Dr. João Carlos Sobreira de Carvalho

Belo Horizonte - MG

Jornalista João Martins

Guanambi - BA

Dr. Jorge Lasmar

Belo Horizonte - MG

Dr. José Carlos Vale de Lima

Belo Horizonte - MG

Dr. José Francisco Lima Ornelas

Belo Horizonte - MG

Prof. José Eustáquio Machado Coelho

Belo Horizonte - MG

Prof. Dr. Jorge Ponciano Ribeiro

Brasília - DF

Dr. José Henrique Brandão

Bocaiuva - MG
Dr. José Walter Pires Brumado - BA

Dr. Manoel Hygino dos Santos

Belo Horizonte - MG

Profa. Dra. Maria da Consolação M. F.

Cowen London - England

Drª. Maria Estela Kubitschek Lopes

Rio de Janeiro - RJ

Profa. Maria Isabel M. Sobreira

Belo Horizonte - MG

Prof. Moisés Vieira Neto

Várzea da Palma - MG

Jornalista Paulo César Oliveira

Belo Horizonte - MG

Dr. Paulo Costa Rio

Pardo de Minas - MG

Historiador Pedro Oliveira

Várzea da Palma - MG
Profa. Regina Almeida Belo Horizonte - MG

Escritor Reynaldo Veloso Souto

Belo Horizonte - MG

Profa. Terezinha Teixeira Santos

Guanambi - BA

Prof. Wellington Caldeira Gomes

Belo Horizonte - MG

Historiador Zanoni Eustáquio Roque Neves

Belo Horizonte - MG
Historiadora Zilda de Souza Brandão (Bim) Belo Horizonte - MG

HOMENAGENS PÓSTUMAS
A SÓCIOS


NOTAS DOS
COORDENADORES DA EDIÇÃO

A ordem de publicação dos trabalhos dos sócios efetivos obedeceuà sequência alfabética dos nomes dos autores. Em seguida, foram ordenados os trabalhos dos sócios correspondentes e convidados;

A Revista não se responsabiliza por conceitos e declarações expedidos em artigos publicados, nem por eventuais equívocos de linguagem nela contidos.

A revisão dos originais foi feita pelos próprios autores dos artigos
publicados.


FINS DO IHGMC

Art. 2º - O IHGMC tem como finalidade pesquisar, interpretar e divulgar fatos históricos, geográficos, etnográficos, arqueológicos, genealógicos e suas ciências e técnicas auxiliares, assim como fomentar a cultura, a defesa e a conservação do patrimônio histórico, artístico, cultural e ambiental do município de Montes Claros e região Norte de Minas.


Lázaro Francisco Sena
Cadeira N. 55
Patrono: João Luiz de Almeida

APRESENTAÇÃO

Nesta data, 27 de dezembro de 2016, o Instituto Histórico e Geográfico de Montes Claros-IHGMC está completando dez anos de fundação. E o faz de maneira festiva, publicando mais uma edição de sua revista semestral, um espaço aberto para manifestação de seus associados, que se constitui no principal instrumento da instituição em busca de seus objetivos.

Aqui está, portanto, a Revista XVII, relativa ao segundo semestre de 2016, contendo matérias de variadas fontes e trazendo, em suas“orelhas”, a memória das capas de todas as edições anteriores. É uma forma de lembrar quão importante ela tem sido para o nosso Instituto, neste primeiro decênio de sua existência.

A capa desta Revista XVII, por si só, justifica a presente edição, ao apresentar uma das últimas imagens daquela que foi a primeiracasa sede da Fazenda Montes Claros, construída em 1768, pelo Alferes José Lopes de Carvalho. No século seguinte, nela residiu Da. Eva Bárbara Teixeira de Carvalho, que emprestou seu nome à rua em que se localizava. Pena que o número 34 da atual rua Dona Eva não mais ostente aquela relíquia, por incúria de alguém que não soube preservar a memória de nossa cidade.

Escrever para a nossa revista é compromisso e prerrogativa dos associados efetivos do IHGMC, que se estendem também aos associados correspondentes, observadas as prioridades e as limitações espaciais de cada edição. Isso, todavia, não impossibilita a publicação de matéria produzida por algum convidado especial, desde que seja consentânea com os objetivos do Instituto.

Estamos também, a partir de agora, reservando um pequeno espaço aos nossos patronos, quer seja para deles falarmos, quer seja para que eles próprios se apresentem, através de alguma obra produzida. É o caso presente, em que o Dr. João Valle Maurício, patrono da Cadeira nº 59, apresenta uma bela paródia da Caridade, ao personificá-la na humilde figura da Irmã Beata, patrona da Cadeira nº 49.

Tenham pois uma boa leitura, sem se esquecer da necessária crítica, que nos levará ao caminho do aperfeiçoamento.



 


Clarice Sarmento
Cadeira N. 31
Patrono: Dulce Sarmento

A IGRUJA DOS MORRINHOS

De cima do pequeno outeiro, a igrejinha do Senhor do Bomfim contempla a cidade e as mudanças que sofreu, ela própria muito diferente da primeira e minúscula capelinha, construída em 1886 por D. Germana Maria de Olinda, cujos ossos repousam em seu interior.

Testemunhou o preenchimento pouco planejado dos espaços vazios da colina e da cidade. Viu o romântico caminho de brita, ladeado de capim cor de rosa que serpenteava morro acima, ser ocupado por construções e o acesso à igreja ser deslocado para a parte posterior do morro, para dar lugar às caixas d’agua da COPASA.

A história da capelinha pode ser contada em ciclos.

Embora inaugurada festivamente em 14 de setembro de 1886 pelo padre Manoel Ribeiro da Assunção, ficou abandonada por 60 anos, durante os quais sofreu apenas uma reforma em 1930, o que evitou a degradação total de sua estrutura. Em 1946, quando da extensão dos trilhos da Rede Ferroviária até Monte Azul, o engenheiro chefe encarregado dos trabalhos, atendendo solicitação de senhoras rotarianas, promoveu uma restauração na qual, além de reformar o antigo cruzeiro, construiu um pedestal para o Cristo Redentor, retirando-o da torre onde fora colocado durante a reforma de 1930.

Meu pai mudou-se para a Rua Melo Viana em 1944. Podia-se contar nos dedos as escassas casas, não só na rua como em todo o bairro. Provenientes da Praça da Matriz, acostumados à vizinhança da igreja e suas celebrações, logo se interessaram pela igrejinha restaurada que continuava abandonada.

Em 1947 minha mãe, Maria Guimarães, e sua amiga Mariquita Maia que, embora morasse lá em baixo, na rua Dr. Veloso, interessouse pela capelinha e, juntas puseram-se em campo para equipar a igreja com “santos”, móveis e bancos, toalhas para o altar, paramentos e demais objetos litúrgicos necessários. Saiam todas as tardes, religiosamente, de porta em porta, visitando casas comerciais e casas de amigos, pedindo donativos. E foram comprando o necessário, encomendando de S. Paulo aos poucos, à medida que o dinheiro ia entrando.

Equipada a igreja, começaram a pressionar Padre Marcos Van In e Monsenhor Osmar de Morais Lima, (este à frente da diocese desde a morte de D. Aristides Porto), já que a capela precisava de um padre para os serviços religiosos. Por sorte chega à cidade, recém-ordenado pelo seminário de Jaú, Padre Humberto ou Aderbal Murta de Almeida (naquele tempo, padres e freiras mudavam o nome de batismo quando da Ordenação Sacerdotal ou Profissão religiosa, respectivamente).

Dotado de grande idealismo, inteligência e entusiasmo, o jovem padre transformou a capelinha no centro religioso da cidade, para onde se deslocava a população dos quatro cantos dela, para participar das novenas e procissões, missas, Te-déuns e leilões. Fundou a Cruzada Eucarística de crianças, o corinho Santa Terezinha (depois dividido em três grupos de 20 crianças: de uniforme grená, dos morrinhos, azul e verde de outros bairros). Cantavam em latim ladainhas, cantos religiosos, missas completas. Havia ainda a irmandade Santa Terezinha para moças.

As festas do Senhor do Bonfim, São Geraldo, São José e Santa Terezinha eram precedidas de novenas e finalizadas por procissões iluminadas por velas, que serpenteavam pela encosta. No mês de Maio, depois do terço e da ladainha cantada havia coroação toda noite.

Eu lá estava sempre, com meu camisolão de cetim cor-de-rosa, guarnecido de pala de “casinha de abelha” e arminhos, as asas de penas de galinha, pintadas de cor-de-rosa, cantando no maior entusiasmo, muito bem ensaiada por Colo (Clotilde Costa).

Fiz parte também do corinho grená. Os ensaios eram realizados nas tardes de quinta feira, na capelinha de N. Senhora Aparecida, ao lado da Casa das Pobres. Ilda, filha de Seu Neném Mangabeira nos acompanhava aos ensaios, feitos na maioria das vezes pelo ainda seminarista Tiãozinho de D. Ana (mais tarde padre Joaquim).


Corinho Santa Terezinha. Na Segunda fila: Ilda Mangabeira, Clotilde Costa, Cleonice Sarmento, Maria Guimarães, Padre Humberto (Murta), Clarice Sarmento, S. Vicente F. Borges e Maria do Rosário Neri (Bia)

Parece-me vir daí o despertar do interesse que me levou, depois de anos como pianista, a optar pelo canto coral e obter com ele tantas alegrias e realizações.

A equipe de trabalho na igreja era invejável e o braço direito de minha mãe e padre Humberto passou a ser Colo, sempre prestativa, com sua bondade e disposição para ajudar em tudo. Os paroquianos adoravam o dinamismo e idealismo do jovem sacerdote e, como escrevi certa vez, desconfia que muito o confundisse com os santos dos altares.

Lionel Beirão de Jesus era o leiloeiro e gritava os lances no maior entusiasmo, intercalando-os com momices, brincadeiras e inconveniências verbais que divertiam adultos e crianças. Meu pai, Adail Sarmento, era o escrivão; fazia a escrita das doações, coletas, do dinheiro dos leilões e os fiados que eram cobrados por “Seu” Santo. “Seu” Vicente Ferreira Borges tocava o harmônio nas celebrações, instrumento este doado por Levy Pimenta.

Foram cinco anos de ouro da capela, anos que, como aconteceu comigo, meus irmãos e demais que fizeram parte das atividades religiosas e festivas em torno da capelinha, alicerçaram nossa vida com exemplos de bondade, trabalho, amor e doação.

Em 1953, padre Humberto foi transferido para a cidade de Monte Azul, indo depois para outras cidades. Quando voltou para Montes Claros passou a ser conhecido como Padre Aderbal Murta, ou simplesmente Padre Murta. O padre designado para substitui-lo nos Morrinhos encontrou paroquianos frustrados, sem cooperação. Nada foi como dantes e a igrejinha voltou ao abandono, só retornando suas atividades com a designação do Padre Inácio Teres, que promoveu várias melhorias, tais como: o aumento de sua área interna e construção do salão paroquial, onde se realizavam reuniões como as dos Vicentinos e da Pastoral da Criança. Houve uma nova restauração sob o patrocínio da COPASA e SEMENTES TOLENTINO. O Padre Inácio foi substituído pelo Padre Marcos Antônio Bispo, que também celebrava missas aos domingos e realizava casamentos e batizados.

A igrejinha já pertenceu a várias paróquias, que foram surgindo com o crescimento da cidade. Conforme eram delineados os limites da nova paróquia, ela foi sendo transferida para a que estivesse mais próxima de sua localização. Até 1950, pertencia à única paróquia existente, de Nossa Senhora da Conceição e São José. De 1950 a 1960, `a Paróquia da Catedral. De 1960 a 1991, á Paróquia de São Sebastião e, a partir de 1993, até os dias atuais, á Paróquia de Santa Rita. O atual pároco é Padre Gilmar Soares Martins.

É um novo ciclo que começa e o período de 1947 a 1953 e seu significado passou a ser guardado somente nas recordações daqueles que dele fizeram parte. Para os demais, a Igrejinha dos Morrinhos é apenas um acidente geográfico na paisagem da cidade e sua história, uma lembrança esquecida de um passado distante.



Dário Teixeira Cotrim
Cadeira N. 93
Patrono: Simeão Ribeiro Pires


UM MOMENTO
DE MUITA EMOÇÃO

Durante a minha jornada em defesa das tradições e dos costumes de nossa terra e de nossa gente, passei por momentos de grandes emoções com homenagens e louvores. Algumas medalhas e muitos diplomas e certificados fazem parte da minha modesta Vitrine da Vaidade. Entretanto, na memorável noite de comemorações do sexagésimo aniversário do Décimo Batalhão da Polícia Militar do Estado de Minas Gerais, em Montes Claros, foi-me dado a oportunidade de ser agraciado com a meritória Medalha Coronel Georgino, que veio acompanhada do Diploma com os seguintes dizeres:“O Tenente-Coronel, Comandante do Décimo Batalhão de Polícia Militar do Estado de Minas Gerais, no uso das suas atribuições que lhe competem, confere a Medalha Comemorativa do Cinquentenário do 10º BPM ao senhor DÁRIO TEIXEIRA COTRIM em reconhecimento à sua notável contribuição ao Décimo Batalhão de Polícia Militar. Montes Claros, 28 de Julho de 2016 – Ederson da Cruz Pereira, Tem-Cel PM Comandante do 10º BPM” .


Foi um momento de muita emoção!

O nome do ilustre Coronel Georgino Jorge de Souza, escolhido para cognominar a insígnia comemorativa do cinquentenário do 10ª BPMMG, teve, ainda, maior relevância diante outros fatos inerentes
a nossa amizade: ele foi o meu professor de Direito Penal na antiga
FADIR – Faculdade de Direito do Norte de Minas e, meu confrade das letras acadêmicas na egrégia Academia Montes-clarense de Letras. Se não bastasse tudo isso para coroar a minha elevada consideração e amizade pelo Coronel Georgino Jorge de Souza, poderia acrescentar nas nossas relações de amizade a condição de coestaduano, pois somos guanambienses de nascimento, muito embora ele se dizia, peremptoriamente, que era natural da cidade de Caetité, estado da Bahia.

Em razão das alegações anotadas, reafirmo a minha incontida alegria na homenagem desta noite de festas, quando, solenemente, o Comandante do Estado Maior da Polícia Militar de Minas Gerais, o Coronel André Leão, acompanhado do Comandante do 10º Batalhão
da Polícia Militar, Tenente-Coronel PM Ederson da Cruz Pereira, se posicionaram à minha frente para agrilhoar, na lapela do meu terno, a deslumbrante Medalha Coronel Georgino. Naquele momento eu compartilhava com os meus queridos netos, meus filhos e minha esposa Júlia, uma felicidade nunca antes experimentada em toda a minha vida, diante outras homenagens.

Portanto, a Medalha Coronel Georgino retrata, com muita propriedade, o reconhecimento do meu trabalho nas letras acadêmicas da cidade de Montes Claros, com as publicações de livros e crônicas nos jornais da cidade, torna-se agora um fato concreto que tem o aval da nossa augusta Academia Montes-clarense de Letras e do nosso egrégio Instituto Histórico e Geográfico de Montes Claros. Por isso, é desejo meu de, também associar-me com os eminentes confrades e confreiras o preito dessa importante comenda recebida nas festividades do sexagésimo aniversário do Décimo Batalhão da Polícia Militar do Estado de Minas Gerais. Finalizando, prometo honrar, com respeito e admiração, o nome do saudoso Coronel Georgino Jorge de Souza e a Polícia Militar de Minas Gerais. Obrigado!


Dário Teixeira Cotrim
Cadeira N. 93
Patrono: Simeão Ribeiro Pires

UMA HISTÓRIA DE AMOR E FÉ

Agora são exatamente quatro décadas de existência do Grupo Lisieux. Tudo começou em junho de 1976, quando iniciava na sociedade montes-clarense um movimento de apoio na construção do Carmelo Maria Mãe da Igreja e Paulo VI. Assim, as senhoras piedosas proporcionavam a prosperidade aos desvalidos, na certeza de que os esforços no apoio ali iniciados pudessem amenizar o sofrimento dos mais necessitados. Então, “a primeira reunião aconteceu no dia 23 de junho de 1976, realizado no Palácio Episcopal com a presença do Bispo Diocesano, Dom José Alves Trindade, da irmã Maria Margarida do Coração de Jesus – priora do Carmelo de Belo Horizonte, da irmã Maria Angélica da Eucaristia, da irmã Ana Letícia do Coração de Jesus e uma dezena de mulheres arrojadas e dispostas em realizar o sonho da construção do Carmelo, em Montes Claros”.

Com os trabalhos em andamento, entendeu o Bispo Dom José Alves Trindade que seria interessante um nome de batismo para o Grupo. Assim, por sugestão da senhora Ruth Mota “foi adotado para o Grupo o nome de Lisieux”, uma homenagem à terra natal da Carmelita Santa Teresinha do Menino Jesus.

“Santa Teresinha de Lisieux, ou Teresa Martin, nasceu no dia dois de janeiro de 1873, em Alençon, um pequeno lugarejo da Normandia, norte da França. Foi batizada com o nome de Marie Françoise Thérése Martin. Ela era filha de Louis Martin e de dona Zélie Guérin. Tornou-se doutora da Igreja Católica, Apostólica e Romana sem nunca ter ido à universidade e morreu tuberculosa em 1897, com vinte e quatro anos de idade. Portanto, a jovem Santa Teresinha de Lisieux, no ano de 1884 já era aluna das monjas beneditinas de Lisieux, e foi assim que o seu amor pela salvação de almas começava, então, a desabrochar para o mundo”.

Entre outras atividades, a realização do bazar Gotas de Amor, é sem dúvida, a mais importante que o Grupo Lisieux promove para arrecadar fundos em prol do Carmelo. Não há de ser tão somente o trabalho árduo de todos os momentos que promove em ação de graça as atitudes contidas no coração de cada uma de suas participantes, mas também o momento de entretenimento em cantar versos como estes: “Não pareço uma viúva/ estou muito ajeitadinha/ por isso nas minhas andanças/ vou passar por solteirinha/ Mas que grande decepção/ não esperava este final/ não é que dona Nenzinha/ vai ser a minha fiscal” e,

também estes: “Para agradar tanta gente/ na esportiva vou jogar/ para comprar os presentes/ sem minha fortuna gastar...”, além de confeccionar trabalhos manuais – costuras e bordados – para esta nobre e gratificante finalidade cristã. No Grupo Lisieux os laços de amizade são reforçados pela doutrina da fé, que domina sobre todas as ações de caridade, porque Deus é vigilante e bondoso e quer mantém as nossas relações de amizades em perfeito equilíbrio. A filosofia do Grupo Lisieuxé a mesma do Rotary Internacional: “Dar de si sem pensar em si”, uma pérola de citação que merece uma reflexão mais apurada de todos nós outros. Portanto, completa agora o dinâmico Grupo Lisieux quarenta anos de trabalho social e de muita confraternização. Hoje o Carmelo Maria Mãe da Igreja e Paulo VI, de Montes Claros, já é uma realidade porque Deus derramou a esperança viva no coração de cada uma das senhoras que fazem parte deste projeto de Amor. Em nome da atual coordenadora, a ilustre Lili Brant Penido, nós desejamos cumprimentar todas as demais confreiras deste egrégio sodalício.
Parabéns, Grupo Lisieux!


Dóris Araújo
Cadeira N. 5
Patrono: Antônio Ferreira de Oliveira


VARGEM GRANDE NA TRILHA
DO PROGRESSO, O LIVRO


Uma historiografia. Um livro de registro, de memória. Históriaé memória. “Casas, ruas, praças, monumentos, fotografias, documentos, objetos, coisas, seres . . . tudo é história, é memória”. Memória: lembrança, recordação, reminiscência. Já disseram que, ‘um povo sem memória é um povo sem passado’”.

História – segundo o dicionarista Aurélio Buarque de Holanda: [Do gr história, pelo lat. história]. S.f. 1 Narração metódica dos fatos notáveis ocorridos na vida dos povos, em particular, e na vida da humanidade, em geral: Narração de acontecimentos, de ações em geral cronologicamente dispostos (. . .)

A história de Vargem Grande do Rio Pardo, registrada por Zoraide Guerra David, se inicia antes mesmo de sua emancipação política, finalizando-se em 2004. Finaliza-se em 2004, apenas o registro feito por Zoraide, não a história de Vargem Grande do Rio Pardo, já,
que, a própria autora, ciente dessa inconteste verdade, na conclusão do seu trabalho, afirma: Esta obra – VARGEM GRANDE NA TRILHA DO PROGRESSO – é um registro pioneiro da história do município, mobilizando o futuro registro, pelo muito que há de realizar.

Não esgotamos o assunto. Páginas e páginas poderão ser compiladas no registro diário da vida de cada um, na conquista de todos.

Sem dúvida, a história dessa cidade continuará a se fazer num sem fim de séculos, enquanto vivo houver um Vargem-grandense ou um seu descendente, pois a história de um povo se faz alinhavandose os retalhos da história de cada um; que, por sua vez, alinhavados à história de outros povos, transformar-se-ão, por fim, na história da humanidade. E o encanto dessa magnífica colcha reside na diversidade de textura, de cor e de estampa de cada um dos retalhos . . .

A arte das artes é saber juntar esses retalhos de tal forma que haja harmonia no todo, inclusive, ou principalmente, nos contrastes
existentes entre as partes. Nesse processo, a história individual deixa de ser um bem privado, para se tornar um bem comum, à partir do momento em que é costurada à grande colcha histórica – patrimônio da humanidade.

Memória é um perfume valioso, que deve ser guardado, o quanto antes, em frascos adequados, para que não se perca o aroma, o olor das essências. Quanto mais cedo se registra um acontecimento, mais genuíno, mais fiel à verdade.

O livro é o frasco apropriado para se guardar o delicado perfume da memória. E Zoraide, sensível e primorosa perfumista, soube escolher e combinar as essências, usando com sabedoria o melhor dos fixadores: a palavra.

Ao abrirmos – meu marido e eu – o frasco/memória de VARGEM GRANDE NA TRILHA DO PROGRESSO, sentimos nossa alma penetrada pelos aromas do passado/presente de Vargem Grande do Rio Pardo. O cheiro das vacilantes candeias de azeite sobrepondo- se à inodora luz elétrica. O doce aroma da malva branca, da alfavaca, da mangaba, do murici, do pequi, ora se misturando, ora se alternando ao estonteante cheiro dos eucaliptos... Os gemidos dos carros de bois atrelados ao cheiro do álcool e da gasolina.

Nessa viagem, nos juntamos ao querido amigo e confrade Wanderlino Arruda e, com água na boca, nos deparamos com as gostosuras gastronômicas da cozinha vargem-grandense. Impossível resistir à paçoca de carne seca, aos biscoitos cozidos e assados, ao cuscuz, à pamonha. . .

