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Livro de prefácios
e comentários

 

Wanderlino Arruda

2014


Copyright Wanderlino Arrud, 2014

Capa e Editoração: Gráfica Editora Millennium Ltda.

Revisão de Texto: Júlia Maria Lima Cotrim

Fotografia da Capa: Wanderlino Arruda Filho


Arruda, Wanderlino

A773p

Prefácios e Comentários / Wanderlino Arruda - Montes Claros - Minas Gerais - Gráfica Editora Millennium Ltda. 2014

200p.: 21cm

1. Literatura Brasileira - Prefácios e Comentários. 2. Escritor brasileiro

I Título.

CDD B869.1


Todos os direitos reservados. É permitida a reprodução toral ou parcial desta obra, por quaisquer meios, com a prévia autorização do autor.

Impresso no Brasil
Printed in Brazil .

GRÁFICA EDITORA MILLENNIUM LTDA.
Rua Pires e Albuquerque, 173 - Centro
39.400-057 - Montes Claros - MG
Site: www.mileniograf.com.br
E-mail: contato@mileniograf.com.br
Telefax: (38) 3221-6790

2014
Wanderlino Arruda



 


ÍNDICE

Prefácio

Maria Luiza, Amiga e Mesta

A Poesia de Dário Teixeira Cotrim

Pássaro Amigo, de Afonso Patres Borba

Palmyra Santos de Oliverira

Amelina Chaves e o Comendador Romão

Júlio Verne – Sonho e realidade

Karla Celene Campos

Montes Claros, Cidade da Arte e da Cultura

Rosas do Meu Jardim

Andréa de Fátima Mota Dias

Antônio Augusto B. Moura, Notável Arquiteto

O Canto Poético de Iracema Zannetti

Doutor Rameta e "Os Meninos do Sapé"

Em Cantos e Versos

Noturno para o Sertão

Karla Celene Campos e "Hibiscos Molhados"

Labor Clube de Montes Claros

Na Venda de Meu Pai

Monte Azul de Maria da Glória

Momentos de Luiz de Paula

Montes Claros Retratos Poéticos

Mozzart David

O Laço Húngaro

João Chaves

Ivan de Souza Guedes, este Grande Brasileiro

História Primitiva de Montes Claros

"Aconteceu...", de Corbiniano R. Aquino

A Menina Celeste, de Divina Tanure França

Ventos de Agosto

Condenado à Morte pela DNM

Vargem Grande

Serrano de Pilão Arcado

O Voo do Albatroz, o Voo de Isau

Edwirges Teixeira de Freitas

Joaquim Soares de Jesus

Célio Barbosa de Castro

"Todo Mundo é Gente"

"Um Pequeno Rei"

Montes Claros, Vovó Centenária

Poesia no "Mulo" de Darcy Ribeiro

A Noite da Minha Iniciação

FAFIL, Pioneira do Ensino Superior

Montes Claros, Sessenta Anos Atrás

Saudades do Velho Mercado

Oralidade em "Grande Sertão Veredas"

Onde e Quando o Amor é Maior

Oitenta Anos, Quase um Século!

Estevinho Poeta

Henrique Oliva, o Pesquisador

Memórias de Adriano

"Montes Claros Era Assim..."

O Mulo Darcy Ribeiro

O Sertão de Antônio Ferreira Cabral

"Seis Poetas de Montes Claros"

Wagner Durães, Poesia, Fé e Destino

Gy Reis, Poeta

Outubro de 1940

"As 7 Pontes", de Maria Luíza

Doce Encato

Euclides não morre nunca

MONTE AZUL DE MARIA DA GLÓRIA

WANDERLINO E SUAS “EMOCIONES”

O dividido Fernando Pessoa


Prefácio

A notícia bibliográfica da literatura montes-clarense, nos  últimos tempos, tem catalogado centenas de livros e de outras produções literárias. Embora não sendo a mais completa, ela é considerável pela qualidade e pela quantidade de obras que traz a lume. Assim, nessa dinâmica da intelectualidade norte-mineira, destacamos com muita alegria a participação do ilustre escritor, o doutor Wanderlino Arruda, que já reúne mais de uma dezena de bons livros, disseminando conhecimento e prazer, para todos que gostam de uma boa literatura. Desta vez, o autor nos dá a conhecer uma obra que enaltece, com pleno mérito, o mundo literário de Montes Claros e região. Trata-se do substancioso livro “Prefácios e Comentários”, onde o seu espírito de mestre avulta no campo da crítica literária e, também, na consideração artística das palavras para definir as obras mais significativas que fazem parte de um universo privilegiado de escritores e pensadores.

Nota-se que este novo livro, do eminente confrade das letras Wanderlino Arruda, apresenta-nos uma versada coletânea de crônicas e artigos escritos no últimos tempos, revelando todo o apogeu de sua criatividade intelectual. É um registro, com valimento intensivo, da sequência contínua de ações escritas e dos conceitos profundos no campo da Semântica e da Literatura. Prefaciando obras e escrevendo magistralmente sobre temas ligados à região, o nosso mestre da Academia Montes-clarense de Letras mais uma vez nos oferece uma excelente oportunidade de viver e conviver com o burilar das palavras. É ao mesmo tempo o universo da fantasia e das realidades.

O fato de a escrita de Prefácios e Comentários conter, na sua maior parte, análise literária e linguística, isso não significa que a sua literatura tornar-se-á técnica ou até mesmo, técnica ou até mesmo, científica. Muito pelo contrário, o leitor certamente irá se deliciar muito das colocações inteligentes do autor sobre as sinopses e os comentários das obras literárias prefaciadas. O esmero é uma características dos que cultuam as letras; é uma atitude dos que as elaboram em textos; é uma paixão dos que desejam adquirir conhecimentos.  O sédulo escritor Wanderlino Arruda, na sua impaciência de doutrinar, faz como que os seus leitores argutos o admirem pela linguagem escrita e, outrossim, pela linguagem falada. São seus textos e os seu pronunciamentos as sementes lançadas, em formas de palavras bem-querentes, na esperança de sua fertilização, para criar e forma um novo tempo.

O trabalho literário do emérito acadêmico Wanderlino Arruda não tem limites. Hoje, os seus livros já ultrapassam fronteiras. Em vários lugares do planeta muitos deles enriquecem bibliotecas públicas e particulares, quer seja na língua pátria, quer ser no espanhol ou no inglês. É correto dizer que as usas obras encantam meio-mundo literário “não só como guardiã e cultora da perfeição estética, mas, sobretudo, como polo difusos cultural”. Não será surpreendente de alguém disser, alhures, que o autor Wanderlino Arruda escreveu uma bela e proveitosa obra. Verdade verdadeira!

Dário Teixeira Cotrim
Academia Montesclarense de Letras
Institutos Históricos e Geográficas de Minas Gerais e de Montes Claros

 

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MARIA LUIZA, AMIGA E MESTRA

Maria Luiza Silveira Teles vê o mundo como passível de mudança e sabe que a única forma de muda-lo é formar educadores conscientes, moldando-os para o respeito e para a esperança. Sua posição foi sempre a de quem tem compromissos com o amor em tempo integral, se possível, tanto no aprender como no ensinar. Nunca dissociou o saber do saber fazer, nunca se esqueceu do gostar da vida. Em Maria Luiza, a pessoa humana precisa ser sempre o sujeito da história, ou das estórias. Nela é vívida e vibrante a visão crítica do ensino-aprendizagem, com educadores e educandos espelhando brilho e encantamento, personalíssimos olhares e audições.

Mais do que poderia Rubem Alves filosoficamente confirmar, Maria Luiza é e será sempre mediadora de esperanças, fundadora de mundos, pastora de projetos. Sempre arquiteta da melhoria de vida de tudo quanto foi gente que passou por sua sala de aula. Deu aulas particulares dos dez aos dezoito anos: português, matemática, inglês e latim, e seus vitoriosos alunos jamais se esquecem dela. Além de doces lembranças do charme e da beleza da professora, eles levam pela vida muito amor e gratidão, pois apaixonados e admiradores. Já na Faculdade, no terceiro ano de Pedagogia, Maria Luiza foi monitora de Psicologia e Sociologia, tempo também de muito encanto.  “Meus alunos e professores fizeram de mim a pessoa que sou” – diz ela agradecida. Como Paulo Freire, sabe que o ato de educar não é profissão, é vocação. E toda vocação nasce de um grande amor, de uma grande esperança.

Minha amiga sempre amou o ser humano, sempre aspirou vê-lo crescer, sempre teve paixão pelo ensino, nunca dissociando a disciplina dos valores pessoais e da postura ética. Uma sonhadora, uma visionária do bem, poetisa de todas as belezas do viver e do conviver. Mulher e mestra sempre revestida de fé e de coragem!

       “Eu, embora me aposentando da escritura pedagógica, continuarei acreditando na humanidade, na superação de uma ordem social injusta e numa Educação verdadeiramente nova em que o aluno seja realmente o centro de todos os objetivos, em que a relação educador/educando seja um terreno fértil de amor, sonhos, utopias, respeito, prazer, esperanças, vida intensa e realizações”. 

Afinal, para Maria Luiza, a característica principal do ser humano reside na capacidade de amar, que implica saber cuidar, acolher, perdoar, compadecer-se, ter empatia, ternura, compartilhar, inter-agir, cooperar.  Assim como disse Vinicius de Moraes: “... a vida só se dá pra quem se deu, pra quem amou, pra quem chorou, pra quem sofreu”.

Ontem e hoje continuo pedindo a Deus para iluminá-la sempre. Um fraterno abraço, querida amiga, querida mestra!

 

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A poesia de Dário Teixeira Cotrim

          De quando o homem se viu colocado na primeira manifestação literária, mesmo antes do texto escrito, a melhor forma de arte que encontrou foi a fala poética. Inicialmente, pelo menos em Português, o verso paralelístico, a cantiga de amor, a cantiga de amigo, a cantiga de maldizer. Poesia para ser cantada, repetida de memória em portas de hospedarias, nas tabernas, à beira das estradas ou nos palácios reais, o poema de amor à gente ou à terra, sempre com laivos de emoção e sonoridade que só o verso pode ter. Assim, o poeta, homem ou mulher, jovem ou velho, mas apaixonado pelo musical da língua, nunca pôde fugir do bom e do gostoso da arte de poetar. E como Deus fez o mundo com luz, o versejador fez o idioma com versos. E a poesia foi feita...

É por isso que Dário Teixeira Cotrim, falante do mesmo idioma de El-rei Dom Dinis, de Paio Soares de Taveirós, de Camões, de Bilac, de Fernando Pessoa ou de Cândido Canela, também há de cometer seus versos, cantando a velha Bahia, sentindo no peito a necessidade de extravasar-se na paixão do menino e no namoro do adolescente. Vive a natureza pura, adoece de saudade com os mesmos sintomas de todos os poetas, sofre e canta o sofrimento. É a tradição dos que amam acima da linha de nível do amor comum. Dário Teixeira Cotrim ama a terra, ama o povo e se embeiça pelo amor do próprio sangue, da própria raça interiorana de baianos de fé e de coragem.

         "A Casa Grande de Mãe-Veia" é, pois, um canto de pura saudade, um rememorar de eternas lembranças dos companheiros de meninice, dos parentes mais velhos, da escola primitiva, do back-ground de um tempo de vida alegre e descompromissada, sem horários, sem livros de pontos, sem dígitos e sem teclados, onde o computador de hoje era o mundo de rios, morros e montanhas, pedaços de capão-de-mato. Dário Teixeira Cotrim foi sempre um saudosista, um vidente ao contrário, muito mais de passado, muito pouco de futuro. Se o presente é bom, o pretérito é melhor, é mais rico, mais prenhe de sutilezas com infinitas doçuras de mocidade. Na sua memória, a igrejinha, o curral, a estrada, as cercas com lonjuras de acabar de vista, os pastos, os animais dentro dos pastos, as nuvens despidas de sol ou carregadas de chuvas, o amanhecer, o crepúsculo, os brinquedos de roda, do pega-ladrão, do fazer-a-gata-parir, o montar em pelo, o banho de rio e de lagoa, a arapuca, o quebra, o estilingue, o bodoque o eterno buscar umbu quando umbu está começando a amadurecer. Tudo num mundão de sonhos e de doces realidades, que só o interiorano conhece.

        Fez muito bem o poeta em poetar sua poesia. Modesto, diz que não quer fama, não espera vender o exemplar na livraria, não pensa em edições milionárias e de luxo. Dário Teixeira Cotrim quer sua poesia na boca e no coração do seu povo, dos seus amigos e colegas de banco, mas sobretudo, na boca do povo baiano de Ceraíma, que teve a felicidade de nascer ali perto da casa grande de "Mãe-Veia". Se esses baianos lerem seu livro, senti-lo e com ele se emocionar, tudo bem, o esforço foi pago, o poeta viverá feliz. E mais vale a felicidade do poeta e da gente do seu sangue, que o dinheiro de todos os ricos! Viva o amor!

        E eu, como amigo e companheiro de lutas, também me sentirei gratificado. E muito.

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Pássaro amigo, de Afonso Prates Borba

A vida é um contínuo exercício do aprender.   
A cada dia descobrimos novos valores, descortinam-se  se aos nossos olhos novos horizontes”.
   

 Afonso Prates Borba

            Concordo plenamente com Mário Quintana, quando ele diz que só as crianças e os velhos conhecem a volúpia de viver dia a dia, hora a hora, em um formular de desejos com quase sempre a duração de pouco e pobres minutos. O normal é o preocupar-se com a sobrevivência, a labuta profissional, os amores na família, o aprender aqui e ali das coisas que nos podem fazer ou deixar felizes. Afinal, viver é lutar, porque como disse Gonçalves Dias, “A vida é combate,/ que os fracos abate,/ que os fortes, os bravos / só pode exaltar!". Sempre assim...

         É de uma alegria imensa os momentos que me encontro com o amigo Afonso Prates Borba, autor deste PÁSSARO AMIGO, livro de crônicas em louvor à vida e aplausos ao viver e conviver. Vejo e revejo Afonso como se estivesse ainda atrás dos balcões da Imperial – Lojas Reunidas, esquina das Ruas Quinze e Camilo Prates, Joaquim Correia e D. Mercês, proprietários; Chamone, gerente; vários rapazes, Violeta e Elza, colegas de trabalho, Juca Prates, observador e conselheiro. Vejo Afonso, pouco mais de adolescente, como companheiro e amigo, amizade que tempo nenhum pode desfazer. Quase tão alto como ainda o é, sempre representou o bom senso, a inteligência, o bom caráter e um grande respeito a tudo que é ético e aconselhável para uma vida normal. De fácil diálogo, era sincero e fraterno com todos, colegas ou clientes. Nosso júbilo maior era ver as meninas do Colégio Imaculada passando na rua com uniformes limpíssimos, principalmente nos dias de desfiles, quando elas jogavam olhares para trás, sorrindo e nos vendo. Um momento verdadeiramente inesquecível foi quando – literalmente deslumbrados – vimos Helena Neto saindo do provador de roupas, ela a mais perfeita personificação de beleza e juventude, encanto só comparável com o da pouco mais que menina, Cibele Veloso Milo, a moça mais linda dos concursos de misses.

        A vida continua, a fila anda, encontro e reencontro o amigo Afonso Prates Borba nos bancos de escola, no cartório de Camilo Prates, nas manhãs da Praça de Esportes. Grande e notável datilógrafo, excelente redator, moço mais do que organizado e responsável. Vejo Afonso já casado com Wanda, já pai de Aline, Elaine, Afonso e Gilberto, já aposentado e fazendeiro, já presente nos jornais em textos políticos, em temas da região, clamando e reclamando pela assistência dos governos. Em paz pela forma de ser e viver, nunca em paz, porque sabe que as coisas sempre podem melhorar. Afonso foi dos primeiros escritores que convidei para a fundação do Instituto Histórico e Geográfico, mas que acabou não fazendo parte da lista, porque não quis. Reconheceu-se honrado e agradecido, porém pedindo para não se filiar. Sua aceitação literária veio mais tarde, com a posse na Academia Montesclarense de Letras, de cujas reuniões sempre fez questão de participar, ativa e elegantemente. Com visível competência, serve de parâmetro para muitos intelectuais, mesmo os mais proeminentes das nossas letras.

       Neste PÁSSARO AMIGO, as crônicas de Afonso Prates Borba se destacam pela fluência, pela delicadeza de conceitos, pelo registro de valores agradáveis ao tempo e ao espaço de nossas vivências tão mineiramente mineiras. De início ao fim, Afonso fala de pessoas, do modo de ser das pessoas, das gentes, das suas gentes com seus costumes; fala das histórias e dos acontecimentos, da justiça, da lei, da fé, das viagens, dos momentos de saudades, dos tempos de plantar e de colher. Feliz, muito feliz por mil razões, não silencia os conceitos de dor e até do inconformismo com as tessituras de sofrimento, imposição da própria existência, sua e dos mais próximos. Mesmo sabendo de não ser justo um maktub, mesmo sabendo que a existência é composta de trilhas e não de trilhos, é preciso reconhecer que o doce e o amargo acabam acontecendo. No seu livro – um tanto de memórias, muito de confessional - a lista de assuntos se apresenta rica, muito rica, riquíssima, prenhe de alegres e tristes lembranças, tanto no plano pessoal como no entorno da vida. Tudo muito representativo, em conteúdo que valoriza o contato intelectual e encaminha o leitor para um melhor conhecimento da nossa região. É um hino de amor ao jeito mineiro, muito do que somos e do que pensamos. Vale a mais atenta leitura!

     Meus votos do mais vibrante sucesso, estimado amigo Afonso Prates Borba, confrade e companheiro! Como bem disse Tati Bernardi, a beleza está na essência do bom caráter. Nosso lado positivo expande-se quando temos sonhos, quando acreditarmos na utopia. Com toda certeza, viver é lutar. E combater o bom combate!

