.

Livro de prefácios e comentários

Wanderlino Arruda

2014


Voltar


                                     “Um pequeno Rei”

         Recebo de minha colega de Fafil, Professora Ireny Caldeira Oliveira, com um pedido de apreciação, o livro “Um Pequeno Rei”, coletânea de contos infantis de José Flávio Juca, primo do Fran, marido de Ireny. É livro pequeno, porque destinado a crianças ou adultos que gostem de ler rápido e em pouco tempo. Edição de 1982, da minha saudosa cidade de Fortaleza. “Um Pequeno Rei”, tem prefácio de uma garota de 9 anos, Flavia Girão J. Araújo. Trata-se de uma estorinha de um menino de seis anos, que já queria ser adulto. Aliás, que já estava vivendo num mundo de adultos, sendo a vida de criança apenas um sonho. Um sonho que, imaginário como todos os sonhos, teria de durar muito e ser real, para trazer a criança, de novo, feliz...

         “Não se preocupem se, por acaso, encontrarem uma ou outra palavra cujo significado vocês não entendam ou não conheçam; o importante é compreenderem o que o Zezinho sentiu; as palavras difíceis só estão aí para facilitar o entendimento da estória pelos adultos que queriam também lê-la. Se, mesmo com tanta palavra difícil, vocês não conseguirem entender a estória do Zezinho, peçam para uma criança lhes explicar. O que ela disser, escrevam em um papel, palavra por palavra, que eu assino embaixo”. Foi o que disse o autor, num esclarecimento à guisa de prefácio, o que já dá para sentir que muitas vezes a criança entende mais do que as pessoas que já se julgam crescidas...

         Zezinho, a personagem central, ou praticamente a única personagem tinha mesmo de ser adulto: “ – Menino, tira essa chupeta da boca; você já tem três anos, já é quase um homem”... “- Não tem vergonha, com quatro anos e ainda faz pipi na cama?”. “ – O quê? Com cinco anos e ainda não sabe amarrar um sapato?”. “ – Que é isso rapaz? Você é um homem, e homem não chora...”. Cedo ou tarde, Zezinho tinha de tomar uma decisão: dormir mais tarde, falar mais grosso, dizer mentiras, juntar dinheiro, usar cuecas, fazer besteiras, ler jornal, ter dores de cabeça....etc... etc. Também tinha de deixar para trás algumas obrigações: tomar mingau, comer sopinha, jogar bola de gude, andar pelado, ser soldado de mentira, chupar chupeta, sujar e sujar-se, brincar do rei ou de príncipe... Zezinho passou a ser sério, pensativo e, triste. Ficou de uma tristeza que só os adultos sabem sentir. Esqueceu-se dos brinquedos, dos sonhos, dos contos de fada e do urso de pelúcia. Zezinho ficou diferente...

         Só um sonho poderia salvar Zezinho, como só um sonho poderá salvar muitas pessoas. E foi um sonho que salvou o Zezinho do livro de Flávio Juca, bom sistema de ensinar a realidade, de colocar cada criatura no mundo do seu tempo mental, criança ou gente grande. Pena que o livro, publicado no Ceará, esteja fora do alcance do leitor mineiro, longe, além, muito além daquela serra que ainda azula no horizonte, pertinho de onde Iracema corria para ver de perto o seu guerreiro branco. Afinal, não é todo dia que podemos ter bom produto da Terra dos verdes mares de Alencar...

        

Quem, entretanto, tiver oportunidade, não deixe de ver “Um Pequeno Rei”. É experiência que vale a pena. E pode trazer muita felicidade...                      

Voltar


Montes Claros, vovó centenária

              Montes Claros Centenária é a canção do primeiro século de independência da cidade. É um marco de inteligência, de fé e de amor, cadinho de ternura de Luiz de Paula Ferreira, fruto importante da nossa história. É a síntese sentimental de um trovador, menestrel da cultura, doação viva à nossa realidade e aos nossos sonhos. A força desta canção é o constante entrelaçamento de duas existências, a de Luiz de Paula e a da cidade, ambos sensíveis ao eterno e ao efêmero, misticamente voltados para tudo que cheira ternura, saudade e afeição. Mais do que uma prece à meiguice do sangue, Montes Claros Centenária é um grito de sagrada paixão pela terra e pelo povo.

           Decorridos sessenta anos do Centenário, impossível descrever o entusiasmo, o afeto e o carinho com que a cidade comemorou os 250 anos de sua fundação e os cem de criação do município. Foram sete dias de festas, em que praticamente todas as famílias abriram suas casas para receber montes-clarenses saudosos vindos de todos os quadrantes da pátria. Em cada praça, em cada lar, a alegria do reencontro, o abraço emocionado de velhas lembranças, o eclodir sincero da mais pura devoção a um local abençoado por Deus. As pessoas se abraçavam, dançavam e cantavam nas ruas, cultuando o passado e extravasando esperanças. Era a transformação de cortejos em alegorias de amenas certezas, uma doce e gostosa gratidão ao berço natal. Feliz de quem teve a sorte de viver aqueles dias deste santificado Arraial de Nossa Senhora da Conceição e São José das Formigas, tudo tão Montes Claros.

         A canção Montes Claros Centenária, que a inspiração de Luiz de Paula transformou em hino de lirismo e vibração para velhos e jovens, foi o elo emocional necessário para fazer aquele momento mais do que inesquecível, iluminando recordações e cintilando o porvir. A gravação de 78 rotações feita na época, hoje guardada como relíquia, incrustação material no espaço afetivo, sempre se fez presente em novas técnicas, reavivando cada vez mais as ondas de sentimentos bons. Cantada também com o encanto da voz de Carlos Galhardo, do Quarteto em Cy, de Nivaldo, Benedito e Clarice Maciel, e por tantos outros notáveis, será com certeza a imortalização de um dos mais altos momentos de Montes Claros, o da alegria do seu primeiro Centenário.

 

Voltar


POESIA NO “MULO” DE DARCY RIBEIRO

          Não sei por que mecanismo fica guardado em nossa memória um assunto que julgamos de interesse futuro, e que em determinado momento nada temos a fazer com ele. Um dia, sem qualquer planejamento, aquele assunto aflora em nosso pensamento e, sem quê nem porquê, se insinua como se em nascimento de filho de parto invisível, produto de gravidez intelectual como a apelida Cyro dos Anjos, disso acometido muitas vezes na vida. Foi o que aconteceu hoje comigo, ao desengavetar da lembrança de uns quinze anos ou mais a sonoridade de uma poesia rítmica e bem feita encontrada na prosa do romance “O Mulo”, de Darcy Ribeiro, obra que ali para fazer a apresentação quando do seu lançamento em Montes Claros.

       E com que alegria volto ao assunto para compartilhar com o leitor, principalmente por se tratar de boa lavra, uma mineração de ouro nas letras contemporâneas.

Lembro-me da surpresa encontrada nos olhos do próprio Darcy, sempre crítico dos outros e de si mesmo, que, ao esperar uma série de dados biográficos dirigidos a e sobre um filho da terra, encontrou uma análise linguística e literária do seu romance, com busca de estratos fônicos e semânticos, de que talvez nem ele mesmo tivesse consciência clara. Foi assim que, quando descobri versos com balanço e métrica na sua prosa, versos coerentes e bem encadeados de uma poesia moderna e límpida, pequeno não foi o seu espanto.

        O livro “O Mulo” é todo Montes Claros, com um elenco de personagens gostosamente nossas, como nomes do passado e do presente: Agapito, Lopinho, Izupero Ferrador, Dio, Mia, Leonel Filogônio, Malaquias, Benedito Gomes, Quinzim, Deba, Pio; Pacopaco, Dominguim, ao lado de Bidê, Konstantin, Mauricinho, Ducho, Fininha, Alfeu, Lauzim.

        No “Mulo”, Darcy é muito ele mesmo também, deixando aqui e ali em toda a obra pinceladas de irreverência, quando indiretamente fala do próprio câncer que lhe tomou um pulmão, de apelidos do seu tempo de criança e de rapaz, de definições que dá para a gente chamada povo (“só quer folgar e parir”) e para cidade (“o que me arrelia, é estar sozinho. Nas cidades quando lá fui e vivi, estive sempre só, só no meio do povaréu, como um traste que ninguém vê, nem quer ver”). Gratificante, quando ele se torna lírico: “Ele sentava na ponta do banco, comendo no prato com a mão, fazendo capitão e me escutando”. Lindo, quando ele fala de Benedito Gomes: “Chamei o compadre Benedito,/ homem de sabedoria, / para ver se descobria/ e me explicava a causa de tanto urubu / Não sabia! Ótimo quando se vê como o mulo, ele mesmo ou Filomeno: “Aquele sim, é o homem / que eu sou, / inteiro. Cabal. / Sossegado, Valente / Realizado. / Contente. / Isso tudo, sem saber./ Inocente”.

Veja leitor que beleza de ritmo: “Nessa casona,/ hoje, um homem espera a Morte. / Eu. Nem homem sou. / Sou é um des-homem, / de punhos atados, / de dentes cerrados,/ de pernas peadas, / aos pés do Senhor!

          Quanta coisa boa! Mas devo respeitar o espaço, e só tenho tempo de falar de Emilinha, uma gostosura de poema e de figura: “Emilinha não era desse mundo. / Ou era, demais da conta. / Safada de nascença. / Nela havia o sumo de dez, / de cem mulheres/ muito fêmeas. / Tanto que extravasava, / sopitava em cheiros e babas. / Suspiros e choros. / Era uma força viva,/ selvagem como esses bichos silvestres. / Emilinha me fez homem/ como jamais fui antes nem depois./ parecia até feitiço. / Eu e ela inesgotáveis... / Vi por fim, / me convenci,/ de que ela me vencia,/ me amofinava./ Era mulher demais para um homem só./ Eu não podia com a mulinha!...

                

Precisa mais, leitor?      

Voltar


A NOITE DA MINHA INICIAÇÃO

           Foi numa noite bem cheia de emoções do dia primeiro de junho de mil novecentos e sessenta e três a primeira vez que vi as luzes do velho templo da “Deus e Liberdade”, ainda na Rua Coronel Joaquim Costa, onde fica hoje a Soebrás. Minha impressão inicial era de que estava num pequeno cômodo quadrado, com cadeiras altas, gente sentada ao redor e coladas às paredes, falando uma linguagem teatral numa espécie de fogo cruzado, todos muito interessados em conhecer os profanos cada qual querendo saber mais sobre o que pensavam a respeito de uma série de coisas do passado e do atual. As vozes eram todas minhas conhecidas, nenhuma sem identificação, bastante familiares para um já calejado repórter, político e sindicalista bem entrosado em todas as camadas de pobres e ricos de nobres e plebeus. Tudo me impressionou muito e creio que também ao Renato Alencar, de Porteirinha, meu companheiro de posse.

          Dos que falavam mais de perto, lembro-me bem de Toninho Rebello, Renato Alarico, Almerindo Mendes, Luiz de Paula, Geraldo Novais, Geraldo Borges, José Gomes de Oliveira, este um mestre-sala que, parece, complicava mais as coisas, mostrando que tinha muito mais autoridade. Júlio Pereira, João Murça Júnior, Arnóbio Abreu, Ewany Ferreira Borges, Vadiolando Moreira, Tufy Felício, Cristóvão Costa Mendes, Alício Mendes, Pedro Spyer Rabelo, Hélio Athayde, João e Terezo Xavier, todos apareciam de vez em quando como a dizer que eu estava no meio de amigos, não devendo temer mal nenhum, e ao contrário, pudesse rejubilar-me de ser participante de uma assembleia composta só de gente portadora dos melhores e maiores méritos, de membros de uma sociedade milenar e de muito bom exemplo em toda a história do mundo. Mais distantes, mais calados, Antônio Franco Amaral, Almir Chaves, Hélio de Morais, Eugerson Novais, Adil Horta, Raulemar Conto, Djalma Coelho, Rodolfo Cândido, Antônio Pernambuco, Múcio Correia Machado, Walter Lopes, Petronilho Narciso, Diógenes Guimarães, Waldir Macedo, Tasso Rodrigues da Cunha, Pedro Paulo e Paulo Pedro Costa, Mário Reis, Nenenzinho, Rosalvo Carvalho, Cassimiro de Paula, doutor Almerindo de Brito Faria, e o meu quase conterrâneo Joviniano Ramos, todos curiosos e contentes com sorrisos de quase mistério.

          Não sei se poderia hoje descrever de memória todos os acontecimentos da noite, tão bonitos, tão fartos pela rápida sucessão, tão harmoniosos no conjunto, assim como a servir de eternos lembretes para uma vida de real fraternidade. Sei que não devo ter falhado em nada da confiança que em mim depositava, porque também sabia que a seriedade dos meus acompanhantes não deixava dúvida quanto à importância do momento. Deve ter sido um caso de confiança mútua, assim de conivente compreensão de ambas as partes, cada lado procurando demonstrar maior lealdade, pois, no fim, saímos todos para um jantar no Restaurante Mangueira, na Rua Doutor Santos, um encontro bastante amigável.

           Pergunto a mim mesmo se tenho saudades dos meus primeiros tempos da Deus e Liberdade, um notável grupo empenhado em desenvolver um trabalho social de grande alcance, onde a lembrança de Chico Tófane, Francolino Santos, Geraldo Athayde, João de Paula, trabalhadores de muitos anos, era sempre uma constante, nunca esquecidas por Paulo Duarte e Pereira, Lauro Nascimento, Geraldo Rodrigues Pereira e Alício Mendes, entre os mais vividos no lado mais importante de todos os acontecimentos. Lembro-me bem de Waldir Macedo, Giru Amaral, Gentil Antunes, Joel Stark, Walter Suzart, Aristides Gomes, Levindo Aguiar, todos da melhor camaradagem, tudo gente muito boa e de convívio bem agradável como acontecia com Jonas Almeida, Ormezindo Assis Lima, Aristides e Quincas Barbosa, Daniel Guimarães, Geraldo Borges, Carlúcio Freitas, Didi e Djalma Guimarães, Jaime Mendes e tantos outros.

         Muitos já não se encontram entre nós, causando falta, o marcando apenas a lembrança, o último a partir, semana passada, meu bom irmão Vadiolano Moreira. De lá para cá, bem mais de uma centena de bons companheiros chegaram para perto do trabalho e do estudo, construindo mais amizades, revolvendo terra da história em busca do grande monumento que é hoje a Deus e Liberdade. Tenho sido muito feliz todos esses anos, mais de encontros que de desencontros, mais de conforto que de desconforto, sobretudo muito mais de pureza de sentimentos, na verdade o único material com que se pode construir a solidariedade e o amor. E ainda bem que a vida tenha esse lado bom, segundo sempre repetia o meu grande amigo e irmão José Gomes de Oliveira...