De mãos dadas com o tempo, brincamos: ciranda , cirandinha vamos todos cirandar . . . e, se antes pobres, tornamo-nos ricos. Ricos de marré, marré, marré. De marré deu si. Andamos pelas chapadas, colhendo mandapuçá. Nos carrascos, nos abraçamos ao tronco da poderosa baraúna. De pés descalços, pisamos nas águas dos córregos. Na concha das mãos, bebemos de suas nascentes. . .

Na Chapada da Prata, vislumbramos um desfilar de bichos: gambás, tamanduás-bandeira, veados, cotias, pacas . . . Magia da memória.

A exemplo de Darcy, o Ribeiro, fechamos os olhos da cara e abrimos os da memória. . .Foi assim, que, mesmo dentro do nosso quarto, recostado à cabeceira de nossa cama, nos transportamos até à cidade de Vargem Grande do Rio Pardo, tendo o livro de Zoraide como passaporte.

Encantados, ouvimos as falas de seu povo. Conhecemos suas raízes, seus costumes, suas crenças, suas façanhas, seus temores, suas dificuldades, seus anseios. Gente íntegra, lutadora, politizada, consciente. Ainda agora penso ouvir a voz firme do senhor Antônio, dizendo: “Vargem Grande do Rio Pardo antigamente tinha muita área de planta, muito carrasco fechado. Hoje está raro (. . .)”

Sempre conduzidos e anfitrionados por Zoraide, visitamos lugares, conhecemos pessoas, muitas. Dentre as quais, carinhosamente, destacamos: Sra. Terezinha da Cruz Santos, Secretaria de Educação; Sr. Osvaldo Braga Amorim, Presidente da Câmara Municipal; Sr. Íris Renan Amorim, vice-prefeito municipal e o Sr. Antônio Francelino dos Santos, Prefeito municipal e sua esposa Sra. Durvalina Pinheiro Brás dos Santos. Pessoas ilustres. Na ocasião, os mais importantes representantes políticos da cidade e das quais guardamos as mais profundas impressões.

Viva Vargem Grande do Rio Pardo! Viva o seu povo! Vivam os seus representantes! Viva a historiadora Zoraide Guerra David! Que, recebendo no cofre das mãos a memória desse povo, metaforizada em anelzinho, joia preciosíssima, teve o cuidado de não guardá-la só para si, imprimindo-lhe caráter eterno, metamorfoseou-a em livro, no valioso livro VARGEM GRANDE NA TRILHA DO PROGRESSO.

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Texto escrito e apresentado em agosto de 2004, na ocasião do lançamento do livro VARGEM GRANDE NA TRILHA DO PROGRESSO, na cidade de Vargem Grande do Rio Pardo, Minas Gerais.
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Felicidade Patrocínio
Cadeira N. 20
Patrono: Camilo Prates

Um Patrocínio
Patrocínador

O “Patrocínio” no nome do Zezinho, assim como nos de todos nós, seus irmãos e irmãs, é uma homenagem de nosso pai a Nossa Senhora do Patrocínio, de quem era devoto e a quem queria como madrinha dos seus filhos. Vai ver foi por esta bênção divina que o Zezinho, que nunca se nega a um apelo ou pedido de doação, incorporou em si alguns dos sentidos desta palavra, tais como “proteção”, “ajuda”, “amparo”, “defesa”. Entre as suas tantas contribuições, as de que se têm notícias são para as vocações religiosas, para reformas no Seminário no qual estudou, para o Asilo de Montes Claros e outras tantas que lhe são solicitadas. Todavia, nosso homenageadoé homem discreto, não fala de suas boas ações, delas se tendo notícia apenas por vias transversas.

Agora, ato declarado de fé, desprendimento, coragem e destemor foi o que ele assumiu em agosto de 2010 como patrono da festa religiosa de Nossa Senhora do Patrocínio no povoado de Serra Nova, município de Rio Pardo de Minas, onde nasceu nosso pai, Dário Silveira. Ali até hoje não se fala em outra coisa! A festa de Nossa Senhora do Patrocínio, padroeira da vila, comemorada em 15 de agosto de cada ano, em 2010 foi um sucesso estrondoso. Não era pra menos, pois ela foi assumida pelo Zezinho não só para homenagear a sua santa-madrinha, mas também para comemorar o centenário de nascimento de nosso pai.

Toda a história começou com um sonho no qual pai lhe apareceu, clamando-o a voltar à sua venerada terra. A aparição o encasquetou e o fez firmar um pacto com seu Dário: visitar Serra Nova e sentir a real mensagem que ele queria transmitir. E assim fez. Após alguns anos, retornou a Serra Nova e sentiu o declínio da vila e a tristeza dos seus moradores. Entre tantos apelos da comunidade, havia a reclamação de que a tradicional festa de Nossa Senhora do Patrocínio, que sempre fora um marco de religiosidade, cultura e agregação familiar, tinha se derivado para a baderna: carros com sons ensurdecedores, barraqueiros se apropriando da área da igreja e impedindo os rituais religiosos, bebedeira desenfreada e muito mais. Diante desse quadro, ele se comprometeu a patrocinar a festa da Santa Padroeira em 2010 com o engajamento de toda a comunidade e das autoridades políticas, civis e religiosas da região e nela promover o “Encontro da Silveirada” com uma homenagem ao pai que, se vivo, faria cem anos.

Foi um ano de preparação intensa. Mobilização da comunidade para as reivindicações públicas e contrapartidas. Interveniência junto às instâncias governamentais para recuperação dos prédios públicos, ruas e praça do povoado, além da sua estrada de acesso. Revitalização da igreja com restauração da torre e do sino trincado. Arborização das ruas para embelezamento e sombreamento. Engajamento da Secretaria Municipal de Educação, da direção da escola local e dos professores e alunos para pesquisarem e escreverem, em prosa, verso e desenho, sobre a história, geografia e cultura do povoado, tendo sido instituído um concurso para seleção e publicação dos melhores trabalhos. Mobilização dos músicos e grupos folclóricos da região para resgatarem suas tradições. Convocação de todos os Silveira – tanto os locais quanto os dispersos pelo país – para escreverem suas lembranças e casos da vila e marcarem presença na festa. As escritas passariam a compor um livro de histórias de Serra Nova. Por adesão, e conforme dom natural, alguns irmãos se engajaram na organização: o Beto, doutor das letras, como coorganizador e revisor do livro; o Tião, ecologista por natureza, como paisagista e plantador das árvores; a Marcinha, arte-educadora, para trabalhar a animação musical das crianças, dos tocadores; a Dade, artista plástica, para conceber e esculpir em bronze o busto do pai que seria homenageado. Até uma casa foi comprada na vila pelo Zezinho para ponto de apoio.

Quando agosto de 2010 chegou, Serra Nova já mostrava nova paisagem: a igreja com bancos e campanário novos, luzindo neste o sino restaurado; árvores plantadas nas ruas, naentrada principal e no entorno da igreja; casas pintadas; moradores com alma nova; economia estimulada pelos visitantes que procuravam casas para alugar e mercadorias para comprar; barracas de acampamento a se espalhar nos quintais e nas áreas livres da vila. Tanta procura gerou até especulação imobiliária! Fato surpreendente é que a demanda de energia cresceu tanto que foi necessário instalar um grupo gerador sobre um caminhão para o devido suporte.

A festa foi anunciada logo no dia 7, com o início da novena a Nossa Senhora do Patrocínio, desenvolvendo-se, a partir de então, programações diárias intensas.

Pela madrugada, ouvia-se a alvorada despertando a população. Era o zoar das violas, sanfonas e zabumba junto ao pipocar dos foguetes e da cantoria de reza que passava de porta em porta convidando moradores e visitantes a participarem da novena. Aos animadores as pessoas se agregavam até adentrar a igreja para rezar o terço do dia e a oração a Nossa Senhora.

As cavalgadas eram um espetáculo à parte. Os cavaleiros, trajando
camisas com a foto do seu Dário na frente e a imagem de Nossa Senhora do Patrocínio nas costas, saudavam os visitantes na entrada da vila, apresentando-lhes a programação da festa. Aos cavaleiros se juntava um filho do seu Dário como embaixador dos Silveira a soltar fogos com votos de boas vindas.

À tarde, toda uma programação sociocultural e esportiva era desenvolvida no ginásio da escola, onde as pessoas interagiam numa vivência grupal com exercícios para o corpo e para mente. Para a condução dessa atividade, que a todos muito agradou, foram contratados profissionais especializados da área.

À noite, a ladainha se repetia na igreja, seguida pela quermesse com prendas e iguarias da terra e animada pela apresentação de grupos de folia de reis tradicionais na região.

Destacavam-se também no contexto festivo os atos de solidariedade aos mais necessitados. Incentivados pelo espírito de benemerência do Zezinho, seus irmãos e primos doavam cestas básicas para distribuição. Emocionante era ver no rosto de cada um a expressão de agradecimento e o sorriso de gratidão. Fato é que, dali, todos – benfeitores e beneficiados – saíam abençoados em nome de Nossa Senhora.

No sábado de véspera, já com a vila lotada de visitantes, a programação previa o lançamento de Histórias de Serra Nova – Centenário de Nascimento de Dário Dias Silveira e o baile popular. À tarde, as pessoas lotaram o ginásio para prestigiarem o lançamento, afinal muitas delas eram coautoras do livro. Com várias autoridades presentes, a solenidade foi aberta pelo Zezinho, que com seu dom de oratória destacou os fortes laços da família com aquela terra ancestral e fez uma explanação sobre a obra, uma criação coletiva em que todos ali podiam orgulhosamente se ver e reconhecer. Seguiu-se a conferência educativa do historiador Dário Teixeira Cotrim, autor da obra Ensaio Histórico do Distrito de Serra Nova. O evento culminou com o alegre entoar das vozes do “Coral da Serra” das crianças da escola, sob a regência de Márcia Patrocínio. À noite, ao som da banda especialmente contratada, crianças, jovens e adultos se entregaram ao prazer do pular e do dançar. A alegria era geral e o som ecoava na grandiosa Serra Geral, com a festa se prolongando até a aurora raiar.

Finalmente chegou o esperado dia de Nossa Senhora do Patrocínio. Alvorada festiva, cantoria redobrada! Ninguém poderia deixar de rogar as preces por Ela. A santa missa foi precedida de procissão pela principal rua da vila, com a imagem da Santa Padroeira, ornada
com rosas, sendo carregada e venerada pela multidão de fiéis. O padre Genivaldo Ponciano, vindo de Rio Pardo, era quem puxava o cortejo com cânticos e orações. Quando o cortejo chegou à igreja, crianças vestidas de anjo coroaram Nossa Senhora e lhe jogaram pétalas de rosas. A cerimônia religiosa foi encerrada com a missa solene e com a veneração dos fiéis que agradeciam as graças alcançadas.


Zezinho Patrocínio


Mas a festa ainda não acabara. Faltava a homenagem ao cidadão centenário que tanto amou aquela terra – Dário Silveira. Novamente a população se aglomerou na praça da igreja, onde o seu busto já erguido estava sob uma capa. Com a voz embargada, o seu filho mais velho, Carlos Patrocínio, ex-senador da República, fez um caloroso discurso sobre o pai. Com o descerrar do busto veio a surpresa inimaginável: fogos de artifício espocaram pelo céu por 15 minutos, oferecendo um espetáculo de rara beleza. O povo olhava extasiado para tantas luzes, cores e imagens. Não se viu algo parecido nem nas areias de Copacabana.

Nunca antes na história da vila se viu festa igual!

E ela nunca será esquecida...

Só o Patrocínio mesmo para patrocinar evento de tal magnitude.


Texto de Zélia Patrocínio



Geralda Magela de Sena Almeida e Sousa
Cadeira N. 34
Patrono: Eva Bárbara Teixeira de Carvalho

A RUA GENERAL CARNEIRO

A Rua General Carneiro, em Montes Claros, já foi muito diferente...
Cinco a seis décadas atrás ela era uma rua comum, sem asfalto, encascalhada, mas tinha sua importância.

Era rota de entrada e saída da cidade. Os que vinham do alto do Santo Expedito passavam pelo Matadouro Otani, atravessavam a Rua Mangabeira* e mal terminando a curva já adentravam nela.

Dali continuando a subir passava pelo Asilo São Vicente de Paula na esquina com a Rua Dr. Veloso. (virando à esquerda ao cruzar as Ruas Dr. Veloso, Camilo Prates ou Bocaiúva se chegaria ao Centro da cidade). No cruzamento com a Rua Camilo Prates, à direita, solto no meio do lote descampado da esquina, numa curiosa “casinha de madeira, branca” suspensa e apoiada sobre quatro pés ficava o Posto de Observação Meteorológica onde D. Joaninha Versiani, circunspecta, diariamente fazia leituras e anotações.

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*Atual Rua Coração de Jesus.

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Prosseguindo em frente, cruzava com a Rua Bocaiúva e adiante atravessando os trilhos da linha de ferro da Central do Brasil, chegava até a Rua Melo Viana. De lá continuando tomava o rumo de uma outra parte da cidade mais ligada aos ferroviários e onde terminava.

Era uma rua de grande movimento para o seu tempo. Um portal de saída de Montes Claros para o Sul e passarela de mundos que desfilavam indo e vindo oriundos do Norte ou Sul do país. Com eles as maravilhas do novo, do diferente, da História.

Madrugada. Cinco horas. Sol cochilando ainda sem acender de todo suas luzes e por ela já descia animado o ônibus para Belo Horizonte. Fazia a curva na entrada da Rua Mangabeira e descia até o Matadouro Otani. Dali, de novo fazendo curva, subia a ladeira até o Santo Expedito, passava pela Vargem Grande, pela ponte do Rio Carrapato e entrando logo à direita chegava às perigosas curvas da serra e ganhava mundo.

À tardinha, anoitecendo, subindo a rua, empoeirado, lá vinha o ônibus de volta de Belo Horizonte.

Mesmo durante o dia, o movimento não parava. A criançada precisava ficar atenta. Caminhões entravam e saiam com cargas preciosas. Ora eram nordestinos passando no “pau de arara”, ora eram paus de lenha empilhados para serem queimados nos fogões do Matadouro.

A cada passada subia uma nuvem dourada que era o terror dos moradores da rua.

Fazer o quê? Não havia cascalho que desse conta de segurar o pó! O jeito era pegar a mangueira e pela manhã ou tardezinha molhar a rua para segurá-lo quieto no chão por um tempo.

Com mais ou menos poeira o movimento da Rua General Carneiro não parava.

Tantas vezes, súbito, soavam alarmes: “Fechem o portão!!...” “Olha a boiada!!...” “Lá vem boi bravo!!...” e um corre, corre de pais e crianças, portões e portas batendo se ouvia.

Espiados por cima dos muros, nos galhos das goiabeiras e mangueiras dos quintais; espreitados pelas janelas e frestas dos portões passavam num alvoroço o gado, o boi bravo com “tapa” tocados pelos boiadeiros e direto para o matadouro.

Nesse vai e vem, variando entre moderado e apressado a música dos cascos dos cavalos, das latas de leite, já vazias, no lombo das mulas, o mugido da boiada, a voz do leiteiro ou do vaqueiro tangendo o boi fazia parte e fundo sonoro para o tráfego dos leiteiros, vaqueiros, cavaleiros elegantes e outros nem tanto, durante todo o dia.

Carroças, carros de boi também costumeiramente por ali transitavam.

Era uma rua de adultos, de trânsito. Nem mesmo à noite cedia espaço tranquilo para as brincadeiras da meninada. Estas aconteciam, sim, nas ruas transversais.

E assim passava os seus dias simples de rua de uma cidade do interior.

Contudo, até para uma simples ruela o espetacular pode acontecer.

Pois, numa tarde, logo depois de 31 de Março de 1964, um barulho alto, diferente se fez ouvir: sons múltiplos, cadenciados. Curiosos, todos correram às portas.

Num ritmo de marcha militar passos anunciavam que a História, naquele momento, fazendo a curva na Rua Mangabeira entrava triunfante pela Rua General Carneiro.

Soldados do 10º Batalhão da Polícia Militar, de Montes Claros apontavam no seu início, perfilados, tendo com orgulho à frente e no comando, em pé, num jipe da Corporação o Cel. Georgino Jorge de Souza.

E a Rua General Carneiro registrava assim sua participação no Movimento Revolucionário de 1964. Era a História de Minas, do Brasil voltando para casa, passando por ela e narrando os acontecimentos.

Do nº 44 dela, fazendo esquina com a Rua João Pinheiro, fui testemunha domiciliar e vivente de muitas dessas histórias.

A Rua General Carneiro já foi uma rua diferente...


Tarcisio e Geralda

 


João de Jesus Malveira
Cadeira N. 88
Patrono: Plínio Ribeiro dos Santos

DISCURSO FORMATURA

Montes Claros, berço de homens ilustres, testemunhas de minha luta e do meu amor pelas coisas, símbolo de vasta região em que teu nome é fator de unidade, irmã mais velha de quantas urbes há no Norte de Minas. Tuas ruas estreitas lembram os trilhos por onde andaram os bandeirantes, os vaqueiros e os carros de bois. Tua gente altaneira, como os teus montes, lembram os nossos antepassados, desbravadores destes sertões. O teu desenvolvimentoé fruto de teus filhos.

Em tua paisagem e em cada canto de teus becos, escravos e senhores, saudosos e permanentes no tempo, te contemplam e saúdam a recitarem palavras de Cícero: “Aqui está a minha religião, aqui está a minha raça, aqui estão as pegadas dos meus pais; não sei que encanto é este que penetra o meu coração e os meus sentidos”.

Querida Montes Claros, tu que nos recebeste tão hospitaleiramente, através de teu povo, de tuas autoridades e de teus recursos, considera como tua, por teu mérito, esta festa. A minha cidade, a querida Coração de Jesus, tão irmã, agradece.

As cidades de quantos de nós, que não somos teus filhos de nascimento, lhe agradece pela acolhida, pelo zelo e pelo carinho com que nos recebeste.

FACULDADE DE DIREITO DO NORTE DE MINAS

Representação maior das criações do Dr. João Luís de Almeida, aos dezenove anos, já mostrava maturidade e grande sapiência. O teu ensino é a fresta de luz que penetra os caminhos longínquos de nossa Pátria. Em lugares distantes os teus discípulos manejam, com engenho e arte, os teus caminhos e ensinamentos. Aqui, e alhures, o labor jurídico se faz, guiado pelas palavras e atos de teus pupilos.

Egrégia Congregação,

Presidida pelo dinâmico Diretor, Dr. Álvaro de Azevedo Ávila e composta das maiores expressões humanas de nossa comunidade, homens ilustres, graves e justos pela cultura, não apenas jurídica, mas dos variados ramos do conhecimento humano – Ilustres, graves e justos por ser cada um representante de altos valores sociais, cívico e morais da comunidade Norte Mineira – tens, em incansáveis reuniões, a que tive a subida honra de participar como representante do Corpo Discente por dois períodos letivos, guiando os destinos de nossa Escola.

O teu conhecimento tem ido à frente abrindo caminhos aos atos de Exmo. Sr. Diretor, alunos e digníssimos Funcionários.

A escola tem aprimorado o seu ensino com a realização amiúde de palestras, seminários, visitas pedagógicas, prática forense e excursões culturais.

Meus Companheiros.

Surpreendeu-nos o tempo. Passou como que sorrateiramente
por debaixo da vida.

Quando damos por nós, esvaídos estavam os cinco anos. Quiséramos segui-lo e seccioná-lo em instantes. Cada instante vivido em plenitude como em uma valsa em que tudo é numa só coisa: a ligeira embriaguez da emoção – a vida é uma dama fugidia que o tempo leva em rapto consensual.

É necessário que estejamos vigilantes contra o sedutor. Ficam, no entanto, em cada um de nós, os encontros felizes nas escadarias, e excursão, as reuniões, os novos amigos, as emoções guardadas a sete chaves e com estas o amor tão bem conceituado por Vieira:

“O amor perfeito, e que só merece o nome de amor, vive imortal sobre a espera da mudança e não chegam lá as jurisdições do tempo. Nem os anos o diminuem, nem os séculos o enfraquecem, nem a eternidade o cansam”.

Companheiros.

Responsabilidade e honra é o que me deste em me escolhendo para um dos vossos oradores.

A vossa confiança lembra-me a confiança dos meus queridos pais, Januário e Domingas Malveira, eles deixaram suas realizações de décadas de trabalho árduo, sua fazenda, suas criações de estimação sua obra tecida com carinho e arte e, já no crepúsculo da existência rumaram para esta ditosa cidade de Montes Claros, construindo, em ingente esforço, nova vida em prol dos filhos.

Vós, tal pais confiantes, me deste uma missão em que está empenhado o esforço de muitos anos de vossas preciosas vidas. Esforço em que aplicastes a energia de vossa juventude, a vossa inteligente e o sacrifício de outros ideais.

Vós me destes uma grande responsabilidade ao fazerem de minha palavra a vossa palavra. Minha palavra, como a vossa é de amor e de gratidão aos nossos pais que se sacrificaram por nós.

Vós me destes uma grande honra, permitindo, que de minha, boca saiam os louvores a que devemos aos entes que nos amam tanto e por este amor doaram os momentos de feliz convívio que lhes devíamos para que dedicássemos aos nossos estudos, vossas esposas, vossos filhos e demais entes queridos.

Companheiros.

O grau que ora recebemos conquistado, assim, com sacrifício de tantos, não nos pertence com exclusividade. Ele é instrumento para missão, a cumprir, herdada do Grande Arquiteto do Universo, da nossa Pátria e de nossos antepassados.

Terá bom uso como símbolo da humildade, chave com que se abrem as portas aos grandes ideais. Ilustríssimo Professor Dr. Danilo Pereira Borges, nosso Patrono. Anfitrião que nos levou para os domínios do Direito Processual Civil, vosso trabalho, vossa pertinência e denodo serão sempre lembrados por esta turma que aprendeu convosco a importância da processualística civil no contexto da ciência jurídica.

Digníssimo Professor Dr. Sidônio Pais Ferreira. No passar dos muitos anos de vivência em Casa do Direito – Acadêmico, Advogado, Juiz e Professor nas Faculdades, escritórios e Foros, entre companheiros, livros, clientes, alunos e auxiliares fostes tomando de cada ente um pouco de sua feição, hoje encarnais a bondade e a justiça personalizada.

Vossa paciência, vossa atenção para com o neófito, vosso desejo de encaminhardes o iniciado pelos bons caminhos do aprendizado. Vossa disponibilidade à causa do conhecimento, da lei, do Direito e da Justiça denotam uma vocação plena, e um sacerdócio à vida e a justiça.

Nós, os formandos de 1983, soubemos usufruir de vossa humildade, apanágio dos sábios, nos abeirando de vós. Estivemos sempre ao vosso lado nos corredores da Escola e nas nossas reuniões de confraternização. Nestes momentos recebíamos os vossos ensinamentos gerais: perguntas e mais perguntas às quais respondeis com manifesta satisfação.