 

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Palmyra Santos de Oliveira

Uma vida não basta ser vivida.

Ela precisa ser sonhada. 

Mario Quintana

No dizer de Howard Whitman, “todos nós temos três necessidades emocionais básicas: sentirmo-nos estimados, importantes e seguros. É preciso que alguém goste de nós. Precisamos sentir que valemos alguma coisa. E precisamos sentir-nos a salvo de incertezas”. Esta uma preciosa lição que aprendi em uma Seleções de setembro de 1952, pouco menos de dois anos depois da minha chegada para viver e muito conviver em Montes Claros. Tenho absoluta certeza de que foi uma página da maior importância em todos os momentos de minha vida, principalmente na observação e no acompanhamento das pessoas que realmente gostam e desfrutam desta cidade, como é o caso da escritora Palmyra Santos de Oliveira, irmã do meu amigo José Gomes e mãe de quase uma dúzia de moças e rapazes, que tanto bem têm feito a este mundo de meu Deus. D. Palmyra é árvore, é ramo, é flor e também é fruto de um tudo de bom que a vida oferece e nos pode oferecer. Gosto dela, de como é, de como se mostra, de como administra cada minuto de existência. Amada-amante de todas as realidades e de todos os sonhos!

         O livro ETAPAS DE MINHA VIDA, segundo da lavra de D. Palmyra, que você, leitor/leitora, vai ler, em seguida, é um fiel atestado do muito que ela sabe e da enormidade de bons sentimentos com que ela viveu bons tempos de Montes Claros e excelente tempos de Porteirinha, sedes dos seus domínios de amor, de serviços à cultura e de um importante plantar de amizades e carinhos. Tudo tem sido como um abrir janelas e respirar todos os azuis dos dias e das noites de uma vida de encantos. Tudo uma luminosa saudade para colorir santas lembranças, santíssimos sentimentos que ela soube nutrir em cada olhar que teve e que provocou, em cada passo que deu ou que chamou para perto de si. Nenhum mistério, porque a realidade tem que ser bonita, tem que ser visível, à luz do sol ou ao pisca-piscar da lua e das estrelas... Que cidade agradável e gostosa era a Montes Claros dos seus tempos de menina e de menina-moça: ricos quintais, doces brinquedos na porta da rua, vizinhos alegres e bem informados, tudo um universo para aprender e ensinar, eterno palco em meio de um empolgado auditório, ninguém sabe se mais de crianças que de adultos, hoje somatório de lembranças com dezenas de nomes de pessoas e de famílias: D. Consuelo, D. Inhá, Fani Maurício, Neusa, Nivaldo e Benedito Maciel, Juca de Chichico, Natália Peixoto, Píndaro, Maria Inês, Tatá, Umbelina, Artimínia, os tios Ulisses e Ambrosino, o avô Viriato, o pai Manuel, a mãe D. Laura...

       História, estórias, casos e causos, muito ou tudo da mineiridade de D. Palmyra, tudo. Lindos momentos de pura amizade, evocações de sabores, evocações de saberes, sons e cores, afirmações de fé, perspectivas que só a paixão montes-clarense de início de século pode aflorar. Neste livro a autora não faz economia de amor, não deixa qualquer sentimento para depois. Tudo, tudo mesmo, é um constante hoje, um agora, uma sempiterna visão de quem sabe apreciar o mais apreciável de cada segundo vivido e amado. A Rua Doutor Veloso, o largo São Sebastião, mais tarde Praça Coronel Ribeiro, a Rua Bocaiúva, o centro da cidade, os bairros, as cercanias, as subidas e descidas, assim como as casas de comércio e as residências, cada coisa tem um valor, marca um sentimento, representa uma virtude. E as pessoas mais próximas do seu relacionamento – como a Gringa, José Galinha, Francisca, Tereza, Niqueda, Santa, Silvéria, Maria Violão, Bela, D. Josina, assim como a feira, a viagem a Bom Jesus da Lapa, os passeios, os fatos surpreendentes, até os registros de genealogia, que coisa mais interessante! O tempo não pára, mesmo que a saudade faça as coisas pararem ou as fixe para a eternidade de quem ama e, em verdade, gosta de amar. Um momento de poesia vale tanto quanto um milênio de sentires, principalmente quando esse momento é escrito e descrito por minha amiga, D. Palmyra, autora e dona deste Livro. O segredo – bem lembrou Mário Quintana - não é cuidar das borboletas, mas cuidar do jardim. Havendo jardim, muito haverá de borboletas. Importante que o valor seja dado ao que realmente importa! Devemos sairmos à rua ou ao mundo abertos aos caminhos e ao caminhar, sempre dispostos ao que possa acontecer - melhor dizendo - dispostos às venturas e aventuras.

       Penso em D. Palmyra na mesma medida que penso em Cora Coralina, porque para ambas a vida seria curta ou longa demais -  e sem sentido  - se não tocasse o coração das pessoas. Marcante é o colo que acolhe, o braço que envolve, a palavra que conforta, o silêncio que respeita, a alegria que contagia, a lágrima que corre, o olhar que acaricia, o desejo que sacia, o amor que promove. E isso não é coisa de outro mundo, é o que realmente dá sentido à vida. É e será! E que este livro da minha companheira de Instituto Histórico, mãe do presidente Itamaury, seja um precioso presente, um importante momento de leitura para você, leitor/leitora, acredito gente boa também do meu coração!

        Parabéns, sempre menina-moça, PALMYRA SANTOS – Santos, Teles, Oliveira -  glória de Montes Claros, magnífica glória de Porteirinha, cidade mãe dos seus filhos Irani, Itamar, Iolanda, Itajahy, Iracy, Ítalo, Ilacir, Itamaury, Isani, Ivan e Ilmar.

 

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Amelina Chaves e o Comendador Romão

                               Uma busca começa sempre com a Sorte de Principiante. E termina sempre com a Prova do Conquistador”
                                   Paulo Coelho

          Como muito bem disse Paulo Mendes Campos na crônica “Mineiro brincando: fala de Minas”, “este nosso Estado tem de tudo com variada de passadio. Tem paca, tem tatu, angu, surubim, tem jacaré, torresmo, tutu. Mineiro é de muitos luxos: só quer o de valor, beleza de lombo, pão de queijo (centenas), linguiça de encomendazinha, excelências. Pinga da purinha, de colar, sincera. Requeijão, uai”. Com muita sinceridade e fé escreveu Amelina neste UM MINEIRO DE CARATINGA NO PLANALTO, Minas tem também José Romão Filho, comendador dos bons, desses como não se fazia antigamente. Mineiro com jeito mineiro, de garra mineira, disposição mineiríssima de construir o mundo com trabalho em silêncio, mil vezes repetindo se necessário for, mil vezes servindo com sempre honesto proceder, porque ficar parado não pode.

        Que interessante personagem de Amelina Chaves é o comendador Romão, mineirinho de Caratinga, mineirão do Planalto Central, força e fibra que só Minas Gerais sabe forjar, homem de fronteiras naquele sentido maior de conquistador de mundos e navegante de planícies de nunca acabar. Uma história verídica calcada no verde das montanhas de Minas e nas planuras de Goiás, José Romão, eterno estudante da vida, descobriu por si mesmo que só há uma forma de aprender: através da ação, através do estudar continuado de cada dia, seja como menino vendedor de ovos e bilhetes de loteria, como jovem enxadeiro dos becos de cafezais, fotógrafo, securitário, motorista de ônibus, como empresário do setor de imóveis, seja como fundador de cidades. Sua vida é como a de São Paulo: atividade constante, um não poder parar sem alívio.   O relógio mágico de Amelina Chaves retrocede no tempo para resgatar a memória viva que tem sido a existência e o dinamismo do biografado. Passa por Caratinga, por Dom Cavati, Itanhomi, Ubaporanga, Belo Horizonte. Passa por Cristalina, Taguatinga, Padre Bernardo. Passa Minas, passa Brasília, até chegar ao Vale das Macieiras, onde inventa e constrói a Cidade do Comendador Romão. Visível trajetória de aventuras de um homem que não sabe recuar! Sempre uma visão de futuro, caminhar sem limites. O relógio mágico retrocede no tempo para resgatar também seu compromisso de escrever um livro que venha ser um exemplo para quantos querem aprender e lutar, acreditar no esforço humano em busca de vitórias. Amelina dá o seu recado com uma história cheia de emoção, que o leitor vai ler de um só fôlego, tão gostosa ficou, um fio narrativo cheio de encantamento, espécie de reportagem feita para nunca se esquecer.

      “As coisas estão é no tempo, e o tempo está é dentro de nós”, sentenciou Cyro dos Anjos, também destes Montes Claros. Verdade? Testemunho de fé na experiência humana?  Esperança de que cada experiência é um universo pessoal? Só uma existência servirá de exemplo para todas as outras existências? Quem sabe... diria Amelina, talvez deixando as respostas para o leitor, que também sonha e deseja que os seus sonhos sejam reais. Quem sabe? Quem pode saber? O menino que nasceu no Córrego do Feijoal, ano de 22 da Semana de Arte Moderna, ou o esperantista assíduo da Liga Brasileira de Esperanto, que acompanhou meu inesquecível amigo Nelson Pereira e hoje acompanha os coidealistas Adolpho Miranda, José Carlos Dorini e tantos outros? Quem sabe é o jovem sobrinho de tia Etelvina, o amigo do poeta Camilo Lélis, do Padre Rui, o vicentino, o rotariano, ou o comendador que recebe de presente de Natal este livro dos seus feitos? Só o próprio tempo dirá, principalmente o tempo que marca as coisas e que também está dentro de nós, pois tudo tem seu tempo determinado e para todo propósito debaixo do céu: tempo de nascer, tempo de morrer, de plantar, de curar, de edificar, tempo de chorar e tempo de rir. Tempo de espalhar pedras, tempo de buscar, tempo de perder, tempo de guardar, tempo de deitar fora; tempo de falar e tempo de ficar calado, tempo de amar e tempo de aborrecer, tempo de guerra e tempo de paz. Tudo do tempo segundo o Eclesiastes.

          Foi gratificante acompanhar Amelina Chaves no pesquisar, no entrevistar, no arrumar ideias para a composição de UM MINEIRO DE CARATINGA NO PLANALTO, em todo o processo de escrever o livro. Pareceu uma tarefa tão poética que ela se transformou em criança, quem sabe, tentando hospedar a alma da menina do Sapé dos idos de quarenta, quando vestia a transparência mágica dos deuses do Rio Verde, e sonhava toda a sabedoria da inocência interiorana. Pelo que sei, tudo foi um imaginar lúdico, viagem paradisíaca de quem gosta de saborear doces acontecências.

           Grande Amelina!

 

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Andréa de Fátima Mota Dias

 A pesquisa representa, no diagnóstico das existências, a procura das verdades vividas. É busca de pessoas, de objetos, acontecimentos, datas, tudo de grande ou pequeno na informação e na história. A pesquisa atende a interesses da imprensa, das universidades, de setores de governo, de instituições e até da iniciativa particular. O pesquisador sério é normalmente um apaixonado, com garra, coragem e, sobretudo, determinação para a descoberta e o registro. Antes ou depois do acontecer, as anotações dos fatos e das personagens, tudo muito importante para as necessárias corretivas ou novos direcionamentos. É a pesquisa que permite o parto das ideias, espécie de moderna maiêutica muito comum aos formadores de opinião e aos que devem ou precisam tomar decisões: legisladores, justiça, governo.

          É com o espírito de contribuição à melhoria de vida de expressiva parte das nossas crianças e adolescentes, que Andréa de Fátima Mota Dias, Assistente Social sempre estudiosa dos assuntos ligados à educação e ao desenvolvimento das pessoas, pesquisou e escreveu este livro. A professora Andréa, tanto na existência familiar, como no plano coletivo, sempre foi mais do que uma sonhadora, uma idealista. É uma assistente social comprometidamente séria com o fazer justiça para melhorar e aperfeiçoar o mundo. Seu livro “POLÍTICA DE ASSISTÊNCIA À CRIANÇA E AO ADOLESCENTE VITIMIZADOS SEXUALMENTE: NEGAÇÃO DE DIREITOS – Análise da realidade montes-clarense” é, a um só tempo, informação e libelo, grito inflamado de alerta a autoridades e pais de família, a mestres e estudantes das Ciências Sociais e do Direito.

 Que cada leitor se debruce neste texto da nossa socióloga Andréa, analise-o e se conscientize da importância do seu conteúdo. Autoridade ou não, use-o para se informar e para decisões úteis à formação e à paz dos nossos jovens. Tudo o que for possível fazer em proteção à infância e à juventude será motivo de reconhecimento por parte das pessoas de bem, remanescentes das virtudes da Ética e da Moral. E que Deus recompense à nossa querida professora pelo alerta e pela altiloquência da denúncia tão oportuna.

 

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ANTONIO AUGUSTO B. MOURA, NOTÁVEL ARQUITETO

É a arte um objeto de criatividade, um sentimento lúdico ou brinquedo do espírito ao mesmo tempo bonito e agradável? Seria a arte um dispêndio gratuito da energia dos sonhos ou da vontade de alguém estar na fotografia da história? Está a arte efetivamente disponível para melhorar a qualidade de vida de quem a produz e/ou de quem se beneficia dela? Segundo Paul Valery, a arte é aproveitamento de coisas que transbordam, algo que ultrapassa as linhas do senso comum, alguma coisa bem a mais no ser e no estar da vida.

     É com todas estas considerações que me lembro do nobre entusiasmo do meu amigo doutor Antônio Augusto Barbosa Moura, companheiro de Rotary, conselheiro em questões de estética e arquiteto-administrador da construção da casa onde até hoje moro com minha família no Bairro Todos os Santos. Impossível recordar os tempos de Moura sem refletir em minha visão a capacidade incrível que ele tinha em delinear, quase em insights, formas da mais moderna arquitetura, válidas para a década de sessenta ou para qualquer outro tempo. Impossível, porque Moura foi sempre para mim o gênio da criatividade inteligente e prática, útil e bonita ao mesmo tempo.

Agora que seu filho Antônio Augusto Pereira Moura, também arquiteto dos bons, registra em livro vivências da arquitetura do pai, vejo-me de pé e alerta para também marcar testemunho do quanto o doutor Antônio Moura foi importante para o urbanismo de Montes Claros, considerados sonhos e trabalho, profissionalismo e cidadania. Foi dele a moderna e rica linguagem arquitetônica, tudo em pacífica revolução de conceitos, com mira direta no conforto do sentir-se e do viver bem, inovando as construções com novos materiais, principalmente com a utilização de revestimentos cerâmicos, pedras naturais e panos de vidro. Suas pérgulas, seu paisagismo sempre inovador, trouxeram-nos mudanças nas formas e nos coloridos, jardins externos e internos com dracenas, bromélias, ixoras, agaves, bambus.

      Concluídos os cursos de Arquitetura e Urbanismo na UFMG e de especialização de Urbanística Técnica na Itália, Moura volta para a nossa Montes Claros e o seu escritório na Rua São Francisco passa a ser um ponto de referência para tudo que era projeto de modernidade na arquitetura e nas ideias de desenho. Simples, alegre, participativo, consciente dos seus deveres de ofício, gentil em todo o tempo, era um real amigo de todos que o procuravam para uma opinião profissional ou para um dedo de prosa, gosto maior de todo mineiro amante da vida. Tanto era um grande e importante profissional, que até hoje, quase quarenta anos passados, permanece vivo em nossa lembrança como quem mais marcou o progresso da arquitetura em Montes Claros e em muitas cidades do Norte de Minas.

     Parabéns ao autor, Antônio Augusto, filho, e aos colaboradores dra. Viviane Marques Silva Dias e fotógrafa Maria Lucília Veloso Teixeira pelo registro de tão gratas memórias que temos do inesquecível do arquiteto Antônio Augusto Barbosa Moura, que nos deixou tão cedo na viagem da vida e do tempo.

 

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O canto poético de Iracema Zannetti

      De todos as atividades intelectuais, a poesia é que tem a função mais destacada de despertar e entreter a intensidade da vida. A poesia é ao mesmo tempo viagem e direção de emoções no mundo lúdico das palavras e da música. Poetar, é, no campo do sentimento, a mais perfeita forma de comunicação. Vindo da alma, o canto poético tem nuances e perfumes de vidas vividas e de sonhos sonhados. A poesia é mais do que tudo um universo mágico e lúdico de quem faz ou de quem absorve o verso.

       É um prazer imenso visualizar e ouvir, na intimidade do melhor das minhas emoções, o canto poético de Iracema Zannetti, amiga e companheira, colega e mestra, mil vezes admirada. Nem mesmo é preciso cultuar silêncio para melhor ler, sentir, absorver ou degustar os textos da pura poesia que Ceminha escreve. Ela deixa em cada linha, em quereres e insinuações, espirituais sabores e humanos cheiros que só a beleza da inspiração permite. Iracema é, ao mesmo tempo, equilíbrio e esperança, paixão e arte. Sem ignorar desejos que a carne pede ou exige, tudo muito inerente à fortaleza humana, sente-se cantora e musa ao mesmo tempo, mestra ímpar no avio de poções do ser e do não-ser. Brisa de fervor e luz de encantamento, Ceminha é uma nobre senhora, uma deusa de Avalon!  

        ... Devoradora...Sigo-te em profanos caminhos... Viverei contigo enquanto nos amarmos, viverei contigo enquanto me abrasares... Tu, amor, que tens o saber dos anjos registrado, é essência divina, aura iluminada. Tudo nos agrada, mas nada nos sacia... Tatuado em minh’alma... o viajar em teus poemas é tudo o que eu quero! Escolha tua estrada, busca teu destino! Segue a luz da visão iluminada de tua antiga musa!

         ... Se não fosse o orgulho a me matar de pejo, eu gritaria - no agora do meu hoje - o querer suave e o viver forte, o estremecer bonito e o tecer mil planos, tudo além do esperar surpresas...