Voltar


FAFIL, PRIONEIRA DO ENSINO SUPERIOR

         Creio que o grande laboratório de ideias a usina de sonhos tenha sido mesmo as salas de aulas da Universidade Federal de Minas Gerais, onde moças montes-clarenses terminavam diferentes cursos, tão distantes uns dos outros que iam da História à Pedagogia, das Letras à Matemática, da Geografia às Ciências Sociais. Diplomadas, portadoras de muito saber e incentivo de antigos professores da capital, Isabel Rebelo de Paula, as irmãs Baby e Mary Figueiredo, Sônia Quadros Lopes, Florinda Ramos Marques, Dalva Santiago de Paula, ansiosamente, se uniram a outros idealistas, e o resultado foi o nascimento da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras do Norte de Minas – Fafil -  aqui em Montes Claros. Verdade é que não houve oposição ao seu trabalho e até não faltou crédito ou aquele sempre necessário voto de confiança. Todo mundo acreditou nelas, com o Colégio Imaculada Conceição cedendo espaço físico e moral, a Fundação Educacional Luiz de Paula fornecendo recursos e entusiasmo, professores como Jorge Ponciano Ribeiro, dando logo a sua quota de serviços.

           Foi uma beleza o começo, um sucesso o primeiro cursinho de Montes Claros. Lembro-me bem, da primeira aula de francês que tivemos com a professora Baby Figueiredo, com texto solto, impresso fora de livro, uma novidade! Lembro-me do Adélia Miranda elaborando, como secretária, os primeiros relatórios, apertando os primeiros alunos retardatários para não atrasarem no pagamento das mensalidades ou início das aulas. Era uma experiência interessantíssima com passagens de se emocionar!

           Era tanta sabedoria nova, um conhecimento tão organizado, uma perspectiva de aprendizagem tão grande, que problemas apareciam a toda hora, todos querendo aproveitar de tudo, sorver de vez todo um alimento que por não existir antes, estava sendo negado a quem muito o desejava. Acontecia então o troca-troca de salas, uma espécie de mineração de assuntos, um descobrir quem era o melhor professor, um abeberar de toda uma nova filosofia de vida. Não posso contar tudo sobre as aulas de nossos cursos, nos primeiros dias do semestre, porque os acontecimentos vinham aos borbotões, quase sufocando a curiosidade, até confundindo as cabeças. Era como se fosse um vasto ciclo de conferências de palestras, um eterno comício. Hamilton Lopes, calouro, ensaiava os primeiros passos da política estudantil, João Valle Maurício, José Nunes Mourão, Hélio Vale Moreira, Mauro Machado Borges, alunos mais vividos, mostravam uma compenetração pouco natural de estudantes. Yvonne Silveira, esta numa santa vaidade de literata, se desmanchava em sorrisos e sutilezas numa alegria quase infantil.

Tudo foi uma longa festa intelectual, uma corrida de muita sede à fonte, todos considerando um grande privilégio, uma oportunidade a mais de vencer na vida, em campos profissionais já longamente seguidos. Pela primeira vez, vimos professorinhas ensinando para velho elenco de construtores do futuro! Olhado de longe, cinquenta depois, quase uma loucura, maravilhosa loucura! Que o diga Isabel Rebelo de Paula, a primeira diretora. Que o digam os primeiros graduados dos cursos de Letras, História, Geografia, Pedagogia e Matemática. Alguns já nem mais na romagem terrena...

 

Voltar


MONTES CLAROS, SESSENTA ANOS ATRÁS

    Quando Celso Brant dedicou toda a revista ACAIACA de agosto de 53 a Montes Claros, comandavam esta cidade o Capitão Enéas Mineiro de Souza e o Coronel João Lopes Martins, duas patentes ainda bem vivas na lembrança de leitores mais velhos, cada uma delas com personalidade bem forte, à moda da época, revolucionários e conservadores, marcantes de paixão, um tanto próximos do caudilhismo com feição regional. A Câmara Municipal, dirigida pelo flegmático João F. Pimenta, tinha a respeitabilidade da década, uma saudosa coerência de bom comportamento. Dos quinze cidadãos com acento na casa, nenhum mais aqui para servir de testemunha. Também já não temos o juiz Ariosto Guarinello, o bispo Luiz Victor Sartori, o delegado José Coelho de Araújo, nem os colaboradores da revista padre Agostinho Beckhauser, Nelson Washington Vianna, Alfred Hannemann, José Monteiro Fonseca, Neném Barbosa, Pedro Sant’Ana, Irmã Rudolfa e os poetas Geraldo Freire e Dulce Sarmento. Ninguém mais para contar a história, pois todos na longa viagem da eternidade...

     Com sessenta anos passados, é bom que ainda reste a lembrança de amigos como o professor Belisário Gonçalves, figura e estilo tão próximos de Castro Alves, do repórter José Prates, nosso primeiro jornalista de rua e de redação, ainda no batente, escrevendo do Rio de Janeiro para o Montesclaros.com.  Também já ausentes do plano físico, Felicidade Tupinambá, João Vale Maurício, Konstantin Christoff, Flora Pires Ramos, Cândido Canela, Irmã Maria de Lourdes, Orestes Barbosa e Lourdes Martins, Áflio Mendes de Aguiar, Afonso Pimenta e Feliciano Oliveira. Vivos, bem vivos, muito vivos, aproximando-se gloriosamente dos cem anos, Luiz de Paula Ferreira e Yvonne Silveira, companheiros da Academia Montesclarense de Letras e do Instituto Histórico e Geográfico de Montes Claros. Todos juntos, formaram um belo corpo editorial, de prosa e poesia e de desenho, agradáveis, bem feitos, até com um lindo toque de romantismo pelo muito amor a terra montes-clarense.

     Confesso que o mais gostoso na velha revista ACAIACA era o conjunto de anúncios, alguns até de página inteira, muitos com ilustrações interessantíssimas. Yvonne Silveira e Luiz de Paula que me digam se estou ou não falando a verdade, se é ou não salutar o direito de ter saudades. Quem – dos mais velhos -  não se lembra, por exemplo, de nomes importantes como, Casa Alves, Imperial Casa Ramos, Big-Bar, Salão Rex, Joalheria Coelho, Assombro da Pirotécnica, Casa Elza, Loyola e Companhia, Turmalina, Instituto de Beleza Gilda, Casa Paulino, Alfaiataria Ribeiro, Macarrão Iracema, Bar de Tito Versiane? Quem não tem ainda gravados na memória nomes tão conhecidos como Hotel São Luiz, Hotel São José, Hotel Santa Cruz, João Souto Consignações, Casa para Todos, A Construtora, Ayres Alfaiate, Joalheria Cima, Transportadora Armênio Veloso, Farmácia Americana, Maternidade Santa Helena? São gratificantes pedaços de lembranças, coloridos no tempo e nos sonhos...

    Tudo na revista é interessante, mas o sensacional mesmo são as fotografias feitas pela mão de mestre de José Figueiredo Pinto, também inesquecível. Na página infantil, retratos dos garotos Jorge Enéas e Catarina. Nas páginas de esportes, flagrantes de momentos históricos dos atletas do Montes Claros Tênis Clube, Moema, Zembla, Glória, Eunice, Ilza, Marlene, Shirley, Wilma, Norma Maria, Stela, Zenaide, Clarissa, Consolação. No bloco da educação, fotos de alunas e professoras, do Colégio Imaculada. Como fechamento de ilustração, bonitos exemplares das raças gir e indubrasil das fazendas de Dominguinhos Braga, Osmane e Neném Barbosa, João Alencar, Antônio Augusto e Geraldo Athayde.

     Naquele tempo, havia os Bancos do Brasil, Hipotecário e Agrícola, Minas Gerais, do Comércio,  Crédito Real. Não havia Banco do Nordeste. O Banco do Estado de Minas Gerais ainda era chamado de Banco Mineiro de Produção.

 

Voltar


SAUDADES DO VELHO MERCADO

         Para ter saudades do velho mercadão da Praça Dr. Carlos é preciso ter algo mais de quarenta anos, uma idade que jogador de futebol já não tem mais preço, mesmo em clubes do interior. Gente de menos de quarenta anos ou não conheceu ou não se lembra do velho casarão, que marcou tanto a nossa vida de jovens, local obrigatório de passagem diária ou de trabalho e ganha-pão. Velho, sujo, defeituoso, profundamente marcado pe­los anos era, entretanto, uma construção feita com ar de suntuosidade, grandalhona, cheia de grandes portas e largas janelas, escura e clara ao mesmo tempo, dependendo do ângulo de observação. Muito largo e espaçoso, tomava conta de toda a pracinha entre as ruas Rui Barbosa e Cel. Antônio dos Anjos, entre a São Francisco e a Dr. Carlos, onde hoje fica o "pimentão". Quem melhor o descreveu – acredito sinceramente – foi o companheiro e amigo João Carlos Sobreira, nascido e criado nas proximidades, melhor dizendo, vivente do Hotel São Luiz, de D.  Nazaré, sua mãe.

          Celeiro de vida movimentada, o Mercado começava o barulho a partir das cinco da manhã, quando cavalos, burros, bestas e jegues de carga, resfolegando, eram amarrados nas árvores, nas argolas e nos morrões a eles destinados pela Prefeitura. As bruacas, os em­bornais, os jacás eram carregados calmamente para as laterais do lado de fora e do lado de dentro, cada um julgando-se dono do lugar, pela tradição ou simplesmente porque havia chegado primeiro. Fila não existia, quando muito uma carreira no chão, formando montinhos de maxixes, de panas, de pequis, saquinhos de andu, de feijão de rama, de arroz com casca, de remédios, ou montões de raízes de mandioca, de batatas, de melancias, de abóboras de por­co ou morangas. Era um colorido de fazer gosto, onde eram incluídas as laranjas, o bacupari, as tangerinas, limões verde-amarelinhos, a pimenta-de-cheiro.

           Havia também barracas de lona, com toscas mesas, onde eram vendidas as talhadas de requeijão e doce-de-cidra, pedaços de queijo e rapadura. Normalmente, havia também um pote com copos feitos de latas e folhas de flandres para vender moreninha com bi­carbonato, coloridas e transparentes de dar gosto! Para não esquentar, as garrafas e os litros ficavam sempre na sombra, assim como os copos de vidro, mergulhados numa bacia de alumínio cheia d'água. Quando o freguês queria beber, o vendedor tirava o copo, sacudia-o para jogar fora as gotas de sobra e punha o bicarbonato com uma colherinha de chá. Para despejar o refresco, subia bem a vasilha, fazendo uma linda espuma.

         Do lado de dentro, principalmente nas portas da Cel. Antônio do Anjos e da Rui Barbosa, os vendedores de carne, com varais e mesas engorduradas, cheias de panos de toucinho, de tripas, de sebo e de fressuras. A carne de sol e mesmo a carne fresca eram penduradas nos ganchos como o mais natural dos mostruários. No chão, os ossos grandalhões, as cabeças, os entrecostos, os mocotós, as rabadas os miúdos vermelho-escuros. Bonito mesmo eram os pedaços de bucho branquinhos, bem limpos, convidativos, ao lado da carne de porco e das passarinhas. De vez em quando, uma oferta de caça, uma cotia, um quarto de veado, um tatu, uma zabelê ou uma codorna. Peixe quase sempre ficava separado para não misturar os cheiros, sendo os mais bonitos os dourados e as pensas de lambaris, normalmente já secos e salgados.

        O mais interessante, porém, era a paisagem humana, gente de toda espécie, num vaivém de se admirar, quase sempre numa interminável pechincha. Havia também muitos botemos, onde a cachaça corria solta, pura ou misturada com remédios ou folhas para dar cor mais agradável. Lembro-me, com saudade, das vendas de Jonas Almeida e de Tiano, parece as mais movimentadas, onde os fregueses eram atendidos com mais amizade e podiam deixar os tarecos enquanto faziam a ronda para encontrar vizinhos, amigos e conhecidos ou, simplesmente, para dar uma olhada nos aconteci­mentos. Tudo muito familiar como uma grande casa de parentes, onde o barulho e a algazarra conviviam com a pressa de donas de casa que compravam as verduras pouco antes do almoço.

         Será que vale a pena buscar a marca da saudade?

 

Voltar


ORALIDADE EM “GRANDE SERTÃO VEREDAS” 

           Há um bocado de tempo, minha amiga e vizinha Yara Souto emprestou-me os originais de uma tese de doutorado de sua irmã Teresinha Souto Ward, apresentada à Universidade de Stanford, dos Estados Unidos. Uma bela e sábia dissertação que, submetida ao Departamento de Espanhol e Português e ao Comitê de Graduação em setembro de 1981, mereceu aprovação incondicional para o grau de “Doctor of Philosophy”, um dos títulos de maior prestígio em todo o mundo. Um interessante trabalho sobre a nossa realidade cultural do Norte de Minas, tese sobre a oralidade da linguagem no GRANDE SERTÃO – VEREDAS, de Guimarães Rosa, nosso quase conterrâneo de Cordisburgo, lá pertinho da Gruta de Maquiné. Uma pesquisa de fôlego feita por uma estudiosa que demonstra amar grandemente sua terra e sua gente, tudo indica, mergulhada em constantes saudades deste sofrido sertão!

         Guimarães Rosa, o sonoro autor de GRANDE SERTÃO–VEREDAS e de mais uma meia dúzia de livros notáveis, tem marcadas grandes paixões em Montes Claros. Luizinha Barbosa Lopes, Yvonne Silveira, Zinda Barcala Jorge e este que vos escreve... mais sobretudo, três paixões que não tiveram e não têm tamanho, as de Júlio Melo Franco, João Carlos Sobreira e João Lúcio da Silva, os três mais embeiçados na obra toda daquele que foi embaixador no mundo diplomático, mas sempre vaqueiro no tempo das férias no interior mineiro! João Guimarães Rosa tem uma mística de encantamento nunca igualada por outros escritores, mesmo por aqueles que nos falam mais perto ao coração e à mineiridade, mesmo pelos que registram o fôlego autêntico dos que vivem mais diretamente nossas tristezas e alegrias, nossa suave malícia ou mesmo nossa ingenuidade de matutos!

        GRANDE SERTÃO–VEREDAS tem no sertão de Montes Claros, não só na Montes Claros cidade, uma vastidão de influências espalhadas. Este Norte isolado e de vida bem diversificada e enriquecida por costumes próprios, tornou-se um grande centro da epopeia roseana, transcolorido com nuances tanto do dramático como do lírico de nossas tradições. Se Guimarães Rosa não tivesse certidão de nascimento como filho de Cordisburgo, poderíamos tê-lo inteiramente nosso, como montes-clarense dos mais autênticos! Assim, Teresinha Souto Ward falou e disse sobre gente e costumes da sua própria terra, das suas lembranças e vivências dos Montes Claros! E quem fala assim, fala de cátedra, merecedora de todas as distinções da nota de louvor!

