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Revista
do Instituto Histórico e Geográfico de
Montes Claros

Fundado em 27 de Dezembro de 2006

VOLUME XIII

2º Semestre de 2014

MONTES CLAROS - MINAS GERAIS – BRASIL
2014


INSTITUTO HISTÓRICO E GEOGRÁFICO DE MONTES CLAROS

Centro Cultural Hermes de Paula
Praça Dr. Chaves, 32 - Centro
CEP.: 39.400-005 - Montes Claros - MG
Site: www.ihgmc.art.br


Diretor e Editor
Dário Teixeira Cotrim

Conselho Editorial
Dário Teixeira Cotrim
Marta Verônica Vasconcelos Leite
Wanderlino Arruda
Luiz Ribeiro dos Santos

Editoração e Diagramação
Dário Teixeira Cotrim
José Rodrigues F. Júnior

Fotografias
Facebook de Maria das Dores Guimarães Gomes
Silvana Mameluque
José Pociano Neto
Wanderlino Arruda
Itamaury Teles
Dário Teixeira Cotrim

Impressão
Gráfica Editora Millennium Ltda.
ISBN: 978-85-67049-18-2


CAPA: Imagens das igrejas mais antigas
de Montes Claros.


ÍNDICE

Diretoria 2014 - 2015 - 7
Lista de Sócios Efetivos do IHGMC - 9
Sócios Correspondentes - 11
Homenagens Póstumas a Sócios - 13
Notas dos Coordenadores da Edição - 14
Fins do IHGMC - 14
Apresentação - Wanderlino Arruda - 15


Flagrantes das Reuniões do IHGMC

ACONTECENDO... - 19
NOTICIANDO... - 21


ARTIGOS DIVERSOS DOS SÓCIOS DO IHGMC

Dário Teixeira Cotrim
A Formação do Povo Montes-clarense - 31
Dário Teixeira Cotrim
Luiz Carlos Novaes - 34
Fabiano Lopes de Paula
Uma Igreja na Encruzilhada - 36
Felicidade Patrocínio
Com os Olhos nas Letras de Peré “À La Recherche du Temps Perdu” - 45
Felipe Gabrich
O Folclore o e Tempo - 49
Haroldo Lívio
Enchente de São José - 53
Haroldo Lívio
Primo Peré - 55
Itamaury Teles
Mergulho no Passado com Peré - 57
Juvenal Caldeira Durães
O Curso de Matemática / FAFIL - 60
Lázaro Francisco Sena
O orfanato - 67
Leonardo da Silva Campos
As múmias de Itacambira Explicadas - 79
Mara Yanmar Narciso
A Medicina e as Mudanças de Comportamento
em Mais de Meio Século - 85
Maria de Lourdes Chaves “Lola”
A Vocação de Montes Claros - 98
Maria Luíza Silveira Teles
Brejo das Almas - 102
Marilene Veloso Tófolo
Genesco Veloso, um Homem à Frente do seu tempo! - 105
Marilene Veloso Tófolo
Divisão de Montes Claros de Antigamente:
A Rua de Baixo e a Rua de Cima - 109
Petrônio Braz

O Valor de uma Medalha - 112
Téo Azevedo
200 Anos de Poesia - 118
Virgínia de Abreu e Paula
Capela do Rosário - 123
Wanderlino Arruda
A Voz do Estudante - 129

ARTIGOS DIVERSOS DOS SÓCIOS CORRESPONDENTES

Terezinha Teixeira Santos
A Casa do Escritor Domingos Antônio Teixeira - 133

Artigos diversos dos convidados do ihgmc

Evandro Carele de Matos
A Falta da Verdadeira e Devida Informação - 139

LIVROS PUBLICADOS (2º SEMESTRE DE 2014) - 147

DIRETORIA DO INSTITUTO HISTÓRICO E
GEOGRÁFICO DE MONTES CLAROS


Fundado em 27 de dezembro de 2006.

COMISSÃO FUNDADORA 2006-2007

Dr. Dário Teixeira Cotrim
Dr. Haroldo Lívio de Oliveira
Jornalista Luis Ribeiro
Dr. Wanderlino Arruda


DIRETORIA 2012- 2014


PRESIDENTE DE HONRA Dr. Luiz de Paula Ferreira
PRESIDENTE Dr. Wanderlino Arruda
1º VICE - PRESIDENTE Dr. Itamaury Teles Oliveira
2º VICE - PRESIDENTE Dr. Dário Teixeira Cotrim
DIRETOR EXECUTIVO Dr. Petrônio Braz
DIRETOR-SECRETÁRIO Profª Maria do Carmo Veloso Durães
DIRETOR-SECRETÁRIO ADJUNTO Dr. Manoel Messias Oliveira
DIRETOR DE FINANÇAS Coronel Lázaro Francisco Sena
DIRETOR DE FINANÇAS ADJUNTO Prof. José Ferreira da Silva
DIRETORA DE PROTOCOLO Dr. Luiz Giovane Santa Rosa
DIRETORA CULTURAL Dra. Mara Yanmar Narciso
DIRETORA DE BIBLIOTECA Profª Filomena Luciene Cordeiro
DIRETORA DE MUSEU Profª Felicidade Patrocínio
DIRETOR DE RELAÇÕES PÚBLICAS Dr. Haroldo Lívio de Oliveira
DIRETORIA DE JORNALISMO Jornalista Felipe A. Guimarães Gabrich
DIRETORA DE CURSOS Profª Ivana Ferrante Rebelo e Almeida

CONSELHO CONSULTIVO

Prof. José Geraldo de Freitas Drumond
Prof. Juvenal Caldeira Durães
Profª Yvonne de Oliveira Silveira

COMISSÃO DE GEOGRAFIA E ECOLOGIA

Prof. Ivo das Chagas
Profª Anete Marília Pereira
Profª Maria Aparecida Costa
Profª Regina Barroca Peres

COMISSÃO DE HISTÓRIA E ARQUEOLOGIA

Profª Marta Verônica Vasconcelos Leite
Prof. César Henrique de Queiroz Porto
Profª Felicidade Patrocínio
Prof. Arnaldo Bezerra

COMISSÃO DE ANTROPOLOGIA, ETNOGRAFIA
E SOCIOLOGIA

Prof. Denilson Rodrigues
Dr. Fabiano Lopes de Paula
Profª Maria de Lourdes Chaves
Historiadora Marilene Veloso Tófolo

COMISSÃO DE CLASSIFICAÇÃO E DE
ADMISSÃO DE SÓCIO
S

Profª Geralda Magela de Sena e Souza
Profª Maria Ângela Figueiredo Braga
Profª Maria da Glória Caxito Mameluque
Profª Maria Inês Silveira Carlos

COMISSÃO DA REVISTA DO INSTITUTO HISTÓRICO
E GEOGRÁFICO

Dr. Dário Teixeira Cotrim
Dr. Dário Teixeira Cotrim
Dr. Wanderlino Arruda
Prof. José Ferreira da Silva
Jornalista Luiz Ribeiro dos Santos
Profª Marta Verônica Vasconcelos Leite

COMISSÃO DE PUBLICAÇÃO DE LIVROS

Dr. Itamaury Teles Oliveira
Dr. Wanderlino Arruda
Profª Zoraide Guerra David
Ecologista José Ponciano Neto


LISTA DE SÓCIOS EFETIVOS DO IHGMC

CD
Sócios
Patronos
01
VAGA Alpheu Gonçalves de Quadros
02
Escritora Milene A. Coutinho Maurício Alfredo de Souza Coutinho
03
Padre Antônio Alvimar Souza Antônio Augusto Teixeira
04
Maria do Carmo Veloso Durães Antônio Augusto Veloso (Desemb.)
05
Profª Yvonne de Oliveira Silveira Antônio Ferreira de Oliveira
06
Prof Marcos Fábio Martins Oliveira Antônio Gonçalves Chaves
07
Professora Maria Aparecida Costa Antônio Gonçalves Figueira
08
Professora Anete Marilia Pereira Antônio Jorge
09
Professora Isabel Rebelo de Paula Antônio Lafetá Rebelo
10
Professora Maria Florinda Ramos Pina Antônio Loureiro Ramos
11
Professor Sebastião Abiceu Ary Oliveira
12
Dr Antônio Augusto Pereira Moura Antônio Teixeira de Carvalho
13
Dr Cesar Henrique Queiroz Porto Ângelo Soares Neto
14
VAGA Arthur Jardim Castro Gomes
15
Jornalista Magnus Denner Medeiros Ataliba Machado
16
Dr Waldir de Senna Batista Athos Braga
17
Profa. Marta Verônica Vasconcelos Leite Auguste de Saint Hillaire
18
Dr Petrônio Braz Brasiliano Braz
19
Dr Luiz de Paula Ferreira Caio Mário Lafetá
20
Professora Felicidade Patrocínio Camilo Prates
21
Profa.Terezinha Gomes Pires Cândido Canela
22
Dr. Luiz Giovani Santa Rosa Carlos Gomes da Mota
23
Historiador Hélio de Morais Carlos José Versiani
24
José Ponciano Neto Celestino Soares da Cruz
25
VAGA Corbiniano R Aquino
26
Profa. Maria Rejane Rodrigues Ruas Colares Cyro dos Anjos
27
Professora Regina Maria Barroca Peres Dalva Dias de Paula
28
Jornalista Jerusia Xavier Arruda Darcy Ribeiro
29
Professora Filomena Luciene Cordeiro Demóstenes Rockert
30
Escritora Maria Lúcia Becattini Miranda Dona Tirbutina
31
Professora Clarice Sarmento Dulce Sarmento
32
VAGA Edgar Martins Pereira
33
Dr Wanderlino Arruda Enéas Mineiro de Souza
34
Profa. Geralda Magela de Sena e Souza Eva Bárbara Teixeira de Carvalho
35
Dr. Antônio Ferreira Cabral Ezequiel Pereira
36
Dra. Felicidade Vasconcelos Tupinambá Felicidade Perpétua Tupinambá
37
Dra. Jussara Veloso Ferreira Antunes Francisco Barbosa Cursino
38
Professora Maria Inês Silveira Carlos Francisco Sá
39
Professor Ivo das Chagas Gentil Gonzaga
40
Drª Maria da Glória Caxito Mameluque Georgino Jorge de Souza
41
Dr Reinine Simões de Souza Geraldo Athayde
42
Professora Maria Luiza Silveira Teles Geraldo Tito da Silveira
43
Professor Benedito de Paula Said Godofredo Guedes
44
Economista Roberto Carlos M. Santiago Heloisa V. dos Anjos Sarmento
45
Drª. Viviane Marques Henrique Oliva Brasil
46
Professora Eliane Maria F Ribeiro Herbert de Souza – Betinho
47
VAGA Hermenegildo Chaves
48
Profa. Maria das Dores Antunes Câmara Hermes Augusto de Paula
49
Prof. José Ferreira da Silva Irmã Beata
50
Jornalista Délio Pinheiro Neto Jair Oliveira
51
VAGA João Alencar Athayde
52
VAGA João Chaves
53
VAGA João Batista de Paula
54
VAGA João José Alves
55
Cel. Lázaro Francisco Sena João Luiz de Almeida
56
Dra. Ivana Ferrante Rebelo João Luiz Lafetá
57
VAGA João Novaes Avelins
58
Profa. Maria Ângela Figueiredo Braga João Souto
59
Jornalista Luiz Ribeiro dos Santos João Vale Maurício
60
Dr. Manoel Messias Oliveira Jorge Tadeu Guimarães
61
Jornalista Girleno Alencar Soares José Alves de Macedo
62
Profº José Geraldo de Freitas Drumond José Esteves Rodrigues
63
VAGA José Gomes Machado
64
Professora Palmyra Santos Oliveira José Gomes de Oliveira
65
Dra. Maria de Lourdes Chaves José Gonçalves de Ulhôa
66
Arqueólogo Fabiano Lopes de Paula José Lopes de Carvalho
67
Prof. Denilson Meireles José Monteiro Fonseca
68
Professora Rejane Meireles Amaral José Nunes Mourão
69
Dr. Aderbal Esteves José (Juca) Rodrigues Prates Júnior
70
Vaga José Tomaz Oliveira
71
Dra. Edwirges Teixeira de Freitas Júlio César de Melo Franco
72
Jornalista Theodomiro Paulino Correa Lazinho Pimenta
73
Dra. Maria das Mercês Paixão Guedes Lilia Câmara
74
Professor Laurindo Mekie Pereira Luiz Milton Prates
75
Vaga Manoel Ambrósio
76
Vaga Manoel Esteves
77
Profª Maria Jacy de Oliveira Ribeiro Mário Ribeiro da Silveira
78
Jornalista Américo Martins Filho Mário Versiani Veloso
79
Professora Maria José Colares Moreira Mauro de Araújo Moreira
80
Dr. Lúcio Marcos Benquerer Miguel Braga
81
Prof. Juvenal Caldeira Durães Nathércio França
82
Dr Haroldo Lívio de Oliveira Nelson Viana
83
Vaga Newton Caetano d’Angelis
84
Dr Itamaury Telles de Oliveira Newton Prates
85
Historiador Expedito Veloso Barbosa Armênio Veloso
86
Professora Zoraide Guerra David Patrício Guerra
87
Profº Arnaldo Bezerra Pedro Martins de Sant’Anna
88
VAGA Plínio Ribeiro dos Santos
89
Jornalista Felipe Gabrich Robson Costa
90
Folclorista Teófilo Azevedo Filho (Téo) Romeu Barcelos Costa
91
Dr Wesley Caldeira Sebastião Sobreira Carvalho
92
Professor Roberto Pinto Fonseca Sebastião Tupinambá
93
Dr Dário Teixeira Cotrim Simeão Ribeiro Pires
94
Dr Luiz Pires Filho Teófilo Ribeiro Filho
95
Profa. Marilene Veloso Tófolo Terezinha Vasquez
96
Vaga Tobias Leal Tupinambá
97
Prof. Leonardo Alvares da Silva Campos Urbino Vianna
98
Dra. Mara Yanmar Narciso Virgilio Abreu de Paula
99
Profa. Virgínia Abreu de Paula Waldemar Versiani dos Anjos
100
Professora Maria Clara Lage Vieira Wan-dick Dumont

Sócios Correspondentes

Jornalista Adriano Souto Belo Horizonte - MG

Prof. Alan José Alcântara Figueiredo

Macaúbas - BA

Jornalista Alberto Sena Batista

Grão Mogol - MG

Dr. André Kohene

Caetité - BA

Prof. Regente Armênio Graça Filho

Rio de Janeiro - RJ

Dr. Ático Vilas-Boas da Mota

Macaúbas - BA

Dr. Avay Miranda

Brasília - DF

Jornalista Carlos Lindemberg Spínola Castro

Belo Horizonte - MG

Escritora Carmem Netto Victória

Belo Horizonte - MG

Jornalista Cláudia Correia Costa Carvalho

Luz - MG

Jornalista Cintia Bernes

Belo Horizonte - MG

Historiadora Célia do Nascimento Coutinho

Belo Horizonte - MG

Historiador Daniel Antunes Júnior

Espinosa - MG

Historiador Dario Cardoso Vale

Belo Horizonte - MG

Dr. Dêniston Fernandes Diamantino

Januária - MG

Historiador Domingos Diniz

Pirapora - MG

Dr. Enock Sacramento

São Paulo - SP

Dr. Eustáquio Wagner Guimarães Gomes

Belo Horizonte - MG
Dr. Fernando Antônio Xavier Brandão Belo Horizonte - MG

Escritor Flávio Henrique Ferreira Pinto

Belo Horizonte - MG

Jornalista Genoveva Ruisdias

Belo Horizonte - MG
Jornalista Geraldo Henriques (Riky Terezi) New York – USA

Prof. Herbert Sardinha Pinto

Belo Horizonte - MG

Dr. Hermano Baggio

Pirapora - MG

Jornalista Jeremias Macário

Vitória da Conquista - BA

Dr. João Carlos Sobreira de Carvalho

Belo Horizonte - MG

Jornalista João Martins

Guanambi - BA

Dr. Jorge Lasmar

Belo Horizonte - MG

Dr. José Carlos Vale de Lima

Belo Horizonte - MG

Dr. José Francisco Lima Ornelas

Belo Horizonte - MG

Prof. José Eustáquio Machado Coelho

Belo Horizonte - MG

Prof. Dr. Jorge Ponciano Ribeiro

Brasília - DF

Dr. José Henrique Brandão

Bocaiuva - MG
Dr. José Walter Pires Brumado - BA

Dr. Manoel Hygino dos Santos

Belo Horizonte - MG

Profa. Dra. Maria da Consolação M. F.

Cowen London - England

Drª. Maria Estela Kubitschek Lopes

Rio de Janeiro - RJ

Profa. Maria Isabel M. Sobreira

Belo Horizonte - MG

Prof. Moisés Vieira Neto

Várzea da Palma - MG

Jornalista Paulo César Oliveira

Belo Horizonte - MG

Dr. Paulo Costa Rio

Pardo de Minas - MG

Historiador Pedro Oliveira

Várzea da Palma - MG
Profa. Regina Almeida Belo Horizonte - MG

Escritor Reynaldo Veloso Souto

Belo Horizonte - MG

Profa. Terezinha Teixeira Santos

Guanambi - BA

Prof. Wellington Caldeira Gomes

Belo Horizonte - MG

Historiador Zanoni Eustáquio Roque Neves

Belo Horizonte - MG
Historiadora Zilda de Souza Brandão (Bim) Belo Horizonte - MG

HOMENAGENS PÓSTUMAS
A SÓCIOS

 

EPITÁFIO


Para um túmulo de amigo
“A morte vem de manso, em dia incerto
e fecha os olhos dos que têm mais sono...”.
(Alphonsus de Guimaraens - ossa mea, I.)


NOTAS DOS
COORDENADORES DA EDIÇÃO

A ordem de publicação dos trabalhos dos sócios efetivos obedeceu
à sequência alfabética dos nomes dos autores. Em seguida, foram
ordenados os trabalhos dos sócios correspondentes e convidados;

A Revista não se responsabiliza por conceitos e declarações expedidos
em artigos publicados, nem por eventuais equívocos de linguagem
nela contidos.

A revisão dos disquetes originais foi feita pelos próprios autores
dos artigos publicados.

FINS DO IHGMC

Art. 2º - O IHGMC tem como finalidade a promoção de estudos e a difusão de conhecimentos de história, geografia e ciências afins, do município de Montes Claros e da região Norte de Minas, assim como o fomento da cultura, a defesa e a conservação do patrimônio histórico, artístico e cultural.


APRESENTAÇÃO

Passou mais do que depressa o tempo de oito anos desde que fundamos o Instituto Histórico e Geográfico de Montes Claros, numa bonita noite de 27 de dezembro de 2006. Depois da diretoria de implantação de 2007, estamos no quarto mandato com um foco no passado e no presente que honra a história e a geografia de Montes Claros e de toda a região. Com cerca de noventa confrades e confreiras, reunimo-nos mensalmente, fazemos lançamentos de livros nossos e de autores locais e regionais, realizamos palestras e conferências, concedemos entrevistas, estamos sempre presentes no noticiário do rádio e da televisão.

Conhecido e reconhecido em todos os segmentos da cultura, o IHGMC publica com regularidade esta Revista em todos os semestres, sempre com circulação nacional e internacional. Cada autor fica responsável pelo custeio do seu próprio espaço, tendo por retribuição um exemplar para cada página publicada. Até agora tudo deu certo, sem falhas e com elevado nível de aprovação, principalmente pelo bom trabalho dos coordenadores e ex-presidentes Dário Teixeira Cotrim e Itamaury Teles de Oliveira, considerados ainda o elevado nível técnico da editora Millennium, de Montes Claros, e O Lutador, de Belo Horizonte, nossas parceiras e amigas.

Estamos nos esforçando para publicar, se possível ainda em 2015, no meu último ano de presidência, dois números especiais com as biografias dos cem patronos e de todos os associados. Será, sem dúvida, a grande marca para imortalizar muitos nomes dos que fizeram a nossa história e dos que sobre ela gravaram lembranças escritas ou proferidas.

Nossa sede e secretaria se encontram no Centro Cultural Hermes de Paula, Praça Doutor Chaves, 32, onde estará brevemente também sediada a Biblioteca Simeão Ribeiro Pires, acervo importantíssimo do nosso patrono.

Wanderlino Arruda
Presidente 2014-2015


ACONTECENDO....

JULHO DE 2014 - Em pé: Expedido Veloso, Téo Azevedo, Wanderlino Arruda, Eustáquio Macedo, Dário Teixeira Cotrim, Manoel Messias Oliveira, Denilson Meireles, Lázaro Francisco sena e Haroldo Lívio. Sentados: (esposa de Expedido), Lola Chaves, Marilene Veloso Tófolo, Palmyra Santos Oliveira, Mara Narciso, Maria da Carmo Veloso Durães e José Ferreira da Silva.

AGOSTO DE 2014 – Em pé: José Ferreira da Silva, Maria de Lourdes Chaves (Lola Chaves), Marta Verônica Vasconcelos Leite, Manoel Messias Oliveira, Maria Ângela Figueiredo Braga, Juvenal Caldeira Durães, Petrônio Braz, José Ponciano Neto e Itamaury Teles. Sentados: Maria do Carmo Veloso Durães, Irani Teles, Palmyra Santos Oliveira, Edwirges Teixeira de Freitas, Marilene Veloso Tófolo, Wanderlino Arruda e Dário Teixeira Cotrim.

SETEMBRO DE 2014 – EM PÉ: Manoel Messias Oliveira, Aderbal Esteves, Denilson Meireles, Maria Luiza Silveira Teles, Marilene Veloso Tófolo, Marta Verônica Vasconcelos Leite, Felipe Gabrich, Lázaro Francisco Sena. Sentados: Wanderlino Arruda, Maria de Lourdes Chaves (Lola Chaves), Edwirges Teixeira de Freitas, Palmyra Santos Oliveira e Maria do Carmo Veloso Durães.

OUTUBRO NÃO HOUVE REUNIÃO

NOVEMBRO DE 2014 – EM PÉ: Manoel Messias Oliveira, Expedito Veloso Barbosa, José ferreira da Silva, Dário Teixeira Cotrim, Eutáquio Macedo, Wanderlino Arruda e Lázaro Francisco Sena. Sentados: Edwirges Teixeira de Freitas, Felipe Grabrich, Mara Narciso e Maria do Carmo Veloso Durães.


NOTICIANDO...

LIVRO: A OUTRA FACE DO ESPELHO - Geraldo Magalhães Zuba

Aconteceu no Centro Cultural “Hermes de Paula” o lançamento do livro “A Outra Face do Espelho”, de Geraldo Magalhães Zuba. A sessão solene foi presidida pela confreira Yvonne de Oliveira Silveira - presidente da Academia Montesclarense de Letras.

CD 200 ANOS DE POESIAS - Téo Azevedo

O cantador Téo Azevedo lançou pelo IHGMC o CD 200 ANOS DE POESIAS em homenagem ao casal Olyntho Silveira e Yvonne de Oliveira Silveira. O evento foi presidido pelo presidente do IHGMC, Dr. Wanderlino Arruda.

IHGMC VISITA A INB-CAETITÉ

Os membros do Instituto Histórico e Geográfico de Montes Claros - Dário Teixeira Cotrim, Lázaro Francisco Sena e Wanderlino Arruda - juntamente com os sócios correspondentes André Koehne e Antônio Rocha de Caetité e José Walter Pires, de Brumado e o convidado Pedro Ribeiro Neto estiveram visitando as instalações da INB-Caetité - Indústrias Nucleares do Brasil. Foram apresentados duas palestras sobre a produção do Urânio e, também, uma belíssima explanação do confrade Evandro Carele de Matos, que nos falou sobre a“Falta da Verdadeira e Devida Informação”. Tudo o que realmente devemos saber a respeito da contaminação do minério na Unidade de Concentrado de Caetité. Também fomos informados da necessidade do uraninita para o desenvolvimento da energia elétrica, como combustível nuclear, em todos os sentidos. Ainda foi nos mostrado o trabalho de recuperação do solo e os cuidados com o meio ambiente no replantio das árvores nativas e a preservação da fauna e da flora. Na verdade, foi uma oportunidade única para sanarmos as dúvidas sobre a radiação do urânio. De todo material recebido, o presidente do IHGMC, o confrade Wanderlino Arruda irá fazer um apanhado do que foi mostrado para publicação na nossa Revista com o intuito de melhor orientar os nossos confrades e toda a população de Montes Claros e da região.