        ... Melhor deixar o amor acontecer, não trocar de barco, não firmar no chão, mas mudar de rumo, iluminar mil plenitudes... Melhor sentir e amar serena e loucamente...

     Parabéns, Iracema Zanetti, parabéns, Ceminha. Eternidade...? Alfa, ômega...? Quem sabe? Viva a inteireza do agora e de todos os momentos seus. Pense no esplendor ... Seja menina, seja deusa!

     Afinal, sonhos não envelhecem! 

 

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DOUTOR RAMETA E "OS MENINOS DO SAPÉ"

Nascido em São Paulo, mas transmudado de vida e vivências para a velha vila do Sapé, meio de mata e canteiro de construção ferroviária, José Rameta enriqueceu-se de realismo mágico e purificou-se de simplicidade interiorana, qualidades endereçadas à sua futura atividade literária. Acompanhando Salvador, pai, no trabalho, e D. Lia, mãe, no trato com as coisas de Deus e da casa, fez escola de humanismo, preparou-se para conferir às pessoas e aos assuntos, existência de eternidade. Observador sensível, dotado de bondade e finura, nem a timidez lhe tira a capacidade de construção do bem.

         Escrever, contar “causos” tem sido um complemento das horas de trabalho do doutor ginecologista, sempre muito ocupado, trabalhador que trabalha em área de diversão de muitos, segundo poderia dizer a fala alegre dos humoristas. Um notável contista, é espelho refletindo universos do consultório médico, das salas de parto ou de cirurgia, que podem estar em qualquer parte do mundo. Tem bom poder de enredar, criar, construir ambientes, sugerir dramas, despertar emoções. Nele é sempre perceptível a busca e a espera do clímax.

 Em “Os Meninos do Sapé”, Rameta demonstra-se um saudosista que sabe evocar cenas de encantamento tipo primeira noite de um homem, recordos do garoto e do rapaz estudante. Muitas são as visões que circulam entre o cômico e o trágico, sempre temperadas de malícia comedida, com doses de místico fatalismo. Um misterioso, muitas vezes saudado pela maestria do balanço das frases e das palavras, todas tão simples como o seu modo de ser e de viver. Estas são as facetas que vão despertar o leitor para uma leitura gostosa, transparente como as águas do Rio Verde, que inspiraram o escritor, a exemplo do rio da antiga Arcádia.

         Os lugares criados pela escrita de Rameta são geográficos e reais, embora universais e universalizantes, no ponto em que estão isentos de fronteiras da política ou da ideologia, uma contida cosmovisão da nossa pequena humanidade. Seus dramas nunca constituem flagelos ou catástrofes, porque, aí, a miséria e as fraquezas nunca se mostram em clima de fratura exposta. A dor maior é acidental e não causa gritos de estertor nem nos partos difíceis, já que, com amor, quase religioso, anestesiado. A dor menor, esta vem de fininho, matreira, solerte, bem comportada, nunca ferindo nem corpo nem alma.

        Rameta trabalha bem com as suas personagens, convive com elas, alegra-se e sofre em fraterno companheirismo. Dá-lhes foco de luz e boa movimentação. Envolve-as com o toque cuidadoso, escuta-lhes o coração, deixa-as em atmosfera de confiança, sem barulho, sem pressões, cobrindo com branco lençol as partes de maior pudor. Seu espaço médico/poético/literário tanto pode ser um hospital de estudantes em Belo Horizonte como a clínica que divide com a doutora Maria de Jesus, sua mulher e colega. Seu tempo/espaço pode ser também Montes Claros ou as ruas poeirentas do Sapé, o bairrinho antigo de onde nasceu Burarama, a cidade filha do Capitão Enéas e de Salvador Rameta.

        Assim, não precisa nosso contista criar um mundo fictício, não tem necessidade de formar, inventar, machucar as palavras, para delas extrair verdades ou meras ilusões. Filho de Dona Lia Rameta, de suave misticismo, ele, sacerdote simpático de corpo e alma, sabe mostrar fotografias mentais dos acontecimentos sugestivos de sua profissão. Em torno dele, os fatos simplesmente acontecem, encantados ou não, nem sempre com sangue, os envoltos com placentas e cordões umbilicais. Vindo à luz como artista da palavra e do bisturi, Rameta é, sobretudo, um doador de existências, com choros e com sorrisos. Um agende de felicidades.

        Os leitores de “Os Meninos do Sapé” – ao contrário dos antigos romanos – dizem e poderão dizer sempre: Salve, nobre Amigo, os que vão viver te saúdam.

 

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EM CANTOS E VERSOS

Muito jovem, quase menino o autor de “Em Cantos e Versos”, Jojô Machado, um Montes-clarense de Formiga. Poeta e amante do teatro amador para criança, gosta de ser feliz e adora fazer a felicidade de outras pessoas. Afinado com o “jazz”, com jeito para a dança, confessa ser fã, ligadão em tudo que vem de Chico Buarque e de tudo que veio de Vinícius de Moraes. Fala de romantismo, de pôr-do-sol, de banho na chuva. Fala da vida, porque é poeta e leva uma grande vantagem, sendo jovem, tendo na alma ainda uma forte participação da inocência, privilégio dos novos, do pouco tendo vivido. Jojô Machado se diz embriagado de ilusão, encantado com a ternura de Simone, de Daniela, de Fernanda, creio, todas meninas, pagando em dobro os sonhos de felicidade, o carinho pela alegria das manhãs de domingo na praça da Feira de Artes.

 Gostei da poesia de Jojô Machado porque é uma poesia sentimental, direta, bem dimensionada no espaço e no tempo, coisa de quem fala do mundo sem decisão de consertá-lo, fala de pedaços de luz, de música do silêncio, da alegria, da solidão e da saudade. Gostei da poesia de Jojô Machado porque os seus versos são puros, limpos de coração, construtores de beleza, um tanto voltados à ternura da família, sem aquelas apelações que os menos experientes buscam na linguagem do sexo, naquela libertinagem que só eles julgam normal. Acho bonito que a juventude pense de forma positiva, nos valores maiores da vida, no toque de sincero romantismo, num prisma de visão que possa construir o belo e o divino, mais voltado para o lado bom de cada trabalho de melhoria do mundo, se deixassem de lado a violência, a ironia, o gosto quase doentio pela parte menos elogiável dos sentidos. Há muita beleza a descrever, muita transparência para quem queira ver a luz dos dois lados de cada tema, de cada assunto.

 De há muito que dois defensores da boa comunicação vêm trabalhando para dar maior plasticidade e estética à linguagem dos jovens do segundo grau, ainda em posicionamento de quem aprende o manejo da boa fala e do bom escrever. Na Escola Técnica, a Professora Marília Pimenta Peres, com o apoio do Diretor Eustáquio Machado Coelho e de entusiasmados colegas, vem desenvolvendo sério esforço de levar os alunos à eficiência da poesia, a colocar no papel e nos palcos seus sentimentos e seus anseios. No Colégio São José, o Professor Ronaldo Eustáquio de Oliveira, com o entusiasmo do Irmão Bruno, também dirigente, têm produzido o milagre de fazer com que moças e rapazes, tanto de cursos diurnos como de cursos noturnos, realizem excelente “performance” de versos que dizem muito do amar e do viver, ressaltando aspectos do maior interesse para as letras.

 Dois festivais de poesia realizados pelas duas escolas, bem organizados, devem servir de exemplo a outras escolas e a outros professores da língua e literatura, a outros diretores que também desejem o aprimoramento dos seus estudantes. O bom deve ser imitado, deve ser seguido, para o bem de todos. Creio mesmo que o trabalho de Jojô Machado já seja efeito desse esforço e da boa vontade para com a poesia, o melhor lado da valorização das palavras e do processo de comunicação e da arte. Justo também é destacar trabalhos como o de Raquel Mendonça, de incentivo e de orientação, quase que de mineração de novos valores. Justo é destacar a poesia necessária que vem sendo feita pelo Jornal de Domingo e que, embora parcimoniosa, tem tido grande efeito. Descontados os exageros, eliminado pela preferência aos melhores, os menos ricos de inspiração vão deixando o caminho para os de maior fôlego. No fim, permanecerá o ouro e o diamante, o brilho e a luz a quem se faça credor de justa admiração. Que continue viva a poesia!

 

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NOTURNO PARA O SERTÃO

           O artista, mesmo sendo uma pessoa mais ou menos como as outras, é um instrumento de Deus na obra da criação. Sempre pensando, sempre sonhando, sempre fazendo, é o arquiteto e o escultor de realidades e belezas. Vive cores e desenhos, movimenta ondas em eternas perspectivas. O artista é o que faz mais que as outras pessoas são capazes de fazer, vislumbra, vê, enxerga muito mais tanto na razão como na emoção. O artista mais do que o alimentar, é o próprio alimento, a sustança da vida e do viver. Dorme e acorda na intensidade do ser e do não-ser. E que bom!

        Assim, fico encantado com o dom do meu colega, companheiro e amigo Itamaury Teles, jovem e vivaz sempre, que respira com intensidade supremos valores que só usos e costumes muito humanos conseguem oferecer. Jornalista ontem – e põe ontem nisso, porque da década de setenta dos velhos tempos d’O Jornal de Montes Claros e do “Diário” – continua repórter hoje, faminto observador de gentes, de bichos e de coisas, daquele jeito bom que Deus organizou e deixa que as pessoas desorganizem.  Passa o tempo, repete o tempo, vem o dia e vem a noite, e tudo traz mais brilho à inteligência e ao poder de observação de Itamaury. Excelente!

      Estou dizendo tudo isso, para dizer do quanto gostei de NOTURNO PARA O SERTÃO, o segundo livro de crônicas de Itamaury Teles, uma descrição do menino-rapaz de Porteirinha, do estudante caxias de Montes Claros, interiorano do norte e moço de capital. Li e reli – acreditando estar lendo com os mesmos ângulos de visão do autor, já que somos crias de uma mesmíssima situação tanto nas cidades de nascimento como na vida estudantil e jornalística desta terra de Darcy Ribeiro e de Waldyr Senna. Redação de jornal como quase família, escola com jeito de vida, pouco, pouquíssimo dinheiro como incentivo aos estudos, era tudo o que Deus quisesse!

      NOTURNO PARA O SERTÃO é fotografia e pintura do que há de mais legítimo na luminosidade do mineirês que falamos e que nos serve como microscópio e telescópio para observação de tudo que acontece conosco e em torno de nós.  Cada página é ao mesmo tempo palco e auditório, texto e pretexto, luz e sombra do que se apresenta bem temperado na gostosura do viver e do amar a vida. Em NORTURNO PARA O SERTÃO, tristezas são passageiras de última viagem e alegrias são elixir para novas aventuras. Nunca o dinheiro se revestiu de importância alguma, aliás muito ao contrário. Valor real é o da inteligência inocente, da esperteza dosada, da simplicidade como norma. Eterna malícia, malícia doce e jovial, em que o prejuízo não prejudica e o lucro não ensoberbece. Tudo na medida certa, com o adocicado de um dedo de prosa!

       Matinês no Cine Fátima, iniciação de jovens do Banco do Brasil em Brejo das Almas, sábias palavras de Zé Amorim, manhãs de sábados no Café Galo, trens do sertão, ensinamentos de Gabrich, confrarias do Skema, cheiro das velhas linotipos da Doutor Santos e da General Carneiro, urubu voando de gravata, tudo, tudo uma laboriosa e inesquecível musicalidade que só o amor à terra pode edificar e colorir. Itamaury é realmente um magnífico cronista e escreve porque sabe escrever e gosta de escrever. Suas linhas têm o fôlego certo que precisam ter, nem mais, nem menos, aquela cronometragem justa dos atletas que passam de mão em mão a tocha das Olimpíadas. Se a crônica é pequena por ser crônica, o livro é um edifício portentoso do que somos e queremos ser.

      Quem é de Minas, leia este livro como quem saboreia um requeijãozinho fresco esquentado com café de rapadura, ou uma marmelada de São João do Paraíso, minha terra, com um doce de leite cremoso das fazendas de Porteirinha. Quem não teve toda a felicidade de nascer em Minas, veja como é bom aprender essa língua treiteira de Itamaury e conviver com ele na mais linda das sabedorias.

       O garoto vai longe!

 

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KARLA CELENE CAMPOS E “HIBISCOS MOLHADOS”

            Vejo-me, na apresentação de “Hibiscos Molhados”, como um acendedor de madrugadas, um libertador de belezas, um otimizador de primaveras, a um tempo só cronista e poeta, lúcido e em êxtase, muito espiritualmente acordado para dizer que esta é uma hora marcante de dourada e acadêmica alegria. E que bom para mim, porque assim desempenho um papel de introdutor e de testemunha num dos mais destacados momentos, ato de muito agradecer a Deus esta Karla que, desde a infância, sabe desnudar e vestir cores e sons, prismas e músicas, ritmos e tempos, mundos de visões e de sonhos, tudo nem sempre permitidos à normalidade de humanos mortais. Karla antevê e vê deslumbrantes rasgos de vidas, panoramas lúdicos só possíveis a quem, de cima dos horizontes poéticos, vislumbra matizes e sabe muito de ventos e brisas.

              Missionária, predestinada e mágica, é arquiteta e operária de mais do que dizem dicionários e textos. Graduada em Letras pela Unimontes, jornalista pela UNI-BH, pós-graduada em Língua e Literaturas Brasileira e Espanhola pela PUC-Minas, cursos em Salamanca, mestra de muitos magistérios, poeta e cronista vencedora de dezenas de concursos, mereceu, com todo louvor, o destaque 2004 do Salão Nacional Psiu Poético. No dizer de Maria Luíza Silveira Teles, que também viveu infância e adolescência no Brejo das Almas, Karla - quem sabe pelos ares brejeiros tocados por tempestades de inspiração - edifica poemas desde que aprendeu a escrever.

            Inteligente, profética, conspiradora de belezas, é e tem a majestade do imprevisível na tessitura moderna do mundo da comunicação e da expressão linguística. Menina sempre, tem a simplicidade vocabular dos que entendem das coisas. Sabe, como mestra, registrar costumes, repintar entusiasmos, dignificar gestos e jeitos, musicalizar todas as energias que a Criação Divina colocou no mineiríssimo gosto de nossa gente. Karla é uma geminiana mais do que versátil e exerce suas atividades sempre com muito prazer. Faz várias coisas ao mesmo tempo, principalmente quando estas coincidem com a sua filosofia e cultura. Insaciável para saber, de tudo saber, tem na fala e na leitura constantes perguntas. Fascinante no dom da palavra, sua conversa é ágil e estimulante, tanta eloquência que deixa a impressão de domínio completo em muitos campos do conhecimento.

             Intelectual sempre, acomodada nunca! Importantíssimo que Karla tenha tirado da gaveta as páginas que lá envelheciam e ali trancado a própria modéstia, para nada impedir a publicação dos seus livros. Sabe que a vida tem prosseguimentos e que, para ser interessante, nem precisa de históricos acontecimentos, grandes glórias ou tragédias grandes. Basta ser como é, aura pura de amizades e considerações. Mesmo passando depressa demais, a vida é sempre ótima, ponta de partida e ponto de chegada. Melhor ainda quando em cada manhã um poema novo, cada hora como fruta madura ao alcance das mãos. Mais do que tudo, os versos lindos de Karla são sentimentos de amor à vida: Orquestra de insetos do mato “Sou o cio! Agora sou caminho Chegadas e partidas. Sou estrela. Sou abismos, precipícios, sou meio, sou inteira. Sou metade. Sou avesso Sou tarde e Amanheço”.

 

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LABOR CLUBE DE MONTES CLAROS

         Na opinião de Andrés Segóvia, a beleza estética consiste essencialmente em um ato de amor entre o artista e seu meio de criação. E é esse sentimento que se comunica ao público quando nos momentos de contato, este se vê diante de uma obra de arte, seja este um filme, uma peça teatral, uma pintura, ou texto em livro ou na Internet. Um simples flirt ou uma concentração profunda estabelecerá a interação entre os dois, da qual surgirão os mais inusitados ou diferenciados sentimentos. Na maioria das vezes, é aceitar ou não aceitar, absorver ou não absorver, prazer ou felicidade. Em linguagem menos nobre, é pegar ou largar...

Juventude, companheirismo e serviço; notável exercício de cidadania, ideal de servir; ontem e hoje, muitas as lembranças por traz dos altos e baixos dos casarios de Montes Claros. Gratas memórias de Geralda Magela de Sena Almeida e Sousa em que a música da jovialidade coloria um tempo de sadios prazeres, tudo sonhos, tudo interesses no viver e conviver gostosamente. Arquitetura de história e estórias urdidas e bordadas em liderança inesquecível, moças e rapazes até hoje reconhecidos por dotes de inteligência e talento. Belezas deixadas e continuadas pelos cantos e recantos da vida, neste século espalhadas por infinidade de territórios da entidade chamada Brasil, quando dá gosto reviver os tempos do Labor Clube de Montes Claros.

Foi o Labor, ao lado de outros clubes similares – Orbis, Rotary, Lions – que deram força e coragem para o engajamento na construção e transformação de vários segmentos da sociedade montes-clarense, uma passagem linda do individual para o coletivo. Parece-me, a primeira vez, que jovens de lares abastados descobriram que nem todas as famílias faziam feira ou iam aos armazéns, nem todas as crianças dispunham de livros e materiais escolares, nem todos os idosos podiam ir às farmácias. De uma hora para outra, apareceu-lhe um novo mundo de necessidades e carências, que com um pouco de esforça pessoal e coletivo, poderiam ser remediadas. Pela primeira vez, o gesto solidário deixava de ser basicamente religioso, passando para a área institucional de serviços à comunidade. A solidariedade como dever maior, gente conhecendo gente, gente ajudando gente. A responsabilidade passou a ser coletiva com o novo espírito do Labor.