        Eu gostaria de voltar ao assunto e comentar diretamente o texto de sua dissertação, vivendo com os leitores o gratificante contato de assuntos nossos e nomes de conterrâneos sonoramente musicais como Carrim, Preto, Francim Durães e Raimundo Bindóia. Não poderei ficar calado também quanto ao Manuelzinho do Juca, ao João do Carrapicho ou à Folia do Bom Jesus!

 

Voltar


ONDE E QUANDO O AMOR É MAIOR

          Permita-me mais uma apresentar alguns comentários sobre o Livro “Montes Claros, Sua História, Sua Gente e Seus Costumes”, do nosso saudoso Hermes de Paula, o maior amado-amante da cidade, um dos melhores montes-clarenses de todos os tempos. Foi, aliás, outro bom montes-clarense, o Newton Prates que, prefaciando a obra na primeira edição, afirmara ser o relato histórico de Hermes de Paula um trabalho valioso, um modelo de honestidade. “Do alvorecer aos dias atuais, o livro é um quadro colorido, cheio de vida, um testemunho palpitante da força criadora de gerações”. Para Newton, “o livro não é apenas de interesse regional, é uma contribuição para o estudo do folclore, dos usos e costumes, da marcha da civilização no interior do Brasil”, pois, “Montes Claros é o milagre do sertão”. “Quem nela viveu nunca a esquecerá. Se está distante, a lembrança da cidade querida permanecerá sempre ao seu lado, carinhosa, fiel”.

         Como Newton, também o seu parente Juca Prates, famoso pelo amor a Montes Claros, foi personagem de Hermes de Paula. Também estão no livro Gonçalves Chaves, Honorato e João Alves, Celestino Soares da Cruz, o Cel. Antônio dos Anjos, José Correia Machado, Honor Sarmento, os dois xarás Simeão Ribeiro dos Santos e Simeão Ribeiro da Silva, além do nosso querido e admirado Simeão Ribeiro Pires, todos ou quase todos, nomes de ruas e praças da cidade. Homens e mulheres foram um contínuo desfile de trabalho e de saudade, e Hermes os trouxe para o nosso convívio em ameno bate-papo, lembrando velhos tempos quando a televisão ainda não ocupava o lugar principal em nossas horas antes de dormir.

         Com Hermes de Paula, vemos chegar a Montes Claros o primeiro “bicho caminhão”, em 1920; ouvimos os tiros de pré-revolução de seis de fevereiro de 1930; vemos acender as luzes dos lampiões de querosene, de 1912, e da usina hidrelétrica do Cel. Francisco Ribeiro, em 1917. Aparamos águas nas bicas do século passado e nas torneiras do século presente, no sonho finalmente concretizado depois de 82 anos. Com ele, assentamos os primeiros paralelepípedos, na Rua Quinze, e os primeiros blockretes na Rua Rui Barbosa e na Praça Doutor Chaves; em 1950, com o Doutor Alpheu de Quadros; em 1955, com João F. Pimenta; e em 1957, com Geraldo Athayde. Com Hermes de Paula, pavimentamos até o pavimento a que ele não quis se referir, as muitas ruas calçadas pelo Capitão Enéas Mineiro de Souza, seu adversário político na campanha para prefeito de 1950.

            Com Hermes, ficamos sabendo de velhos nomes de logradouros públicos: Rua do Pedregulho, atual Gonçalves Figueira, ex-Joaquim Nabuco; Rua da Assembleia, atual Afonso Pena; do Bate-Couro, a Governador Valadares; do Pequizeiro, a Cel. Antônio dos Anjos; Largo da Caridade, a nossa Praça Dr. Carlos; do Urubu, a ainda velha Floriano Peixoto. É ele quem afirma ser o esdrúxulo nome do Roxo Verde proveniente de personagem de Alexandre Dumas da literatura francesa, etimologicamente Rochefort, personagem de Dumas Filho. É Hermes que põe o nosso saudoso Pedro Mendonça fundando a Malhada de Santos Reis, dividindo as terras em lotes para evitar a solidão. É Hermes que faz funcionar uma liga contra o alcoolismo e a faz acabar com as licenças dos associados de goelas secas. É ele quem põe o povo entregando um relógio de ouro ao Dr. João Alves, depois de uma terrível epidemia.

            É por isso que ninguém sabe onde é maior o amor, se em Hermes de Paula, se em Montes Claros, uma vez que o autor, ontem e ainda hoje, se mistura com as personagens, numa paixão de nunca acabar.

            Deo gratias!

 

Voltar


Cinquenta anos, meio século!

          Vivo-vivo só se encontra entre nós o bom Amigo e Mestre Professor Athos Braga. Todos os seus companheiros de fundação da DEUS E LIBERDADE já gozaram do direto de uma nova iniciação no Oriente Eterno, deixando para os que vieram depois apenas a lembrança do bom exemplo, da coragem e da fé no trabalho e no estudo. Um a um, como tinha de acontecer, foi deixando a vida e entrando para a história da Loja, cada qual marcando a sua participação, assinalando uma hora importante do progresso da Oficina. José Esteves Rodrigues, Sebastião Sobreira de Carvalho, Álvaro Marcílio, todos, cada um a seu modo e com a força e o prestígio que tinham. Foram acrescentando o “algo mais” que tanto valor tem somado à nossa Instituição aqui em Montes Claros nestes cinquenta anos de tantas lutas e louvores da Maçonaria.

           Que poderia eu dizer de setembro de mil novecentos e trinta e dois, quando só dois anos depois iria nascer na quase escondida cidadezinha de São João do Paraíso? Quem dos leitores poderá dizer também com conhecimento de causa, uma história presenciada, com testemunho ocular dos que acontecia naqueles tempos bons e difíceis? Não acredito que seja possível falar muito de Maçonaria sem ser maçom, uma vez que a Ordem nem sempre divulga os seus feitos ou anuncia a sua realização, ficando, na maioria das vezes, a mão esquerda sem saber o que realiza a direita, como bem manda o figurino evangélico desde os tempos apostólicos. Avessa à publicidade, a Maçonaria é pouco vista do lado de fora, só aparecendo o trabalho que, de forma alguma, pode ficar escondido. Assim, muita coisa dos cinquenta anos da DEUS E LIBERDADE permanece apenas na memória dos seus protagonistas, dos que tomaram parte direita nos próprios acontecimentos.

               Houve tempo, é certo, que nada poderia ser feito sem passar antes pela Loja e pelo Rotary, duas reuniões semanais que reuniam a maior parcela de liderança de Montes Claros. Do Rotary eu sei que cada reunião me dava quase totalidade da matéria de um jornal, nos meus tempos de repórter convidado por João Souto e Luiz de Paula, no salão dos jantares do velho Hotel São Luiz. Como entre cruzavam associados das duas organizações, entre muitos o Nozinho Figueiredo, o Henrique Baendel, o João e o Luiz de Paula, posso concluir que a tradição de Gentil Gonzaga e Sebastião Sobreira, maçons e rotarianos, haveria de ser continuada num e noutro lugar, com duplo apoio para acrescer a força de reivindicação. Na verdade, quase nada teria realização sem que uma palavra de ordem fosse comandada pelo movimentar das malhetas.

            A nossa tradição local de maçons continua ainda apoiada na memória de Athos Braga, de Gomes, de João de Paula, de João Murça Júnior, os mais antigos, de iniciações mais remotas, todos na década de quarenta. Toninho Rebello, Júlio Pereira, Hélio Athayde, Geraldo Novais, Walter Suzart João e Terezo Xavier e mais um punhado de outros vieram depois de cinquenta e contam assuntos mais recentes bem depois da longa administração de Chico Tófani e de Sobreira. Poucos ainda estão aí, vindos antes de mim, eu que venho acompanhando os fatos a partir de agosto de sessenta e três. Como eu olhava com respeito aquele pessoal de avental vermelho, do grau dezoito, que se assentavam mais perto do Venerável. Os graus trinta e três só vieram tempos mais tarde, quando José Gomes foi ao Rio de Janeiro a chamado urgente e foi depois um sucesso! O próprio tempo de ir igualando os mais velhos e, pelos idos de setenta e oito também eu cheguei ao fim da escada, ao lado de grandes amigos, entre eles o Georgino Jorge que chegou depois.

Muito teremos de escrever sobre a história da DEUS E LIBERDADE. Espero que o futuro não me negue o tempo!

 

Voltar


Estevinho Poeta

          Estilingue azul no pescoço, mil sonhos para viver com você. Correr ruas, assaltar jardins, criar vidas, ser forte, pra te tirar das armadilhas e te livrar das emboscadas e te falar de fantasias. Na hora de lutar, meu coração se entrega todo e nesse duelo meu revólver é aventura clara como o sol, colorida como seus olhos. Já me acostumei à sua ausência. Mas como suportar sua presença se existem correntes de ar que não acorrentam ninguém e um balança que pesa mais para um lado que não se sabe qual é? Não vá pensar em feitiços, que eles não existem em seu espaço de vida. Não há querer definição, porque nesse momento nada se define. Há uma denúncia contra você em meu coração”.

          “Quando chegar o momento escuro, ou a luz maior, me deixem no caminho dos viajantes: serei cruz à beira da estrada. Ouvirei passos, vozes que falam da viagem; verei homens que bebem café, estranho como a madrugada. Não participarei dos misteriosos voos das aves noturnas: amarei o sertão. Ninguém vai notar nada na falta da vida; sentirei o calor da terra, no dia, e o frio vento, na noite. A mulher bonita me tem perseguido em todas as festas para as quais não sou convidado. A mulher bonita me persegue, quando o piano toca. Ela persegue o meu sonho e não quer me abraçar. No domingo quero beijar a mulher bonita, mas é inútil.

          A semana passa”. “Todos os bares estão fechado, todas as casas. Está fechada a cidade. O coração... fechado para balanço. Vou viajar para uma terra, onde tardes e madrugadas se confundem, e o último trem já partiu... um cachorro late para o nada por nada. Nesses caminhos, onde o presente é silêncio, o som da fonte imita sentimentos e sangue correndo nas veias do corpo inteiro. Aí, o coração treme de frio e se pergunta: que desejos pode ter? Está perdida a colheita dos sonho e tudo que digo é lugar comum... Venha descalça, me encontre na esquina, senta no passeio até eu chegar.

        Te levo uma rosa amarela. Deixa eu olhar pra você, deixa eu chorar e fumar o último cigarro, que hoje é segunda-feira. Me beija sem eu pedir, me mostra seu seio esquerdo, quero ver teu coração”. “Suba devagar essas escadas e não espere um sorriso. Pisarei de leve o carpete de sua casa, quero estar no seu sonho de amor. Há palavras que poderei ouvir e me perdoa que eu sairei de fininho, quando você fechar os olhos pra dizer alguma coisa. Me dá medo precisar do seu sorriso. Fico pensando estas paixões, que às vezes têm apenas o sentido de existir. Não posso negar a ternura que brota em mim. Eu queria ser apenas mais do que sou agora.

         Foi necessário o tempo passar depressa para eu crescer sozinho.

Foi necessário a mudança de uma amiga para que eu entendesse o que não sabia. Foi preciso estar perdido, pra poder me encontrar na esquina da rua Januária e me sentir feliz, e me sentir, de novo, criança”. Tudo poesia pura de Estevinho, Estevam J. Barbosa, poeta.

          Tudo uma bela magia de ternura de alma jovem, feliz com a vida. Não se sabe o que sobrepuja no livro ainda não publicado, se inteligência, se sentimento. A musicalidade de uma situação de canto está toda presente, do começo ao fim, simples de comover, gratificantes de ler e sonhar. Um notável esforço de partida de quem ama o mundo, gosta de viver, sabe ser amigo dos amigos, tem gratidão pela própria existência.

          Bom poeta de grafite, agora Estevinho é poeta de livro. Bom que seja assim, natural, colorido, livre, com a liberdade de tratamento que só os modernos sabem criar e têm a coragem de fazer.

         Parabéns, Estevinho poeta, os que vão viver te saúdam.

 

Voltar


Henrique Oliva, o pesquisador

         Com prazer, faço a apresentação da “História E Desenvolvimento de Montes Claros”, do escritor e historiador Henrique Oliva Brasil, homem de fé e de coragem, manancial de fortaleza e boa vontade, frente a tudo que é difícil na vida. Henrique Oliva Brasil, meu velho companheiro de Academia Montes-clarense de Letras, tem sido para mim um exemplo de capacidade de trabalho e de ousadia, um atestado existencial do que a força de caráter, o desprendimento, o dinamismo pessoal podem realizar. Nos muitos janeiros por que tem passado, nem os minutos nem as horas têm sido fronteiras no seu trabalho e no esforço incansável de homem estudioso. Cada dia tem o seu objetivo, é uma meta de alcançar, pouco importa a dificuldade, de nada valem os empecilhos de qualquer espécie. De cabeça erguida, marcha sempre em frente e, olhando o futuro com a segurança de um jovem, segue esperançoso e confiante.

         “História e Desenvolvimento de Montes Claros” é fruto de minuciosa pesquisa, de longos períodos de estudo, que só um minerador do ouro dos acontecimentos poderia conseguir fazer. Foi tarefa de muito tempo e de muito lutar, resultado e cadinho do amor de um sertanejo que deseja deixar bem marcado seu traço de vida no conhecimento e nas consciências de todos nós, também amigos desta cidade e do seu progresso. É livro que faz justiça ao nosso processo histórico, sempre dinâmico e de acordo com o esforço pioneiro de um bom punhado de gerações, normalmente voltadas com sincera afetividade para os valores humanos e humanizadores, sentimentos que engrandecem e eternizam cada um e todos os momentos da própria História.

            “A História e Desenvolvimento de Montes Claros”, só não traz em seu bojo todos os acontecimentos, todas as personagens, quando isso não foi possível por falta de dados ou por falta de espaço. Segui, de perto, sua longa elaboração e sei que Henrique Oliva Brasil jamais poupou esforços ou qualquer tipo de sacrifício para chegar ao alvo da exatidão, ao centro da verdade, é pureza da isenção. Cada levantamento foi revestido de exaustiva pesquisa, muito próxima da mais acurada exigência da moderna ciência histórica. O fato de não ser o autor graduado em História, alicerçado em diploma universitário, nunca impediu que o intelectual buscasse o que há de melhor no estudo documental e na observação interessada, fatores valiosos para a perfeição dos resultados. Acima de tudo, o historiador teve sempre a honestidade de propósitos, uma santa vaidade de quem se compraz com o exato cumprimento de qualquer missão, por mais espinhosa que seja.