Vós nos honrastes sempre comparecendo com vossa Exma. Família aos locais de nossos lazeres. Assim, Dr. Sidônio, é que nasceu a grande amizade de turma por vós, levando-nos a escolher-vos para
nosso padrinho.

Senhores,

Há, na história do homem, da humanidade, uma ideia e uma vontade constante de evolução, de melhoria, de aperfeiçoamento. Há na vida política do homem um plano, divido em etapas, assentado na ordem jurídica.

Diz Fustel de Colanges que “o estado do Homem, tal como se apresenta em cada época, é o produto e o resumo de todas as épocas anteriores”.

As nações do mundo inteiro lutam por seus ideais maiores. Cada uma recebe de seus filhos uma contribuição ao seu crescimento pelo trabalho honesto, pelo estudo, pela pesquisa, pelas ações de controle social, pela defesa da Pátria, pela garantia de suas leis, instruções e da ordem pública.

Da mesma forma as nações contribuem, no contexto mundial, para a defesa da dignidade do Homem, para a garantia dos seus direitos,
para a harmonia e o bem estar da humanidade. As nações vão acumulando, através dos séculos, a sabedoria e a riqueza, frutos da manifestação cívica de seus filhos. “Em cada época a nação é o que acumulou em riqueza e saber”. Nas suas últimas décadas a Nação Brasileira acumulou muita riqueza:

- desenvolveu os setores secundário e terciário da produção nacional;
- criou infraestrutura de transportes;
- construiu estradas de integração nacional;
- aumentou a produção de energia;
- planejou e realizou empreendimentos da dimensão de Carajás e Proálcool;
- desenvolveu a indústria metalúrgica, destacando neste a indústria
de veículos automotores.
A despeito do esforço há, também, as dificuldades:
- o país tem vinte e um milhões de crianças na idade de sete a quatorze anos. Destes vinte e um milhões de crianças, sete milhões
estão fora da escola.
- três quartos das escolas do país são de uma sala de aula com classes multisseriadas e regidas por professores leigos, dados estes fornecidos pelo Ministério da Educação e Cultura em setembro deste ano (1983);
- Segundo o professor Paulo Nathanael Pereira de Souza, membro do Conselho Federal de Educação, há no país, dezenove milhões e quatrocentos mil analfabetos com mais de quinze anos.
- O Homem do campo, desassistido educacional, médico, odonto, e socialmente, abandona a sua profissão rústica de lavrador e vem para a cidade grande reforçar o contingente periférico;
- A corrupção – o maior de todos os males – pela imoralidade e covardia de seus agentes, tem sido a principal manchete dos jornais do país.

Praticam-se criminosos que enganam e abusando de confiança das massas e das autoridades, alcançam posições de destaque na administração pública. Com seus atos ilícitos conspurcam a fé pública e ferem o brio da classe dos servidores públicos.

Registramos apenas estas três dificuldades nacionais por influírem em institut5os básicos do país: a educação, o assentamento do homem no campo e na moralidade pública, ferida vela corrupção. Referindo a educação de maneira universal Amadou-Mahtar M. Bow, diz que “dois desafios fundamentais se colocam, atualmente, diante da educação: por um lado, deve abrir-se à dimensão mundial dos problemas de hoje, cuja complexidade aumenta sem cessar, e, por outro, democratizar-se para responder melhor às necessidades e às aspirações dos indivíduos em todas as épocas da vida”.

É o ideal em educação de vanguarda. Para a nossa problemática entendemos que além da visão finalística do professor M. Bow nós devemos acatar as orientações do professor Paulo Nathanael, estas, com prioridade.

Reorganizar a escola do Ensino de Primeiro Grau, sobretudo nas áreas iniciais, para que todo o seu esforço se concentre no ensino da leitura da escrita e o cálculo, como programas de iniciação aos estudos sociais e de ciências e à preparação para o trabalho, inclusive toda e qualquer sobrecarga curricular e cada atividade, segundo a possibilidade de aprendizagem dos diferentes tipos de alunos.

Fixar em quatro horas diárias, no mínimo, a permanência na escola
das crianças das quatro primeiras séries e aumentar, dentro do possível, o número de dias letivos do ano.

Treinar o professor, para dar-lhe consciência clara do papel da educação popular na realidade brasileira, e instrumentá-lo com metodologia na criança real com que o futuro mestre lidará, e não nesse hipotético aluno médio, que tem sido o equívoco referencial desses cursos.

Valorizar profissionalmente o professor, a começar pela revisão de suas bases salariais, de molde a possibilitar a sua dedicação a um só estabelecimento de ensino.

Ampliar os programas de assistência escolar aos alunos mais carentes, assegurando-lhes não só o apoio médico-dentário e nutricional, mas também facilidades na aquisição de uniformes e material escolar.

Descentralizar progressivamente a responsabilidade administrativa pela rede escolar, procedendo à sua parcial ou total municipalização a fim de descongestionar os órgãos centrais da Secretaria de Educação e permitir o envolvimento e a participação das comunidades locais nas decisões educacionais.

Para as crianças que estão sem escolas sugerimos:

- contratar novos professores que terminam seu curso de magistério e ficam procurando emprego em balcões, porque não há vagas nas escolas públicas.
- que pessoas desempregadas, aposentadas ou idosas, passam a dar aula ensinando leitura, escrita e cálculo em suas próprias casas, mediante salário pago pela municipalidade, Estado ou a União, os quais classificariam e treinariam os professores e supervisionariam o ensino dado.
- criação de pequenas bibliotecas públicas nos bairros, vilas, distritos e localidades visando ao desenvolvimento do ensino ministrado pelos particulares;
- fundação de Escola de Ensino Agrícola, de primeiro e segundo graus, especialmente voltadas à formação profissional dos alunos das localidades rurais;

Para o assentamento do homem à terra, entendemos necessária a melhoria de seu nível de vida ali onde deve permanecer, ao campo;

Junto aos projetos agrícolas implantados ou a serem implantados, aos programas regionais de desenvolvimento, exige-se a aplicação do ensino técnico profissionalizante, a assistência médica, dentária e social, exige-se o lazer e a formação de lideranças locais.

As lideranças serão vértice das classes rurais, cuja base deverá ter
uma qualidade de vida padronizada com a qualidade de vida da base piramidal da sociedade urbana. Assim, com esta paridade, o rurícola não irá procurar melhora fora de sua região, alimentando a formação das favelas e outras marginalidades urbanas.

O setor primário terá maior produção, Haverá mais emprego na cidade e no campo. Comentados os dois primeiros óbices do desenvolvimento nacional ataquemos impiedosamente o mais pernicioso, o mais vil de todos os defeitos do corpo social pátrio, a corrupção.

A perniciosidade maior da corrupção está no fato de que o delito é cometido por quem tem o dever funcional de zelar pelo bem público, o servidor que passivamente se corrompe ou é cometido por quem tem o direito e o dever de fiscalizar os atos do servidor público, o cidadão que comete a corrupção ativa, oferecendo vantagens ilícitas ao servidor.

É ainda perniciosa e covarde porque o delito não é cometido por pessoas ignorantes e/ou necessitadas. Seus agentes são pessoas que recebem do próprio Estado a formação humanística e profissional e mais emprego, veículo de sua delinquência.

É a corrupção um desrespeito à memória de nossos heróis, é um desrespeito ao sofrimento de nosso povo e em especial aos homens
probos da administração pública. Em um momento em que o Estado exige de todos, sacrifícios máximo, por sua política de austeridade econômica, aumenta-lhe o dever de, como satisfação à nação, imprimir maior severidade nas ações de controle administrativo, combatendo, com rigor e energia a corrupção.

Proporíamos, como remédio, que os Tribunais de Contas, além do julgamento das contas, que tenham a função jurisdicional para julgamento das contas, com penalização aos infratores em delitos de ordem administrativa, passando a integrarem e a fortalecerem mais o sempre firme baluarte dos poderes do Estado, o Poder Judiciário, dispensando, assim, as câmaras legislativas desta função estranha ao labor político.

Há na história da humanidade uma ideia e uma vontade constante de evolução, de melhoria, de aperfeiçoamento. Há na vida política do homem um plano dividido em etapas assentado na Ordem Jurídica.

Rogamos a Deus, fonte inspiradora da sabedoria e justiça, que ela ilumine nossas autoridades, em especial sua Excelência, o senhor Presidente João Batista de Oliveira Figueiredo, para que alcance o seu patriótico ideal de fazer deste país uma democracia. Montes Claros 18 de setembro de 1983.



José Ferreira da Silva
Cadeira N. 49
Patronese: Irmã Beata

CORREIO GALDINO
UM HOMEM DE FERRO

Na comunidade denominada Campos, município de Porteirinha, no dia 16 de abril de 1894, ás 05:00, nasceu Galdino Ferreira da Silva, filho de Bertolino Ferreira da Silva e Virgínia Maria de Jesus sob o n° 0552360155 1933 1 00003 010 0000820-41. Viveu sempre em Porteirinha no trabalho do dia a dia até a sua morte no dia 03 de Julho de 1965, em um sábado pela madrugada. Casou-se por três vezes, ficando viúvo nos dois primeiros matrimônios; obteve com Iria Maria de Jesus os seguintes filhos: Maria de Jesus, Seraphina Maria de Jesus, Joaquina Maria de Jesus, Anna Maria de Jesus, Clemente Ferreira da Silva, José Ferreira da Silva, Antônio Ferreira da Silva e Francisco Ferreira da Silva; na 2ª núpcias com Joana Rosa de Jesus, deixou com esta os seguintes filhos: Veraldino Ferreira da Silva, Geraldo Ferreira da Silva, João Ferreira da Silva e Altina Maria de Jesus; após a 2ª viuvez casou-se com Maria de Jesus que lhe concedeu mais seis filhos: Geralda Maria de Jesus, Maria das Dores de Jesus; Maria das Graças F. Borges. Glória Dimara Silva, João Ferreira da Silva e José Ferreira da Silva (este escritor).

Meu pai não possuía profissão definida, pois o serviço de estafeta ou de correio não havia vínculo empregatício, era remunerado pelos mandantes de correspondências. Com uma capa de sizal, guarda- chuva, chapéu de couro, sandálias de couro cru e dois embornais, um para conduzir os documentos e o outro com paçoca de carne seca e rapadura para se alimentar, ele cortava chapadas e chapadas....... até chegar ao destino final que era Grão Mogol, levando e trazendo correspondências de toda natureza e consequentemente valor em dinheiro para efetuar pagamento de documentos e outros. O tempo para ir e vir era variável, pois dependia da resolução do cartório de Grão Mogol.

Não sei por quanto tempo ele prestou este relevante serviço, principalmente ao povo de Porteirinha que eram os comerciantes, fazendeiros, cartórios e outros, mas está na minha memória que ele
encerrou esta atividade em 1963, sem aposentadoria e outros direitos do trabalhador, com mais de 78 anos de idade; porém consciente do dever cumprido com presteza e honestidade.



José Ponciano Neto
Cadeira N. 24
Patrono: Celestino Soares da Cruz

SEXO MANUAL SEM O MANUAL

A maior descoberta no fim da infância para o inicio da puberdade
é, sem uma sobra de dúvidas, o prazer do sexo.

Vêm as curiosidades: aquele “rabo de olho” nas partes sensuais das debutantes, os flertes na região púbica, as primeiras penugens e as “galas” ( sêmen aguado).

Há pouco tempo, o Ucho Ribeiro (este grande cronista) descreveu sua caminhada pelas ruas dos bordéis juntos a Catedral - após as aulas do São José.

Nestas ruas, como a Padre Augusto, Grão Mogol e o Beco Morrinhos (hoje Rua Basílio de Paula) eram as dos sonhos das crianças assanhadas. Era o momento do REM (Rapid Eyes Moviment, ou Movimento Rápido dos Olhos).

Além destas ruas, existia outra, que, quando eu passava por lá, faltava deslocar as retinas: a Rua Corrêa Machado, onde ficava o prostíbulo mais famoso de Montes Claros – Zé Côco. Não era um “risca faca” como comentavam, mas umas briguinhas de ciúmes entre o gigolô e o amante do dia eram comuns.

Estas ruas, acessos à minha casa após as aulas, eram mais longínquas, mas... o magneto era mais poderoso.

Sempre caminhando devagar, literalmente ressabiado, olhando de um lado para o outro tentando mudar o ângulo das fotos que minha retina clicava quase dez vezes por segundo, este “menino” ponderava nas atenções de forma que, o Sr Dico Zuba (couro Zuba) e os Avelar (Casa das Madeiras) não percebessem a sua intenção; tinham lojas nas imediações e ambos eram amigos da família e poderiam fuxicar aos ouvidos do meu avô “Seu” Ponciano e/ou do Padre Jorge Ponciano, meu tio.

Nas casas da Rua Padre Augusto com a Grão Mogol, onde hoje existem uma Auto Escola e um trailer de sanduíches, era comum - como escreveu o Ucho- mulheres debruçadas na janela com os sensuais “air bags duplo”, ou sentadas em uma cadeira com as lindas pernas cruzadas aparecendo o inicio das nádegas ( pra não dizer bu..da).

As mais conhecidas das “lindas” mulheres eram: - Lucinda; Ângela (Anginha) e a Flor de Maio, esta era a que mais me chamava atenção, pois, sempre que eu passava, coincidentemente, ela mudava a posição das pernas cruzadas - os cliques das retinas eram concomitantes com ritmo cardíaco. Viche!

Eu com onze, doze e treze anos – inicio da puberdade - cursando a admissão ( curso obrigatório para ingressar no ginásio); primeiro e segundo ano ginasial no São José, após os cliques o que me restava era correr para casa e sem “o manual do sexo”, praticar sexo manual, aquilo chegava doer as virilhas. Vocês entendem coisas só de menino...- Ou não?

Tinha Dona Terezinha com seu Hotel (?) Mancheste na Rua Grão Mogol e Dona Miana na Rua Padre Augusto, suas casas eram “rendez-vous” mais sofisticados e reservados, as “damas” ficavam lá dentro e serviam os homens mais abastados e casados sem que a circunvizinhança observassem.

Voltando ao assunto. Com tempo vieram as espinhas, a mudança da voz, emagrecimento e os olhos profundos. Sinais que serviam para meus tios e vizinhos me achincalharem e eu fingindo de desentendido.

Um belo dia, eu lixando as peças fabricadas na ferraria, lá estava o Sr. Flamariom Wanderley - que todos os dias ia à oficina do meu avô. Sentado, fumando seu cachimbo com as salivas pingando na camisa, olhou bem prá o adolescente “poncianinho” e diz: Menino! Menino! “Pare de passar perto de Zé Côco e pela R. Padre Augusto,
se não você vai voar de tanta magreza.

Vindo do “Seu” Wanderley; logo aquele que sacramentou o meu batismo cristão; se eu era magro, quase desapareci; a pele “afro Brasil” ficou mais branca do nuvem de outono.

Meu avô por perto, muito recatado que era, sem olhar prá mim, soltou um belo sorriso maroto, dizendo: “Ô Wanderley é porque ele está mudando de voz! - Uma hora fala grosso, outra fala fino” e tá crescendo.

Entretanto, diante do revelado, só aos 17 anos, lá em cima da Serra do MELO, uns duzentos metros da cachoeirinha aconteceu minha iniciação na busca do prazer e reprodução.

Confesso. A garota era linda e era um pouco abismada comigo, mas, na hora “H” eu cheguei a pensar na musa “Flor de Maio” da Rua Padre Augusto. Foi mais de que ótimo.

- Por onde andam as Deusas do Sexo e sensualidade? Será que ainda estão entre nós? Tudo estar registrado prá sempre. - Pena que os adolescentes de hoje têm outros afazeres.


Juvenal Caldeira Durães
Cadeira N. 81
Patrono: Nathércio França

FAZENDA CANTINHO

No início da década de trinta, meu pai dispôs de sua padaria em Montes Claros e comprou uma propriedade rural de nome Cantinho, com uma distância aproximada de dez quilômetros de nossa cidade, para onde fui, ainda nos braços de minha mãe, viver até os dez anos de idade, naquele lugar sagrado, cercado pelos meus familiares, agregados e vizinhos, que ainda conservo na minha memória.

Ali, até o céu era nosso. Terras férteis, lavouras com safras abundantes, moagem de cana, fabrico de farinha e de laticínio caseiro, criação de galinhas, engordas de animais suínos e bovinos. Foi um tempo feliz, de paz e de alegria, de movimentação e de fartura para nós, agregados e vizinhos.

Minha mãe era do lar e de pouca instrução, porém, de grande experiência e sabedoria. Aprendi muito com seus conselhos e estórias interessantes, de fundo educativo e filosófico. Meus irmãos eram unidos e davam-me apoio e atenção. Meu pai era convivente, calmo por natureza, versátil e gostava de novidades. Fazia as construções da fazenda com ajuda de nossos empregados. Construiu a igrejinha de Santo Antônio para nossa devoção, onde reuníamos à tarde do último domingo de cada mês para louvar o nosso padroeiro.

Era uma época favorável à pecuária e à agricultura, com mão de obra fácil e chuvas de verão constantes e abundantes. Quando o veranico de janeiro era inclemente e prolongado, minha mãe reunia os agregados e vizinhos para a famosa penitência de nove dias, que partia, ao meio dia com o sol a pino, de nossa casa até a igrejinha de Santo Antônio. Todos em fila dupla, rezando, com pedra na cabeça, um ramo verde numa mão e uma garrafa d’água na outra, para depositar ao pé do cruzeiro em frente à capela. Geralmente, o santo padroeiro nos escutava e mandava chuvas antes de terminar a novena, para a nossa alegria e perpetuação da fé.

Além das mulheres e filhas dos agregados, tínhamos Altina, mulher solteira, robusta e disposta que morava conosco e fazia os trabalhos domésticos mais simples. Lembro-me dos carreiros que passaram por lá: Juca, Antônio Contendas e Geraldo Farias que cuidavam da traia carreira transportando lenhas para a cidade com os bois. Mathias era nosso empregado de confiança que zelava pelos nossos bens e impunha respeito na vizinhança. Era famoso pelas mortes que cometera e sempre dizia que estava às ordens de meu pai para qualquer coisa, contudo, nunca foi acionado por nós. Meu pai era pacífico por natureza e nunca cometeu qualquer ato de violência.

Nossa família era convivente e estimada na região. Dos nove filhos, eu era o quinto: Antônia (Sinhá), Waldomiro, Aristeu e Alíria mais velhos. Adélia, Maurício, Violeta e Marina, mais novos. Hoje, Eu, Adélia, Maurício e Marina são os que ainda restam daquele mundo glorioso de outrora que o vento levou. Nada permanece para sempre, tudo é passageiro e a vida é efêmera.

Os meus padrinhos D. Maricota Durães e seu filho Geraldo Caldeira Brant, nossos parentes, eram reservados e afastados. A negra Felícia, nossa serviçal e minha “madrinha de carrego”, que me manteve nos seus braços durante a cerimônia do batizado, dava-me todo


Igreja, na Fazenda Cantinho, em homenagem a Santo Antônio, feita pelo meu pai Arthur Caldeira de Souza, na década de 30. Nela podemos ver, numa reunião de um terço de último domingo do mês: Meu pai ao lado do oratório do padroeiro, eu aos 7 anos de idade de boné na mão e ao lado de minha irmã Adélia e de meus irmãos Maurício e Aristeu. Do Lado esquerdo, podemos ver: minha mãe Maria Durães com minhas irmãs Violeta, no colo; Alíria, de branco; Sinhá, ao lado de tia Judith e suas enteadas; agregados e vizinhos presentes e também, o nosso cachorrinho Zip.

carinho e proteção. Eu a chama de madrinha e ela me chamava de meu filho. Como as pessoas simples são bondosas! O ar de riquezas separa as pessoas, geralmente, por ilusões e ignorância. Estamos no mesmo barco e a vida não merece tanta atenção.

No meio do ano, festejávamos o nosso padroeiro, com fogueira, rezas na igreja, farta mesadas de café com biscoitos, bolos e o famoso jantar da meia noite, do dia doze de junho de cada ano. Ali reuniam a vizinhança, nossos parentes de Montes Claros e de Juramento, que vinham passar todos os anos, aquelas noites alegres, saudosas e inesquecíveis, juntamente conosco. A sanfona de cento e vinte baixos, do sanfoneiro Exupério, zoava a noite inteira para a satisfação dos incansáveis dançantes. Até eu, “puxava” uma acanhada garotinha encostada na parede, e saia dançando no meio da rapaziada que rodopiava no salão com suas belas garotas.

Dias depois, íamos para nossa casa da cidade situada no bairro Roxo-verde para participarmos dos festejos folclóricos de agosto com seus dançantes vestidos de branco, com capacetes enfeitados de fitas coloridas e espelhinhos redondos, cantos tristes em louvor ao Santo Benedito, acompanhados de violas, caixas e pandeiros, representando os escravos africanos no Brasil Colonial. Os marujos trajando roupas e chapéus sofisticados, tocando músicas bonitas e representando os marujos portugueses descobridores do Brasil. Os caboclinhos com suas vestes cobertas de penas de aves e com seus arcos de flechas representando os indígenas brasileiros. Finalmente, a cavalhada, com seus cavaleiros montando belos cavalos representando a Guerra Santa da Era Medieval. A contenda dos Mouros vestidos de vermelho e dos Cristãos vestidos de azul era uma grande atração. Eu, que não perdia nenhuma dessas atividades de agosto, torcia, mesmo sem saber o verdadeiro significado, para o azul. Hoje os cavaleiros foram abolidos dessas festividades, talvez, para não se lembrar das atrocidades da Guerra Santa.

No fim do ano, recebíamos nas altas horas da noite, as visitas das folias com suas violas afinadas, caixas batendo, rebecas e pandeiros soando, acompanhando os foliões com suas músicas melódicas em louvor aos Santos Reis.

No começo do ano seguinte, retornávamos à nossa casa, no bairro Roxo-verde para as cerimônias da Semana Santa. Assistíamos as severas pregações dos padres europeus, confessávamos os nossos pecados, comungávamos e dias depois, esquecíamos as penas do inferno e de seus capetas e caíamos nos festejos carnavalescos tão condenados pelas pregações severas dos nossos sacerdotes.

Assim, era a nossa vida. Vivíamos com farta alimentação natural, com tranquilidade, sem ambição e preocupações com riquezas, com luxos e outras futilidades. O dinheiro era de pouca circulação. Meu pai tinha sua reserva com vendas de gado e outros animais, de vez em quando. Além disso, tínhamos, diariamente, o dinheiro com a venda de lenha para movimentar os fogões de Montes Claros. Um


Juvenal, Maurício, Adélia e Marina

carro de lenha variava de dez a treze mil reis, que nos serviam para as pequenas compras de alguns produtos que a fazenda não produzia, tais como: café, querosene, fósforo, remédios e outras bugigangas. Naquela época não era usado o gás e as famílias valiam–se dos fogõesà lenha para cozinhar seus alimentos.