As ricas pesquisas feitas por Geralda Magela De Sena Almeida e Sousa vêm realmente atender o chamamento histórico dos 150 anos de Montes Claros, que não podiam ficar restritos a 2007, mas ter uma sequência natural falada e escrita por todos que viveram ou estudaram a última metade do Século XX. É assim que ocorre um importante resgate de duas décadas, quando foram destaques além da própria Magela, Julinha Lafetá, Rosália Gomes, Fátima Mendes, Branca Dias Neto, Carmem Lúcia Antunes, Marinilza Mourão, Wanda Carvalho, Lídia e Lúcia Teixeira, Josefina Pereira, Felicidade Patrocínio, Mabel Morais, Márcia Melo Franco, Magna Casasanta, Almerinda Tolentino, Iranildes Cardoso, Wilma Sanches, Miriam Veloso Milo, Zulma Ribeiro, Maninha Cardoso, Lúcia e Laíce Arruda, Beatriz Maia, Lúcia Lopes, Beatriz Santos, Elizabeth Brant, Marilda Veloso, Neusa Linda e Verônica de Paula, Regina Malveira. Como não lembrar carinhosamente das presenças de Selda Cabral, Regina Malveira, Márcia Valadares, Ceres Pimenta, Aparecida Costa, Alda Nogueira, Carmem Tupinambá, Dorinha Mendes, Iolanda Fróes Eugênia Brito, Joelita Leão, Laurita Ruas, Maninha Cardoso, Maria Augusta, Evangelina Miranda, Renata Brito, Raquel e Cristina Peres, Renata Brito, Luíza Freire? E por que não registrar também os nomes dos rapazes Giovane Santa Rosa, Paulo de Paula, Ildemar Mendes, Antônio Carlos Amaral?

Mesmo longe das atividades do Labor e do Orbis, porque já casado e no meu tempo de Câmara Municipal, como jornalista sempre acompanhei as atividades dessa moçada importante no tempo de entusiasmo que seguiu o primeiro centenário de Montes Claros. Louvo de alma e coração o trabalho perfeito da professora Geralda Magela, minha ilustre companheira no Instituto Histórico e Geográfico. Sinceros aplausos por sua minuciosa e bem feita pesquisa, pelo registro realmente bem redigido, importante subsídio para os que também vierem estudar e historiar os sucessos montes-clarenses. O livro LABOR CLUBE DE MONTES CLAROS é e será um ícone luminoso de uma época mais do que luminosa.

 Os que vão viver saberão disso!

 

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NA VENDA DE MEU PAI

          Por amor à Literatura e à mineiridade, sempre tive medo de que esta noite nunca acontecesse. Durou muito esta minha preocupação, pois desde que Luiz completou 65 anos (...de idade...) - ao meu jeito – insistia com ele para que esculpisse em livro os matizes de sua inteligência, suas experiências vivenciais, sua visão de mundo e da gente do mundo.  Não sei quantos anos de expectativa, porque ninguém sabe quantos anos Luiz tem, mas sei do tempão que este livro levou para ser dado à luz.

Eu só sabia que nenhum de nós poderia ficar sem um livro seu e que Luiz não tinha o direito de nos privar dessas lições de sabedoria, dessa visão poética do gostosíssimo Norte de Minas.

         Com este lançamento de NA VENDA DE MEU PAI, a cultura brasileira já não é mais a mesma: fica bem mais aquinhoada de lances inteligentes e de muita beleza. E o mais interessante é que – tenho certeza – o doutor Luiz de Paula – como o chama a maioria da humanidade - concorda com tudo que estou dizendo... Desta multidão de gente ilustre que está aqui, sei que – sem dúvida - um compenetrado interiorano, Conselheiro Silo Costa, de Salinas, também está de acordo. Nem é preciso  perguntar a ele...
  
         LUIZ DE PAULA FERREIRA é – desde a meninice e a juventude - um livro de muitas páginas, com encadernação sempre renovada e variação de títulos. Sempre o mesmo Luiz, artista de muitos papéis, encarnando e reencarnando personagens nestes séculos XX e XXI.   Luiz balconista de venda de cachaça e fumo de rolo, Luiz engraxate, Luiz seleiro, Luiz fabricante de bainha de faca e facão, tipógrafo, telegrafista, estudante, estudante a vida inteira. Até hoje!

       Conheci Luiz de Paula perito-contador e já administrador da algodoeira, que mais tarde veio a ser sua. Lembro-me de Luiz viajando de quinze em quinze dias para estudar direito em Niterói. Luiz candidato a vice-prefeito, candidato a deputado federal, sempre mais organizado e metódico que um relógio suíço, sempre sabendo que seria eleito. Expert  em Luiz, desde 1955, quando iniciei no jornalismo, tenho seguido a sua trajetória e registrado os seus sucessos. Por exemplo: presidente em 55, presidente em 96, foi indiscutivelmente o melhor que o Rotary de Montes Claros já teve. Toda a comunidade rotária vibrou com a governadoria de Luiz, quando o distrito 452 era ainda todo o estado de Minas, estradas poeirentas de chão. Luiz tinha duas Chevrolet Amazonas cheias de seresteiros e animadores de auditório. Nivaldo Maciel e Francisco Alencar não me deixem mentir...

        Dentro da importância de toda uma vida, de um detalhe não posso esquecer: do dia em que Isabel deu a Luiz de Paula o primeiro filho e ele Luiz saiu para a rua da com um sorriso de orelha a orelha, dizendo que Luizinho havia nascido. Com a cara mais gozada do mundo, piscando um olho de treita, contava que –juntos - escolheram um nome de parceria, metade do nome do pai e metade do nome da mãe: LU de Luís, IZ de Isabel; LU-IZ. Verdade... Luizinho foi o primeiro prêmio do casamento do solteirão... e não podia passar sem festa e notícia nas ruas...

          Lembro-me - quando do início da Sudene - de Luiz de Paula formando sociedade com outro empresário de sorte, JOSÉ ALENCAR, passaram meses voando e percorrendo estradas para o Nordeste, para apresentar e discutir  projetos da Coteminas. Autênticos sonhadores e realizadores, que jamais poderiam sonhar com tanto sucesso, tão merecido sucesso. Hoje, o grupo Coteminas/Cotenor está entre as dez maiores, mais atualizadas e melhores empresas do mundo, no setor têxtil.

          Luiz, papo agradabilíssimo, político no melhor dos sentidos, negociador, conselheiro, patrocinador de escolas, cantador de coco, contador de causos, ritmista de lundu, pandeirista de caixa-de-fósforos, poeta, compositor, cronista, antigo e moderado bebedor de uma cachacinha gostosa, bom filho, bom irmão, bom marido, bom pai, excelente companheiro, modelo de elegância (João Xavier, seu alfaiate, dizia que Luiz sempre teve, no guarda-roupa, 95 ternos e 54 pares de sapato).

        Iniciei o prefácio da NA VENDA DE MEU PAI, dizendo que Luiz de Paula Ferreira sempre foi um milagre, porque tudo na sua vida deu certo: sonhos e realidade, jeito de ser e de viver, comportamentos, atitudes, hábitos, como numa sábia receita aviada desde os tempos de Roma antiga, quando não bastava ser, era preciso parecer. Luiz é tão feliz que parece até um depositante num anúncio de caderneta de poupança: tranquilo, vivo, vivíssimo, sabido e limpo como um gato, no dizer do saudoso João Valle Maurício.

        Prefaciador de NA VENDA DE MEU PAI, acho que fiz o que pude para espelhar bem a realidade do livro, no meu julgamento, o mais inteligente entre os que retratam a esperteza, a sagacidade e a alegria do viver interiorano desta Minas Gerais, esta Minas com sabor regional de falar quase baiano. Quase nem posso dizer que fui leitor de NA VENDA DO MEU PAI e talvez todos vocês também não o poderão dizer. Na verdade, Luiz não escreveu um livro para ser lido, mas para ser experimentado, sentido, degustado, saboreado, lambido com estalar de língua, bem calmamente numa rede, debaixo de uma mangueira frondosa, fresquinha e carregada, com muito cheiro de fruta madura.

    NA VENDA DE MEU PAI é uma receita de bem viver, doce lembrança, sonhos de amor-menino, dose quase divina de fruída saudade de quem sempre soube e sabe viver. Este livro traz em todas as suas páginas - mesmo nas ditas de ficção - um conteúdo de humanismo dos melhores que a literatura já teve. Elucubrações de um intelectual? Retórica apaixonada para assinalar nobreza ? Aconselhável registro com sentido biográfico? Texto confessional para dourar o passado e vender o futuro? Marketing ou exemplo de vida? Tenho em mim que nem tanto ou... concretamente que sim, pois NA VENDA DE MEU PAI é tudo isso e muito mais: é um hino de louvor à vida simples das gentes de Várzea da Palma e de Montes Claros, na primeira metade do século. É a radiografia colorida e positiva dos mais encantadores sentimentos do menino e do rapaz quase prodígio, mestre-doutor do visível e invisível da vida.

      NA VENDA DE MEU PAI, de Luiz de Paula,  não é o primeiro, nem será o último livro sobre pessoas e paisagem de nossa região. Muitos outros escritores se esforçaram com o mesmo propósito: Desembargador Veloso, Urbino Viana, Milton e Newton Prates, Cyro dos Anjos, Ari Oliveira, Darcy Ribeiro, Nelson Vianna, Olyntho e Yvonne Silveira, Cândido Canela, Hermes de Paula, Milene e João Valle Maurício, Manoel Hygino, Simeão Ribeiro, Amelina Chaves, Dário Cotrim, Haroldo Lívio, muitos e muitos outros, inclusive este quase modesto apresentador. Sem precisar transferir a pergunta para os universitários como no programa da TV... falo diretamente a cada um de vocês: o que é mesmo difere um poeta de outra  pessoa que não faz poesia? Qual a diferença entre um artista e outra pessoa que não produz arte? 

          O modo de ser, o jeitão, é claro. A capacidade de sonhar, a visão romântica, o real e o irreal na forma de reparar nas pessoas, o sentir espiritualmente a vida e os acontecimentos, o ir e o vir, o ensinar sem querer ensinar, o aprender sem saber que está aprendendo... Melhor: o artista é aquele que vendo, traduzindo ou registrando com letras, traços, tintas e sons, ou com o cinzel da escultura, materializa tudo que os contemporâneos gostariam de materializar, de resumir como sentido de cultura. Praxíteles, Michelangelo, Leonardo, Camões, Cervantes, o Aleijadinho, Niemeyer - para citar apenas a cabeceira -  todos foram intérpretes das ideias, dos sonhos  e das realizações de cada época.

        Quero terminar dizendo que Luiz de Paula Ferreira conseguiu com seu livro NA VENDA DE MEU PAI uma síntese com tessitura de ouro, grande feito de nosso tempo: retratou, pintou, esculpiu e narrou feitos  da maior pureza e do melhor tempero. Alguma coisa do muito de mistério e de maravilha que Deus permitiu e deixou a cargo desse povinho sabido de Várzea e dos Montes Claros. Luiz é um exagero! Em tudo isso, a nós outros só nos resta dizer amém e aplaudir. E pedir as graças divinas para conservar o Luiz, o doutor Luiz. Principalmente para escrever outros livros... ser o que é e fazer o que faz.

 

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MONTE AZUL DE MARIA DA GLÓRIA

  Depois do amor e da fome, prevalecem nas boas cabeças e nos justos corações - mais do que tudo - a vontade estética e o interesse de ser imortal. É o ideal do artista, como pessoa e como construtor do mundo e das existências do mundo. Proust, o autor de La recherche du temps perdu, saudosista de costumes e pragmático em acontecências, ressaltou que não haverá - na arte ou em qualquer outro setor intelectual - realidade mais profunda que aquela onde personalidades procuram encontrar expressões e ações da vida. Nada mais exato, porque a função da arte é principalmente a de descobrir verdades e reconstituir valores da consciência coletiva. Assim, querida amiga, “Monte Azul, Retrato e Relatos do Tremedal”, seu primeiro livro sobre a cidade do seu amor, chega no tempo certo e rodeado de belezas nas lembranças e nas ideias, mesmo não contando com os modernos recursos da fotografia digital.

        É um encantador celeiro de informações sobre coisas, lugares e pessoas. Um maravilhoso conjunto de ilustrações de um compreensível carinho por tudo que a história de Monte Azul registra em tempo de antanho e em tempos modernos, muitos deles da minha geração, pois tendo chegado à sua região em 1945 - melhor dizendo a Mato Verde - assisti a todas as mudanças políticas, à inauguração da estrada de ferro, à consolidação dos hábitos de cultura, e principalmente ao incremento da leitura de livros pelos jovens. Lembro-me dos longos e bem feitos discursos do Cel. Levy, da valentia de Arabel, das campanhas políticas de Sinhô Teles, da elogiada elegância de Lamartine. Continua tudo muito vivo em minha memória.

         É importante também saber que entre Mato Verde e Monte Azul, dois meses depois das chuvas, estão os cenários mais bonitos do mundo, formados pelo contrastado colorido das serras azul-cinzas e das árvores e lavouras verde-vermelho-amarelas. Podem – sem qualquer dúvida – competir com montanhas e lagos próximos a San Francisco, Estados Unidos; gramados de Montreal, Canadá; e a relevos do Rio de Janeiro e planícies do Pantanal de Corumbá. Você, Maria da Glória, é uma pesquisadora com elevada capacidade de registrar fatos, levantar tendências e reconstruir caracteres, tudo muito importante para a valorização histórica das gentes e dos costumes. Sem desfalecimento, você abriu baús, leu alfarrábios, colecionou retratos, ouviu histórias e causos, trabalho de quem sabe de responsabilidades e de valores cívicos, únicos caminhos para construção da verdadeira cultura. Parabéns, querida aluna do curso de Letras da nossa montes-clarense FAFIL, tempo romântico do maior amor às artes, fruto do ouro de privilegiadas inteligências.

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MOMENTOS DE LUIZ DE PAULA

    MOMENTOS, de Luiz de Paula, é amor e flor da natureza. Em Várzea da Palma, nas beiras do Guaicuí, em Montes Claros, ou em qualquer parte do mundo. Um livro realmente bom, mesmo que em leitura ligeira. Prosa e poesia de verdade, na seca ou nas chuvas. Tem quer ser, porque o autor foi batizado duas vezes, uma pelo ferreiro Bertolino, outra pelo padre da desobriga, e, por isso, virou poeta. MOMENTOS é livro desafio, trabalho em espanto de vida, aceitação de mistério. Suas páginas foram escritas em áureo e doce dealbar de músicas e de sonhos. Tudo plural: douradas iluminuras nas capas e, no interior, coloridos entre o branco e o preto, tudo bem serenado em universo de ideias. Um luxo!

     Como disse o próprio autor, textos e pretextos de MOMENTOS nasceram como brotos das chuvas de São Miguel, multifacetada confissão entre o sacro e profano. Todo broto de vegetação foi visto em lupa de saudades. Visíveis encanto e filosofia, memória poética e pinceladas de vida. Tudo pintura com acenos de ser em tudo fiel às origens.  Escrivão de sonhos, menestrel de doces lembranças, Luiz é compositor de ritmos, sem direito a esquecimento. Que tenham registros os currais de gado, os caminhos entre veredas, os bois de cem oitavas, a arte de navegar e fazer telhas, Imortalizem-se os bandeirantes, os vaqueiros, as partes da cozinheira ladina... Imortalizem-se a grandeza das pequenas coisas e os mínimos pedaços de espaço-tempo.

        Que bom e agradável foi ler MOMENTOS! Que bom foi  conhecer Dona Biló, assadeira de roscas, Neco Meireles, oficial abridor de cisternas, a parteira Siá Clara! Todo respeito para a professora Júlia, sessentona, de régua e tabuada, todo respeito para a rezadeira Regina, sacerdotisa de benzeduras para cura de um tudo, palavras e gestos seus como que tirando doença com a mão. Carinhoso desfilar de antigas profissões, com toda a certeza de que o tempo não atravessa duas vezes o mesmo rio.

       MOMENTOS é o registro fiel de um maravilhoso tempo de pura ternura, trato vivencial de gente parceira de Deus. Só podia ser escrito por Luiz de Paula Ferreira, autor de Montes Claros Vovó Centenária, garimpador do ouro mais puro. Declaro-me feliz, muito feliz, e sinto-me identificado com o Vale do São Francisco, por estar manuscritando estas mal traçadas linhas numa mesinha da Estação das Docas, Belém do Pará, de onde contemplo as infindáveis águas da Amazônia e sinto uma imensa saudade das planícies e dos claros montes do Norte de Minas.

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Montes Claros retratos poéticos

        Recebi, feliz e encantado, o convite das minhas amigas Ângela Martins Ferreira e Karla Celene Campos para este prefácio de MONTES CLAROS – RETRATOS POÉTICOS. Louvados sejam versos e imagens, abençoadas as ideias de união foto-poesia, mil louvores a esta cidade da arte e da cultura. Agora sim, o canto é colorido, cores e formas se enriquecem em escultura viva, o espaço-tempo é mais do que poético. Merecido amor!

         Representação do real, elemento afetivo em Maurois, a arte ganha novo prisma com Malraux: não é nem representação nem enquadramento, pois nasce da fascinação, do inapreensível e até da não-cópia das formas do mundo. A arte é, acima de tudo, uma necessidade de criação, muitos de nós, graças a Deus, a ela sujeitos. Frementes de utopias, só nos sentimos completos com a encenação romântica de nossos sonhos. Alimentamo-nos sempre do contemplativo, seja gratificando nossos sentidos, seja musicalizando infinitudes, comportamentos que só a alma pode entender: eterna busca, catarse.