      Espera que o leitor também participante da nossa História, se sinta satisfeito com a leitura ou o estudo deste volume sobre a gostosa vida de Montes Claros. Mais do que isso: espero que o leitor se faça também presente no incentivo e no apoio a este homem que, no seu comedimento, é um dos maiores apaixonados por esta cidade e por toda a região, pedaços de terra ligados á sua própria existência. Mais do que o presente, estou certo, o futuro e nós teremos de lhe dar razão, de lhe fazer justiça, de lhe proporcionar o prêmio do mérito de vier e materializar em livro nossos principais acontecimentos.

 

Voltar


Hotel Cachoeira de S. Félix

            Já não é mais tempo de escrever sobre o “Hotel Cachoeira de S. Felix”, considerado o grande tempo que nos separa do lançamento feito em Montes Claros pelo meu amigo e colega Ângelo Soares Neto. Faço-o, entretanto, considerando, agora a eleição do Ângelo para a Academia Montes-clarense de Letras e sua posse festiva em janeiro que vem. É, assim, uma lembrança muito grata da leitura que fiz a dois anos, do romance escrito em Salvador pelo montes-clarense de Taiobeiras, o amado filho de D. Laura. Acrescente-se também a recordação de um interessante discurso feito no lançamento por Ubaldino Assis, tio e conselheiro do romancista, um desfilar de apontamentos entre o racional e o apaixonado, coisas de quando o Ângelo era garoto, menino de recados do Banco do Nordeste, aluno do velho Instituto do Dr. João Luiz.

          O tempo passa, a experiência amadurece, as visões e as realidades da paisagem de muitos pedaços de Brasil vão se fixando na memória do escritor. A imensidão de Brasília, o vertical, o horizontal, as linhas curvas da arte de Lúcio Costa e de Niemeyer, a busca da solidariedade, o mando, o asfalto, o agreste, a imensidão do planalto de Goiás, tudo fica retido. Ao lado ou como superposição, o mar, o verde mar de Iracema, a lagoa azul de Iracema, a praça do Ferreira, a Aldeota, a cajuína, o caju, a graviola, o mercado, o calor de Fortaleza e, como símbolo do Ceará, a serra do Baturité. De longe, como memória de infância, o gerais, o serrado, o frio, a garoa, os pequis de Taiobeiras. Muito de Irecê, de Itabuna, de Propriá, de Guanambi, um mundo, um mundão desta terra descoberta por Cabral.

          De Montes Claros, Ângelo revive uma gostosa vida de menino levado, parada dura no Grêmio do Instituto Norte Mineiro, curso de contabilidade, primeiras namoradas, feijão-tropeiro, torresmo, quebra-queixo, seresta, cinemas aos domingos para ver os seriados, conversas perdidas na frente da casa de Konstantin, solteirão da rua D. João Pimenta. Acredito que, além da diversão que era muita, aconteceu também muita leitura nos escritos de Cândido Canela, Olyntho e Yvonne Silveira, Nelson Viana, João Chaves, substrato que floresce, hoje, em muitas de suas ideias.
            
         Claro que a evidência maior é mesmo a da cidade de São Salvador, principalmente do Largo do Pelourinho, campo de batalha antigo de estudantes e intelectuais e atual de prostitutas e viciados, vivendo eterno de batidas da polícia. De Salvador, Ângelo revive seus melhores anos de Banco do Nordeste e da Faculdade de Direito, mas, principalmente, da pensão-hotel-república, mundo de suas aventuras de amor e perdição. Professor de dança para americanas, guia turístico de fala francesa nos fins de semana, foi ele um jovem cidadão baiano no Farol da Barra, no Terreiro de Jesus, na Praça Castro Alves, na Avenida Sete, na granfina Rua Chile, para não falar das incursões do Mercado Modelo, da Feira da Água dos Meninos, nas praias de Amaralina até Itapoá. Dir-se-ia um universo de contradições do maravilhoso pagão e do místico cristão, produto da mescla cultural que só a Bahia consegue ter e reter. “Hotel Cachoeira de S. Félix” é um livro de confissão à moda de Darcy Ribeiro, no “O Mulo”. De repente, o autor se deita num divã do analista e começa a contar suas experiências, suas vivências, a vida das pessoas que passaram por sua vida. Pensa e sonha com o que foi real, dando mais forças aos temperos das comidas e no doce sabor dos beijos das namoradas ou das mulheres de encontros sem compromisso. De repente, o autor descobre na força telúrica dos homens e mulheres rudes do campo, do casamento do indivíduo com a natureza, das paixões debaixo de cobertores domésticos ou dos lençóis enxovalhados das casas de tolerância, um universo de perfumes de mocinhas de boa família e de fêmeas de brilhantina barata, tudo numa vida mais agitada que um furacão ainda por explodir.

          Fe1izmente, o autor fala também de artes, de sentimentos, de ternuras, de doces carícias, de inocência, de momentos em que um minuto vale por um milhão de séculos, onde o passageiro é a eternidade. Tudo uma fotografia verbalizada do acontecido. Quando registrada, a palavra não passa!

 

Voltar


Memórias de Adriano

            Foi com incontida alegria que recebi de Raquel, minha cunhada, emprestado e ainda novinho, o volume de "MEMORIAS DE ADRIANO". Ela, que é leitora constante, havia lido apenas as primeiras páginas, dizendo da falta de tempo para um assunto minucioso, tão repetitivo como as descrições de Marguerite Yourcenar, Lê-lo-ia depois, não haveria problema. "Pode levá-lo e faça bom uso", disse-me. "A mulher da Academia Francesa é sua, toda sua", acrescentou com malícia. Recebi com gratidão antecipada e lhe confessei que só não havia comprado "MEMORIAS DE ADRIANO" por estar acima da casa dos mil, muito caro. Não por falta de vontade, que eu já andava ansioso. Afinal, foi por causa desse livro que Carlos Drumond de Andrade havia ficado uma semana preso em casa, com medo de alguém apontá-lo, na rua, chamando-o de "pobre velho que ainda não leu "MEMORIAS DE ADRIANO" ".

             E isso aí, é realmente pobre quem ainda não leu Yourcenar. É pobre e não sabe o que está perdendo, pois "MEMORIAS DE ADRIANO", que não se diz romance, é a maior joia da ourivesaria literária de nossos dias, um encanto de trabalho feito com o carinho que só uma mulher da Academia Francesa poderia ter. Bem haja que ela tenha ficado tantos anos, quase trinta, elaborando e polindo, ligando fatos e escolhendo palavras; para mim, vivendo e revivendo o atavismo do melhor tempo de esplendor. Não é fácil assumir o papel de Adriano, ter a consciência de César, ser deus e ser gente, lutar na tessitura da alma de um povo e de um mundo, a um só lance guerreiro, político e amante de cada face da vida. Ninguém pode saber onde começa o autor e termina a personagem, uma vez que só Marguerite teria tão grande liberdade em sentir-se Adriano. A paixão por Antinoos é acima de tudo de alma feminina.

              Sempre encantei-me com o dinamismo do Império Romano, onde o poder nunca desprezou a cultura e o culto dos imortais, jamais deixou de lado a vida de cada dia. Mundo de patrícios e plebeus, de guerreiros e artistas, de livres e escravos, Roma atravessou fronteiras com o sentimento de globalidade, fazendo de bárbaros bons cidadãos, mostrando a vida com beleza e civilidade, elaborando leis e diretrizes, ensinando a viver.
              Não creio que exista melhor modelo para a história que a descrição e a narrativa da "grande dama de literatura". Nada mais apropriado para imitar a realidade. Uma penetração física e psicológica, um remoer de pequenos e grandes sentimentos, um improvisar momentâneo ou um consciente preparo de cada instante, de cada período. Adriano não se contenta apenas no viver, sente-se que é a mola maior do destino, um senhor do presente e do futuro, um gesto seu plasmando culturas, permitindo mudanças forjando consciências. Apesar de tudo, as incertezas, a busca de afirmação do ser humano, fraco e falível em toda parte, em todo o tempo, pois ninguém é dono da vida, nem o rei de Roma.

             Fiquei mais rico de vivência e de amor depois de ''MEMORIAS DE ADRIANO". Acredito na grandeza e no poder das letras, naquele sentido de canalizar momentos de felicidade, unindo séculos em frações de segundos, doação de patrimônio à curiosidade de cada espírito. De todas as invenções do homem a maior ainda é o alfabeto e, em decorrência dele, o livro. Depois que aprendemos ler, desaparece o egoísmo alheio, o mundo é nosso, ninguém pode impedir de que sejamos senhores da nossa própria cultura. O milenar passa a ser o agora, a história é a página que vemos diante de nossos olhos, somos participantes de tudo. De tudo mesmo.

Devolvo-lhe o livro, Raquel. "MEMÓRIAS DE ADRIANO" não pode deixar de ser lido. Em último caso, na falta de tempo, faça como a minha outra cunhada, a Laury: arranje uma doencinha qualquer e, deitada, penetre na alma dos livros; cavalgue sonhos, realize o irrealizável.

 

Voltar


“Montes Claros era assim...”

             Não faz muito tempo, num comentário que fiz ao Elos Clube sobre Hermes de Paula, falando em continuidade dos registros históricos de Montes Claros, apontei a acadêmica Ruth Tupinambá Graça como a pessoa indicada para essa tarefa. Sei que alguns ouvintes devem ter julgado minha opinião como fruto de entusiasmo de orador de momento, um arroubo de amigo e companheiro. A própria Ruth Tupinambá deve ter pensado o mesmo, pois sorriu descrente, nunca se colocando como continuadora da obra do nosso mais famoso historiador. A memória recente sobre Hermes de Paula ainda é muito viva, a admiração por ele é incontestável, a visão de sua luta diária com os acontecimentos o coloca como insubstituível e, por isso, ainda não se firmou o pensamento de que a história não para e exige outro acompanhante.

             Contínuo, pois, dizendo que depois de Hermes de Paula deverá vir Ruth Tupinambá Graça. Não só deve, como precisa que venha. Precisamos de alguém que conheça a cidade e sua gente, alguém que goste do trabalho de registrar acontecimentos e de marcar as presenças das personagens nesses acontecimentos. Alguém que tenha amor suficiente à cidade e que saiba como manusear as palavras para pintar e descrever os momentos dignos de registros. Precisamos, sobretudo, de uma pessoa que seja, ao mesmo tempo, repórter, cronista e contadora de histórias. E estas qualidades a autora de “Montes Claros Era Assim...” tem de sobra. Sem nenhuma intenção de fazer trocadilhos, posso dizer que Ruth Tupinambá tem muita graça para isso. Escreve com a suavidade de quem toma banho em cachoeira, com limpidez e transparência.

              Ressalte-se também o fato de ela conhecer muito bem o passado de Montes Claros, desde quando se entendeu por gente. Menina curiosa, versátil, muito inteligente e perspicaz, ela observou tudo e, às vezes, até acompanhou e viveu muitos episódios, principalmente a atuação das pessoas, as visões de cortes sociais, os ambientes, as mudanças físicas e psicológicas. Analista de alma humana, Ruth Tupinambá alcança cada gesto, cada piscar de alegria, cada remoer de tristezas. Em tudo ela vê cores, sons, dimensões, o amor ou o desamor, as crendices, o folclórico. Ruth tem imensa saudade de todas as horas, e isso lhe dá condições de sempre refrescar as lembranças da memória e do coração. Parece-me um bom passaporte para a posição de historiadora, pelo menos para a criação de história apaixonada como sempre o fez Hermes de Paula.

               Já quase sem espaço nesta crônica, quero dizer que o livro “Montes Claros Era Assim...” é uma boa oportunidade de conhecermos o passado da cidade, esse conjunto de gente sertaneja e vivedora que soube crescer e multiplicar. É bom, minha senhora, ler depressa (ou devagar, conforme o gosto) todas as crônicas do livro de Ruth Tupinambá par saber tudo ou, pelo menos, o lado mais interessante das coisas e das gentes. Nelas estarão os “cometas”, os bruaqueiros, o velho Christoff (pai de Konstantin), o velho João Maurício, o primo Luís, o Sinval e seu bar, a Euterpe Montesclarense, o Cine Montes Claros, o footing da Rua Quinze, as boiadas, os carros de bois, os circos, a brincadeira de argolinha, a Matriz, um grande universo de assuntos que marcam saudades.

                Depois da leitura, pode vir o julgamento se Ruth Tupinambá é ou não nossa futura historiadora.

 

Voltar


O dividido Fernando Pessoa

               Se é difícil falar de uma pessoa, penetrar no seu íntimo, senti-la e transmitir seus sentimentos, imagine quando essa personalidade é dividida e subdividida, como aconteceu com o poeta português Fernando Pessoa, que tinha, no mínimo, cinco heterônimos, cada qual com sua biografia, seu mundo, seu estilo. Ele mesmo, Fernando, uma caudal de vibrações humanas e poéticas, uma sensibilidade tão à flora da pele e das ideias, que muitos chegaram a dizer nas raias da exuberância sobrenatural. Foi quem marcou a mais forte presença na poesia portuguesa e europeia nestes últimos anos do milênio, ou melhor, em nosso século, já que ele começou mesmo a escrever e a publicar em português a partir de 1912, numa espécie de reencontro com suas origens lusitanas. Pessoa influenciou muito dos seus contemporâneos e continua até hoje arrastando uma falange de adeptos cada vez maior.

               Para o crítico Oscar Lopes, Fernando Pessoa “é a mais importante personalidade das tendências pós-simbolista portuguesa”. Para João Gaspar Simões, “Pessoa tornou-se o mais imitado dos nossos poetas modernos, porque exprimira penetrantemente certas contradições inerentes à sua camada numa altura em que elas estavam latentes”, “quando ainda se fingia acreditar em certas sinceridades ou sentimentos poeticamente expressos, em certos ideais ou emoções teoricamente caritativas ou cívicas que, no fundo, se havia esvaziado de qualquer conteúdo concreto, quotidiano ou intimamente pessoal”. Na sua poesia, tudo isso se ironiza e problematiza com uma justeza inexcedível de tom lírico, porque Pessoa opõe-se à metafísica sentimentalista romântica, que abstrai a sensibilidade da razão “o que em mim sente está pensando”. “É preciso fingir para conhecer-se”.

             Pessoa fez uma distribuição de sua obra por vários heterônimos e tem dado por isso ensejo a numerosas discussões sobre sua unidade ou pluralidade, ou sinceridade, já que foi um ser altamente contraditório. Na verdade, cada poeta de sua divisão criadora corresponde a um conjunto de posições polêmicas determinadas. Cada um com vida própria, cultura peculiar, sentimentos e problemas individuais, opondo-se ou identificando-se como seres humanos portugueses ou universais. Como não é possível dizer tudo em um só fôlego e espaço de jornal, eis algumas pinceladas sobre os principais e mais conhecidos:

ALBERTO CAEIRO – reage em verso prosaicamente livre contra o transcendentalismo saudosista, mostrando que o “único sentido oculto das coisas / É elas não terem sentido oculto nenhum”; é contra o farisaísmo, então concorrentemente jacobino e devoto da poesia compassiva e sentimental. Caeiro apareceu em Fernando Pessoa com trinta e tantos poemas que ele escreveu de pé, numa espécie de êxtase, cuja natureza o próprio Pessoa afirmou não saber definir se mediunidade ou simples inspiração. Saiu daí “O Guardador de Rebanhos”.