Os agregados viviam sem segurança previdenciária e eram diaristas, quando necessário, servindo de nossas terras para seus plantios, para alimentarem suas famílias. Eram responsáveis, trabalhadores e honestos e viviam em paz e satisfeitos com nossa família e com os vizinhos.

Os problemas que surgiam eram intermediados pelas famílias, amigos e compadres. A Justiça nunca era recorrida nos problemas da região rural e a Polícia era evitada pela sua famosa violência e arbitrariedade.

Assim foi a minha infância, alegre no meio de minha família, dos agregados e dos vizinhos, correndo pelas vastas terras da fazenda, nadando nos rios de águas correntes entre os peixes e nas lagoas povoadas de pássaros aquáticos, o que me deixa saudades indeléveis das coisas passadas, que parecem mais sonhos que realidade. A vida é dura, o que hoje nos parece prazer e alegria, poderá ser motivo de tristezas e saudades no futuro. Hoje, o Cantinho tornou-se campo de treinamentos do 55º Batalhão do Exército e, aquela movimentação do passado, só resta na nossa memória. Como tudo passa!



Lázaro Francisco Sena
Cadeira N. 55
Patrono: João Luiz de Almeida

OS SESSENTA ANOS DO 10º
BATALHÃO EM MONTES CLAROS

Durante a solenidade cívico-militar comemorativa dos 60 (sessenta) anos de instalação do 10º Batalhão da Polícia Militar em Montes Claros, dia 28 de julho de 2016, tivemos a honra e a responsabilidade de falar em nome de todos os ex-comandantes da Unidade, manifestando o nosso agradecimento pelas homenagens recebidas e desejando ao aniversariante muitos anos de profícuo trabalho pela segurança pública e pela paz social em nossa comunidade. O discurso de inteiro teor, então proferido, é o que aparece nas palavras seguintes:

“Somos o alienígena que também se chega à terra generosa, disposto a integrar-se na comunidade, a prestar-lhe a assistência de que necessitar. Sem a pretensão de formar a base armada da região, estabelecemos aqui, a partir de hoje, a nossa sede, que praza a Deus se solidifique, de modo que passemos a formar um dos órgãos indispensáveis da vida conjunta da cidade e de todo o Norte de Minas”.

Estas foram algumas das palavras do tenente-coronel Geraldo Batista, primeiro comandante do 10º Batalhão, em palestra à tropa,


Coronel Lázaro discursando durante a cerimônia


Coronel Lázaro e demais ex-comandantes do 10º BPMMG

dia 28 de julho de 1956, há exatamente sessenta anos, quando a Unidade se instalou em Montes Claros.

Superado o desafio da instalação, com o quartel da administração separado do quartel da tropa, ambos em prédios improvisados, precários e inadequados, era imperiosa a necessidade da construção de uma sede própria para o Batalhão. Frustrada a primeira tentativa, que seria construir uma nova sede no mesmo terreno do quartel da tropa, no encontro da praça da Estação com a avenida Ovídio de Abreu, com área de 1.600 metros quadrados, partiu-se para a aquisição do terreno onde hoje nos encontramos, com cerca de 90.000 mil metros quadrados. A compra deste terreno só aconteceu pela ação visionária e arrojada do então major José Geraldo de Oliveira, segundo comandante do Batalhão, tão bem acolitado pelo capitão Aderbal Correa da Silva, seu fiel sub-comandante. Segundo depoimento do coronel Smith Alves Valentino, que comandou a Unidade entre os anos de 1971 e 1973, e que aqui servira como aspirante e tenente, os dois, major José Geraldo e capitão Aderbal, não se cansavam de percorrer os arredores da cidade, à procura de um terreno que oferecesse as melhores condições para a construção de um quartel apropriado para a Polícia Militar. E os dois se encantaram com este pedaço de chão que, aos olhos de outras pessoas, não apresentavam qualquer perspectiva de futuro promissor. E a compra se fez, sem antes apresentar situações dramáticas e até bizarras, diante da eterna reação burocrática da administração pública estadual.

Após uma retomada de fôlego, era preciso construir o quartel, missão atribuída ao major Georgino Jorge de Souza no comando do Batalhão, que tinha como comandante geral da Polícia Militar o já coronel José Geraldo de Oliveira. Dentre outros desafios, é preciso registrar o que o comandante Georgino afirmou, durante o lançamento da pedra fundamental, perante o governador José de Magalhães Pinto. Em seu discurso inflamado, bradou que o quartel seria construído, com a ajuda do governo, sem a ajuda do governo, ou apesar do governo. A ousadia do comandante foi relevada pelo governador com um leve sorriso. E assim, iniciada em julho de 1962, a obra foi inaugurada em 3 de outubro de 1964, quando o 10º Batalhão já estava em Montes Claros havia mais de oito anos. Daí para cá, foram mais cinquenta e dois anos de intensas transformações, com uma sucessão de valorosos comandantes, cada um acrescentando algum anexo a esta construção, para atender ao desenvolvimento profissional da Polícia Militar.

Tivemos o privilégio de chegar a esta Unidade, duas semanas depois da inauguração do novo quartel, como aspirante a oficial. Temos orgulho de haver servido ao 10º Batalhão como ocupante de
todos os postos da carreira policial-militar, até mesmo como coronel, pois acumulei o comando da Unidade com o comando regional, de janeiro a maio de 1989. Dessa forma, pudemos conhecer, acompanhar e vivenciar boa parte de sua história, muitos momentos de transformações e desenvolvimento. Se, nos primeiros tempos, ocupava uma área equivalente a uma terça parte do território mineiro e hoje ocupa apenas metade da cidade de Montes Claros e mais dezesseis municípios periféricos, é porque o Batalhão foi generoso, como um casal que cria os seus filhos e a eles distribui todos os seus bens ainda em vida, permanecendo apenas com o necessário à sua sobrevivência, mas sem perder a sua dignidade. Não queremos com isso dizer que o Batalhão vá desaparecer, pois ele continuará sempre como a unidade-mãe de todas as instituições policiais-militares existentes no Grande Norte de Minas. De fato, de suas fileiras foram destacadas as unidades operacionais sediadas em Unaí, Pirapora, Januária, Janaúba e Taiobeiras, assim como o 50º Batalhão de Montes Claros. Também as unidades de policiamento de trânsito, meio-ambiente e missões especiais foram todas constituídas a partir de pelotões orgânicos do 10º Batalhão. O próprio comando regional nasceu e se criou dentro do Batalhão, tendo como primeiro ocupante do comando único das duas instituições o coronel Olímpio Garcia Pereira. O COPAER , para não ficar diferente, também teve a sua primeira base no quartel do 10º Batalhão. Os órgãos de apoio, como o Núcleo de Atenção Integral à Saúde, o Colégio Tiradentes, o Centro de Apoio Administrativo e a Banda de Música, hoje vinculados diretamente à 11ª Região da Polícia Militar, pertenceram ao 10º Batalhão, ou foram gerados em suas dependências. Enfim, até o Corpo de Bombeiros, que agora dispõe de comando regional e batalhão operacional em Montes Claros, um dia foi destacamento e até pelotão orgânicos desta Unidade.

Sr. coronel César Ricardo, comandante da 11ª Região da Polícia Militar; Sr. tenente-coronel Éderson Pereira, comandante do 10º Batalhão de Polícia. Quis o destino que os senhores ocupassem hoje esses cargos, tão importantes para Montes Claros e todo o Norte de Minas. Ao nosso lado, encontram-se as principais testemunhas da caminhada do “Sentinela do Norte”, ao longo de seus sessenta anos de labuta profissional: ex-comandantes da Unidade, muitos deles, outros representados pelos seus familiares, que ora relembram os passos dos que se encantaram na eternidade. Voltamos todos para cumprimentá-los, pela feliz iniciativa de festejar a idade do diamante de nosso Batalhão. Mais do que isso: estamos aqui porque acreditamos no trabalho desenvolvido pela Polícia Militar em favor da paz social, pelas suas intervenções preventivas e repressivas no campo da segurança pública, atendendo ao apelo da comunidade. E os líderes comunitários que aqui se encontram vieram para confirmar o seu apoio, nesse árduo trabalho de balizamento das condutas sociais que a corporação desempenha. É nosso desejo e nossa certeza, senhores comandantes, de que o bastão que um dia lhes passamos continua conduzido com mãos firmes, sem qualquer ameaça de desprendimento, até a chegada ao seu destino, o instante mágico de poder anunciar “o dever cumprido”. Este, sem dúvidas, é o maior presente que podemos oferecer ao nosso querido aniversariante.



Leonardo Álvares da Silva Campos
Cadeira N. 97
Patrono: Urbino Vianna

COMO SE FORMA UMA CAVERNA

A buscada eternidade pelos mortais também não faz parte do mundo das cavernas. Elas nascem, têm o seu apogeu e se tornam senis quando não se desenvolvem mais, podendo em muitos casos até desmoronar. Isto vale também para o que está em baixo de nós, em regiões cársicas como o setentrião mineiro. Vezes acontecem de ser registrado um estrondo lá em baixo, quando a atividade erosiva da água faz desabar paredes e tetos de tais cavidades não afloradas.

Afinal o nosso calcário, rocha sedimentar do grupo Bambuí, estendendo-se do karts de Lagoa Santa rumo ao Norte de Minas Gerais e Sul da Bahia, com seus 600/700 milhões de anos, eis que formado no pré-cambriano superior, vai sofrendo desgastes com suas águas subterrâneas, vindo abaixo.

O uso in natura ou com algum beneficiamento dessa rocha sedimentar tem importância relevante. A partir dela é possível a obtenção de cimento, pedra de construção, cal, mármore (calcário meta morfoseado), além de material de calcificação dos solos para diminuir sua acidez, servindo também como fundente na metalurgia e ainda na
produção de barrilha.

Quando fábricas cimenteiras utilizam-se em excesso de dinamites, por certo que as explosões daí decorrentes trazem reflexos nessas regiões cársicas, abalando o frágil equilíbrio existente no subsolo. Os vazios lá em baixo, já fragilizados pela ação, presente ou pretérita, das águas subterrâneas, não raras vezes desabam. Um registro de tal ordem, contudo, de forma alguma pode ser confundido com terremotos, o que não é lugar-comum Brasil afora, mesmo quando a rocha de embasamento não é o calcário.

O calcário, do termo latino calcarius, tem formação essencialmente
de carbonato de cálcio, podendo ter origem biológica ou orgânica (resultado da acumulação de restos de conchas, corais, etc., sendo o mais comum) e química (dá-se pela acumulação do carbonato de cálcio). Morfologicamente falando, essas rochas se mostram com relevos importantes mercê da facilidade da dissolução do carbonato de cálcio, diante da ação do ácido carbônico existente nas águas de saturação.

Não é fácil explicar a alguém sem noções de geologia, da qual a espeleologia é um ramo, como se dá o surgimento de uma caverna. Como quer que seja, a água da chuva tem certa quantidade de dióxido de carbono trazido já da atmosfera, penetrando no solo em meio a suas matérias orgânicas e enriquecendo-se por tal processo de maior teor de dióxido de carbono, o que acaba provocando o surgimento de uma solução aquosa de ácido carbônico.

Exatamente dita solução, água, aprofundando-se mais na vertical, acaba por atingir a rocha carbonática, daí infiltrando por suas fraturas sempre dissolvendo o carbonato de cálcio que transporta. Quanto mais se aprofunda pelas fraturas da rocha, mais a água se apresenta saturada de bicarbonato de cálcio, perdendo via de consequência sua capacidade de dissolução. Prosseguindo em sua infiltração, a água acaba por encontrar outras soluções semelhantes, verificando-se então no cruzamento do sistema de fraturas uma mistura de diferentes soluções, com o que se quebra o equilíbrio químico de cada uma, redundando daí o deslocamento do equilíbrio da reação química ocorrida, podendo levar com que a água dissolva mais carbonato da rocha. Aí é que acabam sendo criados vazios e condutos.

Essa mistura de soluções é registrada nas interseções dos planos de juntas, quando se produz uma dissolução mais patente a originar aberturas sobremodo expressivas, estando exatamente aí o estágio inicial de uma caverna. Após derivam dessas ampliações galerias, salões e abismos, que em sua escalada evolutiva se transformam em verdadeiros coletores de águas descendentes acrescidas da drenagem da superfície, tudo redundando numa impressionante drenagem subterrânea, traduzida em rios e córregos a circular naqueles vazios e galerias. Resumidamente, uma caverna é o fruto da ação da água em rochas solúveis, mormente rochas carbonáticas como as calcárias, sendo a sua ornamentação interior genericamente chamada de espeleotemas: do grego spelaion, que é caverna, e thema significando depósito. Os espeleotemas são o resultado de deposições minerais naquele mundo subterrâneo por processos químicos de dissolução e precipitação. Agora, não se deve perder de vista que de uma visitação ao mundo subterrâneo só retornamos para casa com lembranças e fotografias. Espeleologia não é alpinismo invertido nem parque de diversões, destinando-se a cientistas afeitos ou técnicos especializados. “Espeleologia é a disciplina consagrada ao estudo das cavernas, sua gênese e sua evolução, do meio físico que elas representam, de seu povoamento biológico atual ou passado, bem como dos meios ou técnicas que são próprias ao seu estudo,” nesta que é a sua melhor definição, da autoria de Géze, em 1968, tendo advertido R. Ginet: “A gruta não é um espeleódromo.”



Mara Yanmar Narciso
Cadeira N. 98
Patrono: Virgílio Abreu de Paula

O FÍSICO FICA MENOR ENQUATO O MITO CRESCE

O maior de todos é João Faria, celebridade cujo sobrenome não tem “s”. Os seus combustíveis são a fé sem concessões e a obsessão titânica. A natureza lhe deu bons recursos físicos, alta estatura e força, mas, desajeitado, não tem beleza e possui pouca habilidade na comunicação. É homem trabalhador e corajoso, tendo recebido, por quinhão, ritmo e tenacidade incríveis.

Tantas maneiras de ser, tantos lugares para se cair e foi dar de cara em Montes Claros. Seu avô Corinto era amigo de Indalício Narciso, proprietário da fazendinha Aliança, que é próxima da cidade. Com bom porte, João trabalhou naquela roça, rachou lenha, foi carreiro, fez trabalho braçal grosseiro e se casou com Benedita, filha de Manoel Urubu, criada ali por Picucha. Tiveram três filhos, dois meninos e uma menina. A mãe de João Faria era negra, e seu pai, José Faria, era branco. Viúvo casou-se com Nega, irmã de Picucha, e foram morar na Aliança.

João tinha tudo para uma existência singela, obscura, no anonimato. Mas não foi assim. Não era alfabetizado, morou anos como agregado num rancho, de portinhola exígua, que mal o cabia, ao lado de um bambuzal, no qual não fez nenhuma melhoria. Não tinha salário e recebia uma feira semanal. Tempos depois, com a indenização trabalhista, saiu da Aliança, comprou uma carroça e uma casa, e em 1977 mudou-se para o Bairro Camilo Prates. Ganhou a vida transportando ferro, sobre tração animal.

Havia uma cerca entre os quintais do seu bairro. Um dia, um chapa de caminhão vulgo Estrelinha, abusado, falou obscenidades para Benedita, sua esposa. Ela contou ao marido. João defendeu sua honra disparando com uma garrucha um tiro fatal, no peito do vizinho. Foi a julgamento, sendo absolvido pelo júri. Sidônio Paes Ferreira fez sua defesa. Até o promotor pediu a sua absolvição. Seu gesto, para os conceitos daquela época, foi considerado um serviço de limpeza social, pois o morto era temido por bater em todos, até na polícia. Após o acerto com a justiça, saiu livre para labutar vida afora. A esposa de João Faria é cega há vários anos, devido ao glaucoma, mas encontra-se adaptada a situação e faz tudo em casa.

Herdou do pai José Faria, que era caixeiro de frente do terno de catopês, o gosto e o conhecimento pelos rituais religiosos. Quando o terno ia acabar devido a um desentendimento entre o mestre e o procurador, João, aos 17 anos foi eleito por aclamação. Tornou-se Mestre do 2º Terno de Catopês de Nossa Senhora do Rosário, e esta é a sua glória, há 54 anos. O carroceiro humilde no restante do ano torna-se um ícone, um rei por curtos cinco dias, alguém festejado, assediado, fotografado à exaustão. Ressurge a cada agosto, quando se dá a transformação, e sai cidade afora comandando o terno com mão férrea.

É fácil sentir-se atraído pelos catopês. A roupagem branca, singela
de mangas compridas, o capacete bordado de pedras sobre a testa, encimado com penas de pavão, e as fitas coloridas que vão da cabeça aos pés, têm uma estética privilegiada. Belos e fotogênicos os catopês atraem os olhos, o coração e as câmeras fotográficas.

Durante a festa católica, há o esquecimento da vida real, e afunda-se no mundo do sagrado, da adoração, e da fé, os quais dão forças para intermináveis batuques, cantorias e circunvoluções ritualísticas, um inusitado bailado, sob sol forte ou debaixo da lua. A incorporação espiritual é tão notável, que se pensa que o chefe dos catopês esteja em transe. Basta um som sair de sua boca, e o grupo que vai, volta e segue seus passos. João Faria canta, dança e toca o seu tambor com um fervor que comove. É um rito que não aceita mudanças. As evoluções do mestre catopê, assim como o batuque do seu grupo têm a marca da forte devoção. Vê-lo subir e descer as ruas principais da cidade impressiona, num homem encurvado aos 71 anos. Seus filhos não o seguiram. As décadas avançaram, e ele, antes alto e forte, foi perdendo o tamanho e a força, enquanto seu espírito e o mito se amplificaram. Os personagens de Montes Claros têm e fazem história, no caso dos catopês, há 177 anos.

21 de agosto de 2016



Mara Yanmar Narciso
Cadeira N. 98
Patrono: Virgílio Abreu de Paula

PARA LEVANTAR A CABOCLADA

O verbo “montesclareou” transformou as Festas de Agosto de Montes Claros. A cultura está a cada dia mais viva. Sem datas precisas, as manifestações culturais espontâneas, populares e religiosas não têm documento de fundação, assim como as palavras
criadas podem não ter suas paternidades comprovadas. Houve um período em que as festas minguaram, mas ressurgiram e agora acontece o apogeu. Agarrados aos céus, os dançantes remanescentes superaram adversidades, não rejeitaram apoios, nem acréscimos, nem aculturamentos, também não se incomodaram com os teóricos, que, tomando atitudes opostas, explicam aos participantes quem são eles e como devem agir.

Nas manifestações dos caboclinhos, marujos e catopês, Maria do Socorro Pereira Domingos, de 38 anos é assediada e fotografada, porque é Chefe do Primeiro Terno de Caboclinhos do Divino Espírito Santo. Está no comando da caboclada, de viola em punho, subindo e descendo as ruas nos dias de festa desde a morte do pai, Joaquim Poló, há oito anos. Já participou dos festejos por diversas vezes grávida, mas agora é diferente, pois está em gestação adiantada de gêmeas. Saiu vestida de vermelho, a cor do terno, com um cocar vermelho, camiseta e uma ampla saia rodada, tocando e cantando, mas, por ordens médicas, não dançou. Vai completar oito filhos e segura um menino pequeno pela mão. Não liga para as câmeras, e, completamente à vontade, mas com poucos sorrisos, atende a todos. Devido ao seu estado interessante, procura sentar-se à sombra, tomar água, mas não para de orientar seus comandados. Seu marido, por timidez, não gosta de ser fotografado.

Quando o desfile começa, a cacicona Socorro sai à frente de uma das filas e a sua filha Suziane Pereira Domingos, de 18 anos, puxa o cordão do outro lado. Como a mãe, a moça toca viola, e sai no terno desde um ano de idade. Seguindo a tradição, também com o título de cacicona, tem poder no grupo, ensina e corrige. Seus conhecimentos musicais, a devoção e os rituais foram passados pela família. Os irmãos são Guilherme, que é violeiro, Gustavo, Sabrina e Sara. O terno tem também violão, cavaquinho, rebeca, e a Bandeira do Divino, que é vermelha. As crianças, vestidas com saiotes e cocares de penas coloridas, camiseta cor da pele, cantando e dançando, levam arco e flecha e seguem os músicos.

Joaquim Poló, pai de Socorro, era violeiro da Marujada e os Caboclinhos eram comandados por Luizinho. Após uma troca entre amigos, Poló ficou com o comando dos caboclos. Socorro foi a primeira menina a desfilar no grupo. Eram apenas meninos descalços e nus com tanga de penas de galinha e uma vez seu pai a colocou entre eles e desafiou Mestre Zanza a dizer qual era a sua filha. Ele titubeou. O pai não participou por um período, e ela ficou parada uns anos também. Muito doente, Poló quis que ela seguisse. Então, decidiu levantar a caboclada. Todos ajudaram, conseguiu força, lutou, gostou e vai continuar. De contra-mestre foi a mestre. “Os caboclinhos são os índios, que festejam na cidade, cantam, batem flecha, dançam a dança do cipó, cantam o cântico da morte, dobram o instrumento, trançam fita, elevam o mastro, fazem o jogo de porta-bandeiras e tudo vai seguindo pela tradição oral. Com o tempo, os meninos, envergonhados de usar saia de penas, foram saindo. Foi quando chamei as meninas”, diz a cacicona. E completa: “os caboclinhos são coisas do Divino Espírito
Santo, que meu pai deixou pra mim”. Pessoas de fora são aceitas, mas precisam respeitar os rituais, ensaiar, ter compromisso, visitar
as bandeiras e fazer orações.

Ser a única mulher mestre num universo masculino gera preconceito. Este vem de dentro e não de fora. Quando Socorro começou tinha vergonha, usava cabelo curto, disfarçava. Mas superou, e chegou a ter apenas mulheres nos caboclinhos. Depois os homens voltaram. Nos dias de desfile, o terno sai cedo, almoça depois das 15 h e só volta tarde da noite. O cansaço não atrapalha, pois celebrar Nossa Senhora do Rosário, São Benedito e o Divino Espírito Santo é brincar no meio da fé, da luz, do ritmo e da devoção. O prazer dessas experiências não se define: vive-se!

28 de agosto de 2016



Maria Clara Lage Vieira
Cadeira N. 100
Patrono: Wan-dick Dumont

JURACI CALDEIRA BRANT ALVES

Em minha casa, na parede do corredor que vai do topo da escada até o quarto do fundo, mora uma pintura que amo muito, datada de 1997. Tenho vários motivos para esse afeto por ela: foi feita com muito carinho, é a imagem de Nossa Senhora, a Virgem do Silêncio, e a autora é uma artista versátil e uma grande amiga: Juraci Caldeira Brant, seu nome de pia.

Como me lembro dela, ao contemplar o quadro! É como se ela estivesse presente entre nós, com sua arte, sua sabedoria, seu bom humor, sua seriedade, quando isto era necessário. Versátil, sim, Porque ela foi excelente pintora, fazia tapeçaria e, podem acreditar, tocava piano e bandolim divinamente. Maria Inês,minha filha, às vezes, treinava exercícios de piano na casa dela e se extasiava porque Juraci, de repente, a surpreendia, acompanhando-a no bandolim.