LIVRO: DEGUSTANDO FOLHAS DE OUTONO DE PATRÍCIO GUERRA -
Zoraide Guerra David

Aconteceu no auditório do Colégio Imaculada Conceição o lançamento do livro “Degustando Folhas de Outono de Patrício Guerra, de autoria da confreira Zoraide Guerra David. O evento teve apoio da Academia Montesclarense de Letras e foi presidida pela confreira Yvonne de Oliveira Silveira.

HOMENAGEM À D. YVONNE SILVEIRA NA ASSEMBLEIA LEGISLATIVA

A professora Yvonne de Oliveira Silveira foi homenageada na Assembleia Legislativa do Estado de Minas Gerais pelo deputado Carlos Pimenta nas comemorações do seu centenário de nascimento. Uma homenagem justa e oportuna.

INAUGURAÇÃO DO MUSEU REGIONAL DE MONTES CLAROS

Foi inaugurado no dia 30 de setembro do corrente ano, o Museu Regional do Norte de Minas, em Montes Claros, no antigo casarão da FAFIL. A implantação do Museu ficou por conta da Unimontes – Universidade Estadual de Montes Claros e teve, ao longo do tempo, a participação decisiva da confreira Marta Verônica Vasconcelos Leite (do IHGMC). A criação do Museu tem como objetivo a preservação da memória cultural e histórica de Montes Claros e região. Na oportunidade o Instituo Histórico e Geográfico de Montes Claros foi agraciado com o diploma de AGRADECIMENTO pela sua importante contribuição para a implantação do Museu regional do Norte de Minas.

PALESTRAS EM GRÃO MOGOL: Dário Teixeira Cotrim e Marta Verônica
Vasconcelos Leite

Os acadêmicos Dário Teixeira Cotrim e Marta Verônica Vasconcelos Leite estiveram na cidade histórica de Grão Mogol a convite da Unimontes/Secretaria Municipal de Cultura e Turismo daquela cidade, representando o Instituto Histórico e Geográfico de Montes Claros. Na oportunidade eles proferiram palestras na Casa de Cultura“Terezinha Valquez”, abordando a história antiga da região e a necessidade de preservar o patrimônio público local. O evento fez parte da programação do Festival de Inverno de Grão Mogol - Lago de Irapé e aconteceu no dia 15 de julho de 2014.

LIVRO: SALUZINHO - LUTA E MARTÍRIO DE UM BRAVO - Leonardo
Álvares da Silva Campos

Foi lançado o livro Saluzinho: Luta e Martírio de Um Bravo, do escritor Leonardo Álvares da Silva Campos. O evento aconteceu no Centro Cultural “Hermes de Paula” com o apoio da Academia Montesclarense de Letras.

LIVRO: A RAZÃO DA MINHA ESPERANÇA - Érika Vilela

Aconteceu no Centro Cultural “Hermes de Paula” o Lançamento do livro “A Razão da Minha Esperança”, de escritora Érika Vilela. O evento teve apoio cultural do Instituto Histórico e Geográfico de Montes Claros e foi presidido por Wanderlino Arruda.

DÁRIO COTRIM LANÇA ANTOLOGIA SOBRE YVONNE SILVEIRA

Na mesa de honra: Lázaro Francisco Sena, Antônio Neto da Silva (Secretário de Cultura de Itacambira) Iracy Pereira Santos, Terezinha Teixeira Santos, Ana Valda, Wanderlino Arruda, Yvonne Silveira, Maria do Carmo Veloso, Itamaury Teles de Oliveira, Evany Brito Calábria e Marília Pimenta Peres.

Em sessão conjunta da Academia Montes-clarense de Letras e do Instituto Histórico e Geográfico de Montes Claros foi lançado, no Elos Clube de Montes Claros, o segundo volume da antologia “A Deusa das Letras”, em homenagem ao Centenário de Nascimento da ilustre professora Yvonne de Oliveira Silveira. O presidente do IHGMC, Dr. Wanderlino Arruda, dirigiu os trabalhos previstos da sessão magna: posse de novos sócios e o lançamento do segundo volume da antologia organizada por Dário Teixeira Cotrim sobre a professora Yvonne de Oliveira Silveira. O primeiro e o segundo volume da antologia “A Deusa das Letras” foram publicadas em parceria com o IHGMC, Academia Montesclarense de Letras, Academia Feminina de Letras de Montes Claros e a Academia Maçônica de Letras do Norte de Minas num trabalho primoroso da Editora Millennium/Cotrim, pela sua beleza gráfica e pela qualidade dos textos escolhidos. Participaram das antologias os amigos e amigas da homenageada, num total de 65 textos, em verso e prosa, todos eles num breve elogio de vida e das obras de Yvonne Silveira que agora completa 100 (cem) anos de idade. Ela nasceu no dia 30 de dezembro de 1914 e durante todos esses anos contribuiu para o enriquecimento e a valorização da cultura em Montes Claros e todo o norte-mineira.

MEDALHA ISRAEL PINHEIRO DO IHGMG PARA MARTA VERÔNICA

Marta Verônica Vasconcelos Leite
foi agraciada com a Medalha Israel Pinheiro, no Instituto Histórico e Geográfico de Minas Gerais. Agora são quatro acadêmicos montes-clarenses que receberam essa horaria: Dário Teixeira Cotrim, Wanderlino Arruda, Petrônio Braz e Marta Verônica Vasconcelos Leite.

LUIZ RIBEIRO O MAIS PREMIADO JORNALISTA MONTES-CLARENSE


Luiz Ribeiro dos Santos (foto de Danilo Evangelista)
O nosso confrade Luiz Ribeiro ganhou duas premiações na edição do Prêmio Esso – 2014, e chegando agora a quatro edições do mesmo prêmio,
situando-se entre os maiores ganhadores do Prêmio Esso da história do país. Hoje Luiz Ribeiro já acumula 44 prêmios de jornalismo regionais e nacionais, por trabalhos individuais e, também, em equipe. Eleé membro efetivo do IHGMC onde ocupa com galhardia a Cadeira nº 59, que tem como patrono o saudoso cronista João Valle Maurício.

 






Dário Teixeira Cotrim
Cadeira N. 93
Patrono: Simeão Ribeiro Pires

A Formação do Povo Montes-Clarense

Tudo aconteceu bem no finalzinho do século XVII, quando Antônio Gonçalves Figueira, em companhia do seu cunhado Matias Cardoso de Almeida, voltava do nordeste brasileiro trazendo consigo mais de setecentos índios preados, para a região norte-mineira. Muitos desses selvagens ficaram na região, quando Figueira resolveu fixar moradia nas vazantes do rio dos Vieiras. Nessa ocasião, notícias davam conta da presença do bandeirante Fernão Dias Pais, na Serra Resplandecente, em busca das esmeraldas existentes na lagoa do Vupabuçu, em Itacambira. Não era, entretanto, o que desejava Figueira senão a comercialização dos índios escravizados aos fazendeiros que criavam o gado vacum em grande parte do médio São Francisco. Assim, no ano de 1707, ele recebe quatro sesmarias do governador da província, criando nelas as fazendas do Brejo Grande, Olhos d’Água, Jahyba e Montes Claros.

Mas, é importante verificar o que escreveu o ilustre historiador Ernani Silva Bueno que a formação populacional do interior mineiro se deu pela “internação do povoamento e ocupação das terras montanhosas, em seguida, à descoberta das jazidas de ouro”. Montes Claros foi uma consequência desses acontecimentos, pois não era um distrito da mineração, senão da agropecuária.

Além dos índios existentes na região, os botocudos, os outros que vieram do nordeste - preados durante a guerra contra os holandeses - passaram a viver como escravos nas inúmeras fazendas deste setentrião mineiro, principalmente as mais de quinhentas delas existentes pelo lado esquerdo do Rio São Francisco, uma herança da Casa da Torre, do morgado de Garcia D’Ávila. Alguns desses índios ficaram no domínio de Figueira cuidando da criação de gado e da produção dos engenhos de cana.

Desolado, Figueira resolve voltar para a cidade de Santos. Ficam suas terras abandonadas. Entretanto, os índios continuariam nelas plantando e colhendo para as suas necessidades de sobrevivência. Por outro lado, na região da mineração, o aumento da escravidão negra foi astronômico. O distrito de Serro Frio recebia escravos vindos da Bahia (que passava pela fazendo do Brejo Grande - Vacaria) e do Rio de Janeiro. Nota-se que os negros fugitivos do distrito diamantino criavam seus quilombos como forma de se organizar para se defender dos grilhões da escravatura. Assim, muitos quilombos, ou pequenos mocambos, abrigavam esses negros como forma de libertá-los da cruel escravidão. Porém, muitos desses escravos foram resgatados pelo Capitão do Mato, ou mesmo trazidos da cidade de São Salvador e vendidos aos senhores fazendeiros, donos dos engenhos de cana.

O sertanista José Lopes de Carvalho é o novo proprietário da fazenda Montes Claros de Formigas. Para cá vieram também os paulistas egressos da região de Itacambira, expulsos por Miguel Domingues e de Grão Mogol, inimigos de João Costa. No primeiro momento, acreditamos que os paulistas e os índios foram os responsáveis pela formação da raça populacional de Montes Claros. Os negros também contribuíram para a formação do povo montes-clarense, se bem que numa escala inferior. Com a assinatura da Lei Áurea, o transito livre dos escravos libertos avolumou-se incorporando definitivamente o homem negro no convívio social. Já era do estilo português a miscigenação das raças: mestiça, cabocla e o mameluco. Portanto, o índio, o negro e o europeu foram os pilares da formação do povo brasileiro. Darcy Ribeiro explica isso com muita propriedade.

Na região de Montes Claros desenvolvia em grande escala a pecuária. Para lidar com o gado a adaptação dos índios foi um sucesso, haja vista que eles não aceitavam o trabalho de enxada e foice e, por outro lado, eram eles exímios vaqueiros e gostavam de lidar com o gado. Sabe-se, no entanto que, com a decadência do ouro na região mineradora de Diamantina, Minas Novas, Grão Mogol e Itacambira, os paulistas voltaram para as terras do café, ficando por aqui pequena quantidade deles que já havia constituído famílias e cuidavam da lavoura e dos currais de gado.



Dário Teixeira Cotrim
Cadeira N. 93
Patrono: Simeão Ribeiro Pires

 

LUIZ CARLOS NOVAES

“Era uma vez um menino de seu Novaeszinho e dona Maria
que cismou em ser andarilho e poeta”. (Felipe Gabrich)

A notícia da morte do jornalista Luís Carlos Vieira Novaes - o Peré - já era anunciada pela circunstância da doença que aos poucos vinha debilitando-o até o seu último suspiro. O nome deste grande jornalista é justamente considerado como dos que mais honraram a imprensa montes-clarense pela cultura, pelo trabalho, pelo patriotismo e pela criatividade nas letras na concepção dos seus textos. O Peré sempre foi um Sapo na Muda. Acadêmico das Letras, ele combateu, com espírito eminentemente liberal, os preconceitos de uma sociedade demente e imoral. Incentivando as publicações de livros, as exposições de artes plásticas e outras formas de cultura em Montes Claros e em todo o Norte de Minas.

Foi em 1993 quando o convidamos para participar do nosso projeto Consórcio Literário “Oficina das Letras”. Ele esteve presente, mas não publicou naquela oportunidade. O Consórcio Literário era de responsabilidade do confrade Ildeu Braúna, efetivo da Secretaria Municipal de Cultura e Turismo de Montes Claros. Na segunda edição, o amigo Peré retornou com objetivos mais alicerçados. Foi no ano de 2009, que publicou o seu belíssimo livro: “Sapo na Muda: meus amigos, meus mortos e meus caminhos tortos” que é este o título do álbum de crônicas do ilustre jornalista Luís Carlos Novaes.

Não se pode negar da qualidade do trabalho intelectual de Peré nos jornais e nas revistas. De forma simples, elegante e com características peculiares a sua escrita jorrava “sapos” e “pererecas” para o entretenimento dos amigos e companheiros das letras, principalmente para aqueles que frequentam o Café Galo. Disse com muita propriedade o confrade Felipe Gabrich que “lendo e relendo as crônicas de ‘Sapa na Muda’ o leitor vai se identificar com muitas coisas que se passaram, estão passando e ainda passarão. A caneta de Perereca permite isso ao leitor. Ele vai se encontrar com o passado, ver o presente e pressentir o amanhã chegando. Calmamente ou elevado de turbilhões. Como uma Perereca”.

Nasceu o escritor Luís Carlos Vieira Novaes em Montes Claros no dia 25 de dezembro de 1953. Ele pertencia a Academia Montesclarense de Letras, onde ocupava, como segundo sucessor, a Cadeira de número cinco, que tem como patrono o imortal Camilo Filinto Prates e que foi fundada pelo acadêmico Oscar Valle Moreira, e teve como primeira sucessora a poetisa Amélia Prates Barbosa Souto. No Instituto Histórico e Geográfico ele ocupava a cadeira de número 57, que tem como patrono João Novaes Avelins. Depois de um período no Diário de Montes Claros, ele foi para Janaúba, onde trabalhou na Radio AM Gorutubana e no jornal O Gorutuba. Em Montes Claros ele exerceu a função de diretor-chefe no Jornal de Notícias por mais de dezesseis anos. Faleceu o jornalista Luís Carlos Vieira Novaes a cinco de outubro de 2014, sendo a sua morte profundamente sentida, mormente entre os amigos por quem ele constantemente se encantava. Assim, o nosso eterno guru do jornalismo em Montes Claros se encantou para sempre.




Fabiano Lopes de Paula
Cadeira N. 66
Patrono: José Lopes de Carvalho

 

Uma Igreja na Encruzilhada

Para Hermes, Fina e Maria Custodinha1

Se fosse nos dias de hoje, certamente seria diferente, mas a históriaé construída pelos fatos, e esses pelos homens, e esses pelas ideias, pelos ímpetos, pelas vontades. Se não fosse tudo isso, talvez a capelinha do Rosário estivesse aí até hoje. Atualmente, temos uma compreensão mais clara, mais laica e, sobretudo, mais ampla sobre Patrimônio Cultural.

Ali, naquela encruzilhada, “das boas”, como diriam alguns iniciados, havia a história de uma igreja, que fora construída pelos devotos de Nossa Senhora do Rosário. Este orago está presente no imaginário religioso do brasileiro, principalmente pela sua matriz cultural religiosa, trazida de Portugal.

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1- Maria Custodinha, amiga, vizinha, cuja família comandava o Terno de São Benedito por quem meus avós e minha mãe tinham grande apreço. Pessoa que ajudava nos eventos, inclusive, quando me via, relembrava: “Fizemos uma festa muito bonita para o casamento de sua mãe.”
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Em razão do sincretismo aposto à Virgem, a devoção no Brasilé vinculada aos negros, cujas raízes do culto misturam-se às origens africanas, e aqui, neste nosso Brasil, toma corpo e dá alma. O culto a Nossa Senhora do Rosário manteve uma expressão na formação das cidades mineiras , e na formação religiosa dos mineiros. Os devotos, originários em grande contingente de escravos e seus descendentes, não mediram esforços para obterem os óbulos necessários à construção do templo. Prova de resignação, humildade
e, sobretudo, de fé.

Caio Boschi, em sua obra, Os Leigos e o Poder, coloca que....”As irmandades funcionaram como agentes de solidariedade grupal, congregando, simultaneamente, anseios comuns frente à religião e perplexidades frente a realidade social... (BOSCHI, 1986, p. 14).

Este esforço fraternal e comunitário que unia o céu a terra recebeu, nos setecentos, diversos nomes como confraternitas, sodalitas, sodalitatium, confraternitas, laicorum, congregatium, pia unio, societas coetus, consociatio. O Código de Direito Canônico define que...

As associações de fieis que tenham sido eretas para exercer alguma obra de piedade ou caridade se denominam pias uniões, as quais estão constituídas em organismos, se chamam irmandades. E as irmandades que também tenham sido eretas para o incremento do culto público recebem o nome de Confrarias....(BOSCHI1986, pag 15

Diante da sociedade escravista, havia de se pensar também em cuidar do espírito, seja na garantia de suas exéquias, encomendações de alma e campo santo, embora em Montes Claros não tenha sido marcante a segregação racial, pois os ofícios e obrigações eram dados quase que exclusivamente na igreja matriz para a população urbana. A construção de um templo dedicado aos padroeiros, cultuados pelos africanos, abria espaço também para as expressões laicas, de outros valores culturais, já ordenadas (ou alinhadas) a um sincretismo, ainda que não incorporado inteiramente pela igreja e pelas práticas dos grupos dominantes.

Nossa Senhora do Rosário a todos acolhia, poderiam vir dando dobar2, com seus três tambores, caixas e atabaques, com todas as suas fitas e guias, seus pés de dança, que viessem em Nagô, em Ketu ou Angola e, com o seu imaginário, envoltos nas contas do rosário e já saudosos dos tempos da África, apesar das vilezas do cativeiro.

Ressalte-se que a influência recebida, em Montes Claros, pela região mineradora do Jequitinhonha foi marcante, principalmente pela Comarca do Serro Frio e do Tejuco, interligadas pelas estradas do sertão .

Elementos de um “ethos” identitário de uma matriz africana já eram consolidados nessas regiões, inclusive com templos já mantidos pelas irmandades, (cuja presença desconhecemos em nossa terra, embora Saint Hilaire mencione uma Opa3 numa procissão em 1817). Dessa comunicação decorre, também, a celebração das festas que conhecemos como sendo de Agosto (não se sabe quando as festas juntaram-se em um único calendário). A festa do Rosário, em sua origem, para alguns pesquisadores, foi trazida do Serro no início do século XIX. E, de fato, há semelhanças entre as celebrações, assim como a festa de Catopé realizada em Conceição do Mato Dentro.

Nelson Viana, em sua pesquisa documental, contida em Efemérides Montesclarenses, aponta que, em 1833, na Câmara Municipal de Formigas, foi lido um requerimento do Padre Feliciano Fernandes de Aguiar, em que foi pedida a concessão de um terreno para edificar nesta vila, ao pé da capela principiada de Nossa Senhora do Rosário. Havia, anteriormente, uma capela inacabada que se localizava junto à praça João Catoni, outrora conhecida como Largo de Santo Antônio no bairro Rosário Velho. Como pode ser demonstrado, o sonho de se ter um templo dedicado a essa invocação é bem antigo, pois, na primeira metade do XIX, o projeto inicial já estava abandonado. Em maio de 1839, José Joaquim Marques pedia novamente à Câmara licença para erigir a Capela do Rosário em novo local, desta vez no começo da atual Avenida Coronel Prates (antiga rua do Jatobá). Em 22 de maio do mesmo ano, o Fiscal da Câmara recomenda o deferimento e que ficasse a rua com 45 palmos de largura, e que a nova via teria em sua entrada, nesta praça, uma direção reta (VIANA, 1962, p....).

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2 - Saudação tradicional dos cultos africanos feita às divindades, mediante o ato de deitar e rotacionar o corpo.
3 - Roupa específica para utilização, no século XVIII, nos ofícios das irmandades.

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Ainda, segundo o mesmo autor, apesar de José Joaquim Marques ter se empenhado na causa, a construção deveu-se à iniciativa dos escravos e de alguns devotos, e disse ainda que isso pode ser comprovado pelos documentos por ele pesquisados. Ele fora o canal utilizado para a factibilidade, principalmente pelo seu exercício do cargo de Juiz de Paz e agente dos correios, pois os escravos devotos, em sua grande maioria, teriam chance reduzida nas suas petições. Ainda a obra de Viana (1962) traz à luz a informação de que, em 16 de agosto de 1886, falece, no Largo da Soledade (Praça Dr. Carlos), aos 104 anos de idade, o escravo africano conhecido como Bernardo Coletor, assim chamado pela função de arrecadar esmolas para a construção da ermida. Como Capitão do Terno Dançante de São Benedito, possuía prestigio junto aos seus companheiros e demais moradores da comunidade. A igreja fora erguida, com esse grande esforço. Em cima da sua porta principal, havia uma placa indicando o ano de 1834, como sendo o da inauguração, porém essa informação não estava correta, pois, somente no ano de 1839, é que começou a construção da mesma, sendo reformada e aumentada no ano de 1887 por Domingos Garcia Tupinambá.

O Cruzeiro que conhecemos hoje, no canteiro da avenida, não é o original, pois fora derrubado durante uma manobra de um caminhão. Este que aí está, foi trasladado, em 1951, do antigo Largo de São Sebastião, onde deveria ser edificada a Capela do santo ho mônimo e marcava as Santas Missões do ano de 1907, construído por Camilo Luiz de Carvalho. O Largo chama-se hoje Praça Coronel Ribeiro.

Em 27 e 28 de agosto de 1919, outra celebração marcou também a igreja do Rosário, foi a bênção e transferência do sino para a recém inaugurada Capela das Almas, depois recebendo o nome de Santuário do Bom Jesus.

A igreja do Rosário teve a sua pedra fundamental do templo que aí se encontra, de linhas modernas em 1962.

A origem do culto à Virgem teve inicio no século XIII. Celebra-se a data comemorativa a Nossa Senhora do Rosário em 07 de outubro, sendo esta data marcada pela Batalha de Lepanto na Grécia, quando as forças navais da cristandade derrotaram os turcos, daí a associação com os barcos, seja a Nau Catarineta, no barco dos Marujos e na planta da nossa igreja atual. Pio V atribuiu a vitória à intercessão das preces dos devotos do rosário.

Para Monique Augras, a lenda diz que os “Mouros” aprisionados disseram ter visto a imagem de uma Majestosa Senhora, cuja aparição desnorteou a frota do Sultão Selim II, então, a data de 07 de outubro foi proclamada como sendo o dia de Nossa Senhora da Vitória, que prontamente foi identificada com a Nossa Senhora do Rosário.

Em relação à iconografia da Virgem, Jacopo de Varrazi, autor da Legenda Áurea, e também monge dominicano, não menciona em seu texto a aparição da Virgem a São Domingos, cuja lenda chegou até nós, sequer menciona também o rosário. Esses atributos apostosà imagem surgiram bem mais tarde, em razão de São Domingos ter dirigido o tribunal da Santa Inquisição contra os heréticos. A Virgem teria aparecido a São Domingos e lhe “disse que o homem e mulher cristãos invocariam a sua ajuda com as contas do rosário”.

Acredita-se, ainda, que o fio de contas, o rosário, possa vir a ser uma influência do Oriente, veio do MASBAHA dos Muçulmanos fio de 99 contas que representa as virtudes e os nomes de Deus, e também, para o Cristianismo 3 vezes a idade com que Cristo morreu , e do Jamapala, ou Mala do Hinduismo, e que teria sido levada pelas Cruzadas, pois foi difundido a partir do séculos XII a XIII .

Em relação às orações, é atribuída a Santo Anselmo a criação, no século XI a criação do Saltério de Nossa Senhora, uma adaptação dos Salmos de Davi, composto por 150 versos, começando cada um com a expressão invocativa “Ave”.

Na divisão do Saltério, em três partes, surge então o Terço e o Rosário é uma alusão ao roseiral, uma das virtudes associadas à Virgem.

Em Montes Claros, os templos principais datam do século XIX. A Matriz, antes da atual, foi construída em meados desse século, no mesmo lugar da capela anterior, do século XVIII, e a tradição barroca e rococó que marcou o fausto das cidades cheias de ouro, não foi um traço marcante aqui, pois não tínhamos ouro nem moedas em nossos potes e algibeiras. Montes Claros floresce no século XIX, no sertão e, por cá, apesar da nossa fé, não tivemos as irmandades religiosas, disputando o luxo nem os mesmos atrativos e cobiça para que essas se instalassem e fizessem tauxiados templos. O sertão era brabo, o ouro não brotava da terra, a lida era o gado, e nesse período do século XIX, o algodão florescia e grisalhava o cerrado. A afluência e as exigências trazidas pelo ciclo do ouro não chegaram a Montes Claros. Chegavam, sim, boas louças, boas pratas, bons tecidos, boas bebidas e ouro
para nossos ourives fazerem das joias um luxo efêmero, modesto que se podia. Havia, sim, bons artífices, como o entalhador Constantino do Rego, trazido para as obras da velha Matriz e de algumas pontes; bons mestres de oficio e entalhadores cujos trabalhos ainda permanecem em casas centenárias e sobrados da rua de baixo.