RICARDO REIS – exprime contra as concepções meramente abstratas de sobrevivência post-mortem ou de progresso humano e em estilo que se pode designar com neo-arcádico, embora apresentando uma densidade de significado muito mais próxima do modelo horaciano; a antiga sabedoria epicurista egocêntrica de dores e prazeres prováveis. Ricardo Reis é desde o princípio um alto poeta formal, de alto refinamento artístico. Sentia-se apto a trabalhar a forma métrica ao verso à maneira dos que perpetuam na poesia como lavrantes amorosos, requintados e astutos das formas e do virtuosismo estético. Ricardo Reis proporcionou a Pessoa a primeira sensação de plena harmonia consigo mesmo e com a literatura.

ÁLVARO DE CAMPOS – prega nas odes em verso livre entusiástico, a sabedoria futurista da sem-razão, da energia bruta, da vida jogada por aposta. Álvaro de Campos era uma mentalidade trabalhada pela civilização e pelo progresso. Engenheiro, ultrapassa de longe nas ambições até o próprio Pessoa. É em verdade o mais simulado dos heterônimos e entre todos, o mais mistificadoramente concebido. Pretendeu formar uma nova escola e o conseguiu.

          Desculpe-me você se o assunto foi por demais erudito, tratando-se de apresentação crítica literária. Um dia, quem sabe, voltarei falando mais do homem do que do artista.

 

Voltar


O mulo Darcy Ribeiro

               O lançamento do segundo romance de Darcy Ribeiro- "O MULO"- na Academia Montesclarense de Letras, numa descontraída noite de quinta-feira de dezembro, foi um reencontro de alegria e de contrastes, com um amado e temido filho da terra a derramar nos ouvidos o mel e o fel de santas heresias e virtudes. Ora terno, doente de romantismo, saudoso filho de dona Fininha Silveira, ora demolidor, prenhe de força belicosa, irmão de Mário Ribeiro, ora compulsivamente criativo, primo espiritual de Konstantin Christoff. É que Darcy Ribeiro nasceu pouco adaptado ao modo e ao jeito dos mineiros, nunca afeito ao silêncio, ao retraimento, mas, ao contrário, incomodo para inteligências e sentimentos preguiçosos, bisturi ou látego auto conduzido e sempre a si mesmo proclamado.

              Ao contrário de Ciro dos Anjos, outro montes-clarense famoso no mundo das Letras, este sereno, machadiano, universalista, acomodado como um velho funcionário público, a curtir um silêncio invisível, Darcy Ribeiro é e afigura-se agitado, fogoso, tropicalmente brasileiro, aquecido de alma e corpo, de lufa e de luta, instintivo, felino como um condor. De inteligência selvagem, incontida, Darcy raciocina como uma ventania de amor a tudo que é cultura. Curtido primitivamente no sol e no solo do sertão de Montes Claros, fruto teórico de ternura e de instinto, de voluptuosa ambição de mundo. Darcy é um caldeirão efervescente de ideias como a querer viver em uma só vida todas as vidas. Mortal, tem pretensões de imortalidade e imortal se fez pelos feitos multifeitos.

            Bem brasileiro, latinamente apaixonado, traz na alma o Mulo Darcy retalhos de peles de todas as cores: a cor do índio, a cor do negro, lembranças atávicas do misticismo dos celtas, aguerrida força de velhos godos, gosto de mando da alma ibérica, uma noção tão grande de espaço e de glória que só navegadores fenícios poderiam ter impregnado o sangue de marinheiros do velho Portugal. Tem mais: Darcy é lúbrico como um cristão novo, fogoso como um nômade cavaleiro árabe. Na verdade, é um homem com a alma da raça, e não só da portuguesa, da índia e da africana, misturadas no cadinho brasileiro. E da raça humana, pois portador de muitas virtudes e de muitos defeitos, um caldo bem temperado de semens jorrados do chuveiro eterno, não sei porque nascido em Montes Claros.

          O MULO é esta cidade sedenta de força humanamente parceira de Deus na distribuição da vida e da morte; divinamente sequiosa na busca de amor, criadoramente envolvente na caça do mando e do poder. Sensual, oportunista, material, religiosamente mística, faminta da novidade, sonhadora de futuro. O MULO é um pedaço de cada criatura que viva ébria da própria terra natal, homem ou mulher. O MULO tem muito de João Valle Maurício na palavra e na sutileza, muito de Konstantin no arregalo da anatomia, no desenhar das forças; muito de Crispim da Rocha no faro do homem do mato, forte e inteligente; muito de Filomeno na sede do ter e do governar; muito de Plínio Ribeiro, no misticismo, no gosto do idear, no ser e não ser da vida. O MULO é Darcy e é Mário Ribeiro, inconsequentes e perseverantes, sempre determinados.

              O MULO, centro de uma bem romanceada trama de Realismo e Naturalismo, barroco talvez pelos contrastes, hereditariamente marcado pelo destino, fruto do amor e do desamor, sem peias, sem origem e sem destino produto da terra e da carne, somos-isso é verdade-todos nós, pequenas grandiosas criaturas no sofrer e no gozar.

             E que Deus nos perdoe-Amém.

 

Voltar


O sertão de Antônio Ferreira Cabral     

              Surpreendeu-me o meu amigo e bom irmão Antônio Ferreira Cabral com o livro “O Sertão Norte-Mineiro”, capa a uma só cor, editado aqui mesmo, lançado ao apagar das luzes de 1985. surpreendeu-me porque ele nunca falara em publicação de livro, nunca frequentara as rodas de literatos, pouco tem publicado de sua lavra em nossos jornais, salvo engano, só no “Deus E Liberdade”, e assim mesmo há muito tempo. Surpreendeu-me esse trabalhar escondido em silêncio, isolado, sem qualquer propaganda de trabalho audível ou visível até mesmo para os amigos mais próximos. Trabalho de mineiro? Serviço de quem não quer concorrente? Acanhamento? Modéstia? Quem sabe. O certo é que o livro saiu sem qualquer barulho, sem nenhuma publicidade, nem o próprio autor apareceu para a dedicatória. Recebi o meu volume por intermédio do meu colega de Banco José Lúcio Gomes, juntamente com o que foi destinado ao companheiro Thiers Antônio Penalva Ribeiro. Junto com o livro apenas a cobrança do preço de venda.

             Confesso que me espantou, inicialmente, a forma de armação dos parágrafos, todos curtos demais, parecendo sem costura ou alinhavados de forma apressada. A segunda impressão era de que o livro só poderia interessar a fazendeiros ou a pessoas necessitadas de dados estatísticos, pois deu-me a ideia de uma monografia regional destinada a historiar a economia do Norte de Minas. Cheguei a compara-lo mentalmente, embora sem nada dizer a ninguém, com frios dados dessas associações que só defendem o próprio interesse e se preocupa apenas com a própria sobrevivência. Mas, como errei, meu bom Cabral! Ledo engano o meu folheamento apressado ainda em serviço, em horas de aperto. Se antes eu o respeitava pelo zelo intelectual, pelo respeito que sempre teve para com a língua portuguesa, agora, companheiro, você quase me jogou para fora do cavalo, e apresentou-se-me em nova dimensão.

         A modéstia costumeira, a simplicidade incomum com que você se comportou traiu-me na avaliação. “O Sertão Norte-Mineiro”, quase com o estilo do escritor Terezino Caldeira Brant, é um livro de leitura fácil, gostosa, bem concatenada, com uma conversa amiga ao pé-do-fogo, contada por quem sabe muito bem de todas as coisas. É uma história e uma estória ao mesmo tempo, que serve para o hoje como informação e entretenimento e para, o amanhã, como fonte de pesquisa, uma espécie de ensaio a ser grandemente considerado. Em ordem cronológica, tem redação de advogado que gosta de ser claro ao juiz e não quer confusão interpretativa nos seus pontos de vista.

           Além de tudo, traz uma argumentação de quem conhece profundamente o assunto, com direito à visão científica e aos rodeios poéticos, num estilo de narrador calmo e metódico, parece com a máquina de escrever e um cigarro de palha funcionando ao mesmo tempo. Não tenho dúvida, uma delícia de livro. Antônio Ferreira Cabral fala de mineração, do ciclo do gado, da agricultura, dos problemas políticos e sociais, da chegada da estrada de ferro, da indústria e do último dos ciclos econômicos, o carvão. Fala de tudo isso, longe da linguagem dos economistas ou dos estatísticos, ou dos geólogos, ou dos planejadores. Também não fala como historiador preocupado com a visão crítica ou problemática dos dados. Cabral não é técnico, não tem compromissos com a matemática ou a sociologia. É um amigo que fala à inteligência e ao coração do leitor, de forma amena, interessante, tão interessante que nos dá vontade de ler o livro todo de uma vez.

             Esse Cabral descobriu em 1985 o Norte de Minas!

 

Voltar


“Seis Poetas de Montes Claros”

               Meia dúzia de poetas, pois não! Três pares de criadores de poesias. Três homens e três mulheres, mas não três casais, porque só ligados pelas letras em harmonia. Seis montes-clarenses, não importa terem ou não aqui nascido, todos morrem de amores pela terrinha muito nossa. E que bom existam os seis! Pela ordem de entrada, Georgino Júnior, Joba Costa, Liana Menezes, Márcia Braga, Raimundo Mendes, Raquel Mendonça. Ah que time tão embeiçado pela poética, pela musicalidade das letras, pelo social que o verso pode oferecer, pela reforma que uma composição literária pode provocar! Quem sabe, seis revolucionários que os leitores acabarão re-descobrindo!

            “Seis Poetas de Montes Claros” é um bom começo de luta em forma de livro, reunião corajosa e trajetória de cabeças pensantes, pouco conformadas com o tradicional, briguentos por uma urgente inovação do mundo e das gentes do mundo. Busca ansiosa de democratização do ser humano – homem ou mulher – avaliado, medido, pesado, para um reencontro de valores, sem muita preocupação de exagero de igualdade no real ou no sonho. “Seis Poetas de Montes Claros” é, deveras, um lançamento de ideias provocantes, concatenadas para uma fervedura de inteligência e emoções, coisa assim do ex-adolescentes que querem ser mas já não são.

             Não seria tão necessária a apresentação dos poetas, porque em verdade vos digo, a poesia acaba apresentando-se por si mesma queiram ou não queiram os autores ou o distinto público ledor. Claro que não valerá o poeta mais do que a própria poesia, assim como não se acende uma candeia para coloca-la debaixo do alqueire como bem disse o evangelista. Se poesia é luz, o poeta é o iluminador. Um mostrará o outro, e vice-versa, foi assim desde o início do mundo, ambos se complementam. Mas como uns são mais conhecidos do que outros, não posso me furtar de dizer alguma coisa que, vai ser, vós até já conheceis.

             Georgino Júnior é poeta de nascença, e só não digo que come e bebe poesia, porque nunca ouvi dizer que poesia aplaca ira de estômago vazio. Juninho, todos sabem, é santo e puro, um irmão se São Francisco, bom que faz gosto! Malandramente didático, ensina certo, certinho, e muitas vezes até machuca a nossa consciência. É um gigante.

            Joba Costa, João Batista de Almeida Costa, espiritual na arte, bailarino, rítmico por natureza: sensível como um herói grego das naves de Ulisses, põe na poesia a forma do movimento, joga com a sonoridade e com o significado de palavras e letras. Tem presente e futuro.

        Liana Menezes, que já tem livro publicado em Juiz de Fora, atriz, diretora e professora de teatro, moça de muita sinceridade, quase dramática, muito convincente. Segura no trato do social, tem no lúdico um papel de formação direta de nobres e plebeus. É ótima!

          Márcia Braga é um presente que Belo Horizonte nos ofereceu! Que excelente jornalista, como sabe poetar tão bem! Já tem tradição (ao lado de Luciano de Jesus) na poesia impressa nos Poemas de Couro, sempre gostosos de ler e de ouvir. Que bom Márcia fazer parte deste livro! Enriqueceu-o.

          Raimundo Mendes, nosso melhor declamador – sempre o foi – revela-se também um perfeito poeta, doce e salgado, severo e terno ao mesmo tempo, uma experiência que engrandece a ele e a nós. Viva Montes Claros!

             Raquel Mendonça, nossa Raquel batalhadora, franca, direta, fluente, é látego e carinho, tem cadência no escrever. Autora e musa, Raquel é colocada como chave de ouro do livro para encantar os que gostam e até os que não gostam de nobre arte. E é ótimo que assim seja.


           Quem bom existam no mundo os que têm coragem e sabem e podem abrir caminhos! Afinal, o canto é para ser cantado.

 

Voltar


Wagner Durães, poesia, fé e destino

         Por mais que eu procure explicação para mim mesmo, não compreendo porque demorei tanto na análise e revisão da produção poética de Wagner Durães. Há mais de dois anos, tenho praticamente sobre a mesa do escritório os originais dos seus poemas, vejo-os e revejo-os, gosto muito de todos eles, mas nunca coloco a profundidade de exame, a ponto de dar a tarefa por terminada. Quantas vezes não ensaiei explicações a Juvenal e a Rosa, desculpando-me pelo atraso, e acabei não falando nada! Quantas vezes tentei iniciar este comentário e não me foi possível! Não sei e não sei, são as incógnitas do destino ou da própria vida. Mas não choremos o leite derramado, que choro nenhum devolve o leite à leiteira. Vamos em frente.

       Wagner foi um jovem de muita fé, muita segurança íntima, um crente fiel na sua destinação de pregar a si mesmo e aos outros as maravilhas da existência de Deus. Um Deus bem justo. Era uma que nasce à beira do caminho mescladas de interrogações, no geral, sempre afirmativa, concludente da onipotência, da onisciência e, sobretudo, da onipresença do Criador dos mundos. “Às vezes, penso que o Senhor errou. Por isso lhe peço perdão. Mas que eu, antes de entender, confio no Senhor e no amor que me faz pensar assim. Sou muito feliz, Deus! Entendo tudo agora. E que em todos os meus erros, eu esteja tentando acertar”.

        De grande riqueza temática, inclusive nas composições musicais de parceria com Luciano, Chico e Claudionor, Wagner quase sempre se apresentou otimista, numa solidão poética muito próxima de uma espécie de paraíso perdido, assim como que um saudade atávica e uma busca constante da felicidade ao mesmo tempo distante e à mão. A Deus pedia na constância da humildade o pão da alegria, a pureza de sentimentos, estivesse falando da fé religiosa ou da namorada. “Eu não gosto de ficar triste. Sempre fui enganado pela claridade da lua. Agora aparece o sol. Não vejo direito, meu entusiasmo me cega. Que eu esteja certo, e que toda a sabedoria do mundo ouse me condenar. E que ela esteja errada. E mais, que as luzes do sol e da lua juntas, esse amor ilumine, e me mostre o caminho, para que eu chegue até você, Deus”.