Juraci nasceu aos 4 de novembro de 1923, em Bocaiuva, Minas Gerais, filha de José Caldeira Brant e Aleixina Campos Vieira.


Juraci Caldeira Brant Alves

Foi a terceira filha do casal. Antes dela, havia os irmãos Afrânio e Jacira. Depois dela, nasceram Iara, Ranulfo, Sebastião, Efigênia, Maria José. Alda Inês e Álvaro.

Iniciou seus primeiros estudos em Bocaiuva. Começou o antigo ginásio em Curvelo, concluindo-o em Montes Claros, onde concluiu também o Curso de Magistério.

Formada, começou a lecionar no Grupo Escolar Gastão Valle, hoje Escola Estadual Professor Antonico Soares de Sá, quando era diretora D. Elisa Pena.

Mais tarde, lecionou Educação Artística no antigo Ginásio Senhor do Bonfim.


Juraci e Genes Alves

Efetivou-se como professora de Educação Artística na Escola Estadual Professor Gastão Valle que, na época, chamava-se Colégio Normal Oficial de Bocaiuva.

Trabalhou também como Inspetora Escolar, representando a Delegacia Regional de Ensino da Montes Claros, que hoje se denomina Superintendência Regional de Ensino..

Casou-se com Genes Alves, passando a assinar como Juraci Caldeira Brant Alves. Com Genes, comemorou 60 anos de matrimônio, para a alegria de seus filhos, netos, familiares e amigos.

Seu esposo viveu um período raro de vida: quando faleceu, faltavam apenas 100 dias para ele completar 100 anos de existência. Tiveram sete filhos: Jane (falecida), Lucimara, Luciano Antônio, Genes Filho, João Lúcio, Jairo Luís e Ane Maria, filhosque ela amava, protegia e por quem se sentia muito envaidecida. Teve também 13 netos: Paulo, Lucimara, Raphael, Guilherme, Laís, Daniele, Karine, Felipe, Tiago, Eliza, Mariane, Olívia e Bianca; três bisnetos: Carolina, Gabriel e Vitória.

Por volta de seus 22 anos de idade, morreu-lhe o pai, em 29/9/1945 e, uma semana depois, a mãe faleceu. Eles deixaram duas crianças pequenas: Aldinha, com 6 anos e Álvaro, com 3 anos.

Juraci e os irmãos mais velhos decidiram que os pequenos continuariam vivendo na casa dos pais, para evitar traumas. A sua casa dava fundos para a casa dos pais. Então, ela abriu um portão entre os dois quintais a fim de que pudesse mais facilmente atender a sua própria família e aos irmãos menores simultaneamente..

Foi corajosa e dedicada. Conciliou a direção de seu lar, sua vida profissional e a atenção aos irmãos.

Sincera, franca, assim foi Juraci, a Juju, para seus familiares. Mas também tinha muito bom humor e sabia contar histórias engraçadas, com inteligência e perspicácia, provocando o riso aberto de seus interlocutores.

A sua filosofia de vida consistia em ser honesta consigo mesma e com as pessoas com as quais convivia. Para ela, religião é a fonte do conhecimento que alimenta a fé. Não se busca a religião para resolver problemas, mas para aclarar a mente a fim de que o próprio indivíduo saiba enfrentar as suas dificuldades e amparar os outros nas soluções das suas.. Na sua opinião, religião é serviço para Deus nas pessoas que nos cercam.

Foi sempre muito religiosa. Católica autêntica. Atuava ativamente nas pastorais da paróquia. Procurava ajudar as pessoas como podia. Aqui, uma ajuda financeira, ali, uma palavra amiga, acolá, a sua presença, mesmo silenciosa.

Soube ajudar de várias maneiras, dependendo de suas próprias condições e da necessidade alheia. Trabalhou na pastoral carcerária, desejando recuperar o detento para conviver bem na sociedade, embora muitas pessoas lhe dissessem que isto era uma utopia.

Professora!

A sociedade não presta à professora o tributo a que faz jus. Poucas pessoas se lembram das suas professoras que embalaram seus sonhos na infância ou na adolescência. Alguns professores mais recentes talvez sejam lembrados esporadicamente. Mas, daquela professora de nossa infância, que nos abriu as portas do conhecimento, que nos deu carinho e atenção, pouca gente se lembra. E na adolescência, quando o jovem se rebela contra o mundo e precisa de um mestre que seja, ao mesmo tempo severo e carinhoso, para mostrar-lhe todas as suas potencialidades que, desenvolvidas, o ajudarão a crescer moral e intelectualmente e a melhorar o mundo?

O mestre pode aparecer em sua vida, contudo o esquecimento faz a lembrança se esvair com o tempo.

Gratidão e reconhecimento são joias raras nesse nosso mundo tão impregnado pela praticidade da tecnologia, um mundo tão rápido que não se tem tempo para “sentimentalismos”.


Bodas de Ouro - Juraci e Genes


Juraci, Genes e os filhos

Juraci foi extraordinária como mãe, como professora, como pessoa. Não se deteve diante das dificuldades. Enfrentou-as.

Como disse Gonçalves Dias, em seu poema “Canção do Tamoio”, “A vida é combate
que os fracos abate,
que os fortes,
os bravos só pode exaltar!”

Faleceu em 5/12/2014, um mês depois do seu aniversário.

Gabriela Mistral, em sua “Oración de la Maestra”, pede a seu Mestre Jesus que a ajude a ser mais mãe do que as próprias mães para poder amar com amor de mãe o que não é carne de sua carne.

Juraci conseguiu isto. Levou a várias gerações de crianças e adolescentes o conhecimento das coisas e do mundo, a arte a que tanto se dedicou – e levou também carinho, atenção, noções de ética, retidão, honestidade.

É possível que muitos de seus alunos tenham assimilado suas lições, tenham-nas posto em prática, sem sequer se lembrarem da mestra que os orientou.

Mesmo assim, valeu a pena! A alegria da missão cumprida supera todos os esforços e, desta forma, seu caráter, seu modo de ser marcaram a história de Bocaiuva.

Valeu a pena! E valeu mais ainda conhecer e conviver com um ser humano tão especial quanto o foi Juraci.

E quando galgo os degraus de minha casa e, de repente, revejo a imagem da Virgem do Silêncio – aquela mesma que guardava os acontecimentos e os meditava em seu coração – repito, lá no íntimo do meu ser: Sim, valeu a pena!


 


Marilene Veloso Tófolo
Cadeira N. 95
Patrono: Terezinha Vasquez

CENTENÁRIO DE SEBASTIÃO
SOUTO VELOSO - 1917 A 2017

Nascido aos 12/11/1917, na cidade de Montes/MG, norte de Minas, sendo seus pais Ramiro Soares Veloso e Sebastiana Souto Veloso. Na casa situada à Rua Francisco Souto em frente ao campo de futebol do Cassimiro de Abreu, onde hoje está plantada uma árvore chamada Sapucaia, e ao vê-la volto as lembranças e ao passado...

O seu centenário será no próximo ano (2017), mas sempre gosto de antecipar os acontecimentos, por precaução, e ter tempo de falar sobre o assunto, e sentir as emoções com antecedência!...

Falar de um pai pode parecer só elogios, mas conseguimos ver as pessoas com seus defeitos e qualidades, como todo ser humano.

A memória vai percorrendo todos os caminhos de Montes Claros, Mirabela, Santa Rosa de Lima, Burarama (Capitão Enéas), Barreiras e Belo Horizonte.

Escrever a respeito de um pai é sempre difícil porque falamos com o coração e as vezes nos impede de distinguir com imparcialidade os seus atos, mas vamos tentar.

- Dois jovens, Sebastião Souto Veloso e Júlia Veloso de Aquino uniram-se pelos laços do matrimônio e tiveram 5 filhas: Marlene, Madeleine, Marilene, Marilda e Margareth. Numa ... década de quarenta e cinqüenta, e não foi fácil esta tarefa.

Não vou falar do pai, mas do homem de negócios, que sempre lutou para si e para os outros, principalmente para família e os amigos, porque gostava de tê-los.

Em nossa casa na Rua Grão Mogol, 87 em Montes Claros/ MG, que era rodeada por amigos, porque gostava de tê-los. Nela, em Montes Claros/MG era sempre visitada por amigos, comerciantes fazendeiros e parentes. Tudo se discutia de política ao preço do boi, fazendas e sobre o comércio local.

Foi neste ambiente que crescemos, lojas, armazéns, fazendas, escola, viagens à Belo Horizonte, Rio de Janeiro, Caxambu, estações de água, Bom Jesus da Lapa de carro ou de trem de ferro.

Como o tempo passou e neste movimento de negócios, construção civil, fazendas de gado crescemos todos nós. A política passava ao lado, pois meu avó materno, José Antônio Veloso, era político, fazendo campanha para Teófilo Pires e Simeão Ribeiro Pires e vários
políticos da época.

Meu pai Sebastião Souto Veloso não era político para candidatar- se, mas gostava da política local e do Brasil.

Foi negociante, fazendeiro filiado à Cooperativa Agropecuária de Montes Claros, ao Sindicato Rural, ligado a Construção Civil (Convelta), construtora Veloso Ltda BH e participava de várias entidades ligadas ao comércio de Montes Claros. Homem integro, não gostava de movimentos que atentassem contra a moral e bons costumes. Priorizava a família e os amigos e todos que fosse do bem.

Os tempos mudaram, mas os princípios permaneceram, porque foi e ensinou aos filhos o caminho do bem, não passar sobre os direitos dos outros, e respeitar os princípios da ética, moral, numa sociedade pequena, mas tão distante da sociedade atual, mergulhada na corrupção.


Sua maior obra não foi apenas no aspecto material, mas nos valores éticos e morais, de retidão, honestidade, amor ao próximo, à família e, sobretudo o caráter e valores transmitidos aos familiares e amigos que conviveram com ele.

Por isto eu o reverencio e presto a minha homenagem por tantos ensinamentos por sua passagem pela vida.


Sebastião Souto Veloso

O VELHO CASARÃO

Olho à rua, subo ladeiras.
vejo o sol, a lua, e o anoitecer,
no velho casarão, a vida esvai-se
por entre paredes, caibros e escadas.

A fachada azul, desbotada pelo tempo
guarda marcas, lembranças e alegrias,
de outros tempos, outros dias, outros sois,
onde os dias, noites e verões evaporam-se...

Onde estão os barulhos dos cascos,
da tropa que seguia pelo sertão,
levando ouro, diamante, a vida
do garimpeiro, das minas, das terras.

Nada restou desta vida, tão fausta,
a riqueza, a vida, o poderio
hoje estão adormecidos, no velho casarão
cujas paredes tinham tanto brilho!...

Velho casarão, não tombado,
resto de uma vida próspera,
hoje vive sozinho, tão solitário,
nas velhas ladeiras de Minas.

Onde está o riso de seus habitantes,
a riqueza das festas e saraus,
o luxo das roupas das damas,
as armas dos seus ancestrais.

Hoje ao olhar, as paredes desbotadas,
as calçadas cobertas pela grama,
o telhado derrubado pelo vento,
as pedras enterram seus sonhos.

Nada restou deste passado,
de glórias, riquezas e amores,
porque os habitantes deste casarão,
hoje dormem esquecidos no tempo!

 

AS CASAS DA MINHA VIDA


As casas representam segurança,
de um lar, aconchego e carinho,
sou recém nascida, rua chamada,
Coronel Antônio dos Anjos.

Não sei a cor da casa,
situada em Montes Claros/MG,

só guardo o alpendre e o berço de vime,
balançando no jardim.

Morei em Burarama, hoje, Capitão Enéas,
ouço falar do armazém,
entre tecidos e aviamentos,
Só vejo uma comprida rua deserta.

Volto para Montes Claros, rua Grão Mogol,
próxima à catedral e praça de esportes,
do outro lado o grupo Carlos Versiani,
de lá um pulo, o Mercado Central.

Cores e casas percorrem meus sonhos,
rua Governador Valadares,
a casa de Tia Laudy, esposa
de Filomeno Ribeiro, tio de Darcy.

As casas vão passando, a vida também,
a infância vai embora, com a juventude,
a vida escreve a nossa história,
junto com as asas do tempo.

Vamos escrevendo e vivendo,
com lembranças e acontecimentos,
a nossa história dos pais e irmãos,
e fatos do mundo.

Nas esquinas da rua, um fato ocorreu
Getúlio, o presidente morreu,
criança pequena não sabia
o porque de tanto alvoroço.

Longe de tudo no sertão,
o rádio transmitia,
o presidente suicidou-se
não sabia o que era isto.

As casas vão passando, a vida também
vou construindo a minha vida
no emaranhado do tempo,
como um novelo de lembranças...

Agora em Belo Horizonte,
Governo JK Juscelino Kubstcheck,
outro mundo, outra vida,
Palácio da liberdade.

Meu pai, o protagonista de sonhos,
mudou para a capital, longe de casa,
a vida, a cidade, o tempo e outro,
as lembranças e a vida também.

Outros tempos, outros horizontes,
a vida passa, as lembranças também,
quanto tempo passou, nesta vida,
no centenário do meu pai.

Recordo, pulo fatos na memória,
penso, parece que foi ontem,
na varanda, no sobrado,
nas esquinas do tempo.
As ruas e avenidas povoam meus sonhos.
as árvores de BH, grandes e frondosas,
crianças vão para a escola,
o colégio entre boinas e chapéus.

A alegria e inocência povoam sonhos,
nova vida, todo diferente
passeios nas avenidas e Pampulha,
ônibus elétricos, bondes, praça Sete.

Nosso pai sempre elegante, de terno,
desfila pela avenida, vai ao cinema,
com os amigos, visita, conversa,
vai ao banco e aos cafés.

Tudo passou, a vida também,
nós junto a ele e nossa mãe,
vivemos na capital, hoje recordo,
lembrando do seu centenário...


GENEALOGIA


Júlia Veloso de Aquino e Sebastião Souto Veloso

Filhas: Marlene, Madeleine, Marilene, Marilda e Margareth

1. Marlene Veloso e Dr. Francisco José Pereira
Filhos:
a) Patrícia Veloso Pereira Ferreira
Edson Ferreira
Filhos: Juliana e Fabiano
b) Dra. Valéria Veloso Pereira Tribuzzi
Filhos: Eduardo e Marcelo
c) Dr. Guilherme Veloso Pereira
Daniela Cruz
Filhos: Pedro, Rodrigo, Bárbara e Valentina
d) Dr. Frederico Veloso Pereira
Dra. Mariany Pereira
Filhos: Ana Clara e Felipe

2. Madeleine Veloso Rabello
Dr. Fábio Lafetá Rebello
Filhos:
a) Rodolpho Veloso Rabello
Naná Souza Rocha
Filhos: Rodolpho e Frederico
b) Junea Veloso Rabello
Flávio
Filhos: Dra. Flávia, Hugo e Marcela
c) Dra. Cristiana Veloso Rabello
Dr. Alvaro Hilgerlh
Filhos: Gabriel, Caroline e Mariana
d) Dr. Fábio Lafetá Rebello Filho
Dra. Maria Thereza Brant Penido
Filhos: Davi e Esther
e) Isabela Veloso Rebello
Roney Aquino
Filho: Hugo
Isabela Veloso Rebello (2º casamento)
Dr. Paulo Oliveira
Filha: Nina

3. Marilene Veloso Tófolo
Miguel Santos Tófolo
Filhos:
a) Dra. Sandra Veloso Tófolo
b) Dr. Luciano Veloso Tófolo

4. Marilda Veloso de Carvalho
Caio Pimenta de Carvalho
Filhos:
a) Dr. Carlos Henrique Veloso de Carvalho
Filhos: Laura, Ana Clara e Gabriela
b) Flávia Veloso de Carvalho
Fernando Rocha
Filhos: Mariana e João Pedro
c) Dra. Cinthia Veloso de Carvalho
Filhos: Rafaello e Cassiano
d) Dra. Cibele Veloso de Carvalho Howard
Tim Howard

5. Margareth Veloso Rebello
João Athayde Rello
Filhos:
a) Juliano Veloso Rebello
Cibele Ataíde Rebello
Filhos: Luisa, João Luís
Juliano Veloso Rebello
Dr. Claúdia Cristina Soares Gomes
Filho: Gustavo
b) Fernanda Veloso Rebello
Fábio Souto
Filhos: Júlia e Igor
c) Roberta Veloso Rebello
Filha: Marina


Marilene Veloso Tófolo

CONCLUSÃO

Cem anos se passaram, entre alegrias, preocupações com todas as vidas nesta terra, mas as alegrias suplantaram as tristezas e dissabores, porque com a fé, retidão, honestidade e, sobretudo o respeito pelo bem comum, suplantou todos os problemas.

E é nesta certeza que reverenciamos a fortaleza, o caráter, a amizade e o respeito à família e ao próximo que a figura de Sebastião Souto Veloso seja lembrada pelos que o conheceram e continuam neste planeta Terra a sua missão.



Palmyra Santos Oliveira
Cadeira N. 64
Patrono: José Gomes de Oliveira

INCÊNDIOS
EM MONTES CLAROS


Quando eu era uma menina-moça ainda, lembro-me de alguns incêndios que aconteceram na cidade de Montes Claros, onde morávamos. Foram acontecimentos que nunca saíram de minha memória em vista do alvoroço causado naquela época. O primeiro dos incêndios que tenho lembrança aconteceu na Rua Governador Valadares, ao lado do Cine Montes Claros (o antigo Cine Montes Claros), na noite em que ai passar o filme “Os Últimos Dias de Pompeia” (Filme de 1935). Nesse dia, um homem que estava no prédio em chamas perdeu a vida. O seu corpo, no final, parecia um
leitão assado em uma bandeja.

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O terceiro incêndio foi no final da Rua Justino Câmara em um sobrado. Houve um baile na noite do sábado e um fumante que não apagou direito o seu cigarro, o jogou para o lado onde havia um estoque de algodão. Foi o bastante, o fogo alastrou-se destruindo o depósito de algodão. No domingo, fui com a minha mãe, após a missa na Matriz, e presenciamos o estrago causado.

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O quarto incêndio aconteceu em novembro de 1942, na Casa Ramos, onde faleceram dois homens, um dos quais era o Sr. João Dias, que foi ajudar a apagar o fogo e morreu queimado. A Rua Quinze e a Rua Simeão Ribeiro ficaram cheias de peças de fazendas (tecidos) meio queimadas.

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Também o incêndio na Fábrica de Tecidos do coronel Luiz Pires, que aconteceu á noite destruindo tudo. Felizmente não houve vítimas nesse gigantesco incêndio, entretanto todos os funcionários da fábrica perderam os seus empregos.




Roberto Carlos Morais Santiago
Cadeira N. 44
Patrono: Heloísa V. dos Anjos Sarmento

JUVENTINO FERREIRA NUNES

A década de 1920 foi um período particularmente violento na história do município de Salinas, Norte de Minas Gerais, envolvendo personagens políticos que disputavam o poder político local.

Duas correntes políticas dominavam o panorama político, sendo que a facção o “Fino” era liderada por Juventino Ferreira Nunes, que mantinha a situação política.

A outra facção era o “Grosso”, liderada pelo Cel. Idalino Ribeiro, presidente da Câmara dos Vereadores e Agente Executivo (cargo equivalente a prefeito atualmente). Este aspirava o comando político local.

Em 1927 as duas facções se envolveram numa disputa ferrenha pelo domínio do jogo político cujos desdobramentos foram violentos.

Juventino Ferreira Nunes, natural de São João Batista (atual município mineiro de Itamarandiba), era líder nato, culto, mestre do vernáculo, músico, normalista, professor de português, farmacêutico


Juventino Ferreira Nunes

e dono de farmácia. Mais, era muito querido pela população salinense. Tornou-se político mais por imposição e influência do amigo e então chefe político local Cel. Rodrigo Cordeiro.

A chegada do jovem Clemente Medrado Fernandes, filho de André Fernandes, recém-formado em medicina para clinicar em Salinas indiretamente mudou os rumos da política do município. Este, além de clinicar, montou uma farmácia e passou fazer concorrência com a farmácia de Juventino Ferreira Nunes. O negócio não prosperou em face da clientela cativa do concorrente. Estava difícil concorrer com a farmácia de Juventino.

André Fernandes, que pertencia a facção “Grosso”, não se conformando com o infortúnio do filho no ramo farmacêutico, resolveu criar ambiente político para expulsar Juventino Ferreira Nunes de Salinas. Assim, seu filho poderia clinicar e vender seus remédios sem concorrência. Obstáculos foram sendo criados visando sua expulsão do município.

Até meados dos anos 1920 havia um círculo de homens políticos famosos que faziam parte de somente uma facção política que comandou Salinas por várias décadas desde que o município fora criado em 1880, final do século XIX.

Cel. Rodrigo Cordeiro foi um dos primeiros chefes políticos de Salinas. Através dele a política local foi transmitida para Juventino Ferreira Nunes com o aval de outros políticos como Idalino Ribeiro, Luiz Gomes de Oliveira, Olyntho Prediliano de Santanna, Procópio Cardoso, Catolino Gomes de Oliveira, dentre outros.

Logo houve cisão desse grupo político criando-se duas facções, sendo que uma era o “Fino”, comandada por Juventino Ferreira Nunes, e a outra era o “Grosso”, comandada pelo Cel. Idalino Ribeiro.

A disputa política local se intensificou e chegou a um ponto de confronto extremo de violência. Em uma reunião na residência de André Fernandes, que pertencia a facção “Grosso” e tinha interesses pessoal em destronar Juventino Ferreira Nunes, ficou acertada a ida do advogado Luiz Gomes de Oliveira a Lavras (atual Vitória da Conquista), na Bahia, onde este contrataria o temido jagunço Manoel Gusmão, popularmente conhecido por Maneca Primo.

Poucos dias depois chega a Salinas Maneca Primo com outros 28 jagunços fortemente armados para dar cobertura ao grupo “Facção” ao preço de um conto de réis por cabeça. Ficaram alojados na casa do advogado Luiz Gomes de Oliveira. Havia muita movimentação na cidade e a população ficou em polvorosa. O ambiente estava ficando politicamente explosivo.

Desconfiado de tanta movimentação da facção rival, Juventino Ferreira Nunes reúne seus amigos e comandados, entre eles os membros da família Moreira, da Serra do Anastácio, João Gambeira, Diomercindo Victor de Souza, entre outros, que ficaram entrincheirados em sua casa que ficava em frente a Vargem (onde está localizado o atual mercado municipal). O subdelegado do distrito de Taiobeiras (que pertencia a Salinas), Procópio Moreira dos Santos, foi chamado às pressas para defender o chefe político. A Polícia Militar em Salinas, comandada pelo sargento Sebastião Christiano de Faria, ajudou na defesa da residência de Juventino Ferreira Nunes.