A tradição de angariar fundos para a construção de templos é uma velha tradição, em Montes Claros, temos bons exemplos, que, por pagamento de promessa ou não, alguns foram edificados, como exemplo a Capela dos Morrinhos, pagamento de promessa de Germana Olinda, Capela Santos Reis, erguida por Pedro Mendonça e a capela de São Marcos no alto da Serra, dentre outras. Vale transcrever um trecho da obra de Nelson Viana:

Lê-se em sessão ordinária da Câmara Municipal de Montes Claros de Formigas, uma petição de ação de Rosa Maria de São Pedro, pedindo licença para edificar uma ermida pública com invocação de Santo Antônio, depois da autoridade competente, no lugar onde esteve cravada a Igreja do Rosário mudada há pouco pelos pretos. É lhe concedida a assistência do Alinhador, mas a ermida não foi erguida ( VIANA, 1841, p. 200).

Citando, como exemplo, o caso das igrejas de invocação à Nossa Senhora do Rosário, São Benedito, Santa Efigênia, Santo Antônio de Catigeró e Santo Elesbão, nos séculos XVIII e XIX, está ligado aos escravos, que, com parcos recursos e muita luta, construíram os seus templos recorrendo a esmolas. Em alguns fundamentos da religião africana, há alguns rituais, em que a fé do crente é medida pela humildade do mesmo. Há casos em que certas obrigações são realizadas apenas com a contribuição alheia, faz parte do rito. Mesmo nas camadas menos populares do catolicismo, usava-se a expressão, no ato de aquisição de uma peça religiosa, “trocar” em vez de “comprar”, porque esse sentido, embora não fosse pecado, “fazia mal”.

As Festas de Agosto, em Montes Claros, reproduzem na fé, também, uma organização social herdada desde os tempos da colônia. O próprio cortejo, cujo reinado reproduz essa hierarquização, traz de volta cenários de origem europeia, como a festa do Divino com os catopés, marujos e caboclinhos. Os marujos e o Terno do Divino, principalmente, exibem a cor vermelha; por si só já demonstram um estatuto social, cuja origem vem dos Códigos Suntuários Medievais, colocando essa cor como regalia da igreja e das classes mais abastadas, daí a cobiça pelo corante do pau Brasil; enquanto os outros dançantes exibiam cores brancas de algodão, cuja manufatura era autorizada na Colônia, em decorrência dos Tratados de Comércio. Os caboclinhos vestem-se de penas.

Montes Claros, ao unir as três festas num calendário único, 15 de agosto, criou uma singularidade local e específica e reiterou a hierarquização contida no imaginário das festas. Não se sabe a razão e quando foram instituídas as “Festas de Agosto”, que, desde o início do século XX, têm a mesma cerimônia. Pelo calendário católico em sua hagiografia, a festa de Nossa Senhora do Rosário e São Benedito, originalmente, 5 e 7 de outubro e o Divino, tradicionalmente, celebrado cinquenta dias após a Páscoa,

Não temos mais a igreja do Rosário, foi demolida em 1960 e todo esse passado não pode ser condenado, havia ã época motivos, plausíveis ou não, que justificavam os fatos. Um dia faremos parte dele.

O importante, nisso tudo é que o Dr. Hermes de Paula, lúcido como sempre, resgatou um pouco da história. A praça, diminuída, mutilada, existe ainda como um local sagrado e fundamental para a celebração da festa. O lugar faz parte da festa e a festa é daquele lugar. E o lugar ainda está lá.

A manutenção da festa na área da antiga capela onde, desde 1839, se realiza, faz parte do ritual. O desfile pela cidade é um forte elemento de resistência e de manutenção desse patrimônio cultural, não deixando que ela se distancie do centro urbano. Na história da igreja, houve uma manifestação contrária à realização da Festa de Agosto. Uma comissão foi até o Bispo D. João Pimenta, solicitando a proibição, quando se alegou que a cidade já estava civilizada segundo testemunha ocular, D. Eponina Pimenta, o Sr. Bispo que não iria coibir a festividade, pois se tratava de um ato de fé e que todos teriam o direito a esse ato de manifestação de fé. Mais uma sabedoria do nosso primeiro bispo.

A atual igreja, projeto de Mércio Guimarães, em forma de barca,é uma referência à origem da festa, remete à Nau Catarineta, à Batalha de Lepanto e poucos conhecem a razão daquela arquitetura tão peculiar e de linhas modernistas.

Enfim, mudam-se os homens, ruem as casas, saqueiam nossos templos, santos são despidos, repintados, trocados, mudam-se de religiões, mas nunca se pode desconhecer importância da fé.


SALVE O ROSÁRIO!

E como diria D. Eponina Pimenta, em suas belas e preciosas anotações: “A Nau Catarineta ficará de pé como um legado vivo e símbolo imortal”.

O privilégio de se ter as obras de Nelson Viana, em suas Efemérides Montesclarenses, e a de Hermes Augusto de Paula, em Montes Claros, sua História, sua Gente e seus Costumes, constituíram legado fundamental para a realização deste artigo. Agradecemos ao confrade Haroldo Lívio, a amiga Jaqueline Pimenta e à prima Raquel Mendonça.

Montes Claros, Carnaval de 2013.

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Fabiano também é o autor da matéria Memória Absolvida publicada no Jornal de Notícias em 30/12/2012.




Felicidade Patrocínio
Cadeira N. 20
Patrono: Camilo Prates

COM OS OLHOS NAS LETRAS DE PERÉ
“À LA RECHERCHE DU TEMPS PERDU”

Como Luiz Carlos Novaes, o PERÉ, eu também vivi no tempo dos sonhos.

Eu chegara um pouco antes, mesmo assim, estávamos, ambos, lá, no tempo do apelo à vida, no tempo e espaço das revoluções: sexual, social e tecnológica. Percorria o mundo uma intensa vibração vital; a palavra vida confundira-se com o verbo que gerou, exigindo a ação do viver iminente. Vivia-se o “sonho hippie, onde tudo era permitido”.

Entre as duas décadas; sessenta e setenta, o mundo estava em convulsão e era “preciso amar como se não houvesse amanhã”. Surgira a pílula anticoncepcional, liberando as mulheres do determinismo natural. Liberdade! O homem conquistou o espaço e desembarcou na lua, mas, os garotos que como eu cantavam à vida, a liberdade e amavam os Rollys Stones morreram no Vietnan.

Os Beatles já cantavam em todas as casas através da televisão, até em Montes Claros, com uma lente ainda difusa. Foi quando instalou-se e fortaleceu no Brasil a ditadura e jovens como nós desapareciam nas torturas, enquanto outros continuavam cantando um canto de vida e morte nas ruas, que a juventude ensaiou um novo jeito de ser. O PERÉ estava lá, a tudo vivenciando, vivendo, participando, discutindo, registrando, criando. Eu, em outra circunstância, estavaà margem desse caminho, a tudo assistia como quem procura ver os detalhes de uma paisagem distante, porém, não discernindo bem os seus tons. A distância dessas transformações era garantida por uma educação conservadora. Os pais e os irmãos mais velhos preservavam o “claustro” que me impunha segurança. Talvez por isso acompanhame, desde sempre, um sentimento de perda dos tempos perdidos, os quais venho resgatando nas leituras dos textos desta figura ímpar nas letras montes-clarenses, o PERÉ, nascido Luiz Carlos Novaes. Antes de conhecê-lo pessoalmente, eu já ouvira por demais seu nome e sobre suas ações; na imprensa local e nas transformações da cidade. Sua pessoalidade conquistou-me completamente. Percebe-se que PERÉ conseguiu conservar intacto, todo o arsenal de sonhos e de ideais, assim como a alegria e a força de uma geração incomum de jovens.É uma mistura de simpatia, bondade, eficiência. Sua argúcia e inteligência transbordam nas metáforas irônicas das críticas que elabora reclamando a nossa reflexão sobre a realidade de nossa vida e da cidade que habitamos, mas o que mais encanta neste “jequitibá” intelectual tão frutífero é a sua memória e a capacidade de registro de forma tão pródiga e interessante.

É nos seus textos que encontro a mim mesma nos tempos de antanho, não aquela que realmente fui, mas aquela que poderia ter sido se tivesse vivido no cerne de todos os acontecimentos e verdades que diziam respeito a todos nós, nas transformações locais e universais da época. Ele sabe a importância do que faz, Luiz de Paula lhe ensinou que; nós “temos dois passados - o osso e o do mundo”. Além de reencontrar-me na leitura dos seus textos, tenho lá encontrado verdadeiras pérolas, que percebe-se, são frutos da esperança e de uma reflexão aprofundada. Sua alma ainda hippie parece perdurar. É ele quem dizainda nestes tempos de vazio, que: “O amor existe. E ao contrário do que o analista disse, é eterno. Etéreo. É profundo. É animal. Embora a gente esteja sempre em perigo com ele”. Contemporiza: “A felicidade ainda demora um pouco”. “A felicidade é mais que uma vontade, é mais que uma quimera, é mais que uma esperança”. Reconhece que:“Nossa vida é tão em comum como incomum, que os tempos mudaram”, mas que ele “não tem perigo de ficar velho na cabeça” e sobre a internet comenta que”: estamos fazendo parte de um mundo mágico, delirante, inebriante, deste nosso sertão cósmico, que agora é universal”. “estou aqui, perdido nesta aldeia... mas estou no mundo. Quero experimentar... este novo mundo com a cabeça dos nossos filhos. Seduzir e abduzir, ser seduzido e abduzido. Ter experiências! Ficar neurado diante do computador, pois o colorido que ele nos trouxeé diferente e isso é a maior novidade”. Para PERÉ, profissional que honra o jornalismo da cidade e região, “o espaço é o avesso do silêncio onde o mundo dá muitas voltas” Sua página “Sapo na muda”. É a primeira que leio no jornal de Domingo.

Pois lá, ele nos informa sobre o melhor da música e seus agentes, desde outros tempos, sobre filmes significativos, fala-nos dos mais inusitados tipos de comportamentos humanos colhidos no vasto campo da sua convivência, fala dos sentimentos, dos valores, dos amigos que se foram, de personalidades que arrebatam, da saudade que dói, “fala com os passarinhos, com os esmeros, com os meninos”. Sua letras registram um tempo, cujas idéias, histórias, as vezes sem começo ou fim, que foram traçadas no real e coloridas pela sua original percepção. É o resgate deste conteúdo, que vem completando em mim, a memória do não vivido pessoalmente, embora tivesse desejado ardentemente, dos elementos que entrelaçam a minha identidade de jovem das décadas sessenta/setenta. Devo, pois, ao PERÉ, o resgate de um tempo que perdi e quero agradecer. É importante para mim. Como se tudo isto não fosse demais o PERÉ criou a pouco tempo uma “grandiosa” (em todos os termos) revista a qual denominou TUIA homenageando a figura popular de um escravo que percorria nossas ruas nas décadas de sessenta/setenta. A revista que já está no 3º número é verdadeira obra de arte, tanto da Literatura, quanto do Jornalismo e das Artes Visuais. Seu conteúdo, além da informação atualizada trata com carinho da história e arte da cidade. É mais um manancial de resgate da nossa identidade. PERÉ é um homem que sonha e realiza o que lhe é prioritário, vencendo qualquer dificuldade, mesmo no que concerne a sua, as vezes, debilitada saúde. Por tudo isto, me engrandece e me traz orgulho o fato de tê-lo como amigo. PERÉ, eu o reverencio. Como você, ainda sonho acordada diversas vezes, mesmo sabendo que “o destino flui, que o homem flutua”, que a “vida passa e a novidade acaba”, como disse sua Vó Mariinha. Mas, também comungando a certeza do que li em seu artigo, que “a vida segue antes de parar no mar. E o mar retorna em ondas”.




Felipe Gabrich
Cadeira N. 89
Patrono: Robson Costa

O Folclore e o Tempo

Quem viu uma vez, vê duas e revê a vida inteira. Não há atividade humana mais sublime do que a preservação das manifestações populares de uma época e de um povo. O que a sofisticada biblioteca chama de folclore, nada mais é do que a saga mitificada de modos de vida e de sentimentos de ancestrais que escreveram suas emoções para as gerações do presente e para o futuro das sucedâneas.

Não é só necessário compreender o passado, como também é imprescindível senti-lo, com a nostalgia da alma cujo tempo não tem dimensões cronológicas.

A imagem, resgatada do arquivo sem pastas suspensas e prateleiras da memória, onde os fatos são guardados em neurônios de rolos de microfilmes invisíveis, mesmo com o risco de serem apagados com a falência múltipla das células, mantém a fidelidade e as cores das cenas captadas pelas retinas ao longo dos anos.

O acesso aos dados é automático e instantâneo, não sendo necessário acionar mecanicamente qualquer dispositivo e nem aguardar pelo lento e demorado processo eletrofotográfico de “downloads” computadorizados. Um simples pensar e a lembrança faz a mente projetar o assunto focado no visor cerebral, inclusive, com áudio, conforme o caso.

As cenas, exibidas em “slow-motion”, mostravam um menino maravilhado com a alegria de acanhadas ruas, onde grupos de dançantes, de vestimentas multicoloridas e exóticas, tocavam rústicos instrumentos de percussão - pandeiros, tamborins e caixas - em meio a evoluções bizarras e cantarolavam modinhas plangentes, quase chorosas, de versos ininteligíveis à audição.

“Aruê, tingô-gê...
Aruê, tingô-já...
A galinha que bota na cama,
Ó tingô-gê...ó tingo-já”.

Era mês de agosto, de um ano qualquer de século indeterminado.

Zumbi ou Congada.

Os reinados de Nossa Senhora do Rosário e de São Benedito.

O império do Divino Espírito Santo.

Os foliões, agrupados em ternos, pés escondidos em sapatilha de cor branca, moviam-se em colunas: vestiam calças de linho branco, enfeitadas por uma larga fita avermelhada de cetim nas laterais, do cós à barra, jaquetas do mesmo tecido e cor, com botões auríferos na frente e nos bolsos, e ombreiras - tipo farda militar - de marrom-dourado.

Nas cabeças, um falso boné de papelão, com um espelhozinho ao centro, de cujas bordas desciam fitas de cetim de vários matizes; os que vinham à frente de cada grupo ostentavam uma cobertura ainda mais extravagante nas cabeças, com exuberantes capacetes de longas penas de ema e pavão, de resplandecente colorido verde-arroxeado.


Festa dos catopês em Montes Claros/MG.

Puxando cada grupo, um folião de vestimenta ainda mais vistosa, trazendo à mão o estandarte do santo de sua devoção, que o videoteipe da memória identificava bem através das cores - rosa, azul e vermelho. Rosa de Nossa Senhora do Rosário, Azul de São Benedito e Vermelho do Divino Espírito Santo.

O inusitado cortejo corria as ruas em direção a uma igreja, onde os dançantes se reuniam e, em redor de um mastro, tocavam e cantavam em conjunto as mesmas melodias lastimosas.

Em volta, a curiosidade cultural e mística popular; nos ares, o cheiro da tradição; nos corações, de atores e espectadores, a religiosidade e a fé.

Eram os eternos catopês. Gente simples do povo, de origem e identidade desconhecidas, representando um esquete herdado dos pais ou avós.

Os mesmos catopés que, a cada mês de agosto, dedicado ao folclore, estão de volta às ruas das cidades que sabem preservar-lhes os costumes.

Mesmo sendo século XXI e início do terceiro milênio.

Os modernos dançantes dos festejos de agosto são uma prova cabal de que, filosófica e culturalmente, o ontem, o hoje e o amanhã são, a um só tempo e eternamente, o agora.

E sempre!



Haroldo Lívio
Cadeira N. 82
Patrono: Nelson Viana

 

Enchente de São José

Esta chuva que caiu, de muito raio e trovoada, nas noites de 22 e 23 de março corrente, ainda pode ser atribuída ao prestígio pessoal de São José junto a São Pedro, o chaveiro do céu, que também governa as torneiras de lá de cima. Tradicionalmente, por volta do dia consagrado ao pai de Jesus Cristo - 19 de março - o homem do campo, em nossa região castigada pelas secas, aguarda o socorro da enchente de São José, que alaga os campos lavrados, enche córregos e barrocas com uma abundância de águas que o sertanejo aproveita para enfrentar a próxima estiagem. Daqui em diante, a esperança é que venham as pancadas de chuva de São Miguel e de Todos os Santos.

No nosso caso particular, temos desfrutado, nas horas de grande aperto, do privilégio de sermos paroquianos do santo carpinteiro e de sua esposa Maria Santíssima, nossos venerados padroeiros da paróquia da Igreja Matriz, a primeira da cidade, a quem os crentes recorrem quando se anuncia a iminente catástrofe da falta d’água. Felizmente, ainda merecemos a clemência de nossos padroeiros, apesar de nossos pecados, porque o casal nos ouve e coloca o precioso líquido nas torneiras de todas as paróquias da cidade, para a gente cozinhar, lavar a roupa, banhar-se e matar a sede.

Nossos padroeiros mostram que, sobretudo, são gratos pela generosa doação feita pelo alferes José Lopes de Carvalho, no Século XVIII, quando entregou aos santos, em troca de um lugar na morada celestial, quase toda a área atual da cidade mais algumas cabeças de gado. São José e Nossa Senhora da Conceição adquiriram, com a doação, a condição de latifundiários e pecuaristas, ocupando lugar de destaque na economia local. Parece que o casal doador, sem filhos, se esqueceu dos sobrinhos, deixando os valiosos bens para a Igreja, prejudicando, entre muitos, o antropólogo Fabiano Lopes de Paula e o artista Tico Lopes que, mesmo assim, não reclamam do tio-tataratatara-tataravô.

Consta que, no passado, a festa religiosa mais importante de nosso calendário montes-clarense era a comemoração pomposa do Dia de São José. Recordo-me de que, no velório do Padre Chico, na Matriz, fiquei sabendo da importância dos festejos por uma prosa entre Vicente Veloso Souto e “Seu” Joãozinho de Faria (cunhado de Niquinho Teixeira), dois profundos conhecedores da crônica local. (Esta cena se registrou há cerca de meio século, se não me falha a memória.) acrescento minha colaboração, sobre a importância da festa, para testemunhar que meu querido pai, aqui nascido no dia 14 de março de 1898, recebeu na pia batismal o nome de José, pelo simples fato de ter nascido faltando cinco dias para a grandiosa festa de São
José, com foguetório, procissão solene e banda de música, em grandioso espetáculo de fé e beleza. Ouviam-se cânticos, dobrados, valsas, mazurcas, alegrando toda a Baixada, da Rua Gonçalves Figueira até a Rua Cel. Altino de Freitas, outrora denominadas de Rua do Ocidente e Rua do Oriente; ou, como já se disse no popular, Rua do Pedregulho e Rua do Marimbondo.


Haroldo Lívio
Cadeira N. 82
Patrono: Nelson Viana

 

PRIMO PERÉ

Luiz Carlos Vieira Novaes, o Peré inesquecível e bem-amado de todos os parentes, contraparentes, aderentes, amigos, admiradores e leitores, foi cruelmente arrebatado de nosso convívio e nos deixou por algum tempo. As lágrimas até aqui derramadas equivalem ao mar de imorredoura saudade em que estamos todos mergulhados. Sua prematura partida, em meio à consternação geral de todas as pessoas que o amavam, veio desmentir aquela afirmação de que não existem pessoas insubstituíveis. Peré não deixou substituto, alguém que possa igualá-lo em nobreza, em bom caráter e em talento; alguém que possa reunir tanta simpatia e carisma pessoal ao redor de si, mercê de seu reconhecido valor de jornalista e cidadão do mundo, sempre disposto a servir o próximo.

Ele já nasceu abençoado e iluminado pela luz que vem do céu para mostrar quem está perto de Deus. Foi escolhido pela Providência Divina para nascer no dia 25 de dezembro de 1953, para coincidir com a mesma data de nascimento do Menino Jesus. Não resta dúvida de que há algo de profético nessa feliz coincidência. No dia de seussessenta anos, no ano passado, publiquei um relato sobre o novo sexagenário, lamentando que seu pai, o saudoso Novaesinho, e a mãe, dona Maria, não tivessem dado ao bebê um nome alusivo à data máxima da Cristandade. Ele poderia ter sido contemplado, na pia batismal, com o nome de Natalício, ou Natalino, ou Salvador, ou mesmo Jésus (com o acento agudo) para não ser confundido com o outro ilustre aniversariante. Porém, o pai, que nutria grande admiração pela figura histórica de Luiz Carlos Prestes, o Cavaleiro da Esperança, perdeu
a oportunidade e decidiu pelo nome do político, sem saber que o batizando veio a ser, como o pai, um modelo de cristão e criatura do bem. Coisas que acontecem...

Minha primazia com Peré, como digo no título acima, se origina na amizade entre meu avô materno, João Vicente Maria do Amor Divino, pernambucano de Petrolina, e seu avô paterno, João Novaes Avelins, também pernambucano, de Cabrobó, ambos nascidos em cidades banhadas pelo Rio São Francisco. Todavia, vieram a se conhecer em São Francisco, terra barranqueira de Minas Gerais. Até aqui somos apenas netos de dois pernambucanos unidos pela amizade, ainda não dando para dizer que fomos primos nem que seja detrás da serra.

Sem querer pegar carona com a fenomenal simpatia do amigo que partiu, quero informar ao distinto público que a avó paterna de Peré, dona Angélica Novaes, e minha avó materna, dona Florinda Barreto Nobre, portadoras de nomes lindos, eram conterrâneas de São Romão e se apresentavam socialmente como primas. (Não sei qual o grau do parentesco.) O que importa mesmo e que elas fizeram o quarto ano primário em Januaria morando na casa de Tia Ursulina, de quem eu e o querido amigo devemos ter sido sobrinhos-bisnetos. De qualquer forma, teríamos de ser primos nem que fosse pela coincidência da presen;a do Rio São Francisco, na caminhada de nossos
antepassados que desceram do Nordeste navegando pelas águas sagradas, em busca de dias melhores.



Itamaury Teles
Cadeira N. 84
Patrono: Newton Prates

 

MERGULHO NO
PASSADO COM PERÉ

Meu velho amigo Luís Carlos Novaes - o Peré - encantou-se. O guerreiro sucumbiu-se, sem se entregar, não sem antes exaurirem todas as suas forças. Com mil planos para o futuro e com pautas para as próximas edições da sua revista.

Eu já acompanhava sua via-crúcis contra o câncer havia mais de cinco anos. Ultimamente, debalde seus esforços pela vida, seu corpo padecia a olhos vistos. Nosso último encontro aconteceu nas Festas de Agosto, que ele foi assistir com muito sacrifício. Sua voz era um fiapo, quase inaudível, mas ainda proseamos um pouco, falando de amenidades e da sua mais recente criação: a Revista Tuia.

De lá para cá, muitas vezes ocorreu-me de visitá-lo, mas não tive condições emocionais de fazê-lo. Contudo, sempre mandava uma mensagem, para encorajá-lo no difícil embate.

Foi difícil para mim ver o amigo partir. Mas partiu como sempre viveu: suavemente, altivamente, sem de nada se queixar...

Conheci-o em 1970, quando estudávamos no Colégio São José. Não éramos colegas de turma, mas seu apelido - Perereca, nos últimos tempos reduzido apenas para Peré - era famoso no Colégio. Os belos textos que produzia, nas aulas de Português, eram lidos com entusiasmo pelo professor Paulo Teixeira, nas outras salas.

No ano seguinte, por imposição de ofício, ele e eu nos transferimos, de malas e cuias, para o curso científico, noturno, da Escola Normal, e passamos a ser colegas de turma. Ali, ainda no primeiro semestre, fundamos o jornal estudantil O K-VEIRA. Eu trabalhava na Sisan, no Edifício Ciosa, com o meu cunhado Omir, e Luís trabalhava no escritório do arquiteto João Carlos Sobreira, na Rua Governador Valadares. A proximidade facilitava nosso contato e o trabalho de redação e datilografia dos estênceis, nas horas vagas, para posterior impressão do jornal, em mimeógrafo.