       Veja você um bilhete que ele intitula de “Meu Amor”. A poesia existe. Ela sempre existiu. Nunca foi perdida, nunca foi tirada, sempre existiu. Talvez, os corações impuros pensem ao contrário. Talvez, as almas vazias acreditem no contrário. Mas, eles estão errados. Você me ama, eles são insensíveis a isto. Eu a amo, eles continuam insensíveis. Se você sonha me ter a vida toda e também pela eternidade a fora, eles não conseguem perceber e então não devemos nos entristecer. Isto nao pode nos afetar, senão, seria uma prova de que nós não somos evoluídos ainda. Meu amor, a poesia existe, pois o amor existe entre nós e o amor é a única poesia possível. As outras são falsas, não existem”. (15.01.81)

         Não deve demorar muito a publicação de todos os escritos de Wagner Durães, que passou para o Mundo Maior aos vinte anos, deixando muita saudade e um importante ideário de crença em Deus. Em tudo há poesia, desde que começou a escrever com intenções de escritor de 13 anos. Sua vida, nem precisa dizer, foi um hino de amor à família, aos amigos, à namorada e à humanidade. Viveu pouco em termos de calendário, mas cumpriu um destino. O destino de deixar palavras de conforto e sabedoria.

 

Voltar


Gy Reis, Poeta

        O homem bom tira coisas boas do tesouro do seu coração. O homem útil é feito de sonho e realidade, com palavras sempre traduzindo o que imagina e o que pode fazer. Algo muito parecido com o sábio que sonha realizando e realiza no viver todos os seus sonhos. Compreende a vida olhando-se para trás, mas vê esta mesma vida vivida, olhando-se para a frente. O homem bom existe e sobre-existe como muito bem expressou Thiago de Melo: “Não tenho um caminho novo. O que eu tenho de novo é um jeito de caminhar."

           Vejo com bons olhos o olhar poético do companheiro e amigo, professor Gy Reis Gomes Brito, autor de PARADOXO, Poemas e Contos, de feitura gráfica da Editora Unimontes, de apresentações inteligentes e bonitas dos professores Osmar Oliva e Anelito de Oliveira. PARADOXO que vem como leitura fluente, vívida e vivida, um amar no aprender amando, das palavras e versos de Carlos Drummond de Andrade, esta que é a nossa oportunidade de poetar, poetando na poesia do amigo Gy Reis. Bonita, lúcida, inteligente, moderna, atual, esta é a poesia que encanta e vai encantar-nos sempre e sempre.

            PARADOXO é, no dizer do próprio poeta, um amor como um rio em época de chuvas e um tempo em temporada de tempestades, versos em forma de gente, penhor de luz, passeio largo em frente de um boteco. Ele escolhe a poesia como redesenha a religião que liga e religa, liga e desliga para o bem de todos os mortais. É assim no antes e no depois do grande Tagore: "A noite abre as flores em segredo, e deixa que o dia receba os agradecimentos." É assim antes e depois de Goethe, o mais lembrado poeta alemão: "Quando uma criatura humana desperta para um grande sonho e sobre ele lança toda a força de sua alma... Todo o universo conspira a seu favor!"

          -me agora das palavras do autor de PARADOXO, o grande Gy Reis: “Os frutos novos me velejam, me mordem e me desejam, pois são os meus reflexos, e isto os alimenta, porque agora, sou eu em cor e pele. Agarro a vida e seus objetivos como um tamanduá-bandeira agarra a presa. O homem não nasceu para si mesmo, nasceu para a comunhão. Se não fosse, cada um seria seu próprio rei. Vivendo a vida, construiremos o mundo. Tudo porque, além da atmosfera terrestre, há uma escuridão a ser desvendada. Se um colibri passa por aqui, Lembro-me de você beijando o néctar de uma flor nas praças, escolas e ruas , quando tudo está colorido e é Natal.

          No meio do caminho há uma flor, apalpando o novo, requerendo equilíbrios. O desconhecido é como um pássaro voando na noite e garimpando no alto Amazonas, onde serra ficou pelada, onde o tempo nos incentiva, mas o momento nos cobra o futuro. Esta minha mulher é tudo aquilo que sonhei. Esta minha mulher é minha noite, é o meu dia, é a minha dor e minha alegria. Não quero sair do meu chão, nem sair tão doido como peão que cai o potro alazão. Estrela da manhã, vem me fazer criança, vem cantar comigo, vem me fazer sorrir. Amo-te, pois és a minha pressão arterial. Nada pode ser tão doce assim...


             Termino com uma confortante prece irlandesa, que o Instituto Histórico e Geográfico de Montes Claros dedica ao grande Gy Reis:

"Que a estrada se abra à sua frente, Que o vento sopre levemente às suas costas Que o sol brilhe morno e suave em sua face, Que a chuva caia de mansinho em seus campos... E, até que nos encontremos de novo, Que Deus lhe guarde na palma de Suas mãos."

 

Voltar


Outubro de 1940

         Parece até uma onda de nostalgia, mas a verdade é que os leitores mais vividos gostam de quando falamos de história, algo que diz diretamente à lembrança e aos corações. Foi por causa de uma “Seleções” antigas que o Nathércio França deixou para mim através de D. Nina e João Leopoldo, que comecei a escrever sobre velhos escritos, comentários de tempos de antanho, como diria o cronista Haroldo Lívio. Daí a focalizar a Revista “Acaiaca”, de 1953, foi um passo, o que também, estou certo, agradou bastante, pois muitas foram as manifestações que recebi pessoalmente e por telefone. Agora tenho a grata surpresa de ser presenteado pelo meu amigo Netinho. Jacinto Silveira Neto, ex-prefeito de Capitão Enéas, com um velho exemplar, sem capa, da “Revista Montes Claros”, editada pela “Gazeta do Norte”, dirigida pelo ainda jovem, à época. Jair Oliveira com a data de outubro de 1940. A capa, diz Netinho, tinha um bonito retrato de uma menina-moça que até hoje é vidrada em desfile de carnaval.

         É uma gostosura ler e ver as páginas publicadas em 1940, início da Segunda Guerra, mundo de início de evolução maior, prefeito de Montes Claro o famoso Doutor Santos, engenheiros de obras Joaquim José da Costa Júnior e Newton Veloso. Uma foto que apresenta os três juntos, simplesmente mostra que, naquele flagrante, era iniciada a colocação dos primeiros meios-fios da não mui central Rua D. Pedro II, via pública de poucas casas. Outra fotografia apresenta a Avenida Francisco Sá, vista do alto da Catedral, jardim ainda novo, laterais quase só de lotes vagos, lá longe a estação da Central do Brasil, sem o monumento a Francisco Sá. O que vem mais de ilustração corre por conta do jovem pintor e desenhista Godofredo Guedes, que aparece num autorretrato e muitas fotografias de moças e atletas cujos nomes não quero dar para não comprometer muito. Falo só que José Gomes de Oliveira já era famoso desportista e tinha na camisa, pelo lado da frente, um grande algarismo SETE.

         Os anúncios dividiam-se em propaganda de profissionais liberais e de firmas do comércio e da iniciante indústria. Dr. Álvaro Marcílio, Praça Dr. Carlos, 40; Dr. Hermes de Paula; Dr. Raul Peres; Praça Dr. Carlos, 110; Dr. Geraldo Athayde, advogado; Rua Presidente Vargas, 129; Dr. João Gomes Leite; Dr. José Ribeiro da Glória, dentista; Dr. Tardieu Pereira, Belo Horizonte; Francisco José Guimarães, construtor; Juventino Gomes, encarregado de obras; João de Paula era usineiro em Curvelo, com exportação em alta escala de algodão em rama; José Dayrel, representante na Rua Bocaiúva, 254.

         Já existiam a Agência Thais, com venda de apólices a prestação, jornais e revistas; a Farmácia Central, de Aluízio F. Pinto, com preparados químicos nacionais e importados. Outros estabelecimentos que já não existem: A Eclética, de Tiago Veloso; a Panificadora Montes Claros, de José Regino; o Bar Líder, na Rua Quinze; Portas de Aço Ondulado, de A. de Oliveira; Serraria Montes Claros, de Capitão Enéas; a Casa Montes Claros, de Custódio Rodrigues Pinheiro, com Waldelírio Moreira (Vavá) de contramestre. José Batista da Conceição (pai de Waldyr Sena) tinha loja na Rua Lafaiete, 684 – A Bitaca – e vênia chapéus de sol e de cabeça, louças, calçados, gêneros do país, etc.

Já anunciaram também a Chuva de Ouro, de Lionel Beirão de Jesus (loterias, cigarros e charutos). Alfaiataria Delly, Casa Alves, Imperial, Casa Luso-brasileira. Tipografia Orion, Salão da Hora, Café Glória e a própria Gazeta do Norte, que tinha papelaria. Muito grato para mim o anúncio do Bazar Loureiro, de Amândio. Pais Loureiro, Rua Simeão Ribeiro (bijuterias, artigos para presente, brinquedos e camisaria), porque o Amândio e eu tornamo-nos amigos quando o conheci em Lisboa, oportunidade em que me dispensou grande hospitalidade, chegando a ponto de viajar longamente para as despedidas quando da minha volta ao Brasil.

             Não é bom realmente lembrarmos do passado?

 

Voltar


Euclides não morre nunca

              O que vale mais do que a terra e do que o homem só pode ser o divino. Abaixo do divino, que é o poder criador, grande mesmo plasticidade cósmica e sua argamassa telúrica. Vale mais do que a transcendental e divina, o homem-poeta. Tão grandes são os poetas, que Benedito Croce sugere que eles não sejam intérpretes do seu tempo ou do seu país, mas ao contrário, os críticos da sua época e da sua terra, sempre discordando dos padrões vigentes e da mentalidade comum. Assim foram Dante Alighieri, Miguel Cervantes, Johan Wolfgang Goeth. Assim foi Euclides da Cunha, um inconformado, um transubstanciador da miserabilidade humana em arte pura, social e literária.

Euclides da Cunha, o grande poeta de OS SERTÕES, nunca se rendeu. Foi homem da terra, homem do humano, homem da luta, um estudioso, um dissecador da vida sertaneja, da força e da fraqueza, geólogo e geógrafo do solo e da alma das pessoas, um genial hipnotizador das letras, bandeirante dos mistérios e do misticismo de Canudos e do espírito medieval de Antônio Conselheiro. Euclides da Cunha, homem da fauna, da flora, do sertão, do deserto. Euclides, a esperança das chuvas e o desespero das secas, homem da terra bárbara e desumana, o maior inimigo dos soldados e o maior aliado dos jagunços. Euclides, o etnólogo, o sociólogo, o historiador, o viajante comedor de horizontes.

             Em OS SERTÕES, a terra é uma análise, uma visão panorâmica da região nordestina, na parte da Bahia mais triste, ponta de funil deitado no desenho feito pelo solo seco de Pernambuco, alagoas e Sergipe, um canudo ressequido do Vasa Barris. Canudo é a terra ignota, a entrada do sertão, o inferno de secura da terra e do homem, o martírio secular da fome e da ignorância. O engelhado de argila escaldante é a mesma marca bíblica que os anos de vida e trabalho sulcaram as faces dos escravos hebreus dos desertos egípcios, o traço eterno do sofrimento purgatorial das existências. E a terra do convulso, do áspero, dos ângulos mais agudos, dos relevos mais agressivos, as arestas mais contundentes: o cascalho, a rocha, o penedo, os cactos, os espinhos, os troncos retorcidos de sede, a dureza, o poeirento. Ali estão os taperas, os paus-a-pique, a palha paupérrima servindo de telhado ou abrigo.

No meio da terra terrível, o homem: o mulato, o jagunço, o vaqueiro. Dentro do homem, na alma e na carne, as superstições, a escravidão, a loucura mística mais enlouquecida pela loucura ascética de Antônio Conselheiro, o beato bronco do sertão.

Não há adjetivos para qualificar a Guerra de Canudos, assim como não há vocábulo para determinar a obra de Euclides da Cunha. Em Euclides não há palavras doces ou períodos domados. Tudo nele entra em ebulição, com altíssima temperatura, tudo fundindo no tremendo calor das emoções violentas, o calor de efervescente tragédia. Só em Euclides o impossível se tornou possível. Canudos não se rendeu. Caiu de pé. OS SERTÕES de Euclides da Cunha não cairá nunca!     

 

Voltar


Júlio Verne – Sonho e realidade

          Os sonhos de Júlio Verne, tão lindamente vividos no fim do século passado, transformaram-se tão grandemente em realidade, em nossos dias, que hoje, o escritor francês quase não é lido nem por jovem nem por adultos. Realizada uma ideia, atendida a capacidade criativa, satisfeita a curiosidade, parte do indivíduo pra novo sonho, nova tentativa de ilusão ou de atendimento do seu querer. A inteligência e a arte são sempre muito exigentes, dinâmicas por excelência, nunca se estacionam, e é disso que é feito o progresso humano, não pode parar, pois tudo viraria rotina insuportável, inconcebível para a nossa tendência evolutiva sempre para cima e para o melhor. Viver é sonhar e realizar os sonhos! Júlio Verne foi o grande idealizador das coisas do futuro, criador do preceito de que “tudo que um homem pode sonhar outro pode realizar”. Concebeu a televisão antes de ser inventado o rádio, chamando-o de “fonotelefoto”, isto é, um aparelho que pudesse falar e mostrar imagens à distância. Imaginou o helicóptero meio século antes de o homem aprender a voar. Apresentou planos para a construção de submarinos, aeroplanos, luzes de gás néon, calçadas rolantes, ar condicionado, arranha-céus, mísseis dirigíveis, tanques de guerra, alimentação comprimida, produção de oxigênio, deslocamento de corpos no vácuo, um verdadeiro mundo de invenções. Sem dúvida alguma, o pai da ficção científica, um antecipador de realidades, um vidente, um intuitivo.

          Tive um dia a sensação de estar vivendo ao lado de Júlio Verne, de beber na fonte mais pura da água de sua vida sensibilidade científica e literária. Foi uma dessas interpretações confusas que todo mortal costuma fazer, principalmente os distraídos e viajantes do mundo da lua, uma espécie assim de “insight” desfocado nos segundos de oportunismo curioso. Vagando nas proximidades do Louvre, em Paris, li uma faixa de propaganda “Júlio Verne – hoje e amanhã”, e entendi que se eu não aproveitasse logo a oportunidade, perderia de ver uma exposição que já estaria prestes a terminar, isto é, no dia seguinte. Não pensei duas vezes. Entrei. Era uma exposição feita pela Fiat italiana, de uma forma extraordinária, com projetos, desenhos, aparelhos, máquinas de calcular, toda a parafernália de suporte que o escritor francês usou para inventar uma realidade ideal. Nada havia, porém, de marca de final de evento. Tudo estava fresquinho, com abertura ao público naquele mesmo dia. O Hoje e Amanhã era com relação ao presente e ao futuro de Júlio Verne, o seu melhor modo de sonhar...