Com a casa cercada pelos jagunços da facção “Grosso”, no dia 1º. de março de 1927, numa terça-feira de carnaval, teve início do maior tiroteio que se tem notícia da história de Salinas. A facção “Fino” de Juventino Ferreira Nunes e companheiros se defenderam, com o apoio da autoridade policial, trocando tiros com os jagunços que terminou no dia seguinte. Ambos os lados utilizaram carabinas, cravinotes, espingardas e revólveres. Segundo informações de pessoas da época foram disparados mais de 2 mil tiros contra a residência de Juventino Ferreira Nunes, embora ninguém tenha morrido.

Cercado, logo Juventino Ferreira Nunes se deu por vencido, mais pela falta de água na residência cortada pelos jagunços e pelasegurança da esposa e filhos. Foi vencido pelo cansaço. Sua esposa, Maria Pimenta, popularmente conhecida por dona Zinha, estendeu uma toalha branca por uma janela pedindo paz. Logo, a mesma dona Zinha saiu de sua casa, sob a complacência dos jagunços, caminhou pelas ruas, passou pela Igreja, rezou, e foi até a casa do Cel. Idalino Ribeiro, que aparentemente tinha ficado neutro no conflito, uma vez quem apareciam no comando do conflito contra Juventino Ferreira Nunes eram André Fernandes, o advogado Luiz Gomes de Oliveira e o irmão Catolino Gomes de Oliveira. Dona Zinha fora dizer ao Cel. Idalino Ribeiro que o marido Juventino estava disposto a se render pois não queria derramamento de sangue.

Com isso, fora montada uma comissão liderada por Clemente Medrado Fernandes para impor os termos da rendição. No dia seguinte a comissão foi cumprir sua missão. Clemente Medrado Fernandes foi acompanhado do jagunço Maneca Primo e João Rodrigues Pio, ambos armados. Juventino Ferreira Nunes recebeu a comissão e ao perceber a presença do jagunço Maneca Primo, disse aos presentes:

- Se não fosse a presença de mulher e filhos, preferia morrer traspassado por uma bala baiana, mas honrando meu território mineiro.

Assustado, Maneca Primo manobrou a carabina para atirar em Juventino em sua própria casa, mas João Rodrigues impediu desviando o cano da arma. Negociada a rendição, Juventino Ferreira Nunes foi levado para a residência do Cel. Idalino Ribeiro. Todas as pessoas que estavam na residência durante o conflito foram presas e levadas para a cadeia.

Cel. Idalino Ribeiro deu prazo de 24 horas para Juventino Ferreira Nunes sair da cidade para nunca mais voltar. Este saiu pelas fazendas em animais cedidos por Osório Martins dos Anjos acompanhado por João Costa passando por Bandeira (atual Rubelita), Araçuaí, Diamantina, até chegar a Belo Horizonte. De lá foi para a cidade de Manhuaçu, onde em pouco tempo foi nomeado diretor de uma escola pública. Nunca mais retornou a Salinas. Em Manhuaçu foi feito um busto em sua homenagem pelo seu espírito de liderança e capacidade intelectual na escola em que atuou. Era um idealista.


Casa que pertenceu a Juventino Ferreira Nunes onde ocorreu o mais violento conflito pela disputa do poder político de Salinas em 1927.

Em Salinas, após o conflito, Cel. Idalino Ribeiro tornou-se chefe político de fato e direito na região. De 1930 a 1958 impôs todos os prefeitos da cidade até perder a eleição de 3 de outubro de 1958 sendo derrotado pelo sobrinho Geraldo Paulino Santanna para eleições municipais. Ressalta-se que de 1918 a 1930, Cel. Idalino Ribeiro ainda foi presidente da Câmara dos Vereadores e Agente Executivo (equivalente a prefeito atual).

Quanto a Clemente Medrado Fernandes este prosperou em Salinas como empresário e político. Tornou-se deputado federal. Foi responsável pela criação da Escola Agrícola de Salinas em 1953 com recurso do governo federal, que leva seu nome.

Historicamente, percebe-se que o líder político Juventino Ferreira Nunes foi derrubado por um jogo político orquestrado para que a facção política o “Grosso” tomasse o poder local, cujo líder era Idalino Ribeiro. Juventino fez a passagem política do Cel. Rodrigo Cordeiro para o Cel. Idalino Ribeiro. No processo político ficou evidente que foi vítima de sistema político e econômico vigente cuja elite queria o poder a qualquer custo, mesmo que as ações fossem extremas e drásticas como aconteceu. Era a prática coronelista praticada no Brasil no período da República Velha que vigorou até 1930, quando Getúlio Vargas assumiu o poder e impôs o regime do Estado Novo que vigorou por cerca de 15 anos.

Quanto a Maneca Primo e seus jagunços, após o conflito, foram expulsos pelas autoridades policiais de Salinas, passando pelo distrito de Taiobeiras. Ali criaram problemas por três dias bebendo e farreando sem nada pagar e criando desafetos. Seguiram para São
João do Paraíso e fizeram o mesmo que em Taiobeiras. Desentendeuse com Antônio Pena, um morador local e, numa briga entre os dois, foi morto. Fatídico fim para um jagunço que foi determinante para a reviravolta política ocorrida em Salinas.

REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA
LISBOA, Abdênago. Octacilíada: Uma Odisséia do Norte de Minas. Belo Horizonte: Canaã,1992.
MIRANDA, Avay. Taiobeiras: Seus Fatos Históricos. Brasília: Thesaurus, 1997.
SANTANNA, Geraldo Paulino. O Caminho de Volta: A Travessia
do Deserto.
Belo Horizonte, 2005.


Sebastião Abiceu dos Santos Soares
Cadeira N. 11
Patrono: Ary Oliveira


LIVROS NA PRAÇA

A Praça da Matriz todos os domingos, há bastante tempo, é ponto de encontro de grande parte da população montes-clarense, como também de pessoas que visitam nossa cidade. As pessoas se dirigem àquele local com dois objetivos básicos, visitar as barracas da Feira de Artesanato - que há décadas ocorre em Montes Claros, passando por várias transformações ao longo do tempo. Nela, vários artesãos locais expõem e vendem seus produtos. No local os visitantes podem encontrar os mais diversos produtos: enxoval de cama, mesa e banho, roupas, calçados, bolsas, bijuterias, brinquedos, esculturas, quadros, entre vários outros produtos oriundos da criatividade dos artistas locais e da região - como também para participar da celebração religiosa na nossa histórica Igreja Matriz, erguida com a invocação de Nossa Senhora da Conceição e São José, cartão postal dos mais bonitos da região, não só por causa da sua arquitetura datada de 1845, como também por sua história ligada diretamente ao surgimento da cidade. Além do artesanato e da celebração religiosa, muitos aproveitam sua passagem por aquele local para beber, comer, ouvir uma boa música, encontrar velhos amigos e fazer novos.

No mês de maio 2009, o montes-clarense passou a ter outro motivo para sair de casa aos domingos e ir até a Praça da Matriz, pois naquela ocasião, foi instalado naquele local, um estande do Projeto Livros na Praça, da Secretaria Municipal de Cultura, coordenado pela poeta Dóris Araújo e pelo escritor e historiador Dário Cotrim.

O lugar se transformou em ponto de encontro, como diz a poeta Dóris Araújo, dos homens das letras, artesãos da palavra, além tantos outros amantes dos mais diversos genêros artísticos. Por ali passaram escritores, dos mais gabaritados, tais como, Wanderlino Arruda, Dário Cotrim, Itamaury Telles, Yvonne Silveira, Haroldo Lívio, Amelina Chaves, Zoraide Guerra David, Amélia Souto, Aroldo Pereira, Karla Celene, Lázaro Francisco Sena, Petrônio Braz, Maria Luiza Silveira Telles, Ruth Tupinambá Graça, Conceição Melo, Domingos Diniz, Raphael Reys, Maria Celestina Almeida, Ajax Tolentino, Milene Coutinho, Maria Lúcia Becattini, Marilene Veloso Tófolo, Ildeu Braúna, Manoelito Xavier, jornalista Luís Carlos Novaes (Peré), Waldir de Pinho Veloso, Maria de Lourdes Chaves (Lola Chaves), Virginia de Paula, Expedito Veloso Barbosa, Edwirges Teixeira Freitas (dona Du), Glorinha Mameluque, Maria Ruth Veloso Pinto, Marta Verônica, José Luiz Rodrigues, Júlia Maria Cotrim, Carlos Maya, Charles Boavista, Eltomar Santoro, Márcio Adriano Moraes, André Assis, João Duque, Aldo Pereira, Leonardo Soares e a própria Dóris Araújo), e tantos outros membros do Instituto Histórico e Geográfico de Montes Claros e da Academia Montes-clarense de Letras, além de muitas outras personalidades, que transformaram o local em ambiente propício para uma boa prosa sobre a literatura montes-clarense, interagindo com os mais diversos leitores, das mais variadas faixas etárias e dos mais variados estilos.

O local ganhou tanta importância que no dia 13 de setembro de 2009, foi realizado o lançamento do volume 4 da Revista do Instituto Histórico e Geográfico de Montes Claros, oportunidade de congraçamento daqueles que lidam com a escrita e o público em geral.

Na verdade, qual era o objetivo do projeto Livros na Praça? Conforme seus coordenadores, o projeto teve como objetivo trazer para a praça o acervo bibliográfico produzido por autores montes-clarenses e que não era do conhecimento de grande parte da população local.

No estande do projeto, você podia encontrar um número expressivo de autores em atividade, como também obras de muitos outros que partiram para outra dimensão e deixaram suas palavras gravadas nas páginas dos livros ali expostos. Como afirma ainda os coordenadores do projeto, o acervo foi aumentando com o tempo, pois muitos autores ou seus familiares foram doando suas obras para que fossem divulgadas junto ao público que prestigiava o projeto. O projeto foi uma beleza, deixou marcas profundas em nossa história.

Em breve, Dóris Araújo e eu, Sebastião Abiceu, com a parceria do amigo e confrade Dário Cotrim e de outros colaboradores, estaremos contando em livro a história do Projeto Livros na Praça.

Aguardem!



Zoraide Guerra David
Cadeira N. 86
Patrono: Patrício Guerra

REVELAÇÃO DIVINA

Nasci na década de 1930. Meu berço amado: Mortugaba – cidade do sertão baiano, assim perfilada pelo saudoso poeta Patrício Guerra:

“Mortugaba! És boa, és santa! E teu povo se levanta na comunhão
do trabalho”.

Para ser caracterizada por esse perfil, o fundamento primordial: a fé.

Suas casas, ruas, e praças sempre emanaram canções sacras que deleitam nossa alma.

No lar de meus pais, as sementes de fé foram semeadas em meu ser pela reza do terço em família e pelo Ofício da Imaculada Conceição. Fértil adubo, exemplo de minha mãe todas as tardes em oração silenciosa diante do oratório que ocupava lugar de destaque em seu dormitório, ornado com cortina, flores naturais e artificiais (que ela confeccionava) e velas!

Com a corrida do tempo, meu entendimento se ampliou e a curiosidade fazendo par, começavam os meus questionamentos. E, eis que em plena adolescência surge um, analisando a letra do Ofício de Nossa Senhora da Imaculada Conceição, sobre esta estrofe:

“Deus vos salve relógio
Que andando atrasado,
Serviu de sinal
Do Verbo encarnado.”

Aprendi no catecismo que Deus é um espírito perfeitíssimo e eterno criador do céu e da terra.

Os argumentos e justificativas se digladiavam. Eis o mais marcante:

Em nossa casa um relógio de parede marcava o tempo com pancadas sonoras e meu pai tinha o cuidado de dar-lhe corda para ele não se atrasar. E, eu raciocinava: Se meu pai que é homem não deixa o relógio dele se atrasar, como é que Deus que é “perfeitíssimo” deixou o dele se atrasar? Ah! Não entendo isso não!...

Na verdade a expressão “Deus vos salve” é uma forma de saudação, ou seja: “Eu te saúdo”. Então “Deus vos salve relógio” quer dizer: Eu te saúdo relógio.

Veio a juventude, chegou a idade madura e eu sempre buscando resposta em mensagens escritas espirituais, bíblicas, leigos engajados e até mesmo representantes de Cristo, sem, no entanto, saciar minha sede.

Entendi que a letra do ofício é uma exaltação ao mérito de Maria, graças à sua “Imaculada Conceição”, preparando-a para ser a mãe
do Messias – o Salvador do mundo.

O autor usou imagens bíblicas e também populares para comparações, as quais embora com sentido figurado, registram uma realidade. Deus é o Senhor do tempo e realiza o que Jesus nos ensinou: “Pedi e recebereis”.

Como sempre busquei resposta para uma interpretação lógica e real, recebi.

Na década de 1990, rezávamos a novena de Natal, quando ao receber o aviso do horário e local, naquele dia, aflorou em minha mente esta informação:

- O relógio atrasado, do ofício de Nossa Senhora é uma omparação
discreta ao ciclo menstrual de Maria! Registra uma realidade, porque Cristo foi igual aos homens em tudo, menos no pecado. Comecei a refletir:

Então estava confirmado o que o Anjo Gabriel anunciara, quando Maria explicou-lhe sua situação, que aceitaria a maternidade, mas... sem conhecer homem algum?!...

O anjo afirmou:

- “A sombra do Altíssimo te cobrirá”

Ao que ela reiterou:

- “Faça-se em mim, segundo a tua palavra”.

Entendi que embora Maria tivesse conhecimento espiritual profundo, firmado no exemplo de seus pais que lhe davam orientações, na frequência ao Templo e leitura da Palavra, devido à sua pouca idade, deve ter pensado:

- Será que sonhei? Foi uma visão? É uma criação da minha mente?

Realmente muitas virgens desejavam e se julgavam dignas de se tornarem mãe do Messias. Mas... Maria! Além de pobre financeiramente, era humilde.

Então o atraso do ciclo menstrual de Maria (comparado no contexto com um relógio) foi o sinal confirmativo de que não era imaginação, mas ela estava realmente grávida.

Continuei a reflexão e a estrofe seguinte completou:

“Para que o homem suba
Às sumas alturas,
Desce Deus do céu
Para as criaturas”

Veio a pergunta: - Desceu para onde?

- Para o ventre de Maria! Ele estava vivo em suas entranhas!

A alegria vibrante em minha alma, não permitiu sigilo. Liguei para o Carmelo de Montes Claros e uma Irmã confessou-me não ter de pronto a interpretação, mas que iria pesquisar e dar-me-ia uma resposta.

Declarei-lhe a verdade:

- Irmã (...) eu creio que o significado é ... Externei-lhe minha interpretação sobre a figura do “relógio atrasado”.

Ela surpresa, disse:

- Zoraide! Nosso Senhor fez-lhe uma revelação. Pode louvar a Deus!

Agradeci-lhe e fui ao dicionário verificar o significado do termo que ela usou: “revelação”. Teologicamente: “ato pelo qual Deus faz saber aos homens os seus mistérios, sua vontade”.

Escrevi o livro MORTUGABA – História e Poesia, cujo lançamento gerou vários momentos gratificantes em minha alma.

Dentre eles em 1994, pela Academia de Letras e Ciências de São Lourenço/MG, ser contemplada com a Comenda do Mérito Literário – prêmio máximo anual daquele sodalício, oferecida a somente um escritor brasileiro a cada ano e posse como sócia efetiva daquela entidade cultural, tendo como Patrono Patrício Guerra – meu pai.

Em São Lourenço, como se não bastasse a hospedagem calorosa
da Presidente Therezinha Alves de Almeida, tive oportunidade de
dialogar com uma escritora de São Paulo, enquanto passeávamos pelo

Parque. Falamos de literatura, sobre nossas cidades e religião. Reveleilhe minha reflexão sobre o Ofício da Imaculada Conceição, relativo ao “relógio atrasado”.

E ela concluiu afirmativamente:

- Sua interpretação procede, porque na Idade Média, quando uma mulher supunha estar grávida e não queria usar a expressão real, dizia:

- “O meu relógio está atrasado”.

Impossível expressar minha curiosidade e emoção. Indagavame:

- Quando foi escrito esse poema de louvor à Nossa Senhora?

Regressei a Montes Claros, ávida de informação. Vibrei!

O ofício foi escrito no século XV. Idade Média:

“O ‘Ofício da Imaculada Conceição’ foi escrito antes da definição do dogma, na Itália, no século XV, por Bernadino de Bustis, com a aprovação do Papa Inocêncio XI em 1678. Foi enriquecido por Pio IX em 31 de março de 1876, com 300 dias de indulgências, cada vez que recitado.“Ao longo dos séculos, a Igreja tomou consciência de que Maria,“cumulada de graça” por Deus, foi redimida desde o primeiro instante de sua concepção. É isso que confessa o dogma da Imaculada Conceição, proclamado em 1854 pelo Papa Pio IX. Os relatos evangélicos entendem a conceição virginal como uma obra divina que ultrapassa toda compreensão e toda possibilidade humanas. O que foi gerado nela vem do Espírito Santo, diz o anjo a José acerca de Maria, sua noiva (Mt 1,20).

A Igreja vê ai o cumprimento da promessa divina dada pelo profeta Isaias: “Eis que a virgem conceberá e dará à luz um filho” (Is 7,14, segundo a tradução grega de Mt 1,23).

Minha sede desalterada com esta “revelação” confirmada através dos meios e tempo oportuno que Deus deliberou, enseja-me proclamar agradecida:

- Glória a Deus nas alturas!



Wanderlino Arruda
Cadeira N. 33
Patrono: Enéas Mineiro de Souza

O IHGMC NA FENICS

Realizada no Parque de Exposição João Alencar Athayde a 21ª FENICS - Feira Nacional da Indústria, Comércio e Serviços de Montes Claros. Desta feita a Cultura de Montes Claros esteve presente num estande representada pelas Academias de Letras e pelo egrégio Instituto Histórico e Geográfico de Montes Claros, com exposição de livros, distribuição de folders e encontro de autores com o público, em todo o tempo, um real sucesso, principalmente pelas visitas de estudantes de professores. Entre os muitos assuntos tratados, o destaque foi a cultura Literária montes-clarense, destaque no cenário nacional para nomes representativos como Cyro dos Anjos e Darcy Ribeiro.

Foram responsáveis pelo estande, como coordenadores, os acadêmicos Wanderlino Arruda, Dário Teixeira Cotrim e Lázaro Francisco Sena, com participação de escritores, jornalistas e historiadores, entre os quais, Ângela Martins Ferreira, Edvaldo de Aguiar Fróes, Fabiano Lopes de Paula, Theodomiro Paulino, Angelina Antunes, Amelina Chaves, Aparecida Costa, Benedito Said, Dóris Araújo, Mara Narciso, Felicidade Tupinambá, João de Jesus Malveira, José Ferreira da Silva, Maria Ângela Braga, Maria da Glória Caxito Mameluque, Marcos Fábio Martins Oliveira, Sebastião Abiceu, e Zoraide Guerra David. Foram quatro dias de muita animação, palestras, entretenimentos com a leitura e a oportunidade de uma divulgação mais ostensiva aos livros publicados em Montes Claros.

Outras pessoas, também amantes da leitura, estiveram visitando o nosso espaço cultural, fazendo indagações a respeito da história antiga de Montes Claros e da região norte-mineira, ao mesmo tempo, que aplaudiam a iniciativa da ACI - Associação Comercial e Industrial em patrocinar uma importante mostra cultura. Alguns livros foram oferecidos com preços promocionais, para atrair maior interesse, principalmente dos leitores mais jovens.

Em nome dos acadêmicos montes-clarenses agradecemos os servidores envolvidos nessa magnifica realização e, em particular, o
presidente da ACI, Edilson Carlos Torquato, e seu diretor Newton Figueiredo pela magnífica oportunidade oferecida ao Instituto Histórico e Geográfico de Montes Claros e às Academias Montes-clarense de Letras, Academia Feminina de Letras de Montes Claros e Academia Maçônica de Letras do Norte de Minas.

Se Deus nos permitir, novamente estaremos presentes nas edições futuras da FENICS, com mais novidades em termos literários e maior participação dos escritores, não só de Montes Claros, mas de todo o Norte de Minas. Na bibliografia montes-clarense já estão catalogados mais de 1.200 livros, razão pela qual a cidade de Montes Claros é conhecida pela legenda instituída pelo jornalista Reginauro Silva com o sendo “A Cidade da Arte e da Cultura”. Benza! Deus!



Wanderlino Arruda
Cadeira N. 33
Patrono: Enéas Mineiro de Souza

ACADEMIA MONTES-CLARENSE
DE LETRAS - 50 ANOS

A fundação da Academia Montes-clarense de Letras aconteceu em uma agradável tarde de 13 de setembro de 1966, em reunião convocada para acontecer no primeiro pavimento do Sobradão da Rua Coronel Celestino - em uma sala da Faculdade de Direito. Inspirado pelo sonho do dr. Plínio Ribeiro dos Santos em criar de uma entidade de cultura em Montes Claros, o doutor Alfredo Marques Vianna de Goes, presidente da Academia Municipalista de Letras de Minas Gerais, chegou a Montes Claros com a decisão de criar uma instituição literária, a exemplo das existentes em Belo Horizonte. Sempre apaixonado por Montes Claros, pois aqui nascido
em 1908, Vianna de Goes valeu-se do prestígio acadêmico e sentiu-se vitorioso pela presença de excelentes companheiros das lides de escrita e de publicações, um vistoso elenco de intelectuais montes-clarenses: professor José Raimundo Neto, dr. Antônio Augusto Veloso, dra. Maria Ribeiro Pires, dr. João Valle Maurício; padre Joaquim Cesário dos Santos Macedo dra. Heloísa Neto de Castro, professora Dulce Sarmento, dr. Hélio Oscar Vale Moreira, dr. Avay Miranda, dr. Geraldo
Avelar, dr. Francisco José Pereira, o cronista Orlando Ferreira Lima e o historiador Hermes Augusto de Paula. Um alinhado grupo, realmente importante nas publicações em livros e na imprensa, na oratória, no magistério, na política, em instituições sociais e de cultura, o melhor em disponibilidade naquele momento e que, naturalmente, pôde atender ao convite para o encontro. Ao todo, treze, que no final da reunião, foram considerados – ou se consideraram os fundadores.


Tudo discutido, muitos detalhes aprovados, lista de presenças assinada, foram indicados para a tarefa de organização o professor José Raimundo Neto, o dr. Antônio Augusto Veloso, a professora Maria Ribeiro Pires e o dr. João Valle Maurício. Indicada a professora Maria Ribeiro Pires para a direção, e não tendo esta aceito, foi realizada a eleição para a nova diretoria. Vitorioso, assumiu a presidência o dr. Antônio Augusto Veloso. O local para as reuniões e assembleias ficou para ser discutido na primeira oportunidade, provavelmente uma sala do Conservatório de Música Lorenzo Fernandez, ou mesmo uma sala da Fafil ou da Fadir, antigo e tradicional centro de cultura da parte histórica de Montes Claros.