         Ângela Martins é mestra do encontrar perspectivas, do olhar, do ver e do sentir. Sabe, como ninguém, eternizar essências e vivências e fixar a viagem da luz por multifacetados movimentos na realidade e na arte. Sua câmera é ou parece ser, em tempo integral, inteligência e emoção, instrumentos de otimismo e fé, seja nas pessoas, seja nas coisas. Cada clique seu é fenômeno de belezas, movimento, registro e impressão de nuances que despertam gosto e cheiro de eternidades. Ângela, ao mesmo tempo fotógrafa e pintora, sabe usar o talento que Deus lhe deu com o máximo de engenho e arte. Por seu trabalho, Montes Claros e nossa região, assim como presente e futuro, muito terão que agradecer. Suas fotos constituem e constituirão o mais legítimo e romântico marcar de lugares e coisas ligados ao nosso coração. Elas farão parte da nossa pertença, da nossa intimidade com a terra e a vida norte-mineiras. Com elas será eterno o amarelo sertanejo do nosso pequi, serão eternas as multicores das fitas das festas de agosto, perfume inconfundível de bem temperada memória.

         Karla Celene, especialista no ensino de português e espanhol, doutora na tecelagem de sonhos, representa o que temos de mais legítimo em poesia e prosa sempre equilíbrio e coesão nos textos. Seus escritos marcam e demarcam momentos de tessitura perfeita, forma e fundo em respeitoso convívio com a gramática e a música dos significados. Cada verso de Karla é como uma flor que desabrocha, brisa que conforta, um café quentinho que nos desperta para o viver completo. Seiva e fruto, laço de triunfo, finitude de lição bem ritmada, olhar que louva e registra. Os versos de Karla em MONTES CLAROS – RETRATO POÉTICO são respiradouros para a imensidão do mundo, ciranda com sina de multiplicar existências, água corrente para lavar as pressas da vida e do amor. Contidos, precisos, sonoramente vivos, sugerem perspectivas de sons e de cores, em multidão de acalantos. "Louvado seja o olhar que da janela espreita", porque bem-aventurados o fruto do ventre e os frutos da terra. "Água corrente é feito a vida da gente. Água lava, água leva".

         Temos que dar graças a Deus por estas duas meninas existirem. Uma dádiva à nossa terra, ao nosso povo, a corações e inteligências dos vívidos montes claros. Espaços, perspectivas, formas, cores, tudo muito lindo, tudo legendado por versos de pura poesia, um reconhecimento de majestade e beleza transcendentes. Louvável mescla de riqueza e talento, manifestação espiritual de quem sabe o valor do otimismo, destino e vida para elas mesmas e para todos que sabem e querem amar.

MONTES CLAROS – RETRATOS POÉTICOS chega num importante momento da nossa história, quando o sesquicentenário marca presença com um lindo halo de entusiasmo, em luminosidade nunca antes vivida e sentida. É uma realização gráfica do maior capricho, para contemplação e leitura em momentos de calma, como se estivéssemos em verdejante vale, divinamente batizado por águas de purificação.

        

Parabéns, garotas; parabéns, Ângela e Karla.  Montes Claros e o Norte de Minas, conscientes e protocolares, muito lhes agradecem.

 

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MOZART DAVID

         Agora que você terminou de ler este livro, é bom lembrar que a lei do amor é a essência da vida, de tudo que a vida tem, de tudo que a vida faz e nos permite fazer. A lei do amor é o caminhar, o escolher um horizonte, o definir a própria existência. Cada criatura se direciona pelo amor que elege: o que pondera, o que investiga, o que analisa, o que pensa, o que eleva. Há um amor que busca momentos, um amor maior que sonha a esperança e um que auxilia a construção do mundo. Dimensionar o amor é o que constitui a verdadeira sabedoria.

 De muitas fogueiras de amor viveu Mozart David, homem de família, intelectual, administrador, amado-amante da baianidade de Jacaraci. Em cada gesto seu a oportunidade de ser feliz e fazer a felicidade dos que o rodearam: em casa, na Prefeitura, nos encontros políticos, nas acontecimentos religiosos. Amor – sempre incessante e renovado - com dimensão dos melhores exemplos do ser e do viver. Um homem simples que se fazia grandioso quando tinha que dar exemplos de grandeza. Sempre equilibrado!

         Por todos os bons sentimentos de Mozart David, esta biografia traçada por Zoraide Guerra David constitui mais que um dever histórico. São reproduções ou descrições de tempos de pureza política, patriotismo não mais existente, uma cidadania não mais da mesma forma exercida. DOCUMENTÁRIO MOZART DAVID, UMA VIDA A SERVIÇO DE JACARACI é da primeira à última página, um documentário vivo e vibrante, interessantíssimo, marca do trabalho e da honestidade, ele um zelador do meio ambiente físico e espiritual. Mozart espraiou em torno de si o amor universal de espírito superior, corporificando e cumprindo missões possíveis e impossíveis. Vitória do bom senso, discernimento e responsabilidade!

          Importante destacar o papel exercido pelos familiares de Mozart David, muito importante, porque sempre consubstanciado no amor e no respeito, dedicação sem limite. Bons leitores, estudiosos, interessados, nunca faltaram ao seu líder com o apoio e o aplauso. E até não poderia ser de outro modo, porque Mozart David tornou-se um administrador e um político de dimensão regional e estadual, grande orador que era, opinião abalizada que sempre teve.

          Que este livro da historiadora Zoraide Guerra David sirva de exemplo a esta geração e às novas gerações de Jacaraci, da Bahia e do Brasil!

 

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O LAÇO HÚNGARO

Muito bem disse Elisée Réclus que a história é a geografia no tempo e a geografia é a história no espaço. Muito seriamente poetou Carlos Drummond de Andrade dizendo que, no limite da coragem, no vão entre céu e terra, os anjos luminescentes zombam da morte e da guerra. Tudo muito! Tudo muito também n’O LAÇO HÚNGARO, de Dário Teixeira Cotrim, historiador e geógrafo que trabalha nos limites do tudo e nas dimensões do sempre. Cotrim é um preciosista do arrebanhar e compulsar documentos, sério apaixonado por velharias que marcam vidas e paixões, sinais da geografia-tempo e do espaço-história.

 Tudo perfeito num livro que tem como figura central Luiz Carlos Prestes, ao lado de importantes militares como Juarez Távora, Cordeiro de Farias, Miguel Costa, Siqueira Campos, Emídio Miranda. De importantes nomes da estratégia e de aventuras como Correia Leal, Soares Dutra, Ari Salgado, Alberto Lins de Barros. Tudo perfeito como prova de resistência e coragem de matutos baianos e mineiros, entre muitos o famoso Horácio de Matos.

 Difícil entender nos dias atuais a astúcia e a mobilidade de um grupo revolucionário que sai do Rio Grande do Sul, vai ao Nordeste, volta por duas vezes aos territórios Bahia-Minas, ora legivelmente visíveis, ora imaginariamente ocultos, sempre e sempre temidos. O destino era estragar o pouco prestígio que ainda tinha o governo. O objetivo era pregar uma nova era, novo espaço de direito e liberdade, onde e quando todos pudessem participar com ideias e ideais. Mais difícil ainda é compreender a resistência e a esperteza dos nossos interioranos coronéis e seus comandados, jamais deixando barato qualquer avanço a cidades ou a povoados. Luta sofrida e com poucos recursos e muito de destemor, principalmente pela pobreza das comunicações, apenas o telegrama e o próprio, portador de recados.

 Para mim, a leitura d’O LAÇO HÚNGARO foi um reviver das melhores lembranças da minha fase de menino de São João do Paraíso, com passagens por Salinas, Mato Verde e Taiobeiras, lugares em que a história e as estórias dos revoltosos vivem lúcidas e ainda fulgurantes com o silêncio dos esconderijos e o barulho das carabinas. Ouvi muitas vezes do meu avô João Morais, de minha mãe e de Silvina relatos de momentos interessantíssimos: fugas apressadas a cavalo, em carros de bois, a pé. Famílias inteiras levando crianças e novilhas, sanfonas e violões; famílias inteiras levando gordos capados e luzidias galinhas, tudo bem vivinho ou já em panelas e latas de deliciosas farofas. Medo de morrer?  Até que medo havia, mas o mais importante era viajar para a aventura nos escondidos das serras, nas gostosas beiras dos rios, estar em meio de verdejantes e sonhadas baixadas. Para baianos de toda a Bahia e mineiros daqui do Norte, o bom mesmo é o carpe diem, melhor dizendo o aproveitar cada dia de vida. De vida boa, é claro!

Adorei o livro do amigo e companheiro Dário Cotrim e espero que todos os leitores adorem também. É descrição, narração e dissertação; é fotografia, desenho e pintura. O LAÇO HÚNGARO é deliciosa viagem em grande parte dos vinte e seis mil quilômetros e idas e vindas, início na beira do Uruguai e final nos coração da Bolívia, passagens obrigatórias por São Romão e Grão Mogol, ousadas travessias no São Francisco e no Rio Pardo. Melhor mesmo só se estivéssemos na estada de Prestes por Taiobeiras, quando ele e o comerciante João Rego, sentados na porta da loja, prosearam muitas e tantas vezes, falando e imaginando como seria o futuro Brasil.

 Parabéns, historiador Dário Teixeira Cotrim. Os revolucionários que passaram pelo seu e nosso sertão, há oitenta anos, muito lhe agradecem. E nós outros, seus felizes leitores, também o fazemos. Bem haja!

 

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JOÃO CHAVES

         No antes, no durante e no depois sempre um feliz encanto tem marcado a vida de João Chaves. Isso é coisa que o leitor, que acaba de acompanhar todos os capítulos do livro de Amelina Chaves, não precisa de muito esforço para verificar. Basta um pouco de visão panorâmica e raciocínio comparativo para valores humanos – pessoais ou de família - importantes no tempo e na vida. Assim, vejamos, leitor/leitora, se estou ou não com a lógica, se tenho ou não tenho razão. Voltemos, pois, a nossa análise para todas as páginas deste livro e decifremos os Chaves e a chave do sucesso do biografado João Chaves.

          A primeira visão, o primeiro foco tinha que estar realmente no Cônego Chaves, ser fecundante em ideias e ações, em amor à fé e à vida, multiplicador de encargos na qualidade e na quantidade da quase iniciante população da Vila de Formigas. Ótimo exemplo de quem deseja um mundo maior e melhor. Do ontem ao hoje, toda uma riqueza de filhos e filhos dos filhos, em quatro gerações, cada um dando conta do seu recado na mecânica da criação. Mais seres e saberes, nas belezas da vida e da arte.

          Bom e importante que no centro do tempo esteja João Chaves, nosso maior e mais conhecido autor e ator de serestas, com função encantatória de elevar poderes de amor ao Céu e à Terra. Nas manhãs, sublimidade nos cantos de fé; nas tardes e noites, ternura em canções de amizade e amor. Sempre arte, sempre emoção, compromissos com a lua, seja em estreitas ruas e pequenas praças: sedutoras por natureza; seja em frias campas:  sentido mais nítido da verdadeira saudade.

          A importância de João Chaves não esteve somente na proficiência jurídica, em que foi mestre reconhecido e seguido. Muito devemos a ele pela antecipação de teorias e aplicações da Qualidade e da Inteligência Emocional, pois que tudo que realizou teve a marca de zelo profissional e paixão humanamente sorvida: um luxo só! Zelo nas letras, zelo nas músicas, vaidade na divulgação de umas e de outras. Um homem de marketing  a aproveitar todo o tempo, disposição sem limites. Bem vestido, gravata borboleta como diferencial, era árbitro da elegância sempre com ternos bem talhados, sapatos de pelica, colarinhos e punhos magnificamente engomados. Palmas para Dona Mercês, senhora e escrava de tudo.

          Não é favor – e não é mesmo -  colocar João Chaves entre os melhores e mais eficientes construtores da cultura de Montes Claros. “Amo-te muito” e “O Bardo”, pontos altos da seresta, têm dimensões importantes no cenário nacional, principalmente para os mais entendidos.  Não se tem notícia de qualquer ideia em contrário. Poucas músicas, no Brasil, receberam tão entusiásticos elogios. Em qualquer tempo!

      

Parabéns, Amelina Chaves, amiga e companheira, pelo muito que você tem resgatado dos saberes e dos costumes de nosso povo e de nossa região, principalmente desta Montes Claros, cidade da arte e da cultura. Com este livro – JOÃO CHAVES, ETERNA LEMBRANÇA -  todos nós ficamos mais bem informados e mais convencidos no papel de destinatários e produtores da história local.  Continue produzindo, continue embelezando a poesia das vidas edificantes. As gerações vindouras, por certo, muito lhe vão agradecer.

 

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IVAN DE SOUZA GUEDES, ESTE GRANDE BRASILEIRO

          Louvemos as pessoas, em primeiro lugar, pelas obras com que beneficiam o tempo e o espaço e que beneficiam cada movimento do bom viver e da boa convivência. Consideremos, sobretudo, seus atos de fé, seus gestos de gentileza, sua atuação perante a família e os amigos. Consideremos, com o melhor da nossa consciência, os que vivem sempre para o progresso dentro e fora do trabalho. Benditos os que permitem a esperança, os que têm palavras de estímulo, os que são e que estão no caminho do bem e do socorro ao próximo.

       Bem-aventurados os que, mesmo nos gestos simples de cada dia, se tornam benfeitores, que têm a felicidade não como estação de chegada, mas como um modo de se movimentar para o futuro. Para estes, não existem cargas mais leves, mas sim ombros fortes e apropriados à tarefa de cada dia; não há ponto final no amor, porque o amor é vida e a felicidade é o melhor jeito de ser e de viver.
 
       Mesmo conhecendo com minúcias a vida do amigo e do meu mais considerado colega de escola, surpreendo-me com “IVAN DE SOUZA GUEDES, este grande brasileiro”, livro fruto das pesquisas e da lavra literária da historiadora Zoraide Guerra David, lente e foco ao mesmo tempo de uma vida cheia de grandeza, sincero retrato de corpo inteiro para o agora e para o sempre: Ivan e família – fundamento sólido; Ivan e Montes Claros, terra dadivosa; Ivan , o empresário; Ivan e a expansão da Minas Brasil; Ivan e sua inter-relação humana e comunitária; Ivan nas comemorações especiais e nas homenagens que tem recebido; Ivan, uma referência e o reconhecimento público. Tudo de vida e ação, tudo de fé e esforço, tudo certeza no valor do trabalho, e acima de tudo, uma confiante esperança de quem sabe o que quer e a que veio. O importante não é passar pela existência, é viver!

        Minha confreira Zoraide foi bastante feliz em todos os registros da biografia de Ivan, o filho do alfaiate baiano e intelectual Nino de Souza Guedes e de D. Maria do Carmo, bocaiuvense da melhor estirpe, excelente mãe de família e educadora; Ivan, o marido da doutora Mercês Paixão Guedes e pai dos jovens administradores Leonardo, Lyntton José, Luciano Frederico e Leandro Ivan, tudo gente do melhor que a vida de trabalho pode oferecer, uma verdadeira equipe. Em realidade, uma biografia fértil e bem apropriada diante da riqueza de informações bastante conhecidas, sempre presenciadas por amigos e clientes desde a antiga Farmácia São José, de Juca de Chichico, onde Ivan vendia remédios durante o dia e aplicava injeções durante a noite, parte por ser balconista, parte para ganhar mais uns trocados para ajudar a família e para pagar os estudos no Colégio Diocesano e no Instituto Norte Mineiro de Educação, escolas em que fizemos o segundo grau e concluímos o curso de Contabilidade. Sempre de pé, sempre olhos nos olhos, sempre se movimentando, Ivan nunca se negou a ouvir um cliente em necessidade de um conselho ou do aviamento de uma receita médica. Atendimento nota dez, o selo do sucesso!

         Como deixou claro Alberto Einstein em alguns escritos, “Não podemos viver felizes, se não formos justos, sensatos e bons; e não podemos ser justos, sensatos e bons sem sermos felizes”. “Evidentemente, nós existimos em primeiro lugar para as pessoas queridas, de cujo bem-estar depende a sua felicidade e a nossa; depois para todos os seres, nossos semelhantes, que não conhecemos pessoalmente, aos quais, entretanto, estamos ligados pelos laços da simpatia e fraternidade humana.” Se o amor não é eterno, eterna tem que ser a capacidade de amar. Para Cora Coralina, “Todos estamos matriculados na escola da vida, onde o mestre é o tempo”, pois como bem disse Benjamim Franklin "A melhor coisa que você pode dar ao inimigo, é o seu perdão; ao adversário, sua tolerância; ao amigo, sua atenção; aos filhos, bons exemplos; ao pai, sua consideração; à mãe, comportamento que a faça sentir orgulhosa; a todas as pessoas, caridade; a você próprio, respeito."

      Inteligente, empreendedoramente fértil, determinado, consciente no ser e no agir, Ivan nunca teve um dia sem proveito de aprendizagem e da realização do bem. Sempre ao lado de Mercês e, ultimamente, dos filhos, cresceu e multiplicou ao mesmo tempo em que Montes Claros progrediu em tamanho e em qualidade. Das pequenas drogarias das ruas D. Pedro II e Camilo Prates, fincou pé na Doutor Santos com Padre Augusto e, hoje, lidera o comércio farmacêutico no centro e praticamente em quase todos os bairros da cidade, cada ponto comercial com mais recursos e mais modernidade. Viajante internacional bom observador, soube, juntamente com Mercês, e mais tarde com os filhos, fazer todas as adaptações que o seu comércio permitia e o conforto da clientela podia exigir. O último feito foi a instalação de uma luxuosa perfumaria, que nada deve à praticidade e à beleza das encontradas nos modernos shoppings e nas lojas dute free dos melhores aeroportos do mundo. Progredir é qualificar-se para o presente e para o futuro.

         Bonita, admirável, material e espiritualmente encantadora a vida de Ivan, meu companheiro, meu amigo próximo em quase sessenta anos, seja na escola, seja na vida. Bem sei das quantas dificuldades teve que superar, do quanto teve que se esforçar, do quanto teve que aprender ao longo da vida. Agora, que Zoraide Guerra David grava em letras e imagens este portentoso registro, muito mais justiça será feita por quem o conhece no dia-a-dia ou por quem tiver notícia deste livro “IVAN DE SOUZA GUEDES, ESTE GRANDE BRASILEIRO”.