            Poucas vezes na vida tive tão grande sensação de enormidade da inteligência de um inventor, de um cérebro criativo capaz de vencer todas as barreiras da imaginação. Poucas vezes, antes e depois, pude formular intimamente uma admiração sem limites ao otimismo, à confiança no destino lógico, à crença de um mundo melhor digno do esforço da ciência e da poesia. Para mim, Júlio Verne, naquele momento, era a síntese da fé que Deus sempre depositou no homem, no seu futuro, na sua trajetória evolutiva de criatura da inteligência divina. Júlio Verne estava ali, através de toda uma ação vivencial, de todos um universo de pesquisas, simplesmente sonhando o possível, o provável, a destinação histórica da inventiva humana. Momento inconfundível de respeito ao raciocínio livres, da valorização ao direito de penar e de sentir.

Não seria bom que voltássemos de novo, à leitura de todos os escritores de ficção, à busca de compreensão de todos os inventores do futuro? Só a realidade presente não satisfaz!

           Quanto ao casamento: “em Moscou os jovens esposos vão depositar flores no túmulo do soldado desconhecido, diante do qual arde o fogo eterno. São levados ao muro do Kremlin (onde se perpetua o memorial dos mortos de guerra), em veículos portadores de 2 grandes anéis-de-ouro entrelaçados”. – Quanto às exéquias: O rito consta de 2 partes – a dos discursos patrióticos em homenagem ao defunto e a outra do cortejo para a sepultura, ao som apenas de música (sem preces e até não sei se lá, por lei esteja proibido chorar).

Evidentemente (sem poder manifestar-se) bem outra é a mesma psicologia de qualquer ponto da cidade dos homens: Vive e Palpita, em sua esperançosa transcendência a alma imortal do povo russo e de seus países escravizados. Mesmo se ainda não saboreiem as maravilhas do Evangelho de Jesus Cristo. Pois é esta a Constituição devida da fraternidade, da liberdade e da igualdade ou a Carta Magna dos povos realmente livres e virilizados.

          Mas, culto e autônomo, o mundo não se deixará enganar! Muitos agora não escapam do referido materialismo, ou porque não têm asas ou liberdade ao seu êxodo, ou porque não têm coração para abandonar o pessoal de sua casa. Esta, coitada, foi invadida pelos fortíssimos e violentos contingentes da foice e do martelo. São duas armas que não se obrigam a revelar a “sinceridade” de suas “conquistas democráticas”. A foice não vai contar as vidas que ceifou, nem o martelo fotografará as liberdades que massacrou. Que nô-lo diga, por simples amostra o sindicato “Solidariedade”, lá na Polônia!

Como apêndice: O materialismo “antigo” de Tales de Mileto, de Heráclito de Éfeso, de Anaxágoras, de Epicuro e o materialismo “inglês” de Francis Bacon ficaram aqui sem espaço, porque não oferecem mais conteúdo senão história ao que escrevo, de maneira singela e popular, longe dos lances polêmicos da outra filosofia. E se “douta” mesmo, ela não pode aceitar a Matéria, como soberana rainha da história da humanidade.  

 

Voltar


“AS 7 PONTES", DE MARIA LUÍZA

  
   Foi uma linda festa a de lançamento do livro “As 7 Pontes” de minha amiga,  companheira de Academia e de Faculdade, irmã de todo o coração, Maria Luíza Silveira. Salão cheio no Centro Cultural. Rostos de muita simpatia para com a autora, aquela sensação de grata amizade por um passado e presente de bons
entendimentos, fruto que só o amor pode realmente construir.

Coisa interessante: Maria Luíza tem muitos amigos, sincera gente que mora na sua alegria e no seu viver, tudo muito lindo de se apreciar. É bom que ainda exista gratidão neste mundo, pois a autora de “As 7 Pontes” se tem tido na vida o trabalho sincero em favor de todos que participam de sua existência como professora, como jornalista, como psicóloga, intelectual e espiritualista de tempo integral, sempre indicada ao extremo tanto na alegria como na tristeza de cada um ou de todos.

Estou falando de Maria Luíza, porque falar dela é o mesmo que falar de “As 7 Pontes”, já que seu romance, excelente do princípio ao fim, é reflexo perfeito do seu modo de ser, da sua fé, do seu racionalismo, de sua visão particularíssima, das fraquezas e virtudes do homem e da mulher, juntos ou separados. Realmente, “As 7 Pontes” é um livro de sabor universalista, repertório de experiências vividas e ouvidas, sentidas e presenciadas, já que Maria Luíza, como confidente de muitos, sempre atenta a humanas idiossincrasias, nunca perde ou esquece um detalhe existencial, um desenho perfeito ou simples caricatura a vol d'oiseaux . Pintora de caracteres, observadora de feições, afeita aos mais simples movimentos da alma jovem ou adulta, nova ou envelhecida, Maria Luíza sabe tecer a trama interessante e policromia de que o leitor não pode se afastar enquanto não obtém a catarse esperada.

Luiz de Paula no prefácio muito feliz, afirmou ter lido “de um só fôlego todo o romance, amarrando-se ao destino vivencial de cada uma das personagens, que se buscam e se atropelam numa ficção-realidade”, num cadinho de sonhos, contradições, amores e desenganos. Diz ele que “todos nós nos reencontramos em episódios diversos da história, pois o tempo jovem dos homens e das mulheres se escreve, de certo modo, com os mesmos arranjos e iguais trajetos, sobretudo no plano das idealizações”. Livro de personagens modernas, afeitas as peripécias da vida atual, com o mundo centrado em Montes Claros, Francisco Sá ou na Amazônia, oferece, num balanço sincero, o peso devido às influências do espírito e da matéria. Selva ou cidade, civilização primitiva ou a caminho de evoluir, a pessoa humana será sempre um laboratório de reações previsíveis para quem conheça a vida e dela participa com amor.

Zoraide Vasconcelos Teixeira, minha amiga belo-horizontina de Brejo das Almas, alma sensível como Maria Luíza disse também uma verdade sobre “As 7 Pontes”, que nenhum leitor poderá desfazer: “o livro restituiu-nos um bem precioso que é a fé na vida, a possibilidade de sonhar e acreditar nos próprios sonhos”, um feito de podermos idealizar um mundo novo, incessante busca de perfeição. “É filosofia, é religião, é purificação, e vida
transbordando em plenitude. É Maria Luíza com toda sua feminilidade, com toda sua espiritualidade. Há nele uma infatigável confiança nos princípios básicos sobre os quais deveriam se alicerçar o destino dos homens”. Não se pode arredar a ideia de que “As 7 Pontes”, de Maria Luíza tinha nascido em parte na sua infância de Francisco Sá, menina-moça que viveu ao lado de Zoraide, duas intelectuais desde os tempos de criança. É por isso que Zoraide não só gostou do livro: amou-o como se ama a um filho ou a um irmão muito querido. Maria Luíza e Zoraide são realmente boas irmãs, assim como eu também me sinto com relação às duas, sempre muito perto do coração.

Voltarei ao assunto, minha senhora, o que espero não demorar. Afinal, farei hoje quase que só aproveitando das ideias alheias, justas e bonitas, pois partidas de duas grandes inteligências, Zoraide e Luiz de Paula. Concorde com eles, saberei também, como disse o poeta, ouvir estrelas, e fazer as minhas confissões de ouro que pude minerar.

 

Voltar


DOCE ENCANTO

Dário Teixeira Cotrim .
Capa de Konstantin Chistoff.
Ilustração de Samuel Figueira.

DOCE ENCANTO é um lindo livro de Dário Teixeira Cotrim, historiador, poeta e cronista, escritor prolífico, membro da Academia Montesclarense de Letras, do Instituto Histórico e Geográfico de Minas Gerais, Vice-presidente do Instituto Histórico e Geográfico de Montes Claros.

      DOCE ENCANTO tem um excelente prefácio de Lázaro Francisco Sena, coronel e professor, seu conterrâneo de Ceraíma também apaixonado pela baianidade e pela poesia. Para Lázaro, o livro de Cotrim fala da mansa rebeldia e do sensualismo bem comportado, sem descair na lascívia, um amor redivivo em todo o percurso, desvestindo o corpo feminino sem falso pudor, evidenciando formas dengues e encantos.

Dário Teixeira Cotrim, já com mais de dez livros editados, durante muito tempo publicou poemas no Jornal de Domingo, suplemento do JORNAL DE MONTES CLAROS, sempre aplaudido por sua sensibilidade como cantor da beleza feminina, bom poder descritivo de formas, sem exagero de adjetivação. Seu forte é a saudade baiana pela terra em que nasceu, eterna lembranças de pessoas e paisagens, movimentadas tramas do tempo de menino, antes de ser tornar mineiro de Bocaiúva e Montes Claros.

 Agora, com a publicação dos poemas eróticos de DOCE ENCANTO, toda a sensualidade da linguagem poética do autor explode, traduzindo imagens lúdicas e lúbricas, embora com o comedimento esperado, até mesmo porque, segundo tudo indica, a musa principal é Júlia, sua mulher, a quem dedica a obra num acróstico que fala de “único amor da minha vida em flor / lembranças d’um passado com fatos / incomuns e desejos... e pecados.../ a cada instante na beleza deste amor!”

 Muitos são dos poemas, a maioria falando de aventuras vividas, outros com manifestações de sonhos e acordamentos, criativos em imagens que chegam a proclamar fogos de incontidos. Destacam-se pela sensação de vivência: Júlia, As Rosas, O Beijo, Eu Amo! Doce Olhar, Minha Musa, Nega, Escrupulosa, Clara e Negra, Lembranças, Deixa-me Sonhar e Teu Corpo Suave. A dúvida se Júlia é única inspiradora do poeta é que ele, possivelmente buscando inspiração nos estilos do Classicismo e Romantismo, cria o paradoxo claro-escuro, falando ao mesmo tempo de mulheres claras e mulheres negras: “É tão negra a doce Clara! É tão clara a doce negra...”  “São duas ninfas unidades / Num mesmo leito, vividas / Do mesmo gozo e desejos”. “São dois corpos, loucas feras! / Que vivendo em primaveras / Vão se encontrar no infinito”.

DOCE ENCANTO tem uma ilustração belíssima, num dos momentos mais felizes do desenho de Samuel Figueira. Nus perfeitos, que cantam e encantam, valorizando grandemente a concretização do elemento verbal tão sensível na poesia do Cotrim.

 

Voltar


Karla Celene Campos

              É importante começar por Maria Luíza Silveira Teles, a autora do prefácio de "Hisbiscos Molhados", publicado pela Editora Unimontes, a mesma Maria Luíza que seria, neste momento, a apresentadora do abraço de boas-vindas à nossa nova companheira na Academia Montesclarense de Letras. Cel. Geraldo Tito hospitalizado, família toda em cuidados, nossa colega de letras, de fé, e de amor à vida, aqui não poderia estar, e foi logo me pedindo para substituí-la nesta tão agradável e bela missão. Triste pela ausência física, saudoso pela distância, muito menos poeticamente analista do que luminosa Maria Luíza, sinto-me honrado e feliz porque sei do seu magnífico encantamento pela poesia e pelo charme de Karla Celene Campos. Vejo-me, assim, como um acendedor de madrugadas, um libertador de belezas, um otimizador de primaveras, a um tempo só cronista e poeta, lúcido e em êxtase, muito espiritualmente acordado para dizer à distinta intelectualidade de Montes Claros e do Brejo que esta é uma hora marcante de dourada e acadêmica alegria. E que bom para mim, porque assim desempenho um papel de introdutor e de testemunha num dos mais destacados momentos desta Instituição, ato de muito agradecer a Deus, tanto de minha parte como também de Maria Luíza, assim como da parte da presidente Yvonne Silveira, madrinha acadêmica de Karla, esta Karla que, desde a infância, sabe desnudar e vestir cores e sons, prismas e músicas, ritmos e tempos, mundos de visões e sonhos, tudo nem sempre permitidos à normalidade de humanos mortais. Karla antevê e vê deslumbrantes rasgos de vidas, panoramas lúdicos só possíveis a quem, de cima dos horizontes poéticos, vislumbra matizes e sabe muito de ventos e brisas. Missionária, predestinada e mágica, é arquiteta e operária de mais do que dizem dicionários e textos. Graduada em Letras pela Unimontes, jornalista pela UNI-BH, pós-graduada em Língua e Literaturas Brasileira e Espanhola pela PUC-Minas, cursos em Salamanca, mestra de muitos magistérios, poeta e cronista vencedora de dezenas de concursos, mereceu, com todo louvor, o destaque 2004 do Salão Nacional Psiu Poético e merece honestamente esta noite de posse acadêmica. No dizer de Maria Luíza, que também viveu infância e adolescência no Brejo das Almas, Karla - quem sabe pelos ares brejeiros tocados por tempestades de inspiração - edifica poemas desde que aprendeu a escrever. Inteligente, profética, conspiradora de belezas, é e tem a majestade do imprevisível na tessitura moderna do mundo da comunicação e da expressão linguística. Menina sempre, tem a simplicidade vocabular dos que entendem das coisas. Sabe, como mestra, registrar costumes, repintar entusiasmos, dignificar gestos e jeitos, musicalizar todas as energias que a Criação Divina colocou no mineiríssimo gosto de nossa gente. Karla é uma geminiana mais do que versátil e exerce suas atividades sempre com muito prazer. Faz várias coisas ao mesmo tempo, principalmente quando estas coincidem com a sua filosofia e cultura. Insaciável para saber, de tudo saber, tem na fala e na leitura constantes perguntas. Fascinante no dom da palavra, sua conversa é ágil e estimulante, tanta eloquência que deixa a impressão de domínio completo em muitos campos do conhecimento. Intelectual sempre, acomodada nunca! Importantíssimo – palavras que tiro da sua boca - que Karla tenha tirado da gaveta as páginas que lá envelheciam e ali trancado a própria modéstia, para nada impedir a publicação dos seus livros. Sabe que a vida tem prosseguimentos e que, para ser interessante, nem precisa de históricos acontecimentos, grandes glórias ou tragédias grandes. Basta ser como é, basta ser como este aqui e este agora, aura pura de amizades e considerações. Mesmo passando depressa demais, a vida é sempre ótima, ponta de partida e ponto de chegada. Melhor ainda quando em cada manhã um poema novo, cada hora como fruta madura ao alcance das mãos. Termino com versos lindos de Klara, sentimentos de amor à vida: Orquestra de insetos do mato Sou o cio! Agora sou caminho Chegadas E partidas. Sou estrela. Sou abismos, precipícios, sou meio, sou inteira. Sou metade Sou avesso Sou tarde e Amanheço.