Pouco dias depois – 26 de outubro – constou da pauta a discussão
e aprovação dos Estatutos e do Regimento Interno, estabelecendo
em trinta o limite de cadeiras. “Após a aprovação, o sr. presidente
solicitou um voto de louvor para o acadêmico dr. Hélio Oscar Vale Moreira, que elaborou o Regimento dentro do prazo estipulado”. “Pelo acadêmico Hermes Augusto de Paula foi apresentado um rol dos prováveis Patronos, com as correspondentes justificativas. A discussão da matéria ficou em suspenso, aguardando novas sugestões. O número de cadeiras foi fixado em trinta”.

Quatro dias antes do final de 1966, foram empossadas as professoras Yvonne de Oliveira Silveira e Sylvia dos Anjos Correia Machado, o escritor Olyntho da Silveira, o advogado José Prudêncio de Macedo e o vereador Cândido Canela, este representado pelo filho Reinine Simões de Souza. “Os acadêmicos Dr. Simeão Ribeiro Pires e Dr. Plínio Ribeiro dos Santos, impossibilitados do comparecimento, apresentaram justificativas através dos acadêmicos Maria Ribeiro Pires e Dr. João Vale Maurício”. Reunião solene com autoridades e convidados, foi mais do que brilhante a saudação aos novos imortais feita pelo padre Joaquim Cesário Macedo notável poeta e orador, com agradecimento pela nova imortal Yvonne de Oliveira Silveira.“M. Claros vos quer, de joelhos, agradecer o muito que fizestes em benefício de suas letras”.

Usaram da palavra, a professora Yvonne Silveira, o dr. José Prudêncio de Macedo, o dr. João Valle Maurício, o cônego Joaquim Cesário dos Santos Macedo e a professora Maria Ribeiro Pires. O presidente Antônio Augusto Veloso leu os nomes dos dezoito confrades e confreiras, anunciou as doze vagas para novas admissões e comemorou a reeleição do dr. Alfredo Marques Vianna de Goes na presidência Academia Municipalista de Letras de Minas Gerais.

Diretoria para o biênio 68/69:

Presidente – José Raimundo Neto
Vice-presidente – Maria Ribeiro Pires
Secretária Geral – Yvonne Silveira
Secretário – Hélio Oscar Vale Moreira
Tesoureiro – Orlando Ferreira Lima
2º Tesoureiro – Geraldo Avelar
Bibliotecário - Joaquim Cesário dos Santos Macedo
Orador – João Valle Maurício

Uma curiosidade: a Ata do encontro de 31 de maio contém muitas assinaturas. Entre todas, vale destacar as de Cândido Simões Canela, Laurinda Prates Canela, Marly de Araújo Simões, Helena Neto Alves, Alice Aquino Neto e Francolino Santos.

Diz a Ata de 24 de junho que houve duas reuniões realizadas na casa do casal Fina e Hermes de Paula. A primeira do Elos Clube de Montes Claros, que tinha como presidente o acadêmico OrlandoFerreira Lima; a segunda, da Academia Montes-clarense de Letras, na presidência o dr. Antônio Augusto Veloso.

As duas instituições – Elos e Academia – tinham uma só finalidade, a entrega de prêmios aos vencedores de um concurso de contos, promovido pelo Diário de Montes Claros:

1º lugar – Maria Luíza Nunes Silveira, com o conto “Marta”; e Clésio Túlio Silveira, com o conto “Gato Preto”.

2º lugar – Augusto Otávio Barbosa, com o conto “Pulseira Fatídica”.

Menção Honrosa – José Ezequiel de Oliveira, autor da crônica ”João Cabecinha”; e Felipe Antônio Gabrich, autor de “A Morte de Charuto”.

Aproveitando as presenças de muitos dos sócios, o acadêmico Hermes de Paula apresentou – como sugestão - os nomes para patronos das quarenta cadeiras: Carlos Versiani, Mário Versiani Veloso, Antônio Gonçalves Chaves, Hermenegildo Chaves, João Antônio Gonçalves Chaves, Honorato José Alves, João José Alves, Camilo Filinto Prates, Hermenegildo Prates, Carlos Catão Prates, Benício Alves Prates, João de Freitas Neto, Artur Gustavo Rodrigues Vale, Eliseu Laborne Vale, Justino de Andrade Câmara, Antônio Teixeira de Carvalho, Antônio Augusto Teixeira, Ezequias Teixeira de Carvalho, Artur Lobo, Pedro Fernandes Pereira Correia, Urbino de Souza Viana, Cícero Pereira, Herculino Pereira de Sousa, Alfredo Coutinho, Geraldo Ataíde, Francisco Versiani Ataíde, José Tomás de Oliveira, Ari de Oliveira, Jair de Oliveira, Desembargador Veloso, Plínio Ribeiro dos Santos, Francisco Ribeiro dos Santos, Pedro Augusto Teixeira Guimarães, Dom João Antônio Pimenta, João Pimenta de Carvalho, José Correia Machado, João Martins da Silva Maia, padre Augusto Prudêncio da Silva, Honor Sarmento, Antônio Ferreira de Oliveira, Antônio Augusto Spyer, Francisco Sá, Antônio dos Anjos, Ângelo de Quadros Bittencourt.



Adriana Duarte Borges Aquino
Convidada

A SESMARIA DE ANTÔNIO
GONÇALVES FIGUEIRA


As cartas de sesmarias, no início da colonização do Brasil, eram o instrumento legal que asseguravam os domínios das terras por parte dos sesmeiros e concessionários.1 A transmissão da posse, tão somente, condiz com a própria formação de Portugal e com o modo pelo qual a terra era tratada no sistema feudal ibérico. Portanto, a transmissão da posse das sesmarias se dava por meio de carta de doação. Essas sesmarias constituíam-se em grandes extensões de terras.

Para concedê-las, a Coroa portuguesa impunha algumas condições
entre elas a obrigação do seu aproveitamento por parte do beneficiário dentro de um prazo máximo fixado pelas Ordenações do
Reino. Esse prazo era de cinco anos, se outro menor não fosse estabelecido. O aproveitamento só era possível se o sesmeiro dispusesse dos
recursos necessários para organizar a produção econômica.2

O Registro de Alvará que cedeu uma sesmaria a Antônio Gonçalves Figueira de uma légua de largo e três léguas de comprido na

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1 - Para um maior aprofundamento a respeito ver em Pequena História Territorial do Brasil, Sesmarias e Terras devolutas de Ruy Cerne Lima (1954).
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parte que requerem através da petição é um documento que ajuda a ilustrar melhor esses movimentos de ocupações territoriais.

Esse registro encontra-se sobre a forma de Códice de n° 427(2), fls. 191-192v no Arquivo Nacional do Rio de Janeiro.

Ano de 1707. Dia 12 de abril. Em plena cidade de São Salvador, Bahia de Todos os Santos, Antonio Gonçalves Figueira e seus irmãos, o capitão-mor Manoel Afonso de Siqueira, o capitão Pedro Nunes de Siqueira, Miguel Gonçalves Figueira e João Gonçalves Figueira receberam das mãos do governador geral registros de alvarás de doação de semarias nos campos das Tabatingas, vertentes do rio Verde e Pacuí, demarcando oficialmente os primórdios da ocupação e povoamento do território do alto Verde Grande, e ponto inicial para a constituição da fazenda Montes Claros.

A ordem régia de 22 de outubro de 1690 estabelecia o prazo de dois anos para o cultivo e povoação das terras concedidas, passados os
prazos, seriam consideradas terras devolutas, forçando, desta maneira, os possuidores a cultivarem suas terras, fazê-la produzir dentro de um prazo previamente estabelecido, sob pena de perderem-na. O termo “devoluto” significava “devolvido ao senhor original”. Era terra doada, que não sendo aproveitada, retornava à coroa portuguesa, o senhor original, mas com o tempo passou a designar toda terra desocupada ou vaga3.

Com a lei de 27 de setembro de 1695, há uma diminuição nas dimensões de sesmarias como as concedidas anteriormente, define para o sertão doações individuais com dimensão de quatro léguas

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2 - Sobre as condições para a obtenção das sesmarias ver: PORTO. Costa. Estudo Sobre
o Sistema Sesmarial. Recife. UFPE. 1965. pp. 117-140; PRADO. Jr. Caio. Evolução
Política do Brasil. São Paulo. Brasiliense. 1953, p. 15; FAORO, Raymundo. Os Donos
do Poder - formação do patronato político brasileiro -. São Paulo. Globo. 9a edição.
1991. Vol. l. pp. 125 e 127.
3 - SILVA, Lígia Osório. Terras devolutas e latifúndio: efeitos da Lei de 1850. Campinas/
SP: Ed. Unicamp, 1996, p.32-39
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de comprimento por uma de largura. Para requerer as doações, os interessados deveriam protocolar uma petição ao governo geral apresentando justificativas para o benefício e a localização geográfica das terras a qual almejavam. Foi desta forma que procederam os irmãos acima citados, que perante o governador geral Luiz César de Menezes, no dia seis de abril do ano de 1707 protocolaram uma petição com as justificativas para se tornarem proprietários das terras mencionadas anteriormente. Alegando a necessidade de obter as terras “para criar e outros misteres” da mesma forma para “o aumento de suas famílias”.

Na descrição das terras pretendidas, mencionaram os interessados que “descobriram de presente as terras dos campos chamados de Tabatinga, vizinhas das vertentes do Rio Verde e Itaqui [Pacuí] da repartição desta capitania, as quais estão vagas como terras nunca
de antes povoadas e os suplicantes tem fazenda, fábrica e poder para povoar e defender”. Destarte, eles preencheram e demonstraram, desta forma, ter os requisitos mínimos com parâmetros baseados no poder econômico para povoar e defender a nova terra. Percebe-se que o sistema sesmarial privilegiava os “homens de qualidade” e de posses na obtenção das terras cultiváveis, demonstrando, desta forma, que para atuar na organização econômica colonial era um privilégio destes. Conclui-se portanto que, para montar a estrutura econômica da época, a coroa, precisou contar e estimular a participação de recursos humanos e financeiros particulares.

Os termos “estão vagas como terras nunca de antes povoadas”, eram significativos das condições da terra, cuja denotação aludia às
áreas vazias, ou seja, sem a ocupação de população branca, livres de impedimentos ou contradições, por isso mesmo disponível para a ocupação. Ressaltando também a importância de terem sido os descobridores das “ditas terras a eles pertencem como descobridores”. Com o argumento de que dispunham de seus recursos, o que resultava consequentemente em grandes despesas como povoadores. Destacando o serviço como vassalo, a terra possuída tinha sido um descoberto, por
esse motivo se auto-intitulavam seus descobridores, percebe-se que em momento algum foi mencionado título de nobreza para obter a terra, mas, sim, o argumento da conquista e defesa do território4.

Em seguida, os irmãos pediram ao governador que fizesse a mercê “conceder de sesmaria os ditos Campos das Tabatingas trinta léguas em quadra na forma que melhor se puderem acomodar, sem prejuízo de terceiro”. Em relação à dimensão da sesmaria de 30 léguas em quadra, foram recusadas. Percebe-se que houve um cuidado por parte do capitão-mor em não doar grandes extensões de terras a poucos indivíduos. O provedor da fazenda real, verificando que demonstrados os fatos de que realmente eles foram os descobridores dessas terras, afirmou que no que se refere a quantia de léguas “devem observar as ordens de S.M. que Deus guarde que é a cada sesmeiro até três léguas de comprido, uma de largo”.5 Foi o que ele alegou aos requerentes. Por não se adequar a legislação vigente, os irmãos viram seu intento de formar um grande latifúndio, de 30 léguas, no Campo da Tabatinga fracassar, acabaram por receber menos do que o solicitado, e ao invés de fazer uma única concessão para os cinco, os alvarás seriam individuais, tocando para cada um três léguas de comprido e uma de largura.

Uma imposição feita pelo governo geral, e que também consta
no alvará é a proibição de venda ou doação das terras, conforme a
seguir “as não poderá alhear antes dele, nem passará a outro algum domínio sem as ter aproveitado para se darem logo neste caso a outra pessoa”. Evitando desta forma que as pessoas peçam terras para revendê-las. Do domínio da terra o sesmeiro possuirá “todas as águas, campos, matos, testadas, logradouros e mais úteis que nela se acharem”. Destacando também a isenção de impostos, tais como “forro, tributo ou pensão alguma”, pagando somente “o dízimo a Ordem de Cris-
to que pagará dos frutos que nela houver”. Obrigando-os também a abrir “caminhos públicos e particulares para fontes, pontes, portos e pedreiras”. E, se houver nas terras adquiridas “aldeia de índios” Antonio Gonçalves Figueira não as possuirá.

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4 - FERLINI, Vera. Terra, trabalho e poder o mundo dos engenhos no Nordeste Colonial.
São Paulo: EDUSC, 2003, p.235.
5 - Arquivo Nacional do Rio de Janeiro, Códice 427 (2), fls.191-192v.

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Depois de abandonar o campo de combate contra indígenas no sertão nordestino, os paulistas comandados por Matias Cardoso de
Almeida e Antonio Gonçalves Figueira se fixaram nos rios São Francisco e Verde Grande onde construíram fazendas de criar gado e engenhos de cana em grandes sesmarias concedidas pelo governo baiano. Transformando-os de “exploradores de ouro e caçadores de índios em proprietários rurais”6. Esse processo de implantação de atividades produtivas e de fixação populacional foi, segundo Márcio Santos, “suficientemente duradoura e intensa para transformar essa área não mineradora num território produtor e de circulação mercantil, integrado aos circuitos das regiões coloniais da América portuguesa”. Foi assim que nasceu a fazenda dos Montes Claros.

FONTE
Arquivo Nacional do Rio de Janeiro, Códice 427 (2), fls.191-192v.

BIBLIOGRAFIA
FAORO, Raymundo. Os Donos do Poder - formação do patronato político brasileiro
-. São Paulo. Globo. 9a edição. 1991. Vol. l.
FERLINI, Vera. Terra, trabalho e poder o mundo dos engenhos no Nordeste Colonial.
São Paulo: EDUSC, 2003.
LIMA, Ruy Cirne. Pequena historia territorial do Brasil. 2 ed. Porto Alegre,
Sulina, 1954.
PORTO. Costa. Estudo Sobre o Sistema Sesmarial. Recife. UFPE. 1965.
PRADO. Jr. Caio. Evolução Política do Brasil. São Paulo. Brasiliense. 1953.
SANTOS, Marcio. Bandeirantes paulistas no sertão do São Francisco: Povoamento
e Expansão Pecuária de 1688 a 1734. São Paulo: Editora da Universidade de
São Paulo, 2009.SILVA, Lígia Osório. Terras devolutas e latifúndio: efeitos da Lei
de 1850. Campinas/SP: Ed. Unicamp, 1996.

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6 - SANTOS, Marcio. Bandeirantes paulistas no sertão do São Francisco: Povoamento e Expansão Pecuária de 1688 a 1734. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 2009, p.35.
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Alberto Sena Batista
Sócio Correspondente
Grão Mogol - Minas Gerais

GRÃO MOGOL E O BARÃO
DE GRÃO MOGOL

Há dois anos e meio vivemos em Grão Mogol (MG), bem na linha imaginária entre o Norte de Minas e o Vale do Jequitinhonha. Isto fizemos depois de deixar para trás 43 anos de Belo Horizonte, mais 22 anos em Montes Claros, antes da transferência para a capital. Tivemos tempo suficiente para conhecer Grão Mogol e pelo menos um pouco da sua história e de sua gente. Não sabemos se Grão Mogol possui mais histórias do que pedras ou é o contrário.

A cidade, por si só, irradia cultura. As pedras falam. Muitas delas gritam. Escandalosamente. Mas nem todo grãomogolense parece ouvir as mensagens decantadas pelo monumento epitetado “Cidade
Diamante” e as suas pedras. E é este o ponto intrigante das nossas observações anotadas nesses dois anos e meio de vivência nesta cidade que consideramos como um dos melhores lugares para viver com qualidade, porque preservado, voluntariamente ou não, conservou o modus vivendi de uma antiga urbe.

O QUE INTRIGA

Intriga-nos pensar, se Grão Mogol fosse uma cidade europeia, a esta altura estaria cheia de turistas do mundo inteiro. Ficamos, então, a perguntar e a pergunta fica congelada no ar: por que será que os europeus sabem explorar o seu potencial turístico e os daqui não sabem?

Para melhor exteriorizar o quão intrigante é o case daqui em comparação com o da Europa, tomemos como referência Bremen, na Alemanha. A cidade vive praticamente em função da história criada pelos Irmãos Grimm, “Os músicos de Bremen”. Basta andar pela cidade para comprovar isso.

Bremen explora o turismo baseado numa história inventada, enquanto Grão Mogol, que por si só transpira história verdadeira e cultura, não faz melhor do que fazem os alemães de Bremen?! A pergunta fica no ar, porque todos sabem das limitações locais e não dá nem para fazer comparações. Mas que é intrigante, isto é.

MAR DE HISTÓRIA

E o que intriga de verdade é o fato de Grão Mogol não conseguir nadar em seu mar histórico tendo o exemplo de um homem que viveu e influiu na história do Brasil durante a transição entre o Império e a República. Gualtér Martins Pereira é o nome dele. Coronel da Guarda Nacional, homenageado pelo rei Dom Pedro II com o título de “Barão de Grão Mogol”.

Aos 53 anos de idade, ele teria recusado o título dizendo ao rei ser “republicano”. Ao que Dom Pedro respondeu-lhe: “Estou homenageando o homem”. Há quem diga que o coronel não aceitou o título aceitando-o, porque acabou colando nele como se tivesse goma arábica. Outros afirmam, o rei concedeu o título, mas não o oficializou, daí não ter sido encontrado nos alfarrábios da história o seu registro.

TÍTULO CONTROVERSO

Registro de Manuel Esteves, no livro de capa vermelha intitulado “Grão Mogol, no Arquivo Nobiliário Brasileiro”, organizado pelos barões Vasconcelos e Smith de Vasconcelos, editado em Lausanne, em 1918, “repositório do brasonário da nobreza, nele não encontramos o brasão de armas dos Martins, de Grão Mogol”.

Bem, mas por que Dom Pedro dera ao coronel Gualtér o título de barão? Simplesmente, porque ele organizou o 7º batalhão de Voluntários da Pátria, em 1865, para lutar na “Guerra do Paraguai” (chamamos de “massacre do Paraguai”), no qual incluiu quatro de seus irmãos, vários parentes e escravos da fazenda Cafezal. Os escravos receberam a promessa de liberdade após o conflito. Ele não acompanhou o batalhão até a área de guerra. Conduziu-o ao Rio de Janeiro, fardado e armado à sua própria custa, o que lhe teria valido os brasões de Barão de Grão Mogol.

VOCAÇÃO TURÍSTICA

É de bom alvitre encontrar uma maneira de fazer Grão Mogol corresponder à sua vocação de cidade histórica e turística baseada no case do barão, homem importante, político histórico, republicano, explorador de diamante, senhor de escravos. Grão Mogol poderia investir nele até como uma forma de ele retribuir post mortem tudo que a região deu-lhe de riquezas.

O barão morava em um sobrado, um dos poucos hoje no Centro Histórico de Grão Mogol, localizado na Praça Coronel Janjão. O lugar poderia ser um museu do barão, criando-se assim um interessante atrativo turístico, com fotos, documentos e utensílios utilizados na época dele.

Aos 64 anos, ex-escravos do barão o sepultaram nas terras da propriedade dele, fazenda Santa Angélica, município de Rio Claro (SP), em 1890, para onde havia se mudado em 1880. Considerandoa baixa expectativa de vida, naquela época, ele viveu bastante. Mas viveu quase a vida toda em Grão Mogol, tendo nascido em 1826, nas terras da fazenda Santo Antônio, cujo nome foi mudado para Cafezal.

GENEALOGIA

O barão era neto de Antônio Martins Pereira e de dona Francisca Martins Pereira e filho legítimo de Caetano Martins Pereira e de dona Josepha Carolina Dias Bicalho. Casou-se com dona Emília Martins Pereira, tendo o casal os filhos Sérgio, Matilde e Orlinda.

Gualtér tinha como irmãos João Batista Martins Pereira, Emígdio Martins Pereira, Pedro Martins Pereira, Maria Vicência de Oliveira Martins e Ramiro Martins Pereira.

Ele foi um dos vultos mais importantes do sertão mineiro e chefe do partido Liberal, em Grão Mogol; presidente da Câmara Municipal, em 1861, e, seguidamente, vereador (foi também presidente da Câmara Municipal de Rio Claro).

O fato de o barão ter vivido mais de meio século em Grão Mogol justificaria plenamente o traslado dos restos mortais dele para a terra natal. Entretanto, em testamento, ele pede para ser enterrado em Rio Claro, onde o seu túmulo está abandonado em meio a um canavial.

Uma iniciativa desse porte chamaria a atenção do Brasil para Grão Mogol, desde que houvesse uma boa divulgação rememorando a importância do barão, contando em detalhes a vida dele e os seus
bons exemplos, em que pese as contradições defendidas por alguns
em relação à sua personalidade.


ABOLICIONISTA

Em realidade, ele ainda não recebeu de Grão Mogol, de Minas e do Brasil o reconhecimento dos serviços prestados numa época detransição do regime Monárquico para Republicano. E também pelas ideias abolicionistas. Muito antes da Lei Áurea, o barão já libertava escravos. Três meses antes de a princesa Isabel assinar a Lei, ele libertou todos os seus escravos.

A não ser a Serra do Itacambiraçu com o seu nome, a trilha de 15 quilômetros até a fazenda Cafezal e o sobrado onde viveu, nada mais há que lembre o nome do barão em Grão Mogol. Entretanto, até as pedras falam dele na cidade e clamam pelo seu nome.

Segundo a lenda, ele teve 78 filhos, sendo a maioria deles com escravas. O professor Geraldo Fróis, pesquisador de Grão Mogol, conta: Gualtér dividiu a fortuna em partes iguais para ele, a mulher e os filhos. A parte do barão, ele próprio teria dividido com os escravos. E mais: em vida, teria reconhecido 15 filhos com escravas.

DESCENDÊNCIA

Anos atrás, publiquei uma crônica sobre o barão e recebi comentários transcritos abaixo: Patrícia Correia: “Sou descendente direta de Ramiro Martins Pereira, irmão do barão. Minha mãe é Maricy Martins Pereira, meu avô é Henrique Leonel Martins Pereira, meu bisavô Licurgo Martins Pereira e o meu trisavô o Ramiro Martins Pereira, irmão do Gualtér. Tenho comigo uma extensa árvore genealógica da família, que foi pesquisada pela prima de meu avô, Helena”.