Este jornalzinho, por incrível que pareça, abriu as portas do jornalismo profissional para mim, aos 16 anos, no O Jornal de Montes Claros, e para o Luís, um pouco depois. Eu sugeri o nome dele ao Jorge Silveira - editor do Diário de Montes Claros, naquela época -, para que escrevesse uma coluna semanal intitulada “Rádio, Discos e TV”. O Peré tinha muitos Long Plays em sua casa, e costumava presentear os amigos com fitas K-7 contendo músicas que ele selecionava. Com gosto musical apurado, as fitas eram disputadas para serem ouvidas e copiadas.

Em várias crônicas que escreveu em sua relativamente curta existência de seis décadas, o Peré relembrava desse tempo, tocandonos profundamente. Eram reminiscências de uma época bastante significativa para todos nós que tivemos o prazer de vivenciá-la, em Montes Claros.

Com sensibilidade para captar todos os movimentos culturais do início da década de 70, e deles participar, sempre como eminência parda, Luís nos conduzia ao passado e fazia-nos saborear novamente de uma época em que a cultura efervescia nos colégios da cidade, com grupos teatrais, jornais estudantis, academias de letras e outras agremiações de destaque.

Fundamos, também, juntamente com o Manoel Oliveira, a Academia Juvenil de Letras - ACAJUL, cujas reuniões ocorriam em sua casa, na Rua Dr. Veloso. Ali, muito novos ainda, degustávamos, ao final, uma dose de cachaça, que furtivamente obtinha da elogiada coleção de seu pai, “seu” Novaesinho.

Depois, enveredamo-nos pelo teatro, com a peça “Hoje também é dia de rock”. Como eu não era ator, ele arranjou uma forma engenhosa de colocar-me no elenco, como locutor de um texto introdutório.

Depois de fazermos o Tiro de Guerra, em 1972, e lá escrevermos o jornal “Pé de Poeira”, seguimos caminhos diferentes. Ele foi trabalhar em indústrias e, posteriormente, em emissoras de rádio e redações de jornais, em Montes Claros e Janaúba. Eu segui carreira no Banco do Brasil, ao longo de 27 anos, sem jamais deixar de colaborar com os jornais locais.

Com a minha aposentadoria e volta a Montes Claros, passamos a cultivar mais nossa velha amizade. Tornamo-nos confrades - na Academia Montesclarense de Letras e no Instituto Histórico e Geográfico de Montes Claros - e companheiros de prosas matinais, no Café Galo. Quando chegava, carregando nos ombros um alforje quase arrastando no chão, cumprimentava-me, com alegria:

- E aí, Ita, tudo bem?

É triste saber que isso ficou no passado, Peré. Mas viverá sempre em nossas lembranças. Sentirei muito a sua falta.

Até mais ver, amigo.



Juvenal Caldeira Durães
Cadeira N. 81
Patrono: Nathércio França

O Curso de
Matemática /FAFIL

Em 1964, através de um projeto do deputado Cícero Dumont (de Bocaiúva) e de lutas acirradas das recém-formadas nas faculdades de Belo Horizonte: Isabel Rabelo de Paula (História e 1ª diretora dos cursos), Florinda Ramos e Dalva Dias (Geografia), Baby Figueiredo (Pedagogia) e sua irmã gêmea Mary, hoje na Universidade em Londres (Letras), conseguiram trazer quatro cursos de ensino superior para Montes Claros: Pedagogia, História, Geografia e Letras, amparados pela FELP e instalados provisoriamente em salas cedidas pelo Colégio Imaculada Conceição. Mais tarde, foi criada a Fundação FUNM, para dar continuidade ao seu funcionamento, no casarão da rua Cel. Celestino.

As turmas foram formadas por pessoas portadoras de grande experiência, que esperavam uma oportunidade para aumentar e aprimorar seus conhecimentos. Eu participei da 1ª turma do Curso de Pedagogia como aluno, ao lado daqueles detentores do saber, como a escritora Maria Pires, a intelectual Elisa Pires, a famosa diretora educacional América Eleutério e outras de mesmo nível.

Posteriormente, esses cursos passaram a funcionar no Casarão, ex-Escola Normal, com o nome de FAFIL (Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras).

Em 1968 os professores de matemática sem habilitação que já lecionavam na cidade tiveram a ideia de criar o curso de Matemática de nível superior para regularizar as suas situações. Procuraram a então diretora da FAFIL, Sônia Quadros, que prontamente apoiou o grupo desde que uma comissão fosse criada para ajudar na concretização do curso. Eu, Rosa Terezinha Paixão Durães, Wandaik Wanderley, Waldir Rametta, José Duarte Callado e outros entusiasmados com o evento, com o apoio da diretora, começamos a movimentar. Passamos uma lista de adesão ao curso e fomos atrás de Francisco Bastos Gil, lá em São João Del Rei, onde ele era aspirante do Exército, para dar início ao curso. Ele aceitou ao nosso convite e veio para Montes Claros, para nos atender, começar uma nova vida e uma nova profissão. Era recém-formado em Matemática pela Faculdade de Filosofia de Belo Horizonte/BH e um grande entusiasta.

O curso foi instalado e formado o corpo docente, em sua maioria de liberais de notório saber em áreas afins. Gil era a “mola mestra”, dava o suporte necessário garantindo a qualidade e funcionamento do curso. Organizou o departamento de Matemática e assumiu as matérias mais pesadas. Tinha uma organização perfeita do quadro negro e do seu trabalho. Boa didática, bom manejo de classe e domínio nas matérias que lecionava, o que o tornou simpático e amigo de todos. Foi nosso verdadeiro líder, que ainda hoje lembramos com saudade.


Primeira Turma de Matemática-1968/71.
Não presentes nesta foto: Ivonete, Clarindo e Coracil


Prédio da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras/FUNM.

A primeira turma do Curso de Matemática formada em 1971, na ex-FAFIL/FUNM (Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras/ Fundação Universitária do Norte de Minas), hoje, CCH/UNIMONTES (Centro de Ciência Humanas/Unimontes): Clarindo Anacleto, Coracil Freitas Gonçalves, Edson Guimarães, Egídio Cordeiro Aquino, Gerson José Barbosa, Geraldo Oliveira Santos, José Carlos Duarte Callado, José Soares da Silva, Juvenal Caldeira Durães, Maria Ivonete Lopes dos Santos, Marisa Monteiro Guimarães, Rosa Terezinha Paixão Durães, Rivaldo Bezerra, Waldir Rametta, Walkiria Gonçalves
dos Santos e Wandaik Wanderley. Esses foram os 16 que chegaram até o fim do curso, iniciado em 1968, com 64 alunos distribuídos em duas turmas (uma à tarde e outra à noite) e terminado com uma só noturna, com apenas, 16 formandos em 1971. Os outros se perderam no decorrer do curso.

A UNIMONTES tornou Montes Claros um pólo universitário de renome nacional que, além de atender a nossa cidade, acolhe alunos de toda região Norte Mineira, com a eficiência de seus devotados funcionários e com o altruísmo e preparo de seu corpo docente, com especializações diversas, mestrados e doutorados, apesar de mal remunerados, desprestigiados e desrespeitados pelo poder público que renega a Educação e a tem como despesas inúteis ou um peso desnecessário para o governo. O Estado não reconhece a Educação como um dos principais pilares do desenvolvimento do seu povo, como no Japão, nos países escandinavos e noutros, que desenvolveram suas nações usando a Educação como ferramenta primordial. Num trecho do hino da Finlândia diz: “... não temos terra, temos gente...”. De fato, seu território é pequeno e passa grande parte do ano coberto de neve. Também, o Japão é uma ilha problemática territorialmente e, no entanto, esses países estão entre as maiores potências do mundo. Por quê? A educação é aplicada corretamente e considerada em primeiro plano ali. Assim acontece nas demais grandes potências. O Brasil, apesar da imensa área coberta de riquezas naturais, o país capenga com o povo vivendo de bolsas e cotas diversas, na ignorância e na ociosidade, enganado com falsas promessas. Tudo isto, falta da Educação como formação da consciência de seu povo.

A Universidade Estadual de Montes Claros/UNIMONTES com suas Unidades procura juntamente com as outras instituições educacionais fazer a sua parte, desafiando e enfrentando as dificuldades e indiferenças governamentais. Montes Claros conta ainda com diversas faculdades particulares, escolas de ensino técnico, colégios de 1º e 2º graus, públicos e particulares.

A FAFIL virou Centro de Ciências Humanas/CCH-UNIMONTES e o curso de Matemática transformou-se em Unidade de Ensino de Ciências Exatas, instalado num suntuoso prédio do Campus Universitário/UNIMONTES. Há ainda alguns marcos que lembram a minha saudosa passagem por ali: um laboratório com o meu nome; uma foto na galeria dos diretores, entronizada entre os demais colegas que por ali passaram. Existem também nossos ex-alunos, hoje professores titulares com mestrados e doutorados, dando prosseguimento, com eficiência e zelo, ao nosso trabalho, além de alguns colegas amigos que ainda restam e ali permanecem. Muitos já faleceram, outros aposentaram ou tomaram destinos desconhecidos.

Eu procurei participar das diversas áreas de atividade dos educandários por onde passei: regente de salas de aula, Chefia de Departamento, Comissão de Vestibular, Vice diretoria por várias ocasiões, diretor do CCH, Conselho Universitário e do Conselho de Ensino Pesquisa e Extensão. Foi um passado de lutas atribuladas e penosas, todavia, compensatórias e saudosas. Minha esposa, Profª. Rosa Terezinha Paixão Durães, acompanhou me nessa trajetória de lutas, de trabalho e de estudos, lecionando Matemática e Estatística na Escola Estadual Prof. Plínio Ribeiro, na FAFIL e na UNIMONTES. Hoje aposentada e minha companheira na arte musical do Conservatório Estadual, Lorenzo Fernandez.

Quantos aos professores do curso de Matemática: Gil, como já foi dito, foi nosso professor durante todo o curso e lecionou Cálculo Integral e Diferencial, Cálculo Numérico e Fundamentos Matemáticos. Os outros professores, de igual peso e de nossa alta estima, foram: Profª. Yvonne Silveira (Português); Profª. Baby Figueiredo (Psicologia); Profª. Maria de Lourdes Ribeiro (Didática); Dr. João Carlos Sobreira (Desenho Geométrico e Estatística); Dr. Randolfo, engenheiro do DER (Geometria Analítica); Dr. Carlos Alberto (Álgebra); Profª. América (Metodologia Científica); e outros, também importantes, que me fogem da memória. Para dar continuidade ao curso, depois dessa etapa inicial, foram aproveitados pela FAFIL, após a colação de grau alguns alunos, como: eu para lecionar Álgebra, Geometria Analítica e Análise Matemática; Rosa, Estatística e José Soares, Física. Lá, permanecemos até a nossa aposentadoria. Também, Callado, Marisa e Rametta colaboram por um curto período.

Passamos a ser os professores das turmas que nos seguiram e, também, de alguns dos nossos ex-colegas que ficaram para trás. Os nossos melhores alunos/as foram sendo aos poucos aproveitados e nos sucedendo com as nossas aposentadorias: Ruth Tolentino, Rosina Nuzzi, Cleusa, Chiquita, Rosivaldo, Edson, Rômulo, Sebastião, Dilma Mourão, João Barbosa e outros que se destacaram, aperfeiçoaram com especialização, mestrado e doutorado. Alguns já até aposentaram, outros continuam, com eficiência, o nosso trabalho, dando prosseguimentoà nossa luta em prol do ensino da Matemática. A UNIMONTES cresceu e com ela, também os cursos, apesar dos pesares.

Gil era muito exigente e tinha um livro secreto que o batizamos de “o livro da capa preta” para formular as “intrincadas” questões das provas. Nós estudávamos extensivamente e fazíamos todos os exercícios dos livros adotados, porém, na hora dos exames, apareciam questões inesperadas que nos trariam sérias dores de cabeça. Mas, aquela turma era formada de “tarimbados” em Matemática e se o mestre não se cuidasse, todos tiravam a nota máxima. Penso que foi a turma mais forte que passou por ali. Eram mais ou menos quatro horas para realizarmos a prova. Gil dizia que os problemas dos livros adotados, nós já sabíamos, por isso, ele cobrava outros. Mesmo assim, quase todos tiravam dez. A turma era viva e demonstrava habilidade nos momentos das provas.

Para completar nossa formação, procuramos, posteriormente, as universidades dos grandes centros para ampliar os nossos conhecimentos. Fizemos cursos de Matemática Moderna em Belo Horizonte, ICEx/UFMG., de pós-graduação na PUC para substituir os métodos tradicionais desmotivadores. Aprendemos metodologia mais agradável e racional, porém, a matemática é a mesma, apresentada de maneira diferente e com uma filosofia mais profunda e com metodologia especial. O método tradicional ensina fazer mecanicamente, sem compreender realmente os fundamentos da matéria, o que não é correto. Para aprender um assunto corretamente deve partir dos princípios fundamentais. A Matemática é uma ciência universal, todavia chegou às escolas através da teoria dos conjuntos, com aquelas historinhas dos homens da caverna e pastores contando seus animais com
pedrinhas. Seus estudos evoluíram com formações de conceitos, estabelecendo propriedades com a evolução da humanidade. Nos nossos estudos aprendemos assuntos avançados e às vezes, não observamos as raízes com a devida atenção.

O curso de Matemática da velha FAFIL, hoje, funcionando no Campus Universitário, no suntuoso Prédio-3, e na categoria de importante Unidade da Universidade Estadual de Montes Claros/ UNOMONTES, sob a sigla de CCET/Centro de Ciências Exatas e Tecnológica, abrigando os cursos de: Matemática, Engenharia Civil, Engenharia de Sistema, Sistema de Informação, para a nossa satisfação e orgulho, por ter participado do plantio de uma sementinha que cresceu e deu frutos para a nossa geração e, certamente, para o bem da posteridade.

Além disso, foi um fato importante na nossa carreira de magistério, no nosso crescimento do pensamento lógico e no meio estudantil da região e, também, no desempenho de nossa vida profissional, afetiva e emocional, deixando saudades indeléveis de cada professor que nos conduziu com clareza nos momentos de dificuldades e, de cada colega com seu companheirismo sadio e com suas brincadeiras alegres, tornando-nos cada vez mais próximos e amigos.


Prédio do Centro de Ciências Exatas
- CCH/UNIMONTES


O diretor em
solenidade



Lázaro Francisco Sena
Cadeira N. 55
Patrono: João Luiz de Almeida

 

O ORFANATO

Nos dias atuais, se for perguntado a qualquer jovem de Montes Claros se ele conhece o Orfanato, dificilmente haverá uma resposta positiva. Não que o Orfanato tenha perdido a sua importância, mas porque a cidade alcançou dimensões antes impensadas, envolvendo em seu burburinho desenvolvimentista pessoas e instituições que, aos poucos, vão perdendo a sua identidade.

O consagrado historiador Nélson Viana, em sua obra “Efemérides Montesclarenses”, registrou os seguintes eventos: - no dia 19 de abril de 1941, foi assentada a pedra fundamental do edifício do Orfanato de Nossa Senhora do Perpétuo Socorro, com a bênção oficiada por Dom Aristides de Araújo Porto, Bispo Diocesano de Montes Claros. Dentre outras autoridades e convidados, o Dr. José Tupiniquim Horta Drummond, Juiz de Direito, e o Dr. Antônio Teixeira de Carvalho – Dr. Santos, Prefeito Municipal; - no dia 25 de maio de 1944, o edifício do Orfanato foi inaugurado pelo então governador Benedito Valadares, que veio à cidade numa composição especial da Estrada de Ferro Central do Brasil, para inauguração de várias outras obras, entre elas a “Praça de Esportes” e a Central Hidro-Elétrica de Santa Marta.


Lar Nossa Senhora do Perpétuo Socorro: frente do prédio histórico.

Conforme consta em seu Estatuto original, o “Lar-Escola Nossa Senhora do Perpétuo Socorro”, que ficou conhecido popularmente como o Orfanato, fundado em 07-03-l951, “é uma associação de cunho educacional, social, beneficente, assistencial e promocional, que tem por fim dar assistência e proteção à infância e juventude desamparadas”.. Mais adiante, ainda no mesmo documento, foram estabelecidas as finalidades precípuas do Lar-Escola:

- “manter e educar crianças órfãs, do sexo feminino, dando-lhes toda assistência educacional, religiosa, alimentar, médico-hospitalar e de moradia;”

- “manter uma creche para crianças, de ambos os sexos, em regime de semi-internato.”

Verifica-se, assim, que a construção do prédio durou cerca de três anos, de 1941 a 1944, vindo o Orfanato a funcionar somente a partir de 1951, sete anos depois da inauguração. Essa demora decorreu certamente dos cuidados e das exigências dos doadores à instituição que viesse a assumir o seu funcionamento.

O ato de doação foi formalizado em escritura pública, datada de 15-06-1950, tendo como donatária a Mitra Diocesana de Montes Claros, representada por Dom Antônio de Almeida Morais Júnior. O terreno foi doado por Da. Luíza Magalhães Santos, viúva do coronel Francisco Ribeiro dos Santos. O edifício, mandado construir para a finalidade específica, foi doação da mesma Da. Luíza e mais o casal coronel Philomeno Ribeiro dos Santos/Da. Laudelina Ribeiro Maia. Da escritura de doação consta a seguinte descrição: “área de terreno de 27.700 metros quadrados, situado na fazenda Bois, subúrbio de
Montes Claros, contendo um prédio amplo, de construção sólida, com instalações de água e luz, coberto de telhas, tipo colonial, apropriado para orfanato.” Dentre as condições exigidas pelos doadores, destacamos as seguintes:

- “o edifício doado será destinado a um orfanato para meninas indigentes e, de acordo com as possibilidades, abrigar algumas crianças necessitadas, indicadas pelos doadores ou por seus representantes”;

- “impedir qualquer interferência da política local na administração do orfanato, ou qualquer influência que possa desvirtuar a sua finalidade”;

- “se a donatária não cumprir as condições estabelecidas, poderão os doadores ou seus representantes exigir a devolução do imóvel.”

Pela escritura, foram designados, como primeiros representantes dos doadores, os senhores Benedito Pereira Gomes, Simeão Ribeiro Pires, Plínio Ribeiro dos Santos e Teófilo Ribeiro Pires, todos já falecidos. Assinaram como testemunhas os senhores Celestino Soares da Cruz e Raimundo Prates Guimarães. Como tabelião, o Sr. Cândido Simões Canela.

Além dos três doadores originais, foram considerados, como sócios benfeitores “in perpetuum”, os Srs. Agostinho Salgado e Sebastião Salgado, por contribuições em valores vultuosos, além de Da. Deolinda Ribeiro Maia, que doou, para usufruto vitalício, os prédios de números 243 e 249 da rua Governador Valadares, no centro comercial da cidade.

Em 1992, tive a honra e a oportunidade de participar, como secretário, do Conselho Orientador do Orfanato, sob a presidência do então Bispo Diocesano de Montes Claros, Dom Geraldo Magela de Castro, atendendo a convite do Sr. Lourival Gonçalves Caldeira, um sócio contribuinte que exercia funções na diretoria social da Instituição. Foi aí que aprendi a gostar do Orfanato, ao ponto de me atrever a pintar o seu retrato atual, sem entrar no mérito das inúmeras transformações experimentadas em seu funcionamento, ao longo do tempo, para se adaptar às necessidades sócioculturais de cada época.

Atualmente, a Instituição, sob a nova designação de LAR NOSSA SENHORA DO PERPÉTUO SOCORRO, situa-se no mesmo endereço anterior, na rua São Carlos, nº 40, bairro Todos os Santos, CEP 39.400-118, e rege-se pela versão estatutária de 18-01-2005, com alterações efetuadas em 31-01-2011, que lhe asseguram a natureza de associação de cunho assistencial, beneficente, filantrópico e cultural, introduzindo, todavia, algumas modificações em relação à finalidade original, para atender à legislação vigente que trata da infância e da adolescência. Podemos, de modo geral, afirmar que o internato de crianças órfãs do sexo feminino, para manutenção, educação e moradia, foi substituído por um sistema de acolhimento, com capacidade para abrigar até vinte crianças do sexo feminino, de dois a doze anos de idade, que tenham sofrido alguma violação de direito ou vivam em situação de risco, sempre por decisão judicial. E o que funcionava como creche para crianças de ambos os sexos, em regime de semi-internato, evoluiu para um “Centro de Referência em Prevenção e Inclusão Social”, que hoje atende a cerca de 150 crianças e adolescentes de sexo masculino e feminino, de bairros circunvizinhos, através dos seguintes projetos:

- Reforço Escolar, executado em parceria com o Banco de Brasil;

- Oficina de Artes (teatro, dança de salão e artes plásticas), em parceria com a Petrobras;

- TIM Arte e Educação (ballet), em parceria com a Tim-Operadora de Telefonia.

É importante ressaltar que, além dos projetos aqui relacionados, o LAR mantém convênio com a Prefeitura Municipal, que lhe assegura o pagamento de despesas com pessoal e parte do material necessários para o seu funcionamento. Conta, ainda, com recursos próprios, provenientes de contribuições dos associados, aluguel de lojas, doações diversas e promoção de eventos, tais como as tradicionais “Barraquinhas do Orfanato”.

Aspecto relevante do atual sistema de funcionamento é o envolvimento das crianças “abrigadas” com as atividades desenvolvidas através dos projetos, como forma de integração social. Apenas isso já bastaria para deixar satisfeitos os atuais representantes dos “doadores”, esses que estabeleceram a rígida condição de reverter os bens doados, caso a instituição “donatária”, a Mitra Diocesana de Montes Claros, não mantivesse o objetivo exclusivo a ser alcançado pela Instituição.

As atividades dos atuais projetos de assistência social se desenvolvem nas antigas instalações da creche, enquanto se edifica, ao lado do prédio principal, um audacioso “Centro de Referência em Prevenção e Inclusão Social”, já em fase de execução da cobertura, financiado pelo FIA-Fundo da Infância e Adolescência.


Philomeno Ribeiro dos Santos


Laudelina Ribeiro Maia


Luíza de Magalhães Santos


Deolinda Ribeiro Maia

O LAR NOSSA SENHORA DO PERPÉTUO SOCORRO é uma ASSOCIAÇÃO sem fins lucrativos, que se constitui por número ilimitado de sócios, entre pessoas físicas e jurídicas, que dela queiram participar. São as seguintes, as categorias de associados:

- Benfeitores: além dos fundadores e dos doadores de bens imóveis, os que contribuam com bens e valores considerados excepcionais;

- Protetores: os que, frequentemente, contribuam com bens ou recursos de valor significativo;

- Contribuintes: os que contribuem mensalmente em forma de bens, produtos, serviços ou dinheiro, de qualquer valor;

- Colaboradores Voluntários: os que contribuem, ainda que eventualmente, com prestação de serviços à Associação.

 

A administração do Lar Nossa Senhora do Perpétuo Socorro apresenta alguns aspectos diferenciados, em razão inclusive da sua evolução histórica. Vale recordar que, de início, os doadores tiveram alguma dificuldade para encontrar uma entidade competente para assumir o funcionamento do “Orfanato”, problema esse finalmente superado, com a doação condicional de seu patrimônio à “Mitra Diocesana de Montes Claros.” Tal condição, todavia, mudou de caráter e a atual Arquidiocese de Montes Claros passou de donatária a comodante, especificamente do prédio onde está instalada a sede da Associação. Mas essa mudança não tirou o poder benfazejo da Igreja, que prevalece através do Conselho Orientador, onde pontificam um representante da comodante e um outro da entidade que exerce a direção interna do LAR, por designação do Arcebispo Metropolitano, a Congregação das Irmãs da Sagrada Família de Montes Claros, coordenada pela Ir. Maria Liduína Cavalcante. Esse Conselho Orientador é o órgão consultivo e fiscalizador do cumprimento das normas estatutárias e se compõe ainda dos seguintes membros: um representante de cada um dos três doadores originais do patrimônio do LAR; um representante do Conselho Municipal da Criança e do Adolescente; um representante do Conselho Municipal de Assistência Social; e um representante do quadro de associados.

O Estatuto do LAR estabelece ainda os demais órgãos de sua administração: a Assembleia Geral, a Diretoria Executiva e o Conselho Fiscal. Define também a Assembleia Geral como órgão soberano da Associação, é integrada por todos os sócios em situação regular, toma as suas decisões por maioria de votos dos presentes, e se reúne sob a presidência do Presidente da Diretoria Executiva.