 

Voltar


Montes Claros, Cidade da Arte e da Cultura

      Enquanto muitos cuidam do viver e outros cuidam do sonhar, Montes Claros cumpre, como vem cumprindo há muitos anos, a função de cidade da arte e da cultura, epíteto que Reginauro Silva criou lá pelos idos de 1978, quando escreveu - parece-me - a sua primeira peça de teatro. Isso mesmo: Montes Claros, Cidade da Arte e da Cultura, com todos os substantivos com iniciais maiúsculas, destaque mais do que merecido, principalmente agora nas comemorações do sesquicentenário, exatamente cinquenta anos depois do grito histórico de Hermes de Paula, quando tudo mudou para melhor em termos de reconhecimento e progresso.

      Terra de muito trabalho, de múltiplas iniciativas, marcada a cada dia pela independência e pela ousadia, Montes Claros é realmente uma cidade de vida e de sonhos, já com escola para a formação de professores em fins do Século XIX. Em 1926 teve em funcionamento a estação ferroviária e inaugurou, com toques internacionais, o terceiro Rotary Clube fundado no país. Pouco tempo depois, bancos particulares, Banco do Brasil, aeroporto, telefone, difusora de rádio, postes de luz elétrica, redes de água e de esgotos na parte de baixo e na parte de cima, ou melhor da Avenida Cel. Prates até o Roxo Verde, da Rua Dona Eva até a Rua Bocaiúva, onde ensaiava e tocava a Euterpe Montes-clarense. Daí para a criação do Clube Montes Claros, na Rua Doutor Veloso com a Presidente Vargas, foi um pulo. Progresso para fazer muita inveja!

      Insaciável no encontro do real e do fantástico, Montes Claros foi sempre fonte de trabalho e estúdio de criação artística, principalmente na poesia. Em qualquer encontro valia um discurso, escrito ou de improviso. Faceira, romântica, apaixonada, o suor do ganha-pão nunca foi menor que as serenatas, o aboio dos vaqueiros, o cantarolar de viajantes ou o sapatear do lundu. Ano após ano, muito de coroações nas igrejas, muito de catopês, muito de pastorinhas. Todas as cores que o folclore e a saudade marcam direto. Quem quiser saber mais, melhor perguntar ao meu amigo Nivaldo Maciel, que no alto dos seus oitenta e tantos, ainda canta e aboia como ninguém.

     Vale todo o progresso que chegou a partir de cinquenta. Sudene, batalhões da Polícia e do Exército, Companhia Telefônica, escolas de francês e de inglês, associações e sindicatos, Corpo de Bombeiros, Lions, Elos Clube, Academia de Letras, Parque de Exposições, jornais diários, revistas quase mensais. De duas ruas calçadas em 1951, o prefeito Enéas Mineiro espalhou paralelepípedos do centro comercial até a Praça da Estação. Depois de 1955, com a vinda da Cemig, energia elétrica em tempo contínuo. Por esse mesmo tempo, Banco do Nordeste para ampliação de financiamentos, curso científico do Colégio São José para que rapazes e moças tivessem permanência com suas famílias, não precisando sair para estudar em outras cidades.

     A partir da década de sessenta, com a fundação do da Fafil, Fadir, Famed e Fadec e a criação do Conservatório de Artes Lorenzo Fernandez, do Automóvel Clube, nada mais segura Montes Claros, porque o desenvolvimento tem garantia, principalmente depois da Unimontes e mais seis conjuntos de escolas superiores, que hoje fazem da capital do Norte de Minas uma verdadeira cidade universitária. Que o nosso Instituto Histórico e Geográfico – já consolidado - seja a fonte de todos os registros e a marca da evolução física e humana de tudo que deveria ter sido sonhado pelo bandeirante Antônio Gonçalves Figueira nos idos de 1707. Deo gratias!

 

Voltar


Rosas do Meu Jardim

        Foi um lançamento muito festivo, muito bonito, com um lado emocional inesquecível, o de "Rosas do Meu Jardim", primeiro livro de poemas de Reinilson dos Anjos Câmara, professor, cronista, e poeta, nascido aqui mesmo na Rua General Carneiro, em frente à essa casa onde, nos meus bons tempos, eu mantinha a redação da "Folha do Estudante". Vou ser mais preciso: nosso jornal estudantil ficava frontal à casa de "seu" Filipe e D. Dadinha, pais de uma filharada bonita e amiga que veio brotando durante muitos anos, entre muitos o nosso agora autor de Rosas do Meu Jardim".

       Reinilson, das gerações de novos poetas, é dos bons, trabalhando com segurança na construção da frase de ideias. Apesar de estreante, tem tido o cuidado de não muito inovar, deixando que a experiência de universitário estudioso e do agora professor flua com elegância culta. Livro constituído de 25 poemas escritos ao longo dos anos, tem uma divisão em quatro partes: Taty, sete poemas de 1974; Eu A Estrada E O Céu, seis, de 1975; É Bom..., seis de 1976; e Rosas do Meu Jardim, seis poemas de 1977. Produção amadurecida, pensada e repensada, deu tempo ao autor de aprimorar, enriquecer, colorir conceitos e estruturas, o que foi ótimo para o resultado final.

        "Só de saudade é impossível viver um grande amor/ Lugar de amor é perto de mim e não longe". "No embalo da noite de lua cheia/ a morena é estrela que brilha,/ que expõe seu corpo/ e me acaricia. "Passou seus últimos dias/ padecendo de amor". Apanharei minha varinha mágica/ e num toque/ farei de você a mais linda, pura e feliz/ a amada menina". "Ela, porém, dentro da cândida timidez,/ não me diz nada e sempre foge". Taty, divina donzela,/ flor mimosa./ Quando perceberá/ que é dona do meu coração!". "Na minha rua crianças brincam alegremente/ todas as tardes./ Brincam de roda, correm, chutam bola,/ brincam de esconder...caem, machucam, choram... / depois levantam e continuam a divertir. / São passagens da vida, partes dos primeiros poemas.

Reinilson tem também uma preocupação com a cidade e com problema social. Procurar marcar um momento da vida, uma movimentação do observador e das coisas e ações observadas. "No centro da cidade/ passam muitos carros/ motocicletas,/ carroças,/ bicicletas... / Passam muitos jovens/ e velhos./ Gente bonita,/ gente feia.../ Cegos,/ surdos,/ mudos,/ aleijados,/ trabalhadores/ e desempregados,/ todos passam./ Mas à-toa mesmo,/ fico eu, que não tendo / o que fazer, / fico observando / o movimento." Tudo em verso, que eu transformo em prosa para caber melhor neste espaço. "O jornal traz as notícias: missa de sétimo dia, assaltos, mortes, tiroteios, sangue, muito sangue: Se você não leu as notícias tristes e sangrentas no jornal, não se preocupe, a televisão leva até a sua casa com cens estarrecedoras: suicídios, guerras, sangue e mais sangue, crise, desemprego, poluição. Quanta poluição! É o homem na sua incrível capacidade de enfear o que é belo".

        "Homem velho e triste/ que passa/ cadê os seus filhos,/ sua mulher/ que não vem afagar sua face sofrida? "Homem velho e triste/ que passa/ com os olhos cansados/ me dê sua experiência/ sua vivência/ seu talento/ e sua compaixão." Tenho muita fé nos destinos do jovens que fazem poesias. Eles representam um nova visão da vida e do mundo e assim... podem buscar e até mesmo encontrar um pouco de felicidade... E quem sabe se, desta forma o mundo não pode ser mais feliz?

 

Voltar


MONTE AZUL DE MARIA DA GLÓRIA

         Depois do amor e da fome, prevalecem nas boas cabeças e nos justos corações - mais do que tudo - a vontade estética e o interesse de ser imortal. É o ideal do artista, como pessoa e como construtor do mundo e das existências do mundo. Proust, o autor de “La recherche du temps perdu”, saudosista de costumes e pragmático em acontecências, ressaltou que não haverá - na arte ou em qualquer outro setor intelectual - realidade mais profunda que aquela onde personalidades procuram encontrar expressões e ações da vida. Nada mais exato, porque a função da arte é principalmente a de descobrir verdades e reconstituir valores da consciência coletiva.

        Assim, querida amiga, “Monte Azul, Retrato e Relatos do Tremedal”, seu primeiro livro sobre a cidade do seu amor, chega no tempo certo e rodeado de belezas nas lembranças e nas ideias, mesmo não contando com os modernos recursos da fotografia digital. É um encantador celeiro de informações sobre coisas, lugares e pessoas. Um maravilhoso conjunto de ilustrações de um compreensível carinho por tudo que a história de Monte Azul registra em tempo de antanho e em tempos modernos, muitos deles da minha geração, pois tendo chegado à sua região em 1945 - melhor dizendo a Mato Verde - assisti a todas as mudanças políticas, à inauguração da estrada de ferro, à consolidação dos hábitos de cultura, e principalmente ao incremento da leitura de livros pelos jovens. Lembro-me dos longos e bem feitos discursos do Cel. Levy, da valentia de Arabel, das campanhas políticas de Sinhô Teles, da elogiada elegância de Lamartine. Continua tudo muito vivo em minha memória.  É importante também saber que entre Mato Verde e Monte Azul, dois meses depois das chuvas, estão os cenários mais bonitos do mundo, formados pelo contrastado colorido das serras azul-cinzas e das árvores e lavouras verde-vermelho-amarelas. Podem – sem qualquer dúvida – competir com montanhas e lagos próximos a San Francisco, Estados Unidos; gramados de Montreal, Canadá; e a relevos do Rio de Janeiro e planícies do Pantanal de Corumbá.

         Você, Maria da Glória,  é uma pesquisadora com elevada capacidade de registrar fatos, levantar tendências e reconstruir caracteres, tudo muito importante para a valorização histórica das gentes e dos costumes. Sem desfalecimento, você abriu baús, leu alfarrábios, colecionou retratos, ouviu histórias e causos, trabalho de quem sabe de responsabilidades e de valores cívicos, únicos caminhos para construção da verdadeira cultura. Parabéns, querida aluna do curso de Letras da nossa montes-clarense FAFIL, tempo romântico do maior amor às artes, fruto do ouro de privilegiadas inteligências.

Calorosas saudações a Monte Azul, ao Norte de Minas, e à família e escola da professora Maria da Glória Feliciano.   

 

Voltar                     


WANDERLINO E SUAS “EMOCIONES”

Rigoberto Guillerno Espinosa Pichs

      Por uma feliz coincidência, durante a tradução de EMOCIONES e ante a iminência de mais outra viagem de  – eterno e incansável peregrino – chegou a Montes Claros, proveniente de Cuba, Vivian Martínez Tabares, crítica teatral e diretora do Departamento de Teatro da Casa de las Américas.

         Não casualmente e apesar da existência de bons hotéis na cidade, a teatróloga preferiu hospedar-se na residência particular de Wanderlino e Olímpia, aquela ilustre casa romana da Rua São Sebastião, Bairro Todos os Santos.

       Em apenas cinco dias, apesar do curto tempo para ministrar, um curso na Unimontes, conhecer lugares e curiosidades de Montes Claros, além da gente hospitaleira; fez também fecundas aquelas intensas jornadas um diálogo espontâneo e prazeroso entre nós outros – incluído o próprio Wanderlino – que transformou o que poderia ter ser uma revisão monótona e fria do seu livro.

      Vívian quedou-se gratamente impressionada com a vitalidade e a pluralidade de Wanderlino, qual um D’ Vinci de nosso tempo. Admirou do cálido anfitrião sua capacidade e sua energia inesgotável: um entusiasmo que contrasta com sua madureza: uma serenidade que não trai seu dinamismo constante; uma experiência que lhe permite alcançar o belo sem esforço aparente e sua invejável virtude de saber otimizar esse ouro que chamanos tempo, pois com sua produtividade impar logra multiplicá-lo e fecundá-lo.

       Ao deleitarmos com a leitura de EMOCIONES rompem-se as barreiras poéticas. Não sabemos donde hallanos nas poesia: se no que genericamente é considerada poesia nos textos em prosa de onde emerge um universo poético capaz de desafiar a essência e forma dos versos.

       Acaso não há poesia também, até nos sentimentos de perda de um tronco, de um gato o de um amigo, ou em um circo. Nada está isento de poesia sobre; todo pelo humanismo de um Wanderlino que transparenta os mais puros sentimentos de um homem que é fiel escudeiro da inteligência, do  esforço e da beleza. Possuidor de uma fina espiritualidade por toda a vida, incluindo seus enigmas, suas aspirações, suas contradições que lhe são inerentes.

       Uma galeria de personagens desfila por nossa  imaginação, no tempo e ea conformação do acontecido, guiada com a maestria do narrador por meio de uma fantasia tão real que parece que se nos apresenta como um novo amigo. Para comover-nos com gentes, feitos e coisas que nos exigem desde o presente, e caminho dialético até o futuro, que nos deixa morrer o passado. Interpelando-nos a fazer útil e significativa a memória de um Brasil que para muitos é desconhecido, com sua história, seus costumes, seu folclore, etc.  Porém não é tudo isso a escrita de um intelectual importante, apesar de verte-nos em uma linguagem clara, sensível, amena, cômica, mordaz na maioria das ocasiões. Assim aparecem estes retratos vivos, mais que meras biografias retóricas de artistas, políticos, membros ilustres de famílias, etc.

        A natureza pródiga é o marco destas crônicas e poesias, de onde se mesclam o rural e o urbano, e seu universo de inter-influências em um lindo mosaico. Mais que um quadro inerte se convertem em um panorama vivo de cenas bucólicas da modernidade com saudades do passado, e fortes matizes da contemporaneidade e do presente. Instituições, lugares, feitos, pessoas e estórias fluem aqui como um rio que desemboca ao revés, nas costas sem entranhas das Minas Gerais, no coração do leitor.

       Wanderlino quebranta as fronteiras do mero autobiográfico e incursiona de tal modo na vida amena que a faz palpitar como algo nosso, algo bem íntimo, que nos arranca uma lágrina hacia adentro. Também nos contagia com a alegria e lembranças do circo.

        Quem não teve um circo em sua infância, que não vive em sua imaginação até hoje? O autor nos devolve a infância, as brincadeiras, as alegrias e as travessuras para quando hoje, ou amanhã, sejamos adultos. As cores dos pintores, dos poetas, dos avós, dos cantores, das vozes, o beijo, os olhares, as brisas, os perfumes, as ruas, enfim convida-nos a que junto a nossos e prazerosos diálogos sobre Wanderlino e suas EMOÇÕES, desfrutem e descubram o inesgotável universo poético de onde não queda um instante a salvo de um encontro emotivo com o amor.