Emily Martins Pereira: “Sou parente do barão; me Chamo Emily Martins Pereira, filha de Ricardo Martins Pereira, neta de Roberto Martins Pereira, filho de Ramiro Martins Pereira, que é na verdade irmão do Barão de Grão Mogol Gualtér Martins Pereira.

Tathiana Hoffmann: “Sou parente direta do barão, especificamente
tataraneta, apenas não tenho o sobrenome”. Felipe Primi: “Também sou tataraneto do barão, apesar de não ter o sobrenome. Minha avó ainda é viva e neta de Matilde Pereira, filha de Mario Silva, que, por sua vez, era filho de Matilde”.

Pessoalmente, conheço uma pessoa ilustre que é parente longe do barão, a historiadora Maria do Carmo Veloso Durães, integrante deste Instituto Histórico e Geográfico de Montes Claros, ocupante da cadeira número 4.

 


 


Daniel Antunes Júnior
Sócio Correspondente
Belo Horizonte - Minas Gerais


TENHO UMA HISTÓRIA
PARA CONTAR

Esta é uma história verdadeira. Se alguém ainda se lembra de alguns de seus pormenores, verá que não estou fantasiando, mas apenas reavivando a memória de uma mulher valorosa, que soube ser digna da admiração e do respeito dos seus semelhantes.

Há quem diga que a sorte das pessoas está escrita nos astros, e que ninguém escapa ao seu destino. Assim pensam os adeptos do fatalismo.

Mas não podemos negar que ao homem foi dada a faculdade do livre arbítrio. Assim, somos responsáveis por nosso comportamento.
Não somos títeres, um espécie de marionete. Para policiar as nossas ações, boas ou más, há o reino da consciência, e até uma arte de viver, como escreveu André Mourois. Entretanto, no mundo maravilhoso em que vivemos, desde o inicio, somos tentados a fazer o que nos parece mais agradável. Cada um cuida de si e Deus sabe de todos.

E enquanto o Diabo pisca um olho, lá vêm desatinos. A literatura de todo o mundo está repleta de comédias, dramas e tragédias. Nem sempre, como esta, as histórias de amor lembram os filmes de Holywood, com o seu indefectível happy end.

Havia uma família em Grão Mogol, que tinha como chefe um cidadão bem posto na vida e que desfrutava do melhor conceito na sociedade local. Era fazendeiro e tabelião. Sua mulher, de boa presença, habilidosa e saudável, era a rainha do lar. Foi um casamento por amor. Viviam felizes.

O casal, ainda jovem, morava bem e seguia os padrões da classe média, integrada numa aristocracia rural, que também se envolvia na garimpagem.

A cata de diamantes ainda ocorria ocasionalmente, até no fundo das casas, na cidade. Não raro as cozinheiras encontravam xibios no papo das galinhas...

A vida rolava na paz do Senhor, e a família já contabilizava sete filhos, dois meninos e cinco meninas, todos bem nascidos. Para a filharada, a fazenda do pai, no Ribeirão das Piabanhas, era o encanto da vida.

Contam que, certa vez indo, ou vindo de lá, as duas meninas mais velhas, de tamanho e peso iguais, seguiam conduzidas em buracas de couro, no lombo de burro, cada uma de seu lado. Ao atravessar o rio, o animal tropeçou e, por sorte, emborcadas sobre as pedras, elas não foram para o beleléu,

Nada parecia turbar o ambiente doméstico, até que, por artes do Demônio, o marido se envolveu com um sedutor rabo-de-saia, e tudo desmoronou.

Na briga com o rival, ele foi atingido por uma bala, que lhe ficou no corpo pelo resto da vida.

Foi um caso rumoroso, que abalou a cidade.

Sentindo-se traída e humilhada, a mulher repudiou o marido, e este abandonou a família, sem prestar qualquer assistência aos filhos, ainda menores.

Desesperada e sem recursos, sabe Deus como, a pobre mulher mudou-se para Montes Claros, onde conseguiu montar uma modesta pensão, numa velha casa alugada, para trabalhar, enfrentando todas os obstáculos, anos a fio, a fim de criar seus filhos e orientá-los no bom caminho.

Por sua vez, o marido se desorientara, perdeu o seu estatus e tudo que tinha, transferindo-se para outra região, onde se isolou e passou a trabalhar como agrimensor.

No final de sua vida, a esposa ainda lhe deu assistência quando, pobre e doente, foi hospitalizado na Santa Casa.

Naquela época, Montes Claros, ponta dos trilhos da Estrada de Ferro Central do Brasil, com um comércio bastante intenso, e sua indústria ainda acanhada, por falta de energia elétrica, já capitaneava as atividades econômicas de todo o Norte de Minas. Na região, predominava a agropecuária, com a exportação intensiva de gado vacum e suíno para o Rio de Janeiro e interior de São Paulo.

Era uma cidade turbulenta, com muitos aventureiros vindos de fora, lembrando os tempos do faroeste. Tinha até casino, com danças, espetáculos eróticos e jogo, com direito à violência. Pior ainda; diziase que tinha o maior “plantel” de prostitutas do Estado.

Para o intercâmbio com os grandes centros, o transporte, tanto de passageiros como de mercadorias, se fazia pela estrada de ferro. Para a ligação com as cidades satélites, só se contava com os caminhões, que sucederam às tropas de burros. As estradas, de terra e sem pontes, eram péssimas, e os choferes verdadeiros heróis.

Foi nesse ambiente trepidante, de incertezas mas também de esperanças, que a Dona Maricota enfrentou as vicissitudes da vida.

Havia ali, também, uma elite culta e uma classe média estruturadas
nos bons princípios políticos, sociais e religiosos.

Com toda a sua modéstia, ela fez boas amizades. Criou os seus filhos com dedicação, seriedade e temperança, deixando-nos, como
legado da mais alta valia, exemplos de perseverança, determinação e dignidade. Todos os seus filhos e filhas seguiram os seus passos e se realizaram como elementos úteis à sociedade. Uma das filhas é a irmã Maria Angélica da Eucaristia, Madre Fundadora do Carmelo de Montes Claros.

Todavia, esse legado não espelha a única benemerência daquela criatura de existência benfazeja. Lutando com as dificuldades de quem só contava com o bom conceito, auferido da retidão de seus atos, essa heroína anônima ainda foi capaz de ajudar a quem, como refugo humano e em circunstâncias dramáticas, mais dela precisava, como a uma tábua de salvação.

Em sua modesta pensão, consecutivamente, ela deu comida e um lugar para dormir a quatro criaturas em estado de carência absoluta, na expectativa de que poderiam arranjar novo emprego. Foram ela: Maria Grande, Maria Pequena, Mariazinha e Rita.

Eram moças pobres, analfabetas, inexperientes, aliciadas do meio rural para trabalharem na cidade em serviços domésticos, e foram violentamente despedidas por seus empregadores intolerantes, com os quais se desentenderam, por questões banais.

Mariazinha, por exemplo, foi posta no olho da rua, a pontapés, com seus trastes que nada valiam. Sem conhecer a cidade, desvairada como um animal ferido, perambulava sem saber o que fazer, nem para onde ir. Em tais circunstâncias alguém, por caridade, lhe indicou a pensão da Dona Maricota. Ali ela foi recebida como ser humano.

Sem conseguirem outra colocação, ainda que com ganhos ínfimos,
todas elas passaram a ajudar nos afazeres da pensão, e por lá
ficaram por longos anos, com todas as necessidades básicas atendidas.

Quando se casou a primeira filha de Dona Maricota, a Mariazinha compôs o enxoval da noiva. E por muitos anos essa criatura singular integrou o novo lar, como pau de toda obra. Ela fazia de tudo. Cozinhava, lavava, passava, dava banho nos meninos, hoje três engenheiros, uma arquiteta e uma economista, todos reverentes à sua memória.

Quando já adultos, ela se lembrava, com certo enternecimento, do que lhe dissera um dia, o mais velho, já taludinho: “Oh, Mariazinha, você não precisa mais me dar banho: eu já sei me lavar...”

Uma vez aposentada e com sua missão integralmente cumprida, Mariazinha retornou à terra natal, com casa própria, mobiliada e com todo conforto. Para os parentes dela, era a Senhora Mariazinha.

Mas quando uma vez o mais chegado dos seus pupilos foi lhe fazer uma visita, não gostou de saber que ela estava sendo explorada pela sobrinha que a assessorava nos negócios. Além disso, encontrou-a meio abatida, desfigurada. Tomou então várias providências, a primeira das quais foi dar-lhe um banho de bucha, antes de leva-la ao cabelereiro e à manicure...

Agora, uma reminiscência quase desnecessária, para arrematar a história que eu tinha para contar, envolvendo a minha sogra. Eu trabalhava e estudava em Belo Horizonte, e periodicamente ia de férias a Lençóis do Rio Verde, a visitar minha mãe.

Era uma longa viagem. A gente saia da Capital, de trem de fero, às 19h00 e chegava em Montes Claros no dia seguinte, às 18h00. De lá, até minha terra, hoje Espinosa, a viagem prosseguia por mais
um dia, de caminhão.

Pernoitava-se em Montes Claros, não havia outro meio de transporte e nem sempre a gente conseguia condução imediata.

Numa dessas viagens, eu soube que os caminhoneiros se hospedavam na pensão da Dona Maricota e fui lá a procura de algum deles.

Atendeu-me uma mocinha que estava na janela, amável e receptiva, mas não encontrei nenhum caminhoneiro. No dia seguinte voltei ali, não apenas procurando algum chofer de caminhão, mas também de olho na garota, que todavia não me deu a mesma atenção da véspera. Não entendi a diferença.

Ainda assim, ela não me saiu da cabeça. Muito depois soube que eram duas irmãs, e me casei com uma delas, sem saber qual das duas eu vi primeiro...


Evany Calábria
Convidada

VIOLETA DE ALCINDO


De compromisso marcado, numa tarde quente do dia 19 de setembro de 2016, finalmente tive o prazer de encontrar uma senhora encantadora e firme que decifraria seus sonhos marcantes.
Ouvia a sua voz nítida, calma e de pouco riso. Enquanto escrevia, pensava que seus sonhos poderiam ser diferentes. Aos poucos, ela me contava sua vida, sem complicações, certamente, mas mais apaixonante que qualquer sonho ou filme. Enquanto ela falava, não pude deixar de pensar nas coincidências que evidenciavam sobre os acontecimentos do passado, como por exemplo, a amizade que existiu entre nossas famílias. Ela e suas irmãs, ainda jovenzinhas, brincavam com minha mãe e minhas tias lá na roça do meu avô Pedro Murça, e se lembrava de mim, menina de colo, quando meu pai nos levava para a festa do Barrocão. Fui percebendo que a nossa ligação é mais estreita do que imaginava e isso me encantava. A escolha foi minha. O nome dela vinha sempre na minha memória antes mesmo de conhecer sua história, de ouvir falar dela entre os moradores mais antigos de Barrocão. Mas sabia que era minha inspiração. Isso é, exatamente o que eu queria.

Na Fazenda São Domingos, próximo à Barrocão, município de Grão Mogol, no dia 30 de agosto de 1925, nasceu Violeta Alves Dias. A quarta filha do casal Rochanio Dias Correia e Idalina Alves. Com seus irmãos, Orlinda da Conceição Dias, Albertina de Jesus Dias, Odília Dias e Benjamim Gonçalves Dias, Violeta vivia feliz. Perdeu seu pai, com apenas três anos de idade. Aos dez anos mudou-se para outra localidade, denominada Pé do Morro. Nessa época aprendeu ler e escrever com uma professora contratada, em Barrocão. Aos poucos, cada irmão foi saindo para estudar em Montes Claros e construindo suas próprias famílias. Uma das irmãs, no ano de 1951, entrou para o convento.

De família numerosa, onde todos moravam na mesma região e, consequentemente cresciam juntos, a menina sempre esteve ao lado da mãe e irmãos ajudando nos afazeres diários e aprendendo a ser uma dona de casa. E esta era a maior beleza de uma moça - ser prendada! Muitos tios queridos, dentre eles Benjamim Franklin Dias, irmão de seu pai, casado com Mariana Rodrigues. E o filho deles, seu primo Alcindo Dias, dezesseis anos mais velho, se encantou pela linda Violeta, com apenas quinze anos. Dai em diante, sempre afirmava que um dia iria pedi-la em casamento. E foi assim, e com muita insistência e determinação que fez o pedido. Tudo muito romântico, se não fosse o desfecho da história, que de tão guiada pelas mãos de Deus, não se apagará jamais. Afinal, o casamento havia sido combinado e a menina estava prometida. Cinco anos depois, os tios de Violeta fizeram uma grande festa para comemorar as suas Bodas de Ouro e, nesta ocasião, o padre e sua irmã mais velha, a religiosa Irmã Taís, tiveram a ideia de celebrar, ali mesmo, o casamento dos dois. E foi assim que aos vinte anos, no dia 20 de outubro de 1945, Violeta se casou com o seu primo. Voltou para a casa dos seus pais, já uma senhora casada. Foi então que se mudou para a fazenda Barreiro d’Anta, onde criou seus três filhos, Tânia Maria Dias, José Benjamim Dias e Luiz Carlos Dias, que em certa época, vieram para Montes Claros prosseguir nos estudos. Ela, porém, continuou morando nesta fazenda até os dias de hoje, com seu filho José Benjamim Dias, o Zezito.

Isso foi uma promessa que seu esposo fez aos pais dele, num dia de muita emoção, isto é, nunca deixá-los sozinhos na velhice e nem se mudariam de lá, uma vez que os outros filhos casados já tinham partido. A lembrança de quem se foi deixa dona Violeta com o coração apertado, tamanha a falta. Sempre foi uma caprichosa dona de casa, cumprindo os ensinamentos da sua mãe. Intercalava seus afazeres rotineiros com lindos bordados à mão, que, aliás, guarda com muito zelo. Fazia também, o mais gostoso queijo e requeijão, tudo sob a luz da lamparina. Tem verdadeira admiração pela fazenda Barreiro d’Anta, a mais antiga da região, situada no sentido entre Botumirim e Grão Mogol, apenas duas léguas de Barrocão, cuja sede foi construída pelos escravos no ano de 1872. Neste cenário de muita emoção, neste lugar pacato, viveu por cinquenta e seis anos com seu amado uma vida de sonhos e perseverança, e no ano de 2002, ficou viúva. Dona Violeta, aos noventa e um anos, é uma bondosa avó de três netos, William, Mateus e Luiza e de uma linda bisneta, a Laís. Sem nenhum problema relevante de saúde, esbanja um coração corajoso e forte.
Apenas algumas dores, coisas da idade. Acredita que realizou todos os seus sonhos, com força de vontade e crê que vale muito a vida, “Eu pude dar aos meus filhos o que eu não tive”.

Fazendo aqui uma pequena digressão, Dona Violeta contoume ainda, que a primeira cena de violência, ocorrida em Barrocão, foi contra uma professora. Um morador, proprietário de uma loja de tecidos e muitos outros artigos, pai de família, se encantou pela professora e desde então, começaram um romance às escondidas. Ele sempre foi cuidadoso para não revelar tal envolvimento. Acabaram por irem juntos para o estado do Paraná, onde viveram alguns anos e tiveram três filhos. Certo dia resolveram retornar para Barrocão, foi quando o relacionamento deles desandou. Ela se envolveu em outro romance com um conhecido e vizinho de frente à loja, e aí começou o desafeto. Ela, grávida novamente, fazia questão de passar sempre em frente ao comércio, várias vezes por dia, o que acendeu o fogo da ira e do ciúme do proprietário da loja. Numa tarde, depois de passar três dias amolando uma peixeira, ele chamou a professora e deu-lhe vinte e três facadas e uma em seu próprio abdome. Ela ainda conseguiu dar alguns passos e morreu ali mesmo em frente à casa da família de seu amante. Ele por sua vez foi socorrido por uns amigos médicos, que o levaram para Montes Claros e quando melhorou, partiu novamente para o Paraná, sem nunca mais voltar a Barrocão. Esta casa da família continua lá, com marcas, testemunhas das suas histórias, inclusive, com uma pequena cruz pintada de azul colonial, cravada na parede, para ser decifrada eternamente.

Após horas no ritual da escrita, achei que ela poderia estar exausta. Aqueles relatos breves, diretos, inspiradores e surpreendentes de suas lembranças estavam recheados de pessoas e lugares queridos, alguns dos quais, a fazenda em que mora até hoje. Resolvi despedirme, mesmo sabendo da sua disposição. Saí dali encantada com a postura e vivência de dona Violeta. Com certeza, ela tem muitas outras emocionantes passagens de sua longa vida para relatar.

Gostei muito do que lembrei, do que descobri, do que aprendi, do que vi. Mais do que tudo, gostei da companhia. Foi um belo momento com a dona Violeta!

Esta história revela a grandeza da mulher que conseguiu transformar a condução do seu lar, num exemplo de segurança, de amor e união. Ela mostrou que cada um de nós deve assumir as rédeas da família e da sua vida, para alcançar o melhor de si mesma e realizar o que parece ser impossível.



João Valle Maurício
Patrono da Cadeira N. 59


IRMÃ BEATA – MONUMENTO
À SUA MEMÓRIA

As maiores glórias, as mais soberbas riquezas, todas as venturas, alegrias, vaidades e grandezas humanas, caem verdadeiramente de joelhos diante da majestade legítima da caridade. Não da caridade da mão que, indiferente, lança a esmola ao infeliz largado na sarjeta. Não a caridade que humilha e que mantém a fome, que gera dependência, que despreza e que desconhece. Não, ainda, a caridade da ostentação e da vaidade, na busca de reconhecimento e de aplausos.

Falamos da caridade em forma pura e cristalina, cristalina e pura como a água brotada da rocha virgem, pura como gotas de orvalho, perfumada como as flores ao romper da madrugada, espontânea como criança sorrindo. Falamos da caridade em forma de amor, de fraternidade, de humildade, perdão, simplicidade e silêncio. Falamos da caridade no gesto, no olhar, na palavra, na maneira de sorrir e na mansidão.

Caridade enxugando lágrimas, confortando soluços, estendendo a mão em mensagem de ternura. Caridade mitigando sede, minorando dores, banhada no próprio pranto. Falamos da caridade sem esperança do Céu, sem temor do inferno, caridade brotando do coração em sublimidade de paz para quem oferta e em forma de amparo e calor humano para quem recebe. Caridade como um hino de louvor a Deus e como afirmação da alma, em sua eternidade.

Pois foi essa caridade que, santamente, de joelhos, na penumbra do silêncio, no fervor da prece, com os olhos voltados para o Criador, sempre com um sorriso inocente brincando nos lábios, que aqui em Montes Claros, por mais de meio século praticou a freira, a amiga, a mãe e a irmã de todos nós – Irmão Beata.


Irmã Beata

O monumento que o povo desta cidade erguerá em memória a Irmã Beata será, em verdade, um monumento à própria caridade. Será afirmação de beleza do sentimento, será um monumento de gratidão, de respeito e de saudade.

Irmã Beata, lá no alto do firmamento, com os seus olhos azuis misturando com a luz da lua e das estrelas, certamente estará sorrindo silenciosamente desta homenagem, mas ela saberá nos perdoar por buscarmos exaltar hoje sua vida, que foi sempre simplicidade e humildade.

O seu perdão virá e terá como justificativa o nosso amor.

Ela que foi amparo das crianças, dos doentes, dos humildes, dos velhos e tristes, transmitindo a cada um uma mensagem de Deus, mensagem na voz e na bondade, irá agora, lá no céu, rogar por nós
todos, pecadores, para que sejamos mais cristãos.

(“O Lusíada” Órgão Informativo e Noticioso do Elos Clube de
Montes Claros. Boletim nº 5 – Setembro de 1967)


Manoel Hygino dos Santos
Sócio Correspondente
Belo Horizonte - Minas Gerais

PERSCRUTANDO
A HISTÓRIA REGIONAL

Maior do que a França, com praticamente 600 mil quilômetros quadrados de superfície, Minas Gerais é um Estado cuja história não é tão conhecida, como deveria, mesmo percorrido por expedições procedentes da Bahia e São Paulo, desde a segunda metade do século 16. Poder-se-ia dizer que ainda falta descobrir Minas Gerais.

A partir do século 17, sertanistas como Fernão Dias começaram a penetrar imensas regiões, enfrentando os índios e as dificuldades naturais. Eram homens que não recuavam diante de nada. O bandeirante de Taubaté chegou a mandar enforcar o filho mameluco José Dias, ao suspeitar que conspirava contra seu domínio.

Tudo era extremamente precário e sacrificante, ao ponto de Antônio Rodrigues Arzão, que encontrou ouro no sertão de Caeté, em 1687, reclamar ter descoberto o metal “por aquelas veredas... sem ferramenta alguma de minerar”. Não só distâncias enormes, índios, febres, também os grupos rivais.

Havia ainda o rigor da Coroa contra os caçadores de riquezas, que as queria predominantemente para Portugal. O Marquês de Pombal avaliou que, até metade do século 18, “quase mil milhões de cruzados renderam as minas do Brasil”, sendo Minas Gerais seu principal produtor e eixo de economia.

Sem embargo, um território fabuloso, que se viu transformando pelos governos, ao longo dos séculos, no vale da pobreza, da dor e
da desesperança. Viu-se ignorado por estudiosos e historiadores, embora notáveis entre os que mais o fossem, e o percorreram. Refiro-me às regiões dos rios Jequitinhonha e Araçuaí, no Norte de Minas, hoje lembrados simplesmente por sua música, seu folclore e rico artesanato.

Vozes autênticas daquele pedaço de Brasil se esforçam para registrar a verdadeira e heroica saga da conquista. Poderia recordar nomes ilustres que dão grandeza à sua história. Cinjo-me, contudo, nesta oportunidade, a um cidadão baiano, transferido à cidade polo para instalar uma oficina que lança luzes sobre cidades e municípios, aparentemente pequenos, mas de preciosa expressão, considerados seus valores.

Assim é Dário Teixeira Cotrim, de rica biografia, que se dedica com pertinácia a elaborar a crônica que falta. Recentemente, lançou dois livros: “Memórias Históricas de Juramento” e “Memórias do Município de Virgem da Lapa”. Ambos no Médio Jequitinhonha, localizam-se na microrregião de Araçuaí, que agrupa oito municípios, entre os quais também Araçuaí, Caraí, Coronel Murta, Itinga, Novo Cruzeiro, Padre Paraíso e Ponto dos Volantes.

Membro dos Institutos Históricos e Geográficos de Minas Gerais e de Montes Claros, Academias Montes-clarense de Letras e Maçônica de Letras do Norte de Minas (e estes são apenas alguns títulos), Dário Teixeira Cotrim presta, deste modo, excelente serviço ao Norte e Nordeste do Estado.

Prefaciados pelo escritor Wanderlino Arruda, seu companheiro em entidades literárias, as novas publicações de Dário servem para explicar a sedução que aquelas terras e aquelas gentes exercem em quantos as conhecem.

JORNAL HOJE EM DIA - 01/04/2016


Igreja de Itacambira/MG


 

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