Os membros da Diretoria Executiva e do Conselho Fiscal são eleitos pela Assembleia Geral, dentre os sócios em situação regular, para mandatos de dois anos, podendo ser reeleitos para mais um mandato consecutivo. Ao Presidente da Diretoria Executiva, no momento o Sr. Hércules da Costa Silva, cabe a imensa responsabilidade de representar a Associação e responder ativa e passivamente por ela, em juiz ou fora dele. É um compromisso mais do que dignificante para quem, assim como os demais diretores e membros dos órgãos da Administração, exercem tais funções voluntariamente, sem qualquer remuneração específica.

Ao final desta pequena “notícia” do Lar Nossa Senhora do Perpétuo Socorro, não podemos omitir os nomes das profissionais que ali nos receberam para valiosas informações: Maria Brígida Gonçalves, coordenadora de acolhimento, e Mariana Abiachell Medeiros, coordenadora de captação de recursos. Muito além da impressão, elas nos transmitem a tranqüilidade e a certeza de que o antigo e querido“Orfanato” continua buscando o seu objetivo, de forma cada vez mais segura e aprimorada.



Leonardo Álvares da Silva Campos
Cadeira N. 97
Patrono: Urbino Vianna

As múmias de Itacambira explicadas

As múmias de Itacambira, no Norte de Minas Gerais, foram achadas, em tempos antanhos, por um certo Luiz, um rapaz de 17 ou 18 anos que, certa manhã, ao varrer a sacristia da Igreja Matriz de Santo Antônio, notou uma tábua desprendida mostrando um imenso porão, úmido e escuro, no qual estava aquela multidão esquecida.

Itacambira é nome tupi, querendo dizer “pedra pontuda que sai do mato”. Vista a várias léguas de distância, quando se atravessava a Serra de São Calixto, indo para Grão Mogol, a partir de 1679, o bandeirante Fernão Dias Paes, em sua busca por esmeraldas, instalou ali uma feitoria. As supostas esmeraldas encontradas pelo bandeirante paulista, no cenário da Serra Resplandecente (trecho da Serra Geral) e Lagoa Vupabuçu, precisamente no município de Itacambira, não passavam de turmalinas verdes.

Existe um afloramento rochoso de quartzito isolado da Serra Resplandecente e a leste desta, a Lapa do Bugre, dentro do antigo leito da lagoa, em cujos paredões existem pinturas rupestres. Tal manifestação parietal em Minas é datada entre sete mil e onze mil anos atrás, daí não havendo que se falar em ligação entre os índios pré-colombianos e aquelas múmias de um período mais próximo do tempo presente.


As múmias de Itacambira

A tradição oral indica que os corpos mumificados de Itacambira ali se encontram há mais de 100 anos. Dizem, por exemplo, que os aproximadamente 300 corpos - diversos deles conservados por processos naturais - seriam integrantes da bandeira de Matias Cardoso, ou talvez da de Antônio Gonçalves Figueira, ou mesmo índios tapuias, que preteritamente já mumificavam pequenos animais mortos com curare.

O professor Artur Valle Campos explicou, em 1966: “Desde menino, contava o meu pai que um antigo vigário de Itacambira, há cerca de 80 anos, objetivando embelezar a porta de entrada do templo, resolveu mandar demolir o velho cemitério na sua frente. Em tal ocasião, foram encontrados os corpos mumificados, que foram recolhidos ao porão da Igreja de Santo Antônio.”

Comprova-se essa informação examinando as ossadas no porão daquela igreja, quando ali estive, em princípios de 1980, ao lado de três pesquisadores, então da Fundação Oswaldo Cruz, Ulisses Confalonieri, Adauto José Gonçalves e Luiz Fernando Ferreira, além do médico montes-clarense Luiz Pires Filho. Alguns crânios chegavam a apresentar, em marcas induvidosas, sinais de corte e fraturas provocados por picaretas e outros instrumentos, por ocasião dos trabalhos de remoção.

No entanto, mister esclarecer que, em meio a uma diversidade de corpos, não encontramos nenhum mumificado. Alguns crânios e outros ossos de esqueletos quando muito mostravam restos de pele, músculos e cartilagem, como um crânio por mim mesmo recolhido, que apresentava o céu da boca perfeitamente conservado (o mesmo tinha uma fratura lateral provocada por instrumento contundente, provavelmente uma picareta).

Os restos mortais, amontoados aqui, ali e acolá, mostram ainda restos de tecido apodrecido. O que outrora fora uma roupa está agora colada ao esqueleto ou mesmo solta. As poucas partes mumificadas de corpos sempre apresentam tonalidade de marrom escuro.

O historiador Simeão Ribeiro Pires mantinha em sua casa, em Montes Claros, três corpos perfeitamente mumificados, sendo um de um homem de cor branca, uma mulher e uma criança. Como era seu costume expor essas múmias em colégios de Montes Claros, ele mesmo amputou os órgãos genitais do corpo mumificado masculino, evitando pilhérias não condizentes com o rigorismo moral daquele tempo. Tinha ainda um crânio conservando toda a pele da face. Todo o seu acervo foi doado, naquela mesma oportunidade do retorno da viagem dos pesquisadores a Itacambira, à própria Fundação Oswaldo Cruz.

Simeão Ribeiro Pires disse-me que quem andou colhendo uma maior quantidade de múmias, doando-as após a pessoas variadas, foi o médico João Valle Maurício.

Mas é certo que, naquela época da remoção dos restos mortais do cemitério em desativação, outras múmias foram encontradas, desaparecendo mormente por causa de brincadeiras dos moradores do lugar. Era costume, então, a retirada de múmias do porão da igreja, quando de serenatas ou por libações alcoólicas, para colocá-las encostadas às portas de algumas residências.

Na manhã seguinte, recebiam os desprevenidos moradores madrugadores, de corpo inteiro, o abraço macabro de uma dessas múmias, que se desequilibrava para o interior, ao ser aberta a porta.

A matéria putrefaciente de alguns desses corpos (refriso que os corpos inteiramente mumificados eram mínimos) não foi digerida pela terra por causa do solo arenoso, extremamente rico em mica branca e, por certo, outros elementos químicos, os quais tornaram praticamente impossível a ação das bactérias pertinentes.

Os pesquisadores Ulisses Eugênio Confaloniere (Instituto de Biologia - UFRRJ), Adauto José Gonçalves de Araújo (Instituto de Biologia - UFRRJ) e Luiz Fernando Ferreira (Escola Nacional de Saúde Pública - Fiocruz) relataram no Congresso de Parasitologia, em 1981, em Belo Horizonte:

“O estudo de fragmentos de intestino retirados de corpos humanos naturalmente mumificados, em Itacambira, revelou a presença de ovos de Trichuris trichiura em um indivíduo adulto, do sexo masculino e raça branca.”

A população do antigo cemitério diante da Igreja de Santo Antônio de Itacambira (esse templo possui o altar-mor em forma de pagode chinês, sendo o único do tipo existente no Brasil) não é uma questão para maiores delongas. Sempre foi costume enterrar os mortos na frente ou ao lado de igrejas.

Nas terras do primitivo povoado de Itacambira houve a chamada guerra dos papudos. Paulistas, o capitão Miguel Domingues e seus homens garimpavam as terras em busca principalmente de ouro e diamantes, nos idos de 1698, quando foram atacados por baianos expulsos de suas terras na região que hoje forma o município de Cataguases.

Segundo o historiador Diogo de Vasconcelos, os paulistas “foram assaltados por um bando de mestiços denominados de papudos, semibárbaros, provenientes do Rio de Contas, e por estes intimados a darem de mão os serviços, sob pretexto de ser aquele distrito pertencenteà Bahia, e não aos paulistas.”

“De princípio, ousaram viver em paz aqueles dois grupos de mineradores, mas os homens do capitão Miguel Domingues, não acatando as determinações impostas pelos invasores, foram por eles - os papudos - expulsos daquelas terras. Como quer que seja, este episódio ficou conhecido pelo nome de Guerra dos Papudos”, conforme Dário Teixeira Cotrim, in “Ensaios Históricos de Itacambira”, 2014.

Conforme do “Dicionário Geográfico, Histórico e Descritivo do Império do Brasil”, de Miliet de Saint-Adolphe, de 1845, “teve início esta povoação em 1698, tempo em que uma bandeira de paulistas comandada por Miguel Domingues entranhou-se nas matas, se estabeleceu entre as montanhas escabrosas que fazem ao sul do rio Itacambira. Os companheiros de Miguel Domingues foram expulsos d’aquele sítio por outros paulistas,” (na verdade baianos) “a que os primeiros puseram o nome de Papudos. No cabo de muitos anos de contínuas rixas, ficando os Papudos senhores das minas que só foram conhecidas no governo em 1707, edificaram uma igreja da invocação de Santo Antônio, que não teve título de paróquia senão passados trinta anos.”

Derrotados, os paulistas foram aportar nos arredores da fazenda do alferes José Lopes de Carvalho, dando origem ao povoado de São José das Formigas (hoje Montes Claros), frisando Diogo de Vasconcelos:“Desta sorte foi que alguns daqueles valentes exploradores, atravessando o rio Verde e a extensão de terras então inabitadas, vieram ter casualmente à Fazenda de Montes Claros.”

Os corpos dos derrotados da guerra dos papudos foram os primeiros“hóspedes” do local que, após, iria ficar na frente de uma pequena capela, a qual deu lugar à Igreja de Santo Antônio. Se a povoação de Itacambira data de 1707, é certo que antes ali já existia uma feitoria fortificada e com plantações para sobrevivência.

Foi nomeado Baltazar de Morais para a provisão da região, em 13 de fevereiro de 1701, sendo que documento de 15 de março de 1702, do “Arquivo Público Mineiro”, informa que “o guarda-mor Antônio Soares Ferreira fez minuciosa diligência pelo Serro Frio e Itacambira em busca de novas minas (Dário Teixeira Cotrim, obra citada).

Às vítimas da dita guerra se somaram os nativos, estimando-se que até o ano de 1790, vindo a seguir um antigo vigário, que achou de bom alvitre que a “casa dos mortos” não mais se situasse diante do adro da igreja, ou seja, em pleno centro da povoação.

Os trabalhos de remoção trouxeram à tona corpos mumificados naturalmente e ossadas outras com restos de pele, músculos e cartilagem, além de pedaços conservados de roupas, tudo depositado no porão da atual Igreja de Santo Antônio de Itacambira.



Mara Yanmar Narciso
Cadeira N. 98
Patrono: Virgílio Abreu de Paula

 

A Medicina e as mudanças
de comportamento em
mais de meio século

A Dra. Maria de Jesus Santos Rametta nasceu em 29 de julho de 1934, na fazenda Mocambo e foi registrada em Miralta, distrito de Montes Claros. Veio estudar em Montes Claros no Grupo Escolar Gonçalves Chaves onde fez o Curso Primário e depois estudou o Ginásio no Instituto Norte Mineiro de Educação. Foi fazer o Curso Científico em Juiz de Fora no Instituto Metodista Granbery, fazendo dois anos, mas cursou o terceiro ano já em Belo Horizonte,
no Colégio Metodista Izabela Hendrix. Estudou Medicina na UFMG - Universidade Federal de Minas Gerais. Graduou-se em três de janeiro de 1963. Como não havia Residência Médica naquela época, e a futura médica queria dedicar-se mais a Ginecologia e Obstetrícia, acompanhava os serviços dos professores nos seguintes hospitais: Santa Casa de Misericórdia de Belo Horizonte, Hospital das Clínicas e Pronto Socorro, neste último, como funcionária. Ao chegar a Montes Claros como a primeira mulher médica a exercer a profissão na cidade, foi trabalhar na Santa Casa, ocasião em que não havia a proteção universal do doente pelo SUS, e sim uma classe de doentes nomeados
indigentes. Muito trabalho dedicou a Dra. Maria às pessoas carentes, tendo uma vida completamente voltada para a Medicina.

É casada com o também médico ginecologista Dr. José Rametta Santos. Em todas as listas de pessoas proeminentes de Montes Claros, o nome da Dra. Maria se impõe, e assim, nos 150 anos de Montes Claros foi homenageada com uma das 150 Medalhas Civitas, recebendo a de número 115. Avessos à sofisticação e fazendo o estilo discreto, o casal de médicos sempre foi referência na cidade para muitos temas, mesmo os que não se relacionavam com a Medicina. Nela, a Dra. Maria trouxe novos conceitos que acabaram por se tornar rotina, transformando a Ginecologia local. Mesmo em relação à vida social, as coisas que o casal fazia, entre compras, festas, viagens, decoração, enxoval e outros hábitos de consumo, as pessoas usavam como referência e procuravam imitar. Eram como as celebridades do mundo pop de hoje.

Em 1957, quando começou seu estudo superior, a turma da Dra. Maria tinha apenas duas mulheres. Naquela ocasião houve uma alteração no vestibular, que já era a maneira de se ter acesso à universidade. Buscando aprovar alunos de alto nível, 35 alunos passaram na prova, numa segunda oportunidade entraram mais dez, e então, vieram os estrangeiros, chegando um boliviano, um venezuelano e nove peruanos.

Em toda Minas Gerais havia poucos cursos de Medicina, sendo dois em Belo Horizonte, a UFMG, federal desde 1949, porém com este nome a partir de 1965 e a Faculdade de Ciências Médicas. Em Uberaba e Juiz de Fora também tinha cursos de Medicina, cujos acadêmicos faziam estágio na capital. Na data marcada, a espera pelo resultado do vestibular demorou um dia inteiro, e a vestibulanda ficou aguardando em frente à casa do Senhor Hildebrando Mendes. Recebeu a boa notícia através de um posto telefônico. Tinha de fazer a matrícula em 24 horas. Contou entusiasmada sua aprovação aos amigos, mas estes não entenderam a importância do fato. Em Belo Horizonte foi submetida ao trote sozinha, o qual constou de um banho de fubá com mel.

Quase todos os professores eram brasileiros, já mais velhos, dedicados a cátedra e à pesquisa, sendo que alguns não mais clinicavam. O novo grupo que chegava alterou o ensino da Medicina e exigiu modificação no quadro de docentes e da grade curricular. A escola funcionava num prédio antigo, no mesmo local que é hoje, na Avenida Alfredo Balena. No ano passado, 2013, quando a turma completou 50 anos de formada, os ex-alunos foram chamados ao local para, num ato simbólico, recolocar uma antiga porta dupla de madeira trabalhada e original que tinha sido substituída por outra de vidro.

Não existia república de estudantes e a acadêmica Maria teve a sorte de ser adotada pela família da senhora Jamile, e lá morar por seis anos. Era uma libanesa, amiga da família, viúva de um brasileiro, que tinha morado no norte de Minas, em Pedra Azul. Era muito difícil encontrar um lugar seguro para uma moça morar e estudar na capital.

Durante o curso, a única colega mulher adoeceu gravemente, sendo a própria Dra. Maria quem suspeitou do problema no coração da acadêmica, devido a um sinal chamado “ingurgitamento jugular” que era indicativo de insuficiência cardíaca. Usando o estetoscópio, ouvindo o coração e analisando os sons anormais, fez o diagnóstico correto e falou para o professor. A colega teve dificuldade em aceitar, e de tão sério precisou se afastar do curso, voltando apenas muito tempo depois.

A família da futura Dra. Maria morava na cidade de Montes Claros desde 1948, para os filhos estudarem. O endereço era Rua Coração de Jesus, número 68. Vinha pouco a casa, apenas em feriados maiores e férias, porque a viagem era longa e sofrida. Ficava algum tempo na fazenda, mas já preferia ficar na Santa Casa.

Recorda a Dra. Maria que “durante o curso de Medicina, todas as áreas eram estudadas e praticadas por nós acadêmicos. No setor de laboratório, manipulávamos materiais e fazíamos todos os exames existentes, como hematologia, por exemplo. Toda a abordagem que envolvesse o paciente em nosso leito era da nossa responsabilidade, fossem Raios X, tratamento clínico ou cirúrgico. Tinha-se a impressão de que o médico era um profissional mais completo”. Como havia pouco exame complementar, a conversa era longa, uma verdadeira anamnese e o exame físico detalhado. Dra. Maria diz: “aprendi obstetrícia num treinamento exaustivo, fazendo o exame obstétrico completo, através do qual, apalpando o abdômen da grávida, conseguia avaliar o tamanho, a posição e as condições do feto”. Um exame bem executado, feito por quem entendia, segundo ela, dava o diagnóstico de qualquer alteração, inclusive posições fetais anormais e gravidez gemelar.


Família Rametta: Sérgio e seus pais.

Para Sílvia Serrat, sua sobrinha, também médica ginecologista e obstetra, “Maria é um ícone para todos que chegaram depois”. É uma pessoa aberta, chegada aos problemas dos outros, assumidamente a‘mãezona’. “É competente, estudiosa, inteligente e líder”. Como professora, mostra muito bem como deve ser a relação médico/médico, e médico/paciente. Trata os seus pacientes como parentes, sendo carinhosa com todos. Ela sofre com os que precisam dela”, diz ela.

“Medicina sempre foi o que eu queria”, reafirma Dra. Maria. Quando se formou, não havia concurso para emprego, e sim nomeação de acordo com o currículo. Foi então nomeada por um dos seus professores para o IAPFEST, instituição que congregava os ferroviários, mas acabou atendendo a todo mundo. Não existiam planos de saúde e nem convênios. A primeira ginecologista de Montes Claros falou: “fui muito festejada, recebia muitos presentes, não percebia rejeição alguma por ser mulher, e tive todo o apoio do corpo clínico da Santa Casa”. Segundo a Dra. Maria, foi normalmente aceita pelos médicos que lá trabalhavam como Dr. Konstantin Christoff, Dr. Aroldo Tourinho, Dr. Santiago de Paula e Dr. Elton Lessa. As freiras Irmã Malvina, Irmã Ninfa e Irmã Thais eram quem faziam os partos, chamando os médicos apenas quando havia alguma complicação. Dr. Aroldo Tourinho dava assistência e quando necessitava de ajuda chamava Dra. Maria, que morava perto e estava em permanente sobreaviso. Havia noite em que ia ao hospital muitas vezes, num trabalho exaustivo e quase sem interrupção.

Relembra que começou no INPS da Rua Pires e Albuquerque e que depois se mudou para a Rua Dom Pedro II. Lá fazia Ginecologia, introduzindo um novo e importante conceito de prevenção do câncer ginecológico e o uso do colposcópio (aparelho para ampliar a imagem do colo do útero), com envio do material colhido em lâminas para o Serviço de Patologia em Belo Horizonte (não havia esse tipo de serviço em Montes Claros). Informa que chegou a ocupar o sétimo lugar em coleta de material em todo o Estado de Minas. Também fazia biópsias e, em caso de resultado positivo, embora tivesse feito trabalhos de Radioterapia em Belo Horizonte, colocando agulhas de rádio em tumores, não executava aqui este serviço, devido à falta de condições técnicas relativas ao material radioativo, preferindo encaminhar a paciente para o Hospital do Rádio em Belo Horizonte - Hospital Borges da Costa.

Em relação ao câncer de mama, fazia-se a quimioterapia com uma droga chamada Induxan, que era o que existia, e executava tal trabalho com a experiência que tinha adquirido na capital. A mamografia ainda demorou a vir. A evolução foi chegando devagar e a Faculdade de Medicina do Norte de Minas, criada em 1969 acelerou esse processo. Relembra que “a FAMED foi minha primeira filha. Arrumei tudo para ela, as primeiras roupas, os paninhos, tudo por conta própria. Na época não havia problema financeiro. Podia fazer e fiz. Foi muito gratificante e a faculdade não tem memória”.

Irmã Veerle, freira belga que está a serviço da Santa Casa desde 1968, diz: “quando começaram a surgir os primeiros acadêmicos de Medicina, a Dra. Maria ensinava com a maior paciência. Era uma pessoa atenciosa, cem por cento disponível. O que ficou de imagem da Dra. Maria de Jesus depois de todos esses anos, foi eu não conseguir entender e nem saber explicar como ela conseguia ser tão boa com as pacientes, aquelas tantas mulheres que passaram pelas suas mãos”.

“Naquele tempo o médico era visto como um santo, uma coisa diferente, sendo muito respeitado”, vai contando Tonha. “A Dra. Maria era muito bondosa, fazia caridade e por isso mesmo era muito querida. Aonde ia, havia mulheres querendo falar com ela, pedir-lhe coisas, que ela atendia na medida do possível, dando roupas, feira e outros favores, além de atendimento médico”, recorda a técnica em enfermagem e muito amiga da Dra. Maria, batizada como Maria Antônia Colares.

Gostosa lembrança tem Dra. Maria sobre a chegada do seu filho Sérgio em 9 de fevereiro de 1977. Para ela, a gravidez tardia, aos 42 anos, despertou muito interesse e curiosidade. O filho nasceu após nove anos de casamento e depois de uma primeira gravidez que resultou em aborto. Tinha ganhado muitos presentes na primeira vez e a frustração foi geral. O acompanhamento foi feito pelo seu professor Dr. Mário Dias Correia, em Belo Horizonte. Um ano e meio depois ficou grávida novamente e não contou a ninguém. Uma amiga descobriu aos cinco meses e espalhou a notícia. Fizeram versos: “Até que enfim se encontraram os gametas/ ficou grávida a Maria/ Será pai o Rametta.”

“Naquele começo de profissão, lá atrás, se ganhava muito bem. As pessoas pagavam com boa vontade, reconheciam o serviço prestado, ficavam gratos, e mesmo quando não tinha tratamento eficaz, elas se conformavam. Clientes morriam, algumas vezes por fatalidade, outras por falta de recurso, ou por falha, mas relembrando, vejo que o balanço foi totalmente positivo”, conta Dra. Maria. E continua: “hoje há uma fuga da Obstetrícia. Ela está se esvaziando. Os alunos não querem se dedicar à especialidade, provavelmente devido ao tempo exigido para um bom atendimento ao parto ou ainda a possibilidade de complicações e processos judiciais”. Dra. Maria confirma a constatação geral da preferência das mulheres pelo parto cesariana. Mesmo com muitas mulheres com trompas laqueadas, e tendo apenas um ou dois filhos no máximo, há muita gestante e pouco espaço para elas nos hospitais. “A cidade precisa de outra maternidade”, alerta Dra. Maria.

“Tive a sorte de, em 52 anos de profissão, nunca ter enfrentado nenhum processo na Justiça. Não me sinto infalível, e atribuo não ter tido nenhuma ação, por nunca ter abandonado a paciente. Sempre tive um bom relacionamento e dei total atenção, acompanhando o tempo todo, dando assistência e fazendo questão de agir de forma humana, de estar sempre presente”, reflete Dra. Maria.

Até recentemente classificada no DATASUS como Médica Ginecologista e Obstetra, a incansável Dra. Maria trabalha ainda hoje, e diante de reclamações pela demora das consultas, justifica-se, dizendo que adora conversar. Mantém o atendimento em seu consultório quatro vezes por semana de manhã e à tarde. Continua fazendo pré-natal, mas avisa que não fará o parto, pois deixou o atendimento hospitalar. Tem atendido particulares e convênios, pois, como não tem nenhuma ambição, vai fazendo a sua parte social. Não tem lhe faltado trabalho.

Os hábitos e o comportamento da população em geral e da clientela em particular modificou-se muito nessas cinco décadas, o que é facilmente notado. No começo, a consulta médica era envolta num excesso de recato e isso foi, naturalmente, se modificando com o tempo. Antigamente quando havia impedimento familiar para o matrimônio, em casos extremos, casais apaixonados chegavam a fugir para se casar. Nos dias de hoje as mães levam suas filhas de 13 anos em busca da vacina contra o HPV - Papiloma Vírus Humano, causador do câncer do colo do útero. E pessoas pedem naturalmente o teste de HIV, vírus causador de AIDS. “As moças vão consultar junto com suas mães, chegando bem informadas devido a revistas, televisão e internet, o que facilita as coisas”, relata Dra. Maria. E continua: “as mães sabem que, independente do casamento, em algum momento se iniciará a vida sexual das filhas, e nesse ponto a sociedade de hoje tem mais autenticidade”. No outro extremo, há mulheres maduras que tiveram oito ou mais filhos com parteira, e nunca foram ao médico, mas depois decidem se consultar com uma ginecologista.