      Ivan e sua família têm todos os merecimentos. E que Deus os conserve sempre e sempre!

 

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HISTÓRIA PRIMITIVA DE MONTES CLAROS

E aqueles que por obras valerosas
Se vão da lei da Morte libertando...
(Camões – Canto I, Est. 2)

         É o sonho de manter viva a memória que nos obriga a conservar e a desenvolver facetas individuais e sociais, que em primeira e última análise se delineiam em história. O saber ouvir se transforma no saber ler e, alfabetizado, o homem se impõe como quase dono da eternidade. Lendo, somos contemporâneos de Abrahão, de Isac e de Jacó. Lendo, vivemos e convivemos com Sócrates, Vergílio, Dante, Machado de Assis. Daí, a importância fundamental da leitura, da pesquisa documental, da moderna busca na Internet, tudo um batear de passado formador do presente-futuro. A curiosidade aqui não mata o gato, revive-o, reinventa-o em clonagem de saudades. E que bom!

             É com o prazer sempre renovado que leio Dário Teixeira Cotrim nesta primitiva história de Montes Claros, iluminada com sóis calientes e luares seresteiros dos dias e noites vividos entre os anos de 1674 a 1857, exatamente antes de tudo que foi fixado pelo texto de Hermes de Paula, até agora o mais sério interessado da parte moderna de nossa história, nossas gentes e costumes. Leio Cotrim com olhos de admiração e profundo sentimento de respeito, vivendo e valorizando o seu gênio minerador validado pelos muitos documentos que ele apensa a essa sua primeira história de Montes Claros. Leitura e catarse, porque dela gratificação e alívio intelectuais e espirituais há muito almejados. Deo gratias!

          Sempre agradável percorrer as trilhas do morgado Antônio Guedes de Brito, do mestre de campo Mathias Cardoso, do criador de gado e alferes José Lopes de Carvalho. Importante o saber sobre façanhas de Fernão Dias com todos os sonhos de descobrir esmeraldas e duríssima disciplina no dominar índios e companheiros de jornada, a ponto de enforcar o próprio filho em terras da vizinha Juramento. Valiosa a confirmação da morte do bandeirante na barra do Rio das Velhas, no Guaicuí, quem sabe até sepultado na igreja de pedra que serviu de podium para inflamado discurso do tribuno Simeão Ribeiro Pires. É doce saber que foi aqui, na Praça da Matriz, o polo irradiador de tudo que somos e queremos ser.

              “... o sertão não tem janelas, nem portas. E a regra é assim:  ou o senhor bendito governa o sertão ou o sertão maldito vos governa...”
     Guimarães Rosa

          Marca importante do “Grande Sertão Veredas”, no dizer de Guimarães; “Coração Robusto do Sertão Mineiro”, na oratória de Francisco Sá, Montes Claros lhe agradece, Dário Teixeira Cotrim, por tudo que você informa, por tudo que você indaga, por todos os fios dessa gostosa tessitura de bens históricos a nós oferecida. Em linguagem descontraída, os jovens poderão dizer que você é demais... No dizer de nossa experiência e testemunho, um justo e oportuno desejo: tenha longa vida, Cotrim, para escrever muito, escrever sempre, escrever apaixonadamente como só um baiano de Guanambi sabe fazer!

 

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“Aconteceu...”, de Corbiniano R. Aquino

        A narrativa do mundo total chamamos epopeia e damos um tom elevado. Á narrativa do mundo particular num tom particular e feita a um leitor particular, chama-se romance. É o que diz Wolfgang Kayser que ainda explica estar a forma romanceada desde sempre buscando descrever áreas mais precisas num mundo de ficção, de alguma forma mais próximo do narrador e em área contida mais pela experiência do que pelo sonho, experiência de leituras, do meio social ou profissional, por viagens, pelo resumo configurativo de personagens formadas em nosso campo de interesse. Uma coisa é certa: o romance busca fertilmente o papel do acaso. Ele nos surpreende na tentativa de poetizar o mundo, miscigenando realidade e verossimilhança com o máximo de fantasia, livre, solto, o autor não fica na obrigação de passar certificados de garantia. O mundo é seu, e desde que coerente, faz dele tudo segundo sua vontade. O que não pode é fugir ao dever da onisciência, há sempre de saber tudo!

         Fora do gênero e do sentido da balada, da novela, do idílio, o romance é antes de tudo uma narrativa de evento, personagem e espaço. Se um desses elementos se torna portador de maior ênfase, ressalta daí um gênero. Assim, o romance de ação, o romance de personagem e o romance de espaço. “O historiador da literatura” – afirma Kayser – “poderá confirmar esta divisão tirada da essência das coisas”. O mais fácil de entender é o romance de ação ou de acontecimentos. Como o acontecimento arranja princípio, meio e fim, toda a realização deste gênero apresenta arredondamento que não é fácil de ser alcançado pelos outros gêneros. É quando o autor, poetizando o mundo, aparecendo-se ou não com o próprio eu, vê-se como portador de acontecimentos e sensações, confidente de ódios e amores, de ambições e desprendimentos, de covardias e heroísmos, e criador de todos os tipos próprios do dinamismo da vida: o criminoso, o ladrão, o santo, o aventureiro, o mistério, o amado, o amante e o desamado. Tudo fruto de uma inteireza plasmada pelo tempo e pelo espaço.

          Foi com o objetivo consciente de plasmar a universalidade do romance num pedaço geográfico que fica muito longe de nossa coletiva e sertaneja experiência, que Corby Aquino escreveu este segundo livro rural/urbano, contido numa paisagem que, embora misteriosa, é bem conhecida. “Aconteceu...” mais do que narrativa de mistérios e buscas policiais, é uma perfeita descrição do nosso tipo humano convencional, ao mesmo tempo arcaico e modernizado, vinculado às práticas da vida na roça e na pequena cidade meio industrializada, sempre envolto voluntária e involuntariamente num misticismo de laços religiosos e familiares, uma espécie de grande casa-grande norte-mineira, com nobreza e vassalagem. O tradicional sofre as mudanças naturais do progresso, sempre a trazer mais problemas que soluções muito embora ainda não consiga desfazer imbricados traços de convivência rural.

        “Aconteceu...” traz no bojo os perfumes da vida na roça, o cheiro da sala de jantar e da cozinha de casa de fazenda, bons beijus quentinhos, bolinhos fritos, biscoitos escaldados, leite fresco, café torrado em fogão-de-lenha e moído em pilão de jatobá, mel de abelha, feito por abelha, tigelas de farofa, galinhas e leitões assados servidos em travessas grandes. Tem também a escuridão das noites sem luz elétrica e sem lua e a umidade das veredas e das beiras de córregos e pântanos, marcas de virgindade que já se transforma em saudade. É a fixação de costumes coloridos de vida, de vozes e atitudes, de humanas qualidades e defeitos que os poucos anos do futuro cuidarão de transformar em passado extinto.

          Corby Aquino consegue em “Aconteceu...” criar, descrever e movimentar interessante galeria de personagens, percorrendo um mosaico vivido, compósito, excêntrico, um corte longitudinal numa sociedade que oferece cores um tanto já perdidas na vida real. A empregada doméstica ainda tem prestígio de dona de casa e é colocada como convergência de todas as preocupações e todos os zelos, fonte e destino de sentimentos que ainda sobrevivem para enobrecer o nosso coração. Padre, sanfoneiro, capataz, lavadeiras, moças e rapazes, velhos e meninos, o sacristão e o vaqueiro, o jagunço e a rapariga, todos se juntam para construir um ambiente rural em contraste com o outro urbano de médico, delegado, detetives, gerentes e peritos, de modo a tirar-lhe os mistérios e o preguiçoso conforto.

        Seu Zezito e Maria de Jesus são figuras que permanecerão por muito tempo na memória do leitor. Joãozinho Lagartixa, Manelão e Manezim, José de Jesus, Lena, Zeno, Dália e Mariquinha, Padre Toledo, Vilars e Rosita, assim como Joaninha, todos são personagens bem tecidas e bem pintadas com linhas e tintas da mesma resistência com que o sertão marcou o intelecto e o sentimento do autor.

         O livro é bom, é doce e gostoso. Tem cheiro inesquecível de nossas velhas fazendas, do nosso mato, do pequi amarelinho, da goiaba madura, da cajazeira e do umbuzeiro do sertão. Há nele um forte sentimento de humanismo e de solidariedade, gente com jeito de gente.

         Vale e ainda vale muito, leitor, experimentar o sabor deste novo Corby!

 

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A menina Celeste, de Divina Tanure França

            Uma alegria imensa e um conforto espiritual bem gratificante chegam-me com a leitura do seu ideário espiritual-cristão, humanisticamente doce e envolvente, ditado em força e poder nas palavras da menina Celeste. Página a página, o bem é esquematizado como espelho de vivências civilizadas e dirigidas à eternidade, tudo sinônimos de procedimentos no hoje para reflexos positivos no amanhã. Glória ao texto de interessante visão em que a criatura de Deus - o ser humano - vê-se na Terra em constante aprendizado pessoal e social. Excelente o exemplificar dos passos evolutivos nas ações diárias e nos degraus luminosos em direção ao Criador.

          O molde terreno – santificado pelo sopro divino – somente com a bondade do amor pode realizar momentos de fé e certeza, plasmando exemplos santificantes e firmando roteiros para significativas vitórias espirituais. A menina Celeste - não sei se mais da Terra ou mais do Céu - é personagem de plenitude e vibração, sensibilidade que planeja e ilumina, que sente e ensina, ensina e aprende, ama e é amada. Sempre!

          De força excepcional, as suas madrugadas, Divina, são também de esperança com doces perfumes de manacás, num eterno dormir e acordar. Maravilhoso o sentir-se criança, o conversar com Deus, o vestir e revestir sonhos na lógica da fé raciocinada e firme. Tudo um prêmio de Deus, principalmente ao rememorar os direitos da criança, até com mais perguntas que respostas, tantas são as necessidades de mudanças no mundo. Quão importante o registro da imensa saudade que até hoje nos é imposta pela ida do Wagner para o mundo maior. Mas, também, como é gratificante a nossa certeza de que ele, artista cá, continua sendo artista lá. Ele e Celeste - um real, outro imaginado - dão à sua narrativa, Divina, multifacetadas perspectivas nas realizações dos valores que enobrecem a vida e o amor. E que bom, querida amiga!

          Que presente e futuro sejam faróis de compreensão e de eternas sementes de carinho, férteis no iluminar e no encaminhar todas as humanas criaturas na eterna e constante ascensão espiritual!

 

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Ventos de Agosto

          Recebo a visita do amigo Edgar Antunes Pereira, meu diretor do Jornal de Notícias, que me traz os originais do seu livro VENTOS DE AGOSTO, série interessante de crônicas escritas e vividas, todas com um gosto especial de quem conhece o magnífico mundo moderno e a gente desse mundo.  Honrado e alegre, revejo o amigo com grande satisfação, ainda mais por fazer com ele leituras de várias páginas pincelados de seu gosto e, até em certo ponto, de sua malícia de autor. Tudo um encanto, um relembrar e reviver momentos de descontração com alma jovem e cheia de vibrações muito apropriadas para quem nasceu nesta parte primorosa do sertão mineiro, alma sempre antenada nos acontecimento daqui e de lugares maiores do que Montes Claros,  por exemplo, a cidade de São Paulo e a região de Manhatan, em Nova York.

       VENTOS E AGOSTO, um livro com toques de quem fala bem a linguagem de jornal, com perfeita musicalidade de quem sabe a boa ciência de contar causos, busca surpreender o leitor do princípio ao fim. De cenários e ritmos diferenciados, ora fala a linguagem que só nos mineiros entendemos, ora deixa livre a interpretação para quantos queiram ver e sentir, ficar com raiva pelas liberdades ou mesmo acumpliciar-se com o escorregadio sentido malicioso de quase todas as crônicas. Em verdade, Edgar corta a realidade em fatias para que inteligências vejam e experiências possam reviver sabores próximos ou distantes. Há toda uma justaposição das partes, algo que foge, algo que vem completar nosso conhecimento, principalmente na linguagem masculina, quem sabe por uma faceta ainda não pensada ou não vivida...

      De uma coisa não tenho dúvida: para um ex-repórter, professor, cronista, pintor, palestrante que acho que sou, sempre visualizando vivências e acontecimentos, sempre buscando retalhos de ideias e de conversas, o texto de Edgar é mais do que um livro aberto, com o máximo de possibilidades de participação de quem o lê e aprecia. Nele podemos, tirar, omitir, mudar, colocar e recolocar ideias e informações, tudo dependendo do gosto e das experiências pessoais, ou da cultura. Nele o leitor pode acrescentar estórias,
indicar alternativas, soprar jeitos de apimentar ou suavizar palavras e expressões que possam servir de ofensa a olhares e ouvidos por demais pudicos. Fico imaginando como é feliz esta nossa geração tão prenha de tolerância, tão cúmplice do imaginário e dos comportamentos, tão achegada a novidades nos sons e nas imagens.

       VENTOS E AGOSTO – não sei se é esta a intenção do autor - vem provocar mudanças no ser e no não-ser. Entremeados de levezas como a crônica que nomeia o título, destaque também para O Sino de Sant’Ana,  São Paulo, Espanha e Lontra e Cemitério de Brasília de Minas, praticamente todo o livro tem um sensível colorido e tempero de sexualidade latente ou explícita,  origem e destino de todos nós comuns mortais desta liberalidade brasileira. É ou seria VENTOS DE AGOSTO um livro confessional? Tratos ou pedaços do que não pode ser escrito como notícia, mas muito bem alocados na página de domingo, dia em que o leitor está mais afeito a amenidades? Acima de tudo, é um texto visual, vívido, colorido, pleno de energia e emoção, podendo ser reconhecido como resposta e reação da alma e do corpo de quem o escreveu, mercê de Deus ainda jovem e de memória afiada.

       São vários os níveis de leitura, todos com vocação de agradar ou provocar suscetibilidades, tão rico é o panorama percorrido pelo jovem diretor do Jornal de Notícias, amigo dos muitos amigos que amam esta maravilhosa língua portuguesa de Minas Gerais e, principalmente, a de Montes Claros, esta capital divinamente situada entre o Norte-Nordeste e o Sul maravilha do Rio de Janeiro ao Rio Grande do Sul. Vale e merece ser lido com olhos ventura e aventura!

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  CONDENADO Á MORTE PELA DNM

Saber, saber fazer e querer fazer, áreas fundamentais do ensino e da aprendizagem, formam - no conjunto de cabeça, coração e mãos - a simultaneidade da vida humana. É impraticável o conhecimento sem a experiência e quase impossível a experiência sem a emoção, sem as provas do gostar e do não gostar, desafios marcantes para a evolução. Sem estes princípios, que nos seguem no entendimento e nas ações, deixaríamos de ter o fruto principal do ser e do estar na vida. Vivendo abertamente a fé, vivendo por nós mesmos e pelas outras pessoas, mais perto estaremos do provisório e do eterno. É pelo estudar e observar a espiritualidade, é pelo sentir e agir que fruímos a essência do amor, o real caminho para a auto superação. Isso no real e no imaginário.

Estou filosofando e dizendo tudo isso depois que li, com o máximo interesse, cada palavra, cada frase dos originais de CONDENADO Á MORTE PELA DNM. Acompanhei com o carinho e o cuidado de leitor e crítico, de início ao fim, vivendo cada etapa, cada opinião, cada expressão de disciplina e de amor à vida, demonstradas pelo autor Hélio Vilela Barbosa. Tudo fruto da sua capacidade de pensar e idear, tudo um desenhar de fé consolidada, que só a consciência de eternidade pode imprimir. É um cântico de louvor a Deus, o dispensador da paciência e da confiança que a nossa doutrina espírita sempre nos ensinou e ensina.

           Digo mais: apesar de tudo, de todos os problemas, o Criador concedeu e concede ao meu amigo e companheiro Hélio Vilela o privilégio do raciocínio e da emoção, tudo distinguido por três ideais de máxima firmeza: a fé na imortalidade, a disciplina militar e a generosidade do Rotary. São três forças imensamente grandiosas que lhe permitem atravessar tão difíceis momentos, mesclando fraquezas e forças ao mesmo tempo, impossíveis para muitos, mas perfeitamente factíveis para a sua experiência imortal.

 Fundamentada nos princípios da Doutrina Espírita, no Manual de Procedimento de Rotary International, nos regulamentos do Exército e em vários autores de pensamentos positivos, o livro reflete uma madureza de espírito, uma abnegação sem limite. É acima de tudo plataforma de bom exemplo, arauto de fé sincera, uma forma de dizer que sempre será possível tirarmos lições e aperfeiçoamento espiritual no educandário do mundo. Simultaneamente com a dor, vem a oportunidade de compreender, edificar e, sobretudo, auxiliar a outros com o próprio testemunho. Perfeito sentido de vida e amor, graças a Deus!

          Sem ter como finalidade a autobiografia, o livro de Hélio Vilela conta-nos toda uma trajetória de vida, os esforços continuados para estudar, atender a diretivas profissionais do militar e do professor, a manutenção da família, a educação dos filhos, o cultivo das amizades e do companheirismo. É uma fotografia segura de quem soube absorver ricos conteúdos da doutrina espírita e da filosofia rotária, ambas com vasto repertório de conhecimento e livre arbítrio para o progresso. Constitui também uma consciente valorização das experiências na geografia e na história, mercê das aprendizagens em várias partes do território nacional e em meio de importantes e decisivos acontecimentos que mudaram nossa pátria.