Conta que “décadas atrás, no começo da sua carreira, o exame ginecológico não era prática costumeira, acontecendo dificuldade desde a conversa, até o exame local. Há tempos trata-se de rotina, e a orientação da mídia foi indispensável para ensinar a necessidade de se fazer a prevenção do câncer de colo do útero e também da mama”. Antes da mamografia e do ultrassom de mamas o diagnóstico era feito pelo exame clínico e biópsia aberta, pois não havia agulhamento. Após a confirmação, fazia-se a mastectomia radical (retirada total da mama), e os maus resultados terapêuticos desanimavam as doentes e suas famílias, evitando-se falar o nome da doença. “Devido ao atraso dos recursos diagnósticos, as pessoas só procuravam o médico com a
moléstia já adiantada”, ela diz, “e vi caso de mulher que vinha com as duas mamas afetadas por feridas visíveis e cobertas por curativos, e ainda viviam algum tempo”. Os diagnósticos precoces de hoje permitem a quadrantectomia, que é a retirada de parte da mama, seguida de quimioterapia e radioterapia. Atualmente quase não se vê câncer de colo do útero em estado avançado, com aquele cheiro característico. Durante muito tempo as pessoas faziam o tratamento na capital, deslocando-se a cada quinze ou trinta dias para serem submetidas ao tratamento oncológico. Hoje a Santa Casa de Montes Claros tem o que há de mais moderno na área.

De acordo com a Dra. Maria, atualmente não há mais necessidade de se vencer uma barreira para se utilizar a palavra câncer. Muitas vezes a paciente já chega sabendo, seja da mama, seja de algum outro órgão. Antes o diagnóstico era feito em fase avançadíssima nomeada carcinomatose, quando não havia nada a ser feito. Quando se abria, já estava tudo tomado. O câncer do ovário só era diagnosticado em fase de metástase, câncer à distância. Nisso as imagens de ultrassom, tomografia computadorizada e ressonância nuclear magnética chegaram para antecipar o diagnóstico, possibilitando a cura. O acesso geral a essa tecnologia cara é possível através dos convênios. Também a colonoscopia (exame direto do intestino por via endoscópica) foi um avanço imenso, em que se diagnostica e se retira pólipos com displasia leve, evitando-se a progressão da doença.

“O advento dos anticoncepcionais foi libertador”, comemora a Dra. Maria, “porém o seu uso passou por um longo caminho até a sua aceitação completa, especialmente a laqueadura de trompas, por questões religiosas”. Temos hoje diversos recursos para evitar a gravidez, e como era de se imaginar, quando seu marido, Dr. José Rametta chegou, alguns anos depois da Dra. Maria, após fazer Residência Médica, então já instituída, trouxe novidades da capital na área da anticoncepção, como o DIU, por exemplo, e novas técnicas cirúrgicas.

A Dra. Maria acompanhou a liberação dos costumes como todo mundo, porém de uma posição privilegiada. Segundo ela, essa liberdade veio de forma bem gradual, acontecendo aos poucos, de alguma maneira sob a influência da televisão. Os divórcios aconteciam raramente. Casais se separavam, e não eram com essa rapidez. Havia muita gente separada, morando na mesma casa, dentro de um casamento que não existia mais. Ainda hoje há. As mulheres eram boas e tolerantes. Os maridos iam embora e depois quando estavam doentes, eram recebidos de volta e cuidados por elas. “No tempo em que era comum o homem ter duas famílias, a revelação era um desespero para algumas mulheres. A esposa oficial sofria e acabava aceitando, por falta de opção, sem possibilidade de criar os filhos sozinha. Usando de eufemismo, a mulher se referia à amante do marido como ‘uma mulher que a ajudava’. Não falava quem era, dividindo marido e despesas”, relata este costume, a Dra. Maria. O homem casado jurava até o fim de que não havia outra. Quando acontecia a descoberta era dramática. Algumas mulheres se mudavam da cidade. As esposas submissas aceitavam, pois não tinham profissão, nem renda. A grande preocupação era sobre como manter a casa. E diz a doutora: “quando começaram a trabalhar fora, romperam tradições, rasgaram a fantasia. A mulher que tem seu sustento, não precisa de ninguém, faz sua independência, cria coragem de mudar a sua história e passa a se separar”.

“Algumas mulheres desconfiavam que seus maridos molestavam as filhas e tentavam contornar a situação, afastando a menina, mas sem ter coragem de denunciar, nem de se separar, e dessa forma garantiam a manutenção do casamento e o sustento familiar”. Embora a sociedade fosse muito fechada, havia casos de duas irmãs que dividiam o mesmo marido, e até moravam juntas para facilitar a vida a três. “A infidelidade feminina, pelo menos a confessada, era pouco frequente. Mulheres infiéis mal falavam das suas infidelidades”, relata Dra. Maria. Algumas queriam tratamento de doenças sexuais para os dois homens que tinham. No caso oposto, a esposa era tratada e não ficava boa, a doença ia e voltava, levantando-se a hipótese de haver outra mulher. Assim, o casal só sarava quando a outra parceira era
tratada. Muitas coisas ficavam ocultas, e ainda ficam. Também havia maior procura pelas prostitutas. As mulheres da vida procuravam médicos específicos, que acabavam se dedicando a atendê-las.

Há casos de meninas grávidas de homens com grande diferença de idade e a situação é tolerada quando o parceiro tem boa condição financeira. “Já fiz atestados exigidos pela justiça, afirmando que a menina de 12, 13 anos, no caso, já grávida, estava apta a coabitar. Após a consumação era preciso servir a lei”, diz ela.

Para a ginecologista, o uso do preservativo é mais comum para evitar a gravidez do que para evitar a AIDS. Tem pedido muitos exames de HIV e tem visto poucos casos positivos. Pede de todas as grávidas e ainda não se deparou com nenhum caso da doença. Pode acontecer de alguém ser soropositivo e lhe fazer essa afirmativa, ocasião em que todos os cuidados preventivos são usados. Quando começou na profissão, a onda de sífilis já tinha passado. Como tem reaparecido, continuou a pedir o VDRL, mas não tem vindo positivo. Noutros tempos tratou cancro duro e condiloma acuminado, o que não tem visto agora. Não têm aparecido muitos casos de infecção por HPV, havendo profissionais que se direcionam para esses casos específicos, tratando e curando parte deles. E sobre outro assunto reservado, ela diz: “Hoje o homossexualismo parece mais comum, mas antes era inconfessável. Algumas coisas continuam inconfessáveis ainda hoje”.

E uma revelação: “as mulheres que tiveram seus úteros retirados (histerectomia) se sentem vazias, como se tivessem ficado sem sua matriz. Reclamam ter perdido a finalidade de procriar”. Havia um excesso de indicação desta cirurgia, algum tempo atrás. Muitas operações aconteciam sem nem ao menos haver um diagnóstico preciso. Havia uma banalização. Hoje se protela o quanto se pode, mesmo quando estão acontecendo menstruações volumosas. Nos casos de miomas, pode-se fazer a miomectomia, ou embolização da artéria do mioma, acabando com sua irrigação e fazendo-o regredir, assim como se pode fazer a ablação do endométrio (parte que se descama na menstruação), o que possibilita a manutenção do órgão.

Outro aspecto, o câncer inicial de colo é situação contornável e tratável, com cura, sem necessidade de retirada do útero. Também não mais se faz a histerectomia pós-parto quando há hemorragias intratáveis, e sim embolização das artérias uterinas. As mulheres que tiveram muitos filhos em casa, coisa de décadas atrás, algumas vezes apresentavam-se com prolapso uterino, o útero exteriorizado, motivo de grande vergonha e sofrimento, e cujo tratamento é a histerectomia. Uma boa avaliação e tratamento adequados evitam tratamentos cirúrgicos desnecessários.

Um hábito de outros tempos, a Dra. Maria destaca que “as mulheres com frigidez sexual diziam servir ao marido. Aceitavam e não entendiam o fato como um problema a ser tratado. Com a evolução dos tempos procuram recursos para melhorar a libido, ou cuidar de problemas vaginais que causam dor como vagina seca ou estenosada (estreita). Assim, a mulher tem procurado se realizar sexualmente, buscando o prazer. A tibolona que é um medicamento usado no climatério, pelo seu efeito androgênico (masculino) aumenta o desejo sexual e a possibilidade de clímax na mulher. Outros recursos ajustam o casal e boa parte das mulheres se realiza sexualmente”.


Maria de Jesus e Dr. Rametta avó do ano.


Maria de Jesus - Março 2009.

Assim se comportou a população norte-mineira no decorrer destes últimos 52 anos, como grupo, pela visão da Dra. Maria de Jesus Santos Rametta.




Maria de Lourdes Chaves “Lola”
Cadeira N. 65
Patrono: José Gonçalves de Ulhôa

A Vocação de Montes Claros

Nos primórdios da civilização da Vila das Formigas de Montes Claros, seus habitantes compravam mantimentos vindos das fazendas. Iam às casas dos fazendeiros e adquiriam rapaduras, carnes, aves, peixes, arroz, feijão e tudo que fosse necessário às suas necessidades alimentícias.

Como os produtores de alimentos não tinham um local apropriado para fazer escoar as mercadorias inventaram uma espécie de feira livre, numa praça. Lá eram vendidos: feijão, arroz, salitre, carne, cachaça, farinha de mandioca, trigo, couro. A maior riqueza do local era o salitre, extraído de cavernas que abundavam a região. O salitre vai para o Rio de Janeiro e para Vila Rica. A cachaça era de péssima qualidade, sendo sua maior parte, consumida pelos habitantes da Vila. O gado e os cavalos vendem-se para a Bahia. Parte dos couros se consome no comércio local, no empacotamento do salitre, e outra parte se envia a Minas Nova, onde se fabricam sacos especiais para transportar algodão. Quanto às peles, os próprios arredores de Formigas, pouco fornecem atualmente.

Importam-se também, vários objetos europeus em troca de salitre e de Santa Luzia, lugar de entreposto, em troca de peles. August François César Provençal de Saint - Hilaire.

As estradas mandadas construir pelo capitão Antônio Gonçalves Figueira facilitaram a vinda de novos aventureiros reduzidos pelo comércio do gado... e por ilação, o que nos revelou notar nossas evocações, foi o início do desenvolvimento da Vila em torno de uma capela e, em seguida, o aparecimento de uma pequena feira livre.

Formigas é um dos pontos principais da parte oriental do sertão e faz-se aí um comércio importante de gado, salitre, couros e peles, detalhes desta situação já narrados.

Comentemos um pouco sobre os engenhos de cana. O primeiro criado e instalado na Fazenda Brejo Grande de Gonçalves Figueira, era de natureza precária. O melhor engenho de cana da região do norte de Minas se encontrava na Fazenda Santo Eloi, de propriedade do Sr. Pedro José Versiani.

A construção de uma intendência (mercado de negócios), em 1831, por José Gonçalves Pereira Branco solidificou duma vez, a grandeza dos filhos desta terra. Essa intendência garantia a permanência dos tropeiros em vai-e-vem dos logradouros públicos. Fortalecia substancialmente o poder de revenda dos produtos oriundos da Corte Real. Foi importantíssimo o papel dos tropeiros no desenvolvimento geral das Vilas e cidades de todo Brasil.

A vocação inconteste de Montes Claros é o comércio. Ele é uma atividade cujo fim é a aquisição de dinheiro, visando um lucro. O comércio é traço marcante do desenvolvimento da nossa cidade e de seus habitantes. Antes, porém, o comerciante tem um sentimento altruístico, qual seja colaborar, agradar, ajudar o cliente a realizar o seu sonho.

Eu quero nesta crônica homenagear dois comerciantes de Montes Claros. O primeiro trabalha no estilo de encomendas. O segundo, no ramo de farmácia.

Arnaldo Maravilha, como gosta de ser chamado, trabalha no ramo de roupas, diversificando a mercadoria quando é solicitado. Às vezes, atende pedidos de bacalhau norueguês, vinhos importados, etc.


Como vendedor ambulante, no passado, trazia de São Paulo, só roupas masculinas e, ia vendê-las nos escritórios, consultórios médicos, para juízes, promotores, serventuários da justiça, dentre outras. Nesta época, quando começou, tinha 25 anos de idade. Com o passar do tempo, as cousas mudaram, ele já estava ficando cansado de ir de porta em porta, quando aos 50 anos, deliberou a mudança da forma de trabalhar. Só vendia os produtos por encomenda.

Uma linda jovem quer um short, no último modelo jeans, desfiado nas extremidades, e lhe diz: vou a uma festa e quero conquistar um rapaz. Vou arrasar com esta roupa e já vou sair da festa com um namorado. Outra jovem diz: quero um vestido justo, abaixo do joelho e, a partir daí um babado em godê. A cor deve ser preta e o decote grande. Quero encantar meu marido e as pessoas todas da festa.

Arnaldo vai a São Paulo, lá se dirige às lojas especializadas e cumpre o seu papel, comprando com todo capricho as encomendas feitas por seus clientes. Na sua lida, ele vai a São Paulo cinco vezes por ano. Está sempre preocupado em fazer as pessoas felizes.

Falemos agora sobre o comerciante Ivan de Souza Guedes. Seu comércio é voltado para uma rede de farmácias. Ela é formada por 25 estabelecimentos, onde se vendem remédios para todas as doenças. Também explora o ramo da estética e beleza, proporcionando a vasta clientela feminina, produtos para cuidados da pele e do corpo. A Minas Brasil, se preocupa com a beleza das mulheres Montes-clarenses. Ivan quer vê-las bonitas, não somente sua amada Mercês, minha querida prima.

Arnaldo e Ivan, no trabalho, dedicam-se a ramos bem diferentes. Entretanto, num ponto, são iguais. Ambos se interessam pelo bem comum, querem ajudar as pessoas e vê-las felizes, realizando sonho da saúde, da beleza e elegância. Este comportamento é típico do Montesclarense, de bem com a vida, alegre, amigo e solidário. Eles são felizes e o merecem, pois também fazem seus clientes felizes.

De parabéns está Montes Claros, terra dadivosa e boa que nunca nega às pessoas trabalhadoras e honestas, o sucesso, elevando-as ao topo dos vencedores.

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Os dados históricos foram compilados das informações registrados nos livros dos renomados historiadores: Urbino Vianna, Dário Teixeira Cotrim, Saint-Hilaire, Nelson Viana, Simeão Ribeiro Pires, Hermes Augusto de Paula, Milene Antonieta Coutinho Maurício.
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Maria Luiza Silveira Teles
Cadeira N. 42
Patrono: Geraldo Tito Silveira

BREJO DAS ALMAS

A super-lua ainda brilhava linda e majestosa no céu e o sol nem havia nascido. Acordei com a bela música, achando que sonhava. Mas, não! Era a Banda tocando a “alvorada”, que acordava os brejeiros para o último dia dos festejos de setembro.

Abri a janela, emocionada e com lágrimas nos olhos, pensando:“será para me dizer adeus ou um simples até breve?”.

Na véspera, eu havia reclamado que sentira a falta da “alvorada”, que sempre, no passado, despertava a cidade para o seu aniversário e as festas de setembro.

Foi, então, que vi um espetáculo que, provavelmente, ninguém mais viu: à frente da Banda, minha prima, Zita Sapucahy, com sua imensa alegria, ia regendo e dançando uma mistura de valsa, samba e marcha...

Logo atrás, também dançando, seguindo o ritmo de Zita, e segurando as bandeiras do Brasil e do município, as minhas primas, Maria, de tia Lourdinha, e Maninha, de tia Edite. Elas, que foram tão simples, em vida, mas de talentos múltiplos, felizes como nunca, talvez mais que a lua, brilhavam numa luz incomum e pareciam levitar...


Ah, eu vi, também, meus avós, logo atrás, com seus filhos, netos,
noras, genros e até bisnetos (gente que povoa outras dimensões...)!
Depois, meus tios, tias e uma grande legião de primos.

Atrás da família, vi ainda uma legião de velhos conhecidos: seu Mateus, seu Rogério, seu Valdivino, dona Valdemira, Abessone, dona Quinó, Manoel, em um belo cavalo, Neco Vasconcelos, Dôra Xavier e Zezinho, Dedé de Alice, Cristiano Xavier e Lurdinha, seu Florentino, Véizinho... Ah, quanta gente, que mora hoje em nossa saudade!...

E lá se foi a Banda, com seus seguidores, atravessando as ruas do Brejo...

Não há uma única vez em que entro em Francisco Sá, sem ser tomada por profunda emoção! Aquele solo parece sagrado! É a terra de meu pai, de meu avô, de meus antepassados, de meus parentes tão queridos. O município pelo qual meu avô, Jacintho Alves da Silveira, tanto lutou e tanto amou! A terra por onde se espalha a nossa enorme família, guardando o velho costume de casar primos com primos. A terra onde entrei em minha juventude e, também, tive minhas paixões secretas por primos...

O tempo toma intensidades diferentes de acordo com o que vivemos. Passei lá, dessa vez, apenas dois dias, mas foram tão intensos e tão felizes, no carinho dos parentes e amigos, que voltei meio tonta, parecendo-me ter vivido séculos de tamanha alegria!

Não me surpreendi com as festas sempre mui belas! Nunca achei que as festas de Agosto, em Montes Claros, que viraram um espetáculo folclórico para turistas, fossem mais bonitas que as de lá. As festas de Setembro, no Brejo, jamais perderam o seu cunho religioso e me encanta ver a fé do povo, perpetuando a tradição!

Surpreendi-me sim com o crescimento e o progresso da cidade. Recantos lindos foram construídos, como o Parque dos Namorados e o Cristo Redentor e apareceram novos bairros com suas belíssimas e confortáveis mansões.

Lá no alto do lendário Morro do Mocó, que, antes, parecia tão longe da cidade, a estátua do Cristo, guardada por dois anjos enormes, e iluminada por holofotes, abraça, abençoa e protege o nosso amado Brejo das Almas. Lá de cima, podemos ver a enorme expansão da cidade, como que formando um imenso círculo de luz.

No Brejo, os amigos são amigos de verdade e os primos, não importa se de primeiro, segundo, terceiro ou quarto graus, são primos sempre! Parente é parente!

E, assim, a família Silveira, misturada às outras pioneiras do Município, Xavier, Dias, Vasconcelos, Pena, Ruas, etc., vai se expandindo e extrapolando os limites da cidade, de Minas e do Brasil. Famílias de gente inteligente, valorosa, talentosa, de caráter, apesar das mazelas próprias de quem é gente...

As casas dos brejeiros estão sempre abertas para receber, com a mesa sempre posta: café, chás, biscoitos os mais variados, compoteiras com deliciosos doces em calda, além do famoso doce de leite e fio de ovos. Ah, ninguém faz doce e biscoito como nossa imensa família!

Francisco Sá já parece cidade grande, inclusive com os males das metrópoles. Entretanto, para o verdadeiro brejeiro, parafraseando o velho poeta, a gente sai do Brejo, mas o Brejo não sai da gente. Nunca!

Hoje, compreendo meu pai, Geraldo Brejeiro, que, mesmo morando por tanto tempo na capital, só sonhava em voltar para o seu Brejo querido!...



Marilene Veloso Tófolo
Cadeira N. 95
Patrono: Terezinha Vasquez


Genesco Veloso, um homem
à frente do seu tempo!

 

Histórico Familiar = Veloso

Em meados do século XVIII fixou-se em Formigas, o português Bento Veloso. Chegara recentemente de Portugal, acompanhado de mais dois irmãos, os quais demandaram um para São João Del Rey e o outro para Minas Novas. Eram filhos de Maria José Belo e Manoel Veloso, vinhateiros na aldeia de Santa Eulália no Minho.

Bento, nascido em 1815, casou-se com Maria Santa Rita, e teve os filhos Manoel José Veloso, Vicente José, Manoel e Pedro Augusto.

• Manoel José casou-se com Gertrudes Veloso, tendo os seguintes filhos:

a)- Manoel José
b)- Cândida
c)- Lavínia
d)- Ramiro (meu avô)
e)- Antônia Veloso
f )- Armênio
g)- Genesco Veloso
h)- Maria Inês Veloso

• Genesco, casado em primeiras núpcias com Maria Assunção Miranda, tendo 4 filhos:

a)- João Veloso
b)- Dílson
c)- Aparecida
d)- Maria de Jesus Veloso

Em segunda núpcias, casou-se com Maria Ferreira Veloso (Santinha), tendo 4 filhos:

a)- Dalcira
b)- Dulce
c)- Delci
d)- Délvia

Numa época em que Montes Claros era uma cidade pacata, as ruas não eram asfaltadas, os carros eram em número reduzido, Genesco Veloso era um comerciante pautado por princípios éticos, com honestidade exercia a sua função e colocava os seus conhecimentos à serviço de seus semelhantes.

No início do século XX, quando o progresso ainda não havia chegado a Montes Claros, a sua visão sobre todos os assuntos era ampla e gostava do trabalho, da honestidade e ajudava os seus parentes e o próximo.

Na sua loja onde, como em toda cidade interiorana, era ponto
de encontro das pessoas da sociedade, falavam-se de tudo, dos acontecimentos locais, políticos e sociais.

Sr. Genesco Veloso, o meu pai, seu sobrinho e afilhado, recebeu os primeiros ensinamentos no trabalho comercial, social e princípios de honestidade que carregou pela vida e deixou aos seus descendentes. O amor pelo trabalho, honestidade, convívio social e a preocupação pelo semelhante.

Genesco, calado, elegante, integro, seguindo os seus princípioséticos e familiares, colocou a educação como seu bastão, e através dela deixou para os filhos o seu legado, e conseguiu que o seu filho, o médico Dr. João Veloso tornasse General das Forças Armadas e seguisse os mesmos princípios do pai.

O seu lema era o trabalho, a honestidade, os valores familiares, a retidão que hoje poucos prezam e só querem levar vantagem.

Foi através dos seus princípios que conseguiu transmitir aos seus descendentes a mesma postura de amor aos seus semelhantes, aos estudos, à cultura, e ao progresso através do trabalho.

Não o conheci pessoalmente, ouvi histórias sobre ele, padrinho do meu pai, meu padrinho, e através do seu retrato na parede, olhos azuis, elegante, cabelo claro, eu apenas o conheci através do meu pai.

Em um mundo tão diferente, com outros valores, onde a política, a ganância, a injustiça, a maldade, as atrocidades com o semelhanteé difícil conviver com outros valores esquecidos no fundo do baú...

Será que o homem mudou? Ou nós mudamos com o mundo, que prioriza o que leva mais vantagem?

Pelos telejornais, na televisão, nos jornais, na vida cotidiana só encontramos crimes, corrupção, desastres e lutas entre seres humanos, e esquecemos de resgatar os valores que são necessários à nossa vida.

Por que o homem mudou? Foi o mundo que mudou? Ou foi nós que mudamos na maneira de encarar à vida, o futuro e a civilização?

Os valores são os mesmos, mas nós não podemos perder a esperança de resgatar os valores que dormem em nós, e que precisam ser resgatados para que a sociedade não seja exterminada através da corrupção, do desamor e destruição.


Genesco Veloso



Marilene Veloso Tófolo
Cadeira N. 95
Patrono: Terezinha Vasquez

DIVISÃO DE MONTES CLAROS
DE ANTIGAMENTE: A RUA DE
BAIXO E A RUA DE CIMA

 

Em algumas cidades existem a cidade alta e a cidade baixa, como em Salvador e outras mais, seja pela localização geográfica ou mesmo pelo surgimento das mesmas, que se localizam em uma região e daí começam a desenvolver-se.

Este não é o caso de Montes Claros, mas apenas por questão de localização, no inicio de sua formação, foram chamadas de Rua de Baixo e Rua de Cima, para situar os primeiros habitantes. Daí surgiram os partidos de cima e os partidos de baixo, quanto a questão política, social e de prestígio. É o início de uma divisão social, onde uma parte da cidade não deveria ter contato com a outra, por que já nascia em uma parte da mesma, e deveria ai permanecer, sem mobilidade social.

É o início da segregação social e começaram as primeiras divisões, muitas vezes irreconciliáveis, pois não podiam ter livre trânsito entre as mesmas, quanto a relações políticas, de casamento e sociais.

Os de cima não se misturavam com os de baixo, surgindo várias divergências. Já nasciam-se com o estigma de classe, posição, e não havia mobilidade social, porque não podia-se lutar contra o seu nascimento, que era o início de sua posição social.

As primeiras famílias eram formadas dentro de seus clãs, e não podiam conviver com outras, contrárias aos seus objetivos.

Os partidos políticos: PR, PSD, UDN eram inconciliáveis. Os interesses econômicos eram segregados aos seus correligionários, através dos chefes políticos que protegiam os seus adeptos.

A força política, policial, econômica eram manipuladas pelos chefes locais ou regionais.

A mobilidade social era estática, e não misturavam as famílias no século XIX (início) por causa de posição econômica, social, familiar e religiosa.

Nota: A segregação social começou com a divisão da região na Rua de Cima e na Rua de Baixo, retratada pelos que aqui viveram no início da formação da cidade, que a dividiram geograficamente.

Inicia-se ai a divisão de castas, famílias, posição e interesses.

Na própria discriminação da Rua de Cima e Rua de Baixo inicia-se uma divisão de classes que até hoje perdura, em sentido pejorativo, e foi muito difícil transpor esta barreira

Na divisão geográfica, iniciava-se a divisão social, baseada na região onde nascia-se, o que já era marcado no berço, sem condições de lutar contra o inevitável. O que destacava a pessoa era a origem, não os seus valores.

Montes Claros cresceu, mudou os seus costumes, mas no fundo ainda perduram valores esquecidos, mas que vivem na memória dos seus filhos, descendentes dos primeiros habitantes originários e que construíram a cidade baseada na família, classe social e política.

Cidade provinciana que se tornou metrópole, hoje acolhedora, mas que trás no seu interior toda luta para tornar-se uma cidade diferente.

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Nota: A cidade de Montes Claros foi durante muito tempo dividida em duas partes, era uma divisão por partidos políticos = partidos de cima e partido de baixo, com os seus apelidos: “estrepes” e “pelados”. O de cima com seu chefe Honorato Alves, deputado que morava na parte superior da cidade. O de baixo chefiado por Camilo Prates, também deputado, morador da Praça da Matriz.

Os moradores da parte de cima pertenciam ao grupo dos “pelados” e os da parte de baixo do grupo dos “estrepes”. A rixa entre os partidos políticos era enorme, os de cima julgavam-se superiores aos de baixo, que pertenciam às famílias tradicionais (professores, doutores e coronéis, etc.).

Tudo era demarcado entre dois lados, surgindo rixas entre elas.

Nós, descendentes destes pioneiros ainda guardamos algumas sequelas destes antepassados, que deixaram marcas e ideologias políticas na formação dos montes-clarenses que ajudaram a construir esta cidade.
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Petrônio Braz
Cadeira N. 18
Patrono: Brasiliano Braz

O valor de uma Medalha

Do presidente da Academia de Letras “João Guimarães Rosa” da Polícia Militar de Minas Gerais, coronel João Bosco de Castro, recebi a incumbência de proferir palavras nesta Sessão Solene, em que são outorgadas comendas de real importância cultural a privilegiadas personalidades.

Revelo que a seriedade do encargo desencorajou-me em um primeiro instante, instante que se dissipou em face do honroso privilégio e da presença em lembrança da figura ímpar de um dos cidadãos mais cortejados e admirados em Minas Gerais, especialmente nas barrancas do rio São Francisco, o antropólogo Saul Alves Martins.

Perquirindo, confesso que não encontrei as razões do honroso convite-designação, mas ele trouxe-me um júbilo rejuvenescedor em um dos momentos mais difíceis de minha vida, quando me preparava para ser submetido a uma intervenção cirúrgica, dando-me forças e coragem na certeza de que a vida haveria de continuar, e transformouse em vetor determinante de justo orgulho.

Ressalto que o convite-designação precisou a minha fala nesta noite. Deveria enfocar o meu livro “Serrano de Pilão Arcado - A saga de Antônio Dó” e falar sobre dois vultos que o douto presidente, coronel João Bosco de Castro, definiu como honoráveis: Meu pai Brasiliano Braz e o professor Saul Alves Martins.

Senhor Presidente, estou nesta tribuna em obediência ao convite- designação.

Nesta Sessão Solene da Academia de Letras “João Guimarães Rosa” da Polícia Militar de Minas Gerais, uma instituição de luminares da cultura vinculados à rigidez da caserna, os homenageados e eu fomos agraciados com a Medalha Cultural “Acadêmico Saul Alves Martins”.

Uma honra para todos nós.

Senhoras e Senhores.

Ilustrados membros da Mesa.

Guimarães Rosa, Saul Martins e Polícia Militar.

Uma trilogia que se interliga em um conjunto aparentemente heterogêneo, mas com a mesma soma de expoentes valorativos, dentro de um espaço-tempo de variadas dimensões, que nos remete à relatividade da vida.

Três pontos a serem considerados perante esse ilustre auditório.

No primeiro ponto deste conjunto, estamos presentes em uma Academia de Letras que eterniza o já imortal nome de João Guimarães Rosa, que surgiu como um fenômeno dentro da literatura brasileira.

Pesquisador curioso, inquieto, atento e minucioso, ele levou a extremos sua capacidade de inovar.

Uma delicada poesia emerge de seus textos em prosa: captura o falar do homem do sertão, conferindo-lhe musicalidade e imagens inesperadas. A aparente simplicidade que emana de suas frases evidencia um apurado senso estético e um equilíbrio formal singular. Sua língua, que é única, articula-se a um longo e exaustivo trabalho de recolha de vocábulos, experimento de novas combinações e exaustivos processos de elaboração.

Acrescento mais.

Seus escritos ultrapassam a forma. Além da precisão estética, seus espaços e personagens assinalam para uma necessidade de aprofundamento e aprendizado sobre a vida.

Movimento, cor e música parecem conceber, no plano da literatura, a apoteose de todas as artes, como se o autor quisesse atestar, a todo instante, que o belo, a natureza e o homem unem-se, de forma inescapável, para compor o milagre chamado vida.

As histórias de Guimarães Rosa têm caráter de fábulas. Revelam um olhar metafísico sobre as coisas, seres e objetos, a partir de uma realidade extraída dos planos geográfico, folclórico, social, econômico, político e psicológico.

Em seu discurso de posse na Academia Brasileira de Letras, ele proferiu a tão famosa frase:

“As pessoas não morrem; elas ficam encantadas.”

Três dias depois, ele ficou encantado. Tinha apenas 59 anos de idade e 20 anos de literatura.

Seus livros continuam a provocar a imaginação e a inteligência de seus leitores. Diadorim, Riobaldo, Otacília, Surupita, Sucena, Augusto Matraga, Rosalina são seres que levam adiante o poder da estória bem contada e o mistério contagiante da poesia.

Tão relevante quanto o primeiro, o segundo ponto ressalta a lembrança de Saul Alves Martins, antropólogo, folclorista, poeta, militar, professor, doutor em Ciências Sociais, homem do sertão, merecedor de nossa reverência.

Vitorioso em todos os campos do saber em que pugnou, ele deixou marcas profundas nos passos de sua vida.

Foi presidente do Conselho Diretor das Escolas “Caio Martins”, membro do Conselho Universitário da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, Chefe do Departamento de Sociologia e Antropologia da Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas da UFMG, Presidente de Honra da Comissão Mineira de Folclore.

Saul Alves Martins foi um iluminado.

Servindo-me da lição de Tomaz de Aquino, citado por Vieira, os iluminados dentro das imperfeições do mundo são perfeitos.

Ele é natural de Januária, a princesa do Vale do rio São Francisco.

Não poderia deixar de aqui lembrar que nos ligou a mesma tese de estudos: a biografia de Antônio Dó. Creio eu ter sido essa junção cultural o móvel de minha indicação para o recebimento de tão elevada comenda.

No meu livro “Serrano de Pilão Arcado - A saga de Antônio Dó”, um romance histórico, esforcei-me para encontrar uma junção comunicante entre a realidade exposta pelo sociólogo Saul Martins, do ponto de vista da Polícia Militar e memorizada pelo historiador Brasiliano Braz, sob o aspecto político, empregando os recursos possíveis para pôr em lembrança a vida de um homem lendário, com sua dualidade de corpo e de espírito, de virtudes e de fraquezas, de ambições e de competições, de desejos e de orgulhos, de atritos e de angústias, procurando resgatar a figura humana do mito sertanejo, agregando-lhe um conceito de cidadania, que altivo e desassombrado enfrentou as vicissitudes que lhe foram impostas.

Todavia, foi o professor Saul Martins quem primeiro promoveu o resgate dessa página proeminente da história de Minas Gerais, com sua tese de mestrado: “A biografia do cangaceiro Antônio Dó”.

Guimarães Rosa imortalizou o nome de Antônio Dó em “Grande sertão: Veredas”, “Sagarana” e “Tutameia”.

No terceiro ponto destaca-se a presença da gloriosa Força Pública de Minas Gerais, à qual me encontro irmanado no campo literário. Sou membro da Academia Montesclarense de Letras e nela ocupo a Cadeira nº 25, que teve a ilustrá-la o coronel Geraldo Tito Silveira. Coronel que honrou a Polícia Militar das Alterosas e literato que dignificou a aldeia montes-clarense com suas obras de repercussão nacional.

Declarou o coronel Antônio de Pádua Falcão, em 1966, então Comandante Geral da Polícia Militar do Estado, que os ledores ocasionais dos livros de Geraldo Tito Silveira “com ele ficam impressionados ao primeiro contato, como no meio daqueles que se dedicamàs pesquisas históricas da terra mineira”.

A Polícia Militar de Minas Gerais está repleta de cultores das letras, que integram o corpo imortal dos membros da Academia de Letras “João Guimarães Rosa”, instalada em 21 de agosto de 1995, pelo coronel Ary Braz Lopes e que tem como presidente o acadêmico coronel João Bosco de Castro.

Por todos os pontos ou coordenadas em que analisarmos os valores dessa Academia, nos sentimos levados a reconhecer a interação cultural de uma classe específica de literatos, que lhe transmite estabilidade e coerência.

Se não bastassem essas afirmações, como mineiro, tenho, pela Força Pública do Estado, respeito e reconhecimento pela efetiva sustentabilidade da segurança pública.

Como a quarta coordenada do espaço-tempo, que interliga os três pontos abordados, destaco esse maravilhoso evento que nos une e nos ilumina, não de forma relativa, mas absoluta, presente e positiva.

Por derradeiro, dentre os sentimentos de que sou possuído neste momento, peço vênia para dizer que se mesclam memórias saudosas de Brasiliano Braz, de quem tenho orgulho de ser filho.

Menino que aos sete anos de idade foi doado pelos seus pais ao comerciante João Maynart, de São Francisco, onde foi criado. Anos depois, já senhor de seus próprios atos, tornou-se líder inconteste do povo daquele município, que ele tanto amou e brindou com o livro“São Francisco nos Caminhos da História”, livro que é citado por todos os historiadores que escreveram sobre o Vale do São Francisco a partir de 1977.

Livro que foi fonte de pesquisas e está inserido na Bibliografia da obra “Power, Patronage and Political Violence”, de Judy Bieber, editado nos Estados Unidos (University of Nebraska Press), “State Building on a Brazilian Frontier, 1822-1889”, que retrata a região do rio São Francisco, em Minas Gerais.

O professor Judy Bieber, fundamentado em Brasiliano Braz, entre outros aspectos de sua obra, explora a centralização política durante o Período Imperial. Ele vê as origens do coronelismo como força do poder político rural, uma forma de máquina política que ligava o poder rural em nível municipal à política estadual e federal. Ao destacar o papel estrutural do município dentro do sistema político, ele fornece uma chave para explicar a capacidade do Brasil de manter a coesão territorial e política, no quadro de uma monarquia constitucional, em vez de se fragmentar violentamente, como ocorreu com as colônias espanholas.

Brasiliano Braz está imortalizado como Patrono da Cadeira nº 18 do Instituto Histórico e Geográfico de Montes Claros, da Cadeira nº 36 da Academia de Letras do Noroeste de Minas, de Paracatu, da Cadeira nº 01 da Academia de Letras, Ciências e Artes do São Francisco e da Cadeira nº 38 da Academia Januarense de Letras.

Senhor Presidente.

Creio eu que a missão está cumprida.

Muito obrigado!



Téo Azevedo
Cadeira N. 90
Patrono: Romeu Barcelos Costa

200 ANOS DE POESIA
Olyntho da Silveira & Yvonne Silveira

Conheci o casal Olyntho e Yvonne Silveira em 1979, quando eu estava organizando em Montes Claros talvez o mais importante movimento musical de cultura popular da história do Norte de Minas e dos vales do Mucuri e Jequitinhonha, que, inclusive, deu origem à Associação dos Repentistas e Poetas Populares do Norte de Minas, entidade que abrigava todas as correntes destas culturas. Esse acontecimento revelou artistas como Zé Côco do Riachão, Grupo Agreste, Fatel, Pedro Boi, cantadores como Jason de Morais, Pau Terra, Zé Figueiredo, Tone Agreste, Nato Jatobá, Beija-Flor, cordelistas como Josecé, Silva Neto (Juca) e outros.

Nessa época também conheci a poetisa e romancista Amelina Chaves e musiquei o seu poema “Andarilho do São Francisco”, gravado em vinil primeiramente pela minha irmã Beatriz Azevedo. Foi Amelina quem me possibilitou uma maior aproximação com o casal de poetas Olyntho e Yvonne. Os três foram inclusive meus padrinhos quando recebi o título de Cidadão Honorário de Montes Claros, em 10 de fevereiro de 1981 (uma proposição do vereador Deosvaldo Pena), e depois quando recebi a placa do Mérito Cultural Cândido Canela (uma proposição do vereador Ademar Bicalho), em 28 de dezembro de 2001.

Olyntho e Yvonne sempre me contavam casos importantes ocorridos no Brejo das Almas (Francisco Sá), uma cidade fantástica. Eu convivi muito tempo com o povo daquela região, pois a minha irmã, Maria Flor de Maio, tinha fazenda nos Dois Riachos depois da serra, dentro do município. Fiz muita serenata com meu irmão Antônio Augusto, com Zía, Casquinha e outros seresteiros nessa terra, e era comum vararmos a noite cantando e tocando no famoso Rancho da Lua. Anos depois fiz uma parceria artística com o ex-prefeito José Mário Pena, da qual surgiu um disco de vinil com a cultura musical de Francisco Sá, um trabalho histórico. Assim sendo, a minha ligação é muito forte com aquela região de origem do casal de poetas.

Naquela época, Olyntho me deu uma poesia de sua autoria para musicar, chamada “Passarinho”. Mas só agora neste álbum é que ela foi gravada, interpretada pela minha sobrinha, a médica Fernanda Azevedo, em parceria com minha irmã Beatriz, mãe de Fernanda. Em 2013, quando fui eleito membro do Instituto Histórico e Geográfico de Montes Claros, ouvi um diálogo entre Dario Teixeira Cotrim, Wanderlino Arruda e Itamaury Teles, no qual disseram que o ano de 2014 seria dedicado ao centenário da escritora e poetisa Yvonne Silveira. Na sequência recebi da minha esposa Maria de Lourdes Chaves, Lola, dois livros de poesia, um de Olyntho e outro de Yvonne, e fiquei encantado com o trabalho dos dois. Então tive a ideia de musicar poemas de autoria do casal e produzir um CD, principalmente os poemas românticos que me inspiraram a ir pela trilha musical dos anos setenta. Também musiquei um poema de autoria de Amelina Chaves, cujo teor homenageia dona Yvonne. Por fim, colhi depoimentos espontâneos de personalidades da cultura montes-clarense que conhecem e admiram o casal de poetas, os quais inseri no CD.

Aí saí em busca de patrocínios para ajudar nos custos de produção. Tive muito apoio de Lola Chaves no desenvolvimento do projeto. Convidei alguns cantores do Norte de Minas e outros de São Paulo. Comecei a produção em maio e terminei em agosto. Foram quatro meses de muita batalha, mas consegui realizar esse sonho. O título do CD, “200 Anos de Poesia”, faz referência aos 100 anos de dona Yvonne mais os 100 de seu Olyntho, que faleceu faltando apenas cinco meses para também completar o centenário. Este álbum vem se somar a outros trabalhos musicais históricos que produzi abordando uma parte significativa da cultura da nossa região. Entre eles, “Zé Côco do Riachão”, “Grupo Agreste”, “Repentistas do Norte de Minas”, “100 Anos de Cândido Canela”, “Sob o Olhar Januarense - Velho Chico”, o box com cinco CDs da obra completa de João Chaves e o “Terno da Folia de Reis de Alto Belo”. Sinto prazer de ser da terra do Pau-Brasil. No aroma e no gosto do pequi, vamos saborear o som deste novo trabalho.



MÚSICAS DE TÉO AZEVEDO

01 - MARIA FLOR - Yvonne / Téo Azevedo - Canta Ana Walkíria Mariotto
02 - NÃO FUJAS DO AMOR - Yvonne / Téo Azevedo - Canta Nílton César
03 - MENINA MOÇA - Yvonne / Téo Azevedo - Canta Ricardo Braga
04 - COMPANHEIRO - Yvonne / Téo Azevedo - Canta Edith Veiga
05 - MAIO E MARIA - Olyntho / Téo Azevedo - Canta Diego Jimenez
06 - BELA - Yvonne / Téo Azevedo - Canta Roberto Monte Sá & Ana Walkíria Mariotto
07 - AMIGOS - Yvonne / Téo Azevedo - Canta Célio Roberto
08 - REMORSO - Olyntho / Téo Azevedo - Canta Eliane Bonfim
09 - ETERNO SONHO - Olyntho / Téo Azevedo - Canta Djalma Lúcio
10 - MANHÃ - Olyntho / Téo Azevedo - Canta Eliane Bonfim
11- ENCONTRO MARCADO - Yvonne / Téo Azevedo - Canta Nílton César
12 - CANÇÃO DE AMOR - Yvonne / Téo Azevedo - Canta Coral Feminino do Grupo de Seresta Amo-te Muito
13 - EPÍSTOLA - Olyntho / Téo Azevedo - Canta Adélcio Saraiva
14 - PASSARINHO - Olyntho / Téo Azevedo - Canta Fernanda Azevedo & Beatriz Azevedo
15 - CONVITE AO SONHO - Olyntho / Téo Azevedo - Canta Daiane Lopes
16 - MAIO E MARIA (Balada) - Olyntho Silveira e Téo Azevedo - Roberto Mont’Sá & Quirino Filho.
17 - YVONNE, MULHER ESTRELA - Amelina Chaves / Téo Azevedo - Canta Valdo & Vael
18 - LUA BENDITA - Olyntho (poesia) - Declamação Luiz Vieira
19 - DE MISS MONTES CLAROS A MISS MUNDO - Yvonne - Declamação Luiz Vieira
20 - DANÇA ZITA (Poesia) - Declamação: Karla Celene
21 - METAMORFOSE (Poesia) - Olyntho da Silveira - Declamação Karla Celene
22 - BALADA DE AMOR PARA YVONNE E OLYNTHO - Ivana Rebello - Declamação Ivana Rebello
23 - DEPOIMENTO - Wanderlino Arruda
24 - DEPOIMENTO - Itamaury Teles de Oliveira
25 - DEPOIMENTO - Dário Teixeira Cotrim



Virgínia de Abreu e Paula
Cadeira N. 99
Patrono: Waldemar Versiani dos Anjos

Capela do Rosário

A boa nova da restauração da Capela do Rosário levou-me ao passado, se é que existe realmente um passado. Tudo me parece tão presente! No ano de 54 entrei naquela capela pela primeira vez. Aquela outra capela, tão bonita, tão imponente... e que, de acordo com algumas pessoas ficava no meio da avenida. Era de noite. Meus olhos perderam-se olhando o teto, a escada, os pilares, as imagens dos santos... Já a conhecia bem pelo lado de fora. Morava na Dr. Veloso com quintal voltado para o largo onde ela tinha sido erguida: o largo do Rosário. Sonhava com aquele largo todas as noites enquanto morei ali. O mesmo sonho. Melhor dizer o mesmo pesadelo. Descia a
escadinha para o quintal e abria o portão. Ali na minha frente, ao lado da capela, via uma cena de partir o coração. Escravos acorrentados, rostos contorcidos pela dor. Voltava para casa, entrava na cozinha, pegava uma faca e, como por milagre, ela servia de chave. Eu abria os cadeados libertando um por um... até acordar. Tudo recomeçava na noite seguinte. Será que aquele largo foi algum ponto de escravos? Será que ali ficavam esperando pelos futuros “donos”? Os sonhos deixaram de acontecer assim que mudei -me para a Chacrinha.

A mudança não foi para longe. Continuava vizinha da capela passando a frequentá-la mais amiúde embora fosse comum ir à missa das crianças na Matriz. Ou à missa da capela do Colégio Imaculada. Mas foram muitas as vezes que preferi a missa das 8 horas na capela do Rosário. Padre Ciardo! Ou seria Siardo? Ou seria um nome bem diferente? Sendo estrangeiro falava com forte sotaque. “Uma parrede não pode ser brranca e amarrela ao mesmo tempo”, disse numa de suas práticas. Práticas que os homens nunca ouviam. Assim que tinha início todos se levantavam para um bate papo entre eles do lado de fora. Voltavam quando a prática, hoje chamada homilia, tinha fim. Ali, muitas vezes, ensaiei cânticos de coroação da Matriz. Claro está que seus melhores momentos aconteciam em agosto durante as festas de Nossa Senhora do Rosário e de São Benedito. A festa do Divino tinha lugar na Matriz. Aquele largo ficava cheio e a capela também se enchia para as missas cantadas pelos dançantes com a presença da “nobreza”. A marujada chegava na carroceria de um caminhão simbolizando a barca. Antes da missa, em pleno largo, dançavam a Rezinga ou Morte do Patrão. Os caboclinhos representavam a Dança do Cipó. Imaginem o que sentiram ao saber que a capela seria demolida. Um lugar sagrado. A festa teria fim. Impossível transferir aquela celebração para outra igreja.

Foi então que meu pai teve uma ideia. Marcou hora com o prefeito para apresentá-la. “- Hermes! Se estamos derrubando a capela porque está atrapalhando o trânsito, como você quer construir outra no mesmo lugar”?” “Não será no mesmo lugar. Será erguida no canteiro da avenida com frente para o largo. Sem atravessar a rua. Diminuta. O importante é salvar a festa.” O prefeito Dr. Simeão Ribeiro Pires, também historiador, entendeu bem o projeto do meu pai e sua importância. Deu o consentimento.

Tal projeto serviria para aliviar a dor da demolição da capela antiga. Não aliviou. A noite da despedida despedaçou nossos corações. Todos os dançantes desceram para ali dançar pela última vez.

Impossível esquecer o rosto molhado de lágrimas de Zé de Custodinha dançando o Sarambé em frente ao altar. Todos choravam com ele, inclusive meu pai. Eu não suportei ficar até ao fim. Minha mente infantil não entendia aquilo. Como atrapalhando o trânsito se havia uma rua que a contornava? Os carros sempre passaram por ali sem problemas!

Dia seguinte... a demolição. Um “assassinato” consentido... e nada podíamos fazer. Meu pai aguentou chegar até lá para salvar algumas relíquias. Trouxe para a Chacrinha um dos pilares e pedaços do corrimão da escada. Trouxe também uma boa notícia: o cruzeiro antigo permaneceria no mesmo lugar. Evitei por meses passar por ali. As ruinas machucavam meu coração. Voltei apenas quando teve início a construção.


Igreja do Rosário

A NOVA CAPELA

Teve como arquiteto o Mércio Guimarães. Seguindo orientação do Dr. Hermes ele optou por algo lembrando nosso folclore. O estilo seria modernista. Era tempo de Brasília e Oscar Niemayer fazia escola. Formato inspirado na Barca da Marujada. Na parte dos fundos, do lado de fora, haveria um painel de azulejos lembrando o que existe na capela da Pampulha de Belo Horizonte. Sobre o altar haveria um letreiro em neon com a frase “Deus te Salve Casa Santa”, uma das músicas dos catopés. Meu pai não cabia de tanto contentamento ao ver a planta da capela pronta. Dizem que foi premiada em algum lugar da Europa. Esse contentamento deu origem a uma interpretação incorreta dos seus sentimentos agravada quando do lançamento da nova edição do seu livro “Montes Claros, Sua História, Sua Gente e seus Costumes.” Num dos capítulos ele diz ter sido a favor da demolição. Que susto! Virgílio o procurou sem entender nada. “Mas como? O senhor sempre foi contra...” Ao que parece, devido a sua amizade com o então prefeito, achou melhor parar de censurá-lo. Afinal de contas ela havia dado o consentimento e apoio à nova capela. Por dentro ele sentia diferente. Nunca esquecerei suas lágrimas. O contentamento era por estar salvando a festa, por ver a alegria dos dançantes. Eles tomaram a frente na construção que teve o Zanza como mestre de obras. Será que foi a partir daí que passou a ser conhecido como Mestre Zanza?