          Importante ressaltar que o foco principal do autor é a orientação de que nunca devemos perder a esperança, mesmo em face de desajustes na saúde, como no caso da esclerose lateral amiotrófica, doença injusta e solerte que, sem pressa, mina em muito a resistência humana. Assim, o saber dos passos para o diagnóstico e as terapias possíveis é uma grande ajuda na diminuição dos incômodos. Mais do que tudo, o quanto os profissionais da área e a família podem ajudar o doente e eliminar difíceis problemas da doença. Ressaltem-se ainda as possibilidades da busca alternativa da cura, ou pelo menos a redução do sofrimento, no que a fé sincera e racional muito pode ajudar. Nesse ponto, o autor fala do dr. Bezerra de Menezes e do professor Eurípedes Barsanulfo, expoentes majestosos da medicina espiritual, com uma intimidade que nos encanta.

          Tenho por mim que o exemplo maior do meu companheiro Hélio Vilela é o de nunca ter deixado de receber em sua casa as pessoas que lhe são caras, ou de ir ao encontro delas em múltiplos lugares, seja em eventos familiares, de vizinhos ou mesmo de amigos e companheiros. Assim, o sítio, o Rotary, a casa espírita, até a viagem de férias têm sido propícios para a sua alegria e emoção, além de marcar o exemplo áureo de quem sabe muito bem louvar a vida.

          É determinação do autor chegarem os resultados financeiros deste livro às instituições de pesquisas sobre doenças neuromusculares. Graças a Deus, nem ele e Regina, nem os filhos precisam desses recursos. Pouco ou muito, serão valores doados de coração, um bem quer marcará a trajetória de muitos estudiosos. Será uma exaltação do amor e da bondade, ao mesmo tempo socorro e ajuda à glória de viver.    

        Assino este prefácio como um privilégio e um ato de maior justiça à qualidade do livro e à grande importância humana do dileto amigo e companheiro Hélio. Que o nosso Pai Celestial nos permita ainda por muito tempo a alegria da vida e o seu convívio amoroso e gratificante.  Que a Isabella, os doutores Leonardo, Luciana, Mauro Vidigal, assim como outros expoentes da área da saúde que vierem ainda no tratamento façam todo o possível para diminuir os desconfortos. Muito diz o texto que o Hospital Madre Tereza tem sido também um excepcional aliado. Nem falo dos familiares, porque estes, tanto quanto podem, estão permanentemente ao seu lado, principalmente a sua querida Regina, a esposa dedicada durante toda uma vida. Que Deus o proteja muito e sempre, meu caro Hélio Vilela Barbosa.

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Vargem Grande

           Foi num misto de fé e de certezas, que o rei David, proferiu sobre Israel, pátria sua e de seu povo: “Tu visitas a terra e a regas; tu a enriqueces copiosamente; os ribeiros de Deus são abundantes de água; preparas o cereal, porque para isso a dispões, regando-lhe os sulcos, plainando-lhes as leivas. Tu a amoleces com chuviscos, e lhe abençoas a produção. Coroas o ano da tua bondade; as tuas pegadas destilam fartura, destilam sobre as pastagens, e de júbilo se revestem os outeiros. Os campos cobrem-se de rebanho, e os vales vestem-se de espigas: exultam de alegria, e cantam.”

          Tem sido num conteúdo de suprema confiança que Zoraide Guerra David sempre escrevera a respeito das terras de cá e de lá, que rodeiam ou se juntam à sua amada Mortugaba, rico pedaço de Minas/Bahia por bandas banhadas de afluentes do Rio Pardo. Assim foi, assim será, assim está sendo com a admirada Vargem Grande, fértil semiárido do Polígono já quase Nordeste, sertão quase meu, porque ligado muito a São João do Paraíso, meu berço de nascimento e de primeiras letras. É por aí a geografia de quem o livro constrói e de quem o prefácio escreve. Melhor só se fôssemos habitantes do Monte Parnaso ou do jardim do Éden.

           Que bom, Zoraide, que bom, prefeito Antônio Francelino, que bom, secretária de Educação e Cultura, Terezinha Cruz. Admirável a decisão de registrar para o sempre a paisagem e a história de Vargem Grande, terra de leite e de mel, como diria o salmista, se aqui também tivesse nascido e vivido. Fico imensamente feliz de ver e rever costumes e expressões que marcam e remarcam uma realidade que já-já estariam no esquecimento, não houvesse gravação em livro. Só em mídia passageira – rádio, tv, jornais e revistas – as notícias voam, existem apenas por momentos, ou em fugidias lembranças. O livro é que vale, o livro é que fica. Os escritos do rei David estão aí para nos dar esse conforto de eternidade.

          Agora sim, vida longa para as bonecas de pano, para a elasticidade dos estilingues, para o equilíbrio dos piões de madeira. Agora, o fogão de barro nas cozinhas escuras de picumã, o gostinho das cozinhadas de caruru, as sonoridades das cantigas de roda. Cadê a margarida? Quem atirou o pau no gato? Por onde anda o chicotinho queimado? Quem conversar primeiro é filho de padre... ou vai comer o gambá errado...  Quantas boas lembranças, Zoraide!  O que é que tem coroa e não é rei, tem escamas e não é peixe? Qual a diferença entre um gato e um tijolo? Atire os dois numa parede, e o que miar é o gato...

       Espero que o livro “Vargem Grande na Trilha do Progresso” marque nos corações – pelo menos nos mais vividos – o que está marcando no meu. Em tudo, a certeza de que o nosso sertão tem a melhor terra do mundo, dependendo somente das vontades do céu. Uma gotinha de chuva, e o verde aparece espontâneo e luminoso nos baixios, nas chapadas, no carrasco. Qualquer chuvinha constitui bênçãos, espocando cores nas mangabeiras, nos são-caetanos, nos cedros, nas sucupiras. Qualquer aguinha que vem de cima faz mais doce a mangaba e a manga rosa, mais forte a catuaba, mais margosinha a jurubeba. Até o brilho dourado e líquido de um casamento da raposa faz a juriti cantar, o sabugueiro crescer e a bananeira multiplicar cachos. Eta mundo encantador, Patrício Guerra! Que maravilha, Padre Horácio, Braz Joaquim Ribeiro e D. Santinha! Ora ora, Dermeval Santana, D. Constância d’Ângelis, Joaquim de Assis, Antônio Coco, João Dias Amorim!

          Vargem Grande é terra por onde passaram os revoltosos da Coluna Prestes e o defensor Horácio de Matos, feitos mais do que vivos na minha memória de menino bom ouvinte de história e de estórias contadas por Silvina e por meu avô João Morais. Concluo com a boca cheia d’água, com as saudades dos muitos sabores: cuscuz, sarapatel, pequi, paçoca de carne de sol, farofas de galinha, biscoitos cozidos-e-assados, frigideiras, brevidades, casadinhas de marmelada com requeijão. Não posso me esquecer nunca dos burburinhos das feiras de sábado - gentes e bichos misturados – capões, frangos, leitoas, cabritos, tatus, caças de toda sorte – e todo o verde-vermelho das moreninhas de abacaxi e ananás. Impossível esquecer-me das roupas tingidas com mussambê, dos chales de algodão, das blusas de amorim, das anáguas saindo das saias, das mulheres sem calçolas!  Tempo bom, historiadora Zoraide!  Mais do que tudo, é disso que preferi dar importância.

       

Ao senhor, prefeito Antônio Francelino dos Santos - Tone Manco, como gosta de ser chamado - quero dizer mais: parabéns pela decisão de ser um político consciente em valores espirituais como educação e cultura. Esteja certo, Prefeito,  de que o livro “Vargem Grande na Trilha do Progresso” marca definitivamente a sua dimensão de excelente  administrador. E que Deus nos ouça!

 

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SERRANO DE PILÃO ARCADO 

            É mediante processos intuitivos - que variam de arte para arte - que o artista sonha e trabalha. O artista pinta, desenha, escreve, e até ensina com base na própria experiência ou através de manifestações das existências sensíveis. Envolvido por cores e perspectivas sonhadas, substitui a vida real pela fantasia, põe e sobrepõe os elementos que conhece junto aos elementos que imagina. Para o artista, o ser e o não-ser sempre se mesclam e se transformam em novas verdades, estejam elas no espaço e/ou no tempo, sejam concretas ou abstratas.

             É assim que visualizo as diretivas do admirado Brasiliano Braz, pai de Petrônio Braz, quando inculcou no filho a obrigação de ser estudioso por todo o tempo e em todos os degraus de subida da existência planetária. Para Petrônio, muitas as escolas, muitas as graduações, muitos os cursos fracionados. Primário em São Francisco; Técnica de Agronomia em Viçosa; Direito em Brasília; Pedagogia e Letras em Montes Claros. A base ginasial foi a melhor que um jovem barranqueiro do São Francisco poderia ter: o Colégio São João, de Januária, excepcional formador de muitas gerações. Na verdade, o alimento espiritual de Petrônio Braz sempre foi o estudo, a leitura, a pesquisa.  Petrônio continuadamente tirou de letra o percorrer a vida, tanto nos sertões de Antônio Dó - onde mediu terra e viu gente - como nas paisagens de França, Bélgica, Holanda, Grécia, Israel e Egito - onde se tornou mais culto. Proveitosas, muito proveitosas, suas viagens foram multiplicadoras de conhecimentos, com saldos cada vez mais enriquecidos pelo olho clínico e audição atenta, e pela argúcia do repórter cioso no aprender e gravar.

         Agrimensor, advogado, professor, assessor e consultor jurídico, político no esperado bom sentido da palavra, Petrônio Braz sabe navegar com perfeição nas ondas da prosa e da poesia.Toda a sua vida foi de descortino, de liderança, de primazia da inteligência. Nunca teve dúvida que ser o número dois já é chegar atrasado. Assim, o sucesso das lides estudantis, a tribuna da vereança aos 21 de idade, a administração como prefeito de São Francisco aos 23. Assim, a fundação e a participação em entidades de reconhecida importância da vida nacional: União Brasileira de Trovadores, Academia de Letras Municipais do Brasil, Associação Nacional de Escritores, Academia de Estudos Literários e Linguísticos, Casa do Poeta Brasileiro, Círculo Literário do Brasília e a nossa ACLECIA - Academia de Letras, Ciências e Artes do São Francisco. Há ainda muitas outras de âmbito regional, todas de real valor na representatividade e no mérito. Sua vida intelectual foi e é mais do que intensa. Leitura preferida? Padre Antônio Vieira, Alexandre Herculano. Primeiríssimo lugar para Machado de Assis!

        A exemplo de todos os companheiros e amigos que aqui estão, sinto-me feliz com a felicidade de Petrônio Braz neste lançamento do seu segundo romance e última publicação de uma sequência de oito livros. SERRANO DE PILÃO ARCADO  lhe constituiu trabalho árduo, resultado de quase um quarto de século de pesquisas, laboratório e oficina em que cavalgou sertões e pilotou arquivos para atenta leitura e releitura sobre Antônio Dó. O trato pessoal com a sua personagem, assim como a estruturação da história política da região iniciou em 1979, quando em Brasília assistiu a um filme sobre a valentia do baianeiro. Tão histórico, tão político-cultural é o texto publicado, que não me aventuro em julgamentos. A verdade é que não sei se em Petrônio prevaleceu a ficção romântica, a erudição clássica, ou o apetite em fixar fidelidade nos acontecimentos de partes dos dois últimos séculos. Vê-se claramente na fala das personagens que SERRANO DE PILÃO ARCADO não foi composto apenas para dizer do cangaço ou da inconformidade histórica de Antônio Dó. Do início ao fim, a postura do romancista é a de ensinar e fixar valores positivos, em contraposição à ganância e à politicagem execrável que existiu e ainda existe. Vê-se muito mais: sempre que oportuno, Petrônio Braz cita nomes e acontecimentos das culturas universal e brasileira, informando e justificando acontecimentos que refrescam lembranças de estudiosos antigos ou encaminham aprendizagem para interessados mais novos.

        Estou consciente de que o conteúdo de SERRANO DE PILÃO ARCADO não é texto para se limitar a esta fala em momento de festa. Entre mim e Petrônio Braz há uma identidade regional permanentemente marcada, fôlego e tamanho das nossas muitas décadas de vida. Como falamos a mesma língua de antanho e de hoje, como o Norte de Minas é o nosso habitat, nosso também é o vocabulário dos vários cotidianos, sejam eles da muitas tribunas, das publicações virtuais e escritas ou mesmo da nossa vivência como cidadãos sertanejos. O briquitar, o garimpar, o bisbilhotar as ladainhas e o fazer renda de São Francisco - sua cidade natal - são os mesmos da minha infância em São João do Paraíso, Salinas e Mato Verde, e da minha juventude em Taiobeiras. Assim, tenho certeza que voltarei muitas vezes às anotações da leitura do seu rico e completo romance, em cujas páginas muito aprendi de história, linguística, semântica e política antiga.

Seu texto, querido amigo, é pura sedução, sedução marcante, mais imperiosa que as luzes e coloridos de todas as flores de um tamboril. Mais lindo que o esplendor de um pé de manga rosa, quando as mangas rosas estão - de cima a baixo - no limiar do também vermelho de seriguelas maduras.

        Que Deus te proteja hoje e sempre, Petrônio Braz. Que Deus proteja o teu engenho e a tua arte no registro da língua norte-mineiramente autêntica. Tua vivência de vinte anos de agrimensura nos cerrados e caatingas granjearam-te tão vasta experiência linguística, que o teu próximo livro – já no prelo - é um dicionário dialetal de palavras e expressões do nosso grande sertão.

       

Bem haja, companheiro!

 

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O VÔO DO ALBATROZ, O VÔO DE ISAU
                     

          “A cada dia que vivo, mais me convenço de que o desperdício da vida está no amor que não damos, nas forças que não usamos, na prudência egoísta que nada arrisca, e que, esquivando-se do sofrimento, perdemos também a felicidade.“
                                     Carlos Drummond de Andrade

         Segundo Emmanuel, a vida seria muito chata se tudo nos fosse fácil e independente de nossos esforços. O que dá gosto pela vida é saber que soubemos vencer as adversidades para chegar à vitória, ao sucesso. O importante é ter consciência de cada momento que buscamos o alimento, a saúde, a boa disposição ao trabalho, o descanso merecido, o entender e ser entendido, o amar e ser amado.  É por isso que dizemos em nossas preces aos nos levantar e ao prepararmo-nos para dormir: dá-nos hoje a tua proteção, dá-nos sempre, Senhor. Jamais nos esqueçamos que - no dizer de Tiago - a fé sem obras é morta. Qual o proveito em dizer que temos fé mas não temos obras?  Preciso é fazermos sempre o melhor, porque Deus não trabalha exatamente em cima da nossa ansiedade, mas em cima do nosso merecimento. O que é nosso, o que a nós deve ser destinado acontece na hora certa! As coisas acontecem exatamente quando devem acontecer!  Busquemos sempre a sintonia do Amor em nossas vidas, e tudo estará sempre nos devido lugares.

         Sendo o trabalho lei da Natureza, cada qual de nós, seja de onde for, estará sempre construindo a própria vida, isto é, a vida que deseja. Em verdade, a nosso existência e as nossas experiências são a soma de tudo o que idealizamos e construímos. Toda melhoria que realizarmos é melhoria na estrada a que somos chamados a percorrer. Outra coisa: muito difícil vivermos bem se não aprendermos a conviver.  A vida por fora de nós é a imagem daquilo que somos por dentro. Viver é a lei da natureza, mas a vida pessoal é a obra de cada um. Muitas coisas fazem parte de nós para nos defender do mundo externo, geradas pela nossa própria mão e pelo nosso próprio pensamento. Os orientais dizem: - Para você beber vinho numa taça cheia de chá é necessário primeiro jogar o chá fora para, então, beber o vinho. Ou seja, para aprendermos o novo é essencial deixarmos para trás o velho, visar e revisar valores, adaptarmo-nos a novas circunstâncias, a novos modos de ser, pensar e de agir.

         Depois de ler e reler O VÔO DO ALBATROZ, candente relato existencial do amigo Isau Rodrigues de Oliveira, menino de Taiobeiras, homem de Montes Claros, Minas e Bahia, homem do Mundo, vejo realmente muito mais que uma biografia, bem mais que um texto confessional, tudo muito acima do colorir esforços e superações. Trabalho a quatro mãos - do próprio Isau e da escritora Cyntia Pinheiro - são quase cem páginas didático-pedagógicas de um verdadeiro self made man, ator e diretor de uma vida no plano pessoal e profissional merecedora de todo o nosso respeito e máximo de admiração. História envolvente em todo o seu conteúdo, tenho certeza de que qualquer leitor a lerá em um só fôlego, tal a composição lógica e emocional, mais do que tudo humanamente colorida.

         A melhor forma de aprender ou ensinar é acima de tudo imprimir bons e significativos exemplos. E o exemplificar em nossas vidas exige que dediquemos  tempo e amor a todos os nossos sonhos e nossas atividades, sejam quais sejam os esforços e sacrifícios. O prof. Rubens Romanelli, pensador e poeta, quase um santo nas salas de aula da UFMG e nas reuniões do Evangelho, dizia-nos com lições do Mestre Jesus: "QUANDO te julgares incompreendido pelos que te circundam e vires que em torno a indiferença recrudesce, acerca-te de Mim: eu sou a LUZ, sob cujos raios se aclaram a pureza de tuas intenções e a nobreza de teus sentimentos; QUANDO se te extinguir o ânimo, as vicissitudes da vida e te achares na iminência de desfalecer, chama-Me: eu sou a força capaz de remover-te as pedras dos caminhos e sobrepor-te às adversidades do mundo; QUANDO te faltar a calma, nos momentos de maior aflição, e te julgares incapaz de conservar a serenidade de espírito, invoca-Me: eu sou a PACIÊNCIA que te faz vencer os transes mais dolorosos e triunfar nas situações mais difíceis; QUANDO, enfim, quiseres saber quem Sou, pergunta ao riacho que murmura e ao pássaro que canta, à flor que desabrocha e à estrela que cintila, ao moço que espera e ao velho que recorda.  Eu sou a dinâmica da Vida e a harmonia da Natureza; chamo-me AMOR, o remédio para todos os males que te atormentam o espírito".  É por isso, que de manhã, todas as manhãs, apresento ao meigo Nazareno a minha oração e fico esperando...