E assim, pelas mãos dos catopés, marujos e caboclinhos a capelinha foi erguida. Infelizmente ficou incompleta. O letreiro em neon, assim que se quebrou, não foi substituído. O painel nunca foi feito. Faltou acabamento. Bancos da pior qualidade. E não funcionava como a antiga. Estava sempre fechada... sendo aberta só em agosto. Logo os vidros das portas se quebraram. Triste passar por ali e ver o piso empoeirado, lixo acumulado. Nada de missas aos domingos. Nem ensaios de coroações. Vem meu pai com nova ideia. Descobre que uma igreja pode ser usada para eventos culturais. Procura o bispo com a proposta de consentir que ela fosse usada pela comunidade.
Dom José diz sim. As vidraças quebradas são substituídas e o piso volta a ser limpo porque ali passa a ter exposições de artesanato, aulas de inglês (como sala do Brasil Estados Unidos) chegando a ser sede temporária do Cine Clube de Montes Claros. A população é informada que, conseguindo um padre, poderiam pedir por missas especiais. Relembro o dia 19 de junho de 1966. A capela belíssima e florida: bodas de prata do casal Hermes e Josefina de Paula. No início dos anos 70 é a vez da peça teatral “Hoje é Dia de Rock”. De autoria de José Vicente, a peça marcou aquele tempo. A montagem do Rio de Janeiro no Teatro Ipanema foi considerada pela crítica como o mais importante espetáculo de 1971. “Hoje é dia de Rock” é o nome de um dos mais ouvidos programas de rádio no Brasil nos anos 50 e início dos 60 pela juventude. A peça fala sobre cinco irmãos do interior de Minas vivendo as transformações da época sob a influência do rock ‘n’ roll. Segue o estilo da década de 60, tocando em assuntos polémicos sem censura. Uma turma valente de nossa terra faz sua própria montagem. A capela se transforma em teatro de arena com arquibancadas. Casa lotada todas as noites. Porém uma turma de poder não aceita “aquilo” dentro de uma capela. Com boa vontade
ainda podemos ouvir os protestos. Dizem que até jogaram praga contra os atores. Dois deles sofreram grave acidente deixando-os em coma por alguns meses. Assim, dramaticamente, encerram-se as atividades culturais na capela do Rosário que passa então a ser sala para velórios por anos a fio.

Dezembro de 2009. Encerramento da celebração do centenário de Hermes de Paula com missa na capelinha ao som de Folia de Reis. Minha mãe se emociona lembrando a todos da dedicação do homenageado ao folclore e à capela. Que alegria ver suas portas abertas para algo tão bonito. Por que não sempre assim? É então que começo a tomar conhecimento das boas novas. Em breve haveria missas dominicais. Também seria lembrada por ocasião da Semana Santa. Hoje vemos que as boas novas eram verdadeiras. E como uma coisa puxa a outra, perceberam a necessidade da restauração. O jovem e entusiasmado padre Fernando, ao saber que nunca foi completada, entende que é hora de assim o fazer seguindo o projeto original. Ao tomar conhecimento de sua importância histórica e folclórica, reconhece que a restauração não deve ser apenas para que os fieis tenham mais conforto. Deve visar principalmente seu compromisso com os dançantes e nossa mais bela festa: a Festa de Agosto. Alguém lá em cima está muito feliz.



Wanderlino Arruda
Cadeira N. 33
Patrono: Enéas Mineiro de Souza

A VOZ DO ESTUDANTE

Sob a orientação do nosso saudoso monsenhor Osmar de Novais Lima, órgão do Grêmio Lítero-Esportivo D. João Antônio Pimenta, circulava em agosto de 1942, no antigo Ginásio Municipal de M. Claros, direção de Antônio Augusto Athayde, redação de Luiz G. Prates, o jornal A VOZ DO ESTUDANTE, número 17, ano III, nova fase. Seis alentadas páginas, bem impressas, feitas pelas Oficinas Gráficas Simões, constituem ainda uma gostosura de passado histórico, interessante registro de uma época de patriótico respeito por instituições e costumes, uma como que quase revelação de pureza d’alma de jovens estudantes, ciosos e compenetrados na luta por um futuro melhor.

A colaboração farta contava também com o professor Alfredo Coutinho e, segundo me parece, com alguma coisa do dr. João Antônio Pimenta, tal a seriedade de conceitos, que só o velho mestre sabia imprimir. Outros nomes, alguns ainda bem lembrados, outros esquecidos, representam, hoje, curiosidade: Barulas Alves Reis, Vivaldo Macedo, Ione Feitosa, Eunice Fialho, Zilca Miranda, Adelaide Barbosa, Manoel J. G. Calaça, Antônio Franco Henriques, Célia A. Neto, além de Geraldo G. Prates e de um misterioso A., tudo indica ser o mesmo Antônio Augusto Athayde, autor de outro artigo vazado em idêntico estilo e entusiasmo.

Interessante é a coluna de aniversários. Vejam os nomes de quem naquela época já andava frequentando ginásio: Aristides B. Braga, 1ª série; Péricles A. Andrade, José A. Guimarães, José Braga, 2ª série; os terceiranistas eram Rosália Pinto, José Romualdo Torres, Carlúcio Athayde; ainda do segundo ano, Elton Rocha Lessa e Artur Fagundes Oliveira. “A todos, principalmente ao Padre Gustavo F. de Souza, os votos de felicidades de A VOZ DO ESTUDANTE” - dizia a nota.

A colaboração principal parece que era mesmo a do diretor Antônio Augusto Athayde, que ainda escrevia o sobrenome sem o “h” e o “y”, como o fazia também o Carlúcio, seu parente. Coisas de garotos... Antônio Augusto tinha boa redação e muita riqueza de adjetivos e verbos no gerúndio. Os períodos eram longos, cheios de subordinação, bem temperados à moda de Rui Barbosa, Castro Alves e Padre Antônio Vieira. Seria influência de muitas leituras? Por exemplo: “Em nossa memória tenra ainda, períodos como os que agora atravessamos ficarão gravados para jamais esquecermos dos tempos bons de nossa florida adolescência - tempos que não voltam mais...” Outro trecho:“Enquanto do alto dos céus, os raios fulgentes do sol sertanejo banham os vastos pátios do Ginásio...” etc.

Tempo bom, tempo ótimo, coisa linda de tempos de remota juventude. Nada mais coerente que a voz dos jovens - espontânea, pura, colorida, limpa de coração... É pena que a realidade da vida nos tire tanta poesia e beleza. É pena que a crueza do dia-a-dia nos tire tanto da jovialidade dos primeiros anos de vida...

Mas, afinal, é bom ter motivo de saudades...





Terezinha Teixeira Santos
Sócia Correspondente
Guanambi - Bahia

A CASA DO ESCRITOR
DOMINGOS ANTÔNIO TEIXEIRA
(TEIXEIRINHA)

“Todo e qualquer artefato humano que, tendo um forte componente simbólico, seja de algum modo representativo da comunidade, da região, da época específica, permitindo melhor compreender-se o processo histórico, a ele dá-se o nome de Patrimônio.” Pellegrini Filho (1997 )

Como um patrimônio cultural, foi criada, na cidade de Guanambi-Bahia, a CASA DO ESCRITOR, situada na Praça Gercino Coelho, no centro da cidade, em homenagem ao escritor e historiador Domingos Antônio Teixeira-Teixeirinha. É uma entidade particular sem fins lucrativos, com diretoria efetiva, atendendoàs normas estabelecidas no seu Regimento Interno. Tem como objetivo principal valorizar a cultura do Município e retratar a sociedade
e a sua cultura de diversas formas, enaltecendo aqueles que contribuíram ou contribuem para a preservação da história.

O local agrega arquivos sobre a Vida e Obra do Escritor, mesclados com um rico acervo cultural, resgate de um passado construído pelos nossos antepassados, sendo cuidadosamente dividido em duas classes culturais:

1. Vida e Obra do Escritor Domingos Antônio Teixeira - Teixeirinha, com um conjunto de documentos e fotos da sua árvore genealógica e registros de fatos importantes que marcam a sua identidade cultural e sua influência na política e na sociedade de Guanambi.

Teixeirinha era filho do Major Antônio Othon Teixeira e de D. Mariana da Silva Teixeira. Nasceu em 21 de junho de 1903, na Fazenda Pajeú (Morrinhos - Gentio), Guanambi - Bahia, onde passou a sua infância. Em 1917 iniciou seus estudos no Colégio São Luiz Gonzaga, em Caetité /BA. Casou-se com D. Maria Alice Cassimiro Teixeira, de cuja união nasceram 13 filhos.

Residiu em Ceraíma (antigo Gentio) até 1939, quando se transferiu para Umburanas (atual Guirapá, distrito de Pindaí). Pouco tempo depois estabeleceu residência em Malhada e posteriormente em Guanambi, onde ocupou o cargo de Secretário Municipal e por três vezes exerceu o cargo de Prefeito desta cidade, vindo a aposentarse como Secretário Municipal, o seu cargo de origem.

Ainda jovem teve despertado o gosto pelas letras e, como grande amante da terra natal, cantou suas belezas em prosa e versos. Como escritor e historiador escreveu o livro “Respingos Históricos”, primeiros registros da história de Guanambi, obra literária pioneira lançada na cidade de Guanambi. Escreveu também poemas, alguns deles já publicados em livros e jornais.

Faleceu em 30 de novembro de 1976, no seio da sua família e dos amigos.

2. Amostras de cultura - A Casa do Escritor guarda um valioso acervo sobre a Vila do Gentio, a exemplo de fotos do açude de Ceraíma, (desde o início até o final da construção), fotos de casas e igreja da antiga Vila, também objetos e documentos. Possui várias amostras que revelam a cultura de um povo de épocas distantes, histórias perdidas no tempo, resgatadas e expostas, mesclando um grande acervo cultural de Guanambi. Existem peças relevantes da antiga casa grande da Fazenda Pajeú, lugar onde nasceu Teixeirinha, local reconhecido como patrimônio cultural por ter sido identificado como grande sítio arqueológico da região.

A Casa do Escritor está aberta ao público diariamente, promovendo e divulgando cultura e história.


Domingos Antônio Teixeira


O IPÊ EM GUANAMBI*

Domingos Antônio Teixeira

Acorre Guanambi a ver, interessada,
Veteranos jogar com gente do Ipê.
Com juros, desforrar a derrota passada,
O mineiro esportivo planeja e prevê.

Bem disposto, vestido as cores da esperança,
O time visitante entra no “Dois de Julho”,
O nosso Veteranos, que não é criança,
Não tem nenhum temor, só pelo seu orgulho.

O Juiz apitou. Começa vigorosa
A luta que, renhida, não trouxe vantagem,
Pois, no primeiro tempo, a visitante airosa
Inútil se esforça para abrir a contagem.

Se zero a zero foi no tempo inicial,
No segundo, também diverso resultado
Não houve, porque foi um a um o final
E muito fez o Ipê não sair derrotado.

_________________________________
NOTA: este poema foi escrito pelo poeta-historiador Domingos Antônio Teixeira, em homenagem ao jogo de futebol do Ipê Futebol Clube de Montes Claros contra a Associação Atlética Veteranos, de Guanambi, no dia 14 de julho de 1968.
____________________________________________





Convidados

A FALTA DA VERDADEIRA E
DEVIDA INFORMAÇÃO

Evando Carele de Matos

“O cidadão tem que ser inserido no mundo da ciência
e tecnologia. Ele é o principal ator”.

Deve-se estabelecer um diálogo entre a ciência e a população brasileira em geral, considerando todas as camadas. O cidadão comum desconhece os conceitos, a funcionalidade, o uso e as aplicações, de forma correta, didática e educativa, em relação a quase tudo.

A disponibilização da informação ao público pode e deve ser estendida e aplicada em benefício do próprio País, principalmente em relação à elementares questões sociais, de demandas básicas. Portanto,é preciso produzir o conhecimento, ampla e claramente, conforme abordagem e opiniões em áreas importantes, que embasam parte deste artigo, apresentadas na 60ª Reunião Anual da Sociedade Brasileira para Progresso da Ciência - SBPC, realizada em 2008.

Desta forma, a sociedade deve ser devidamente informada sobre a interdependência entre sustentabilidade ambiental, econômica e político-social, adquirindo senso crítico e, consequentemente, efetuando reflexões e tendo posturas convenientes. É preciso perceber, entender e distinguir a realidade das motivações comerciais, políticas e filosóficas.

De alguma maneira, deve-se transformar a necessidade em interesse. Esta necessidade não é nova, registra-se. Ela, pode-se dizer, remonta aos primórdios do ser humano.

Os meios de comunicação, talvez por razões comerciais, não dão a devida importância, mas a população, de maneira geral, interessa-se por ciência e tecnologia. Esta área embora seja pouco abordada pela mídia ela merece melhor destaque, sendo, por vezes, mais demandada e reclamada pela sociedade do que outros temas priorizados publicitariamente.

Salutarmente, no Brasil, o consumo e interesse por informações científicas e tecnológicas tem aumentado significativamente, não somente para ampliação do conhecimento em si, mas também para efetuar reflexões e participar da resolução de problemas inerentes ao tema, porquanto trata-se de uma área extremamente importante ao desenvolvimento do País e à melhoria das condições de vida da sociedade.

Importa observar que a aplicação do conhecimento científico e, muitas das vezes, a comercialização dos seus produtos, é permeada por uma série de “interesses outros”, situação que nem sempre é transmitidaà sociedade.

É importante, por exemplo, que o cidadão saiba que o preço dos produtos, encarecido pelo imposto, deve ser justo e compatível com o custo de produção. Não poderia haver, conforme acontece, majorações e, até, exorbitâncias, motivadas por ganância empresarial.

Geralmente, a infraestrutura, relacionando qualquer aspecto, natureza e condição, é criada pelo governo, com recursos advindos de imposto pago principalmente pelo trabalhador/consumidor. O produtor não tem a responsabilidade, as vezes nem condições, de arcar com este tipo de despesa.

Considerando razões externas, aborda-se o discurso pronunciado por países europeus, que relacionam a produção de biocombustíveis com a escassez de alimentos e a alta inflacionária no mundo. Todavia, existem sérios estudos cujos resultados contrapõem a assertiva acima.

Observa-se que a Europa não tem território condizente com a sustentação de programas de produção de combustíveis e uma ampla produção de alimentos para a autossustentabilidade, ao passo que o Brasil, assim como alguns países da América Latina e da África, dispõem de terras para produção de biocombustíveis, sem afetar o cultivo de alimentos e suas reservas naturais.

O Brasil detém a maior área agricultável do mundo - cerca de 100 milhões de hectares. Assim sendo, o País tem todas as condições favoráveis para conciliar a produção de alimentos com biocombustíveis. Mas, é necessária uma adequada política de estado que garanta
esse equilíbrio.

Na questão da energia as pessoas devem se conscientizar da necessidade do uso racional e da finitude de certas fontes energéticas. Há de se observar, também, que na produção de energia, proveniente de qualquer fonte, gasta-se energia e causa-se, impactos. Trata-se de uma relação custo-benefício.

Concernentemente ao biocombustível cabe considerar que pode-se produzir, em grande escala industrial, etanol (álcool combustível) da cana-de-açúcar (primeira geração) e obtenção do etanol de segunda geração (processo tecnológico em desenvolvimento, denominado hidrólise), através da conversão da palha e do bagaço da cana-de-açúcar. Neste quesito o Brasil possui um programa vencedor, sendo muito competitivo internacionalmente.

Uma questão de capital importância que deve ser corajosa e adequadamente abordada e devidamente esclarecida e informada é em relação às verdadeiras causas e efeitos ocasionados, especialmente, ao ser humano. A exposição humana à substâncias tóxicas em áreas contaminadas são geralmente bastante prejudiciais, bem como existem processos naturais em determinados locais que podem ser responsáveis pela prevalência de doenças, mas cuja relação não é conhecida. Portanto, um mapeamento geoquímico, por exemplo, poderia revelar a existência ou não de uma conexão entre esses fatores geológicos naturais e possíveis efeitos adversos à saúde, revelando, assim, as reais causas e determinando as medidas a serem eficiente e adequadamente adotadas, a bem da verdade e da saúde.

Um bom exemplo da ilação acima é a tragédia ocorrida na década de 1980 em Bangladesh e em uma região da Índia. A ingestão prolongada de água com concentrações excessivas de arsênio, elemento químico cancerígeno, envenenaram milhares de pessoas. A água subterrânea, consumida durante mais de vinte anos, estava historicamente em contato com uma rocha contendo o mineral pirita, um sulfeto de ferro rico em arsênio. Porém, desconhecia-se esse fato.

De igual forma, é comum consumir, inadvertidamente, água com excessivas concentrações naturais de flúor, levando o desenvolvimento de fluorese, grave doença.

O mapeamento geoquímico pode ajudar, também, a identificar águas radioativas, que apresentam o caráter benéfico ou maléfico, dependendo da intensidade radioativa.

E por falar em radioatividade, cabe aqui enfocar, mesmo superficialmente, alguns aspectos da energia nuclear, fundamentada, no caso brasileiro, na fissão de átomos instáveis de urânio, que liberam extraordinária energia calorífera. Para se ter ideia, a equivalência energética desta fonte com combustíveis fósseis, como por exemplo carvão mineral e petróleo (óleo combustível), que são utilizados em usinas térmicas, seria a seguinte: 100 gramas de urânio coresponderia a 1,3 toneladas de carvão mineral ou a 3,1 toneladas de petróleo. Esta ínfima quantidade de urânio tem energia suficiente para suprir uma casa brasileira, padrão médio, por um mês.

A principal utilização comercial da energia nuclear é para produção de energia elétrica, em reatores nucleares. Outras aplicações, também importantes, encontram-se na medicina, para diagnóstico e tratamentos médicos (radioterapia, radiofármacos) e na agricultura, para conservação e melhoria da qualidade de alimentos, notadamente grãos.

Entretanto no Brasil e em alguns países, por desconhecimento ou interesses escusos, existem opiniões equivocadamente desfavoráveisà energia nuclear. Contudo, vale observar que as várias fontes energéticas não são excludentes, elas são somatório. Nenhum país, em sã consciência, pode abrir mão de qualquer modalidade energética, seja ela de fonte renovável (hidrelétrica, biomassa, eólica, etc.) ou não (termonuclear, termo a carvão, óleo combustível, gás natural).

Alguns grupos defendem a eliminação da energia fóssil, nuclear e hidroelétrica, que respondem por 99% de energia do mundo. Eles dizem que as energias renováveis podem substituir suficientemente. O que pretendem? Voltar a situação dos povos primitivos? Morar em cavernas? Isto não é ciência, nem desenvolvimento. Na verdade, desta forma, estão desinformando as pessoas que acreditam em conto da carochinha.

Há de se dizer que no Brasil a demanda de eletricidade dobra a cada sete anos, e a sociedade exige o atingimento de melhores condições de vida, que passam pelo Índice de Desenvolvimento Humano - IDH, onde leva-se em conta a disponibilização e consumo de energia elétrica. Eletricidade significa lazer, educação, saneamento e saúde.

Existe, ainda, uma situação bem preocupante que é aquela referente ao uso, na região amazônica principalmente, de mercúrio, metal líquido muito tóxico, que é utilizado na separação do ouro contido em areias e cascalhos (aluvião), contaminando o solo e a bacia hidrográfica.

Mas, esta não é a única forma de contaminação por este elemento químico. No caso amazônico a contaminação, em tese, pode ter ocorrido a partir do mercúrio emanado ao longo de milhares de anos de vulcões localizados na região andina.

Portanto, a bem da verdade, o vulcanismo é um processo natural e incontrolável, responsável pelo lançamento na atmosfera de elementos e substâncias nocivas à saúde. No caso, o mercúrio pode percorrer grandes distâncias, através de gases, e contaminar áreas extensas e longínquas, principalmente em regiões de solo rico em íons ferrosos, que tem a propriedade de reter e fixar o metal. Segundo o professor Bernardo R. de Figueiredo, do Instituo de Geociências da Unicamp (in Jornal da Unicamp, N.º 402, 1998) esse processpo poderia explicar a existência de elevadas concentrações de mercúrio emáguas e sedimentos amazônicos de áreas onde nunca existiu garimpo de ouro, como, por exemplo, a bacia do Rio Negro.

Mostrar os possíveis efeitos adversos à saúde é papel da “geologia médica ou medicina geológica”, como queiram.

Cabe enfatizar que a informação precisa é muito importante e deve ser divulgada com responsabilidade, tanto por parte do pesquisador, quanto pela mídia. Não se pode criar precipitadas expectativas, como ocorre em relação às células - tronco, que embora se encontram em estágio de pesquisa, estão sendo divulgadas e entendidas como uma panaceia, ou seja “remédio para todos os males”, curando, plena e rapidamente, toda sorte de doenças. Mesmo sendo uma técnica de tratamento médico, a sua propagada eficiência e disponibilização fácil, imediata e acessível a todas as camadas sociais, conforme focada pela mídia, não é, infelizmente, uma realidade de hoje.

Ao indivíduo cabe, racionalmente, abrir-se para a informação, deixar-se permear por ela, entendê-la, discuti-la e aplicá-la, tudo isso com adequação e sensatez.

Um tema bem atual e inovador é a Nanotecnociência. De acordo com o físico da Unicamp, professor Peter A. B. Schulz, graças aos conhecimentos gerados e aplicados pela nanotecnociências as pessoas já podem se beneficiar de medicamentos ditos “inteligentes”, para citar um exemplo na área médica. Esses medicamentos agem no organismo somente no local onde eles são necessários. Nesse caso o princípio ativo é encapsulado em nano partículas que cumprem a função de transportá-lo.

Para se ter ideia da revolução que esta área de conhecimento pode proporcionar, informa-se que cientistas israelenses gravaram os textos do Velho Testamento sobre uma camada de ouro de 20 nanômetros (um nanômetro corresponde a um milionésimo do milímetro = 10 - 6).

A nanotecnociência pode gerar impactos industriais extremamente importantes em todos os setores das atividades humanas, tais como materiais, medicina, energia, meio ambiente, água, alimentos, eletrônica, etc. Assim sendo, deve-se permear todos os segmentos da sociedade, deixando claro o significado prático dos produtos criados e colocados à disposição para consumo, demonstrando as aplicações e os riscos.

Na medicina a nanotecnociência vislumbra novos e adequados tratamentos, aponta as possibilidades de diagnósticos rápidos, mais preciosos e de menor custo.

Embora a população não tenha ainda percebido, os produtos gerados pela nanotecnociência já estão incorporados ao seu cotidiano. Através da nanotecnologia criou-se tecidos antibacterianos para a confecção de lençóis, fronhas, jalecos e bandagens destinados a ambientes hospitalares, conforme assinala o professor Osvaldo Luiz Alves, do Instituto de Química da Unicamp.

Portanto, a sociedade deve entender a nanotecnociência como uma possibilidade de uma revolucionária melhoria da qualidade de vida.

Na tarefa de divulgar este tipo de informação e fomentar a educação científica, o jornalismo científico tem um papel fundamental. Entretanto, deve-se considerar, sempre, que não se pode perder a perspectiva de que a pesquisa científica envolve a ética e a opinião pública.

Brincadeira à parte, a falta de informação, de conhecimento, pode levar a situações do tipo: este anel, é diamante orgânico? (pergunta da amiga, referindo-se a possível produção do mineral, a partir de carbono contido na cinza resultante de cremação de cadáver humano). Não, foi meu marido quem me deu, pouco antes da sua morte (resposta condicionada por supor, equivocadamente, a insinuação da existência da figura do amante).



LIVROS PUBLICADOS
2º semestre de 2014

 



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