         Para Isau, felicidade é sabedoria, esperança, vontade de ir, vontade de ficar, presente, passado e futuro. Para Isau, felicidade é confiança, fé e crença, trabalho e ação. Ele tem vivido tão intensamente, que tudo indica não ter pressa de ser feliz, porque sabe que a felicidade vem devagarinho, sem depender de saúde ou de poder, sem ser fruto de ostentação, de luxo ou de ambição. Para Isau, felicidade é desprendimento, amor ao trabalho, organização, subida nos degraus do progresso pessoal e coletivo. Sempre e sempre uma visão de conjunto, cumprimento de passos e percursos de uma caminhada regida pela vontade e pela determinação, resultado de uma ou de cem batalhas. Ele, um campeão, sabe que as vitórias são alimentadas pelo trabalho em equipe, porque a grande maravilha do amor é ser um divino contágio. Também não importa o que tiraram de nós, o que importa é o que nós vamos fazer com o que sobrou. Nunca podemos nos esquecer de que o sol que brilha, a nuvem que passa, o vento que ondula, a árvore que se ergue, a fonte que corre, o fruto que alimenta e a flor que perfuma, toda a riqueza das horas tudo depende da proteção do Grande Arquiteto do Universo.

         Como cada um é o arquiteto do próprio destino e a vida é a soma de todas as escolhas, devemos saber que a honra é levantar-se a cada vez que se cai. Concluo este prefácio, pensando no carma positivo de Isau, para ele mesmo e para as pessoas próximas a ele, ou melhor, para todos nós os seus amigos.

 

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EDWIRGES TEIXEIRA DE FREITAS

         Para a garota que nasceu em Mato Verde, em tempo de seca, Deus concedeu, em cada um dos seus dias, páginas de vida perfeita no livro do tempo, principalmente quando chegou para trabalhar em Montes Claros, em 1939.  Menina-moça, de pés descalços e vestido de chita, tudo no seu viver e conviver tem sido múltiplos quilates do melhor ouro da inteligência e da determinação. Fiel a si mesma e aos outros, à vida particular e à suas profissões, humilde, recatada, despida de orgulho, sempre soube edificar sua própria biografia sem distância entre sonhos e realidade. Tudo constância e brilho de luz, tudo!

       Primeira escola na cidade natal, onde também estudei - as Escolas Reunidas -  muitas leituras e muitos projetos nos apontaram para cá. O desejo de progresso e a determinação de vencer nos conduziram a múltiplas experiências, conhecimento e reconhecimento do que havia de melhor em aprendizagem profissional. Fase de ascensão da cidade, Edwirges aprendeu cedo o cheiro e o trabalho de prótese nos laboratórios de famosos dentistas, entre eles os doutores Aslóquer, Plínio, José Barbosa, Sebastião e José Moreira. No balcão da Bombonière da Rua Quinze, viu, em 1942, o incêndio da Casa Luso-Brasileira e no Caixa do Bar de Clóvis, conheceu Filomeno Ribeiro, Jaime Rebello, Benjamin Rego, Candido Canela e – acredito – outros importantões como Luiz Pires, José Esteves Rodrigues, Armênio Veloso, João Souto, Niquinho Teixeira, Nelson Vianna, João Chaves, além dos doutores Honorato e João Alves, este marido de D. Tiburtina.

           O apelido Du veio de D. Maria, esposa de seu primeiro patrão, Daniel, porque o nome Edwirges era muito difícil de pronunciar. O namoro com Mundinho começou em 1946, mas o casamento só aconteceu em 1950, tempo em que os limites de Montes Claros iam da Santa Casa à linha do Roxo Verde e do final da Rua Bocaiúva até a Praça Itapetinga. O Alto Severo era longe, os Santos Reis era para viagem a cavalo.  Já casada, morou na roça, morou em São Paulo, sempre e sempre sonhando em voltar para cá. No nascimento do primeiro filho, conheceu a Irmã Beata; em 1964, dentista prática, foi perseguida como se fosse comunista, só porque era protética. O curso de madureza - ginásio e científico - foi de setenta a setenta e dois, com orientação do doutor Alcides Loyola. Pouco depois foi para Diamantina levando a filha adolescente e morando em pensionato, até conseguir ser dona de uma república de estudantes. Graduada com louvor em 1976, seu maior problema foi comprar um consultório, só possível porque já havia venda em prestações. Na mesma profissão, formou seus filhos Raimundo e Rodolfo, sendo Raimundo o fundador da primeira Escola Superior de Odontologia do Norte de Minas, uma das melhores do país. A filha Sueli tem curso superior de Design e gosta muito do que faz.

         Instalado o consultório da Rua Padre Augusto, esquina com a Rua Camilo Prates, seu primeiro cliente foi o senhorio dr. Antônio Augusto Veloso, seguido de D. Jacy Veloso, dr. Alfeu de Quadros, Osmane Barbosa e dr. Antônio Augusto Athayde, muitos e muitos outros, todos transformados em amigos. O trabalho sério e a competência da doutora Edwirges Teixeira de Freitas tem sido contínuo e continuado, muitas vezes das oito às vinte horas, algo que acontece até em fins de semana, descontado só o horário da missa. No meu ponto de vista, nenhum profissional melhor neste Brasil. E que Deus permita ela continue assim ainda por alguns anos. Melhor para ela, melhor para todos nós, seus clientes e admiradores.

 

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JOAQUIM SOARES DE JESUS

Valho-me da filosofia do meu companheiro Alberto Bittencourt, Governador do Rotary em Pernambuco, para afirmar que Joaquim Soares de Jesus é, sem qualquer dúvida, uma personagem-solução, que participa, com interesse, de todos os eventos, sempre disponível, motivado, companheiro e amigo. Agindo com simplicidade, Joaquim é sempre peça importante no tabuleiro de atividades e relações no seu meio ou junto das suas muitas comunidades. Como personagem-solução, integrou - desde muito moço - as mais importantes comissões de trabalho das cidades em que morou e dos seus entornos geográficos, seja fazendo, seja ajudando a fazer. Como personagem-solução, esteve, dia e noite, interessado nos resultados sociais e culturais. Quando houve problemas, não perdeu tempo e interesse, e sempre se concentrou em resolvê-los. Grande Joaquim!

         Não é este Prefácio a minha primeira participação no livro MINHA HISTÓRIA, MINHA VIDA. Já nos primeiros rascunhos, nos primeiros gestos de alinhavar escritos, Joaquim procurou ouvir os conselhos deste seu amigo, pelos muitos anos mais vividos, um pouco mais de experiência. Talvez mais do que isto, por ser mais do que conterrâneos nas andanças, nos estudos e no trabalho por este Norte de Minas, além das participações em múltiplas instituições que moldaram e ainda moldam nosso caráter. Acredito que nunca faltei com o incentivo e o louvor para que fosse materializado o seu sonho e o seu desejo, formadores de exemplo e cidadania. Juntos no ontem, junto no hoje, espero ainda muito mais juntos no amanhã.

              Se pudéssemos ter ainda mais consciência do quanto nossa romagem terrena é passageira, talvez pensássemos mais um pouco antes de postergarmos oportunidades de sermos mais felizes e de fazermos outras pessoas tão felizes como nós, ou ainda muito mais. Queiramos ou não, sentimos saudade de certos momentos da nossa vida e de certos momentos de muitas pessoas que passaram por ela. A verdade é que, a longo prazo, moldamos nossas vidas e moldamos a nós mesmos em processos que nunca terminam. Creio até que é por isso que  nunca devemos aprisionar nossos dons, nossos modos de ser, pois pequenos ou grandes sempre são válidos para outras pessoas que nos fazem de espelhos. Alguém em algum lugar tem fome de seguir bons exemplos. Desculpe-me o leitor, mas é preciso dizer que até humildade tem que ter limites. Que não fiquem escondidos nem os pequenos nem os grandes amores, nem as pequenas nem as grandes amizades. Foi Madre Tereza de Calcutá que disse: "Não pense que o amor, para ser genuíno, tenha que ser extraordinário. O que é preciso é amarmos sem nos cansarmos de fazê-lo". Foi Vinicius de Morais que escreveu: “Eu poderia suportar, embora não sem dor que tivessem morrido todos os meus amores, mas enlouqueceria se morressem todos os meus amigos".

         Espero que o livro MINHA HISTÓRIA, MINHA VIDA seja um alento de entusiasmo e de muito interesse para todos que o lerem. Um perfeito exemplo de grandeza para a vida do aprender e do trabalhar, para fixar boas razões do quanto vale a prática do bem em todas as etapas desta viagem que Deus nos concede realizar por aqui. Como ninguém pode exigir amor de ninguém, podemos apenas dar boas razões para que gostem de nós. Sejam constantes, pois, as nossas ações para melhorar o mundo e as pessoas, pois embora pequenos, somos parte importante da criação. Assim, nada mais importante do que a solidariedade.  Chico Xavier nos ensinou que o Cristo não pediu muita coisa, não exigiu que as pessoas escalassem o Everest ou fizessem grandes sacrifícios. Ele só pediu que nos amássemos uns aos outros. Daí o sucesso de Joaquim!

         Parabéns, querido Amigo e Irmão Joaquim Soares de Jesus. O seu livro marcará época, servirá de exemplo, constituirá leitura proveitosa e agradável. Alegrará os seus filhos e netos, alegrará muito e muito os seus admiradores, os que acompanham você em muitas etapas da sua vida. Artista principal da peça, esteja certo que nunca estará sozinho no palco, pois seus exemplos foram sempre dignos de acompanhamento. E quem não estiver no alto, no meio do cenário, estará num entusiástico auditório, de pé e à ordem para sempre aplaudi-lo. Você nos ensina a olhar para fora e sonharmos, e a olharmos para dentro e despertarmo-nos. Você é personagem perfeita do que escreveu Fernando Pessoa, os supra Camões da Língua Portuguesa: "O valor das coisas não está no tempo em que elas duram, mas na intensidade com que acontecem. Por isso existem momentos inesquecíveis, coisas inexplicáveis e pessoas incomparáveis"

         Que o Grande Arquiteto do Universo o proteja muito, nos proteja sempre!

 

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CÉLIO BARBOSA DE CASTRO

Posso imaginar com a visão de imensa saudade de quando, aos meus treze anos, vi e ouvi os acontecimentos do bonito inaugurar da estação da Central do Brasil, em Monte Azul. D. Zema, nossa professora, escolheu os que ela considerava os seus melhores alunos na chamada Escolas Reunidas Mato Verde – cerca de vinte – e nos levou num caminhão de Sinhô Teles para participar de todas as festas da tarde e da noite. Foi um acontecimento inesquecível com bandeirolas dos estudantes e discursos dos engenheiros e políticos, entre estes o mais importante, o Coronel Levy Souza e Silva, a maior fama de valentia de toda a região, notável orador de nunca menos de hora e meia de discurso. Anos mais tarde, em Montes Claros, tive essas saudades em muito acrescidas quando o mais importante dos colunistas sociais do Brasil, Ibraim Sued, me disse - no Haras Pirâmide -  que todas as fotografias foram batidas por ele, como enviado especial d’ O Globo e da revista O Cruzeiro.

          Tudo isso relembro de coração, porque foi o tempo que a cidade de Monte Azul contou com o nascimento do menino que os pais registraram com o nome completo de Célio Barbosa de Castro, que viveu muitos anos de pés descalços, tanto na terra-mãe como em Montes Claros, incluindo aí as aulas no Colégio Diocesano (estudei), e as tarefas e passeios do Grupo de Escoteiros.

          Outras lembranças que tenho ao escrever este prefácio deste livro VERDADEIRO AMOR, do irmão e amigo Célio, é de que Monte Azul, cerca de dois meses depois das primeiras chuvas, é um dos lugares mais bonitos do mundo. Registrando esta beleza com mais precisão, é importante dizer que a geografia entre Monte Azul e Mato Verde, mercê das nuances do azul quase esmeralda das montanhas, e considerando também as tonalidades do verde e do amarelo-ouro das plantas, tudo ultrapassa em muito a graça e o charme do Pantanal, em Mato Grosso, e do Vale californiano de San Francisco, nos Estados Unidos. Não posso imaginar nada mais perfeito em termos de natureza nas minhas experiências de viagens. Nem o verde do canavial entre montanhas dos meus anos de menino em São João do Paraíso!

          Nascido e criado entre a beleza e a paixão de terras tão bem permitidas por Deus, Célio Barbosa de Castro tornou-se um poeta de muito mérito, mesmo não tendo conseguido estudar mais do que os cinco anos de curso primário. Bom leitor, excelente observador da vida, cérebro e coração voltados para o bem e para o bom trato, aprendeu melhor do que muita gente estudada, a precisão do bem redigir e do perfeito alinhavar e costurar as palavras tanto na prosa como na poesia. E como diz ele até com orgulho, que ainda teve a sorte de ser mineiro:

                    “Cada um tem um destino,
                   sorte quem nasce mineiro.
                   Tem pureza de menino,
                    na política é o primeiro.”

           Vida de viajante, papo de vendedor, comportamento ético de escoteiro e de maçom, Célio Barbosa de Castro, teve sempre o maior respeito à cultura de nossa região, ao nosso modo de viver com simplicidade, ao carinho que temos com o próximo seja ele da família, da vizinhança ou do mundo. Até nas horas tristes – que todo mundo tem em algum momento – ele descreve com poesia:

  “Minha vida, meu sonho, meu enfadonho,/ não nunca quis seguir sozinho.” ...

 “Quem queria namorar /  menino de pé no chão?” ...

Quero oração como deve ser /  quando eu tiver mudado /  para o Oriente Eterno. /  Oração é vitamina da alma.”

      Esteja certo, Irmão Célio de Castro, que todos nós os seus amigos e companheiros, estamos de pé e à ordem diante da sinceridade e da beleza dos seus versos. O seu livro é também nosso. Suas palavras são as nossas palavras, suas verdades terão eco eterno para com o viver e conviver a sinceridade do amor e da fé, qualidades só encontradas em um VERDADEIRO AMOR!  Perfeito o Salmo 133, do Rei Davi, pai de Salomão, o mais sábio dos homens:

               Oh! Como é bom e agradável / é viverem unidos os irmãos! / É como o óleo precioso sobre a cabeça, / o qual desce para a barba, /a barba de Arão, / e desce para a gola de suas vestes. / É como o orvalho do Hermom, / que desce sobre os montes de Sião. / Ali ordena o Senhor a sua bênção, / e a vida para sempre.

 

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“Todo mundo é gente”

         Bom teatro, com todas as características do moderno humanismo cristão, “Todo Mundo é Gente”, de Luizinha Barbosa Lopes, tem todos os temperos para o divertimento e a sadia aprendizagem da vida atual. Não é uma peça grande, pois, em apenas um ato, mas, uma grande peça de indiscutível valor intrínseco, contrabalançado pelo que há de melhor na didática, com áreas bem delineadas no cognitivo e no afetivo, além de um seguro alinhavo no campo religioso, com muita religiosidade sem sectarismos e sem tiradas místicas. Simbólica, movimentada, colorida, “Todo Mundo é Gente” tem o condão de mostrar a interação do humano e do divino, investido na seriedade e no humor, garantindo continuado interesse do princípio até a apoteose final, quando prova, sem deixar nenhuma dúvida, que Deus é realmente brasileiro e talvez montes-clarense. Na verdade, Luizinha busca ampliar a Natureza, buscando estender os reinos naturais do mineral, do vegetal e do animal para mais dois, com o hominal e o divino, concentrando tudo na área do humano.

         Se a violência animaliza o homem, a inocência e o amor humanizam o que é tido como irracional. Personagem principal, Jesus participa diretamente das preocupações e dos efeitos de cada atitude grupal, alertando e imprimindo concepções de vida, sem violência e sem pressa, apenas com um doce e angelical interesse pela felicidade do mundo. O divino não se arvora em juiz, não julga ninguém, não toma partidos, simplesmente ajuda, ouve, entende e convive com sua fraternidade.

“Todo mundo é Gente” não é um grito de alerta, é um chamamento à fé e à simplicidade, uma tentativa de se conseguir a igualdade pelos condimentos fraternos do respeito aos direitos de cada ser. Para provar isso, a figura mais humana é um burrinho, magistralmente bem humorado e bem interpretado por Marília Oliva de Abreu, que só não absorve toda a peça porque suas colegas de trabalho foram encantadoramente bem treinadas para um notável desempenho. Jesus é a figuração perfeita da bondade e do bom senso e permanece todo o tempo no amoroso sorrido de Maria Thereza Gonçalves Terence, suave e bonita.

         Personagens com nomes de anagrama, na afirmativa de simbolismo, Zabelê (Luciana Amaral de Freitas), Davi (Patrícia de Oliveira Abreu), Dumon (Juliana Lessa Lopes), Mora (Jane Barbosa Lopes), têm todas as letras das palavras Beleza, Vida, Mundo e Amor. Justa (Vanelly Carvalho Quintino) e Benigna (Luciene Ferreira de Queiroz) não têm trocadilhos, representam mesmo a Justiça e o Bem. Não sei como Lourdinha Lopes Braga, Lilita Castro e Luizinha conseguiram em tão pouco tempo preparar tão bem essas meninas, tão seguras estão nos seus papéis, como se fossem profissionais do teatro, dispensadas de maquiagens complicadas e de efeito naturais à encenação. O palco quase vazio, com o Jesus transportando muito humanamente uma cadeira de um para outro lado, transfigura-se num mundo vasto e vivencial.

         Quero felicitar a todos que contribuíram para o magnífico trabalho e para o resultado filosófico e utilitário de “Todo Mundo é Gente”. Poderia dizer até que a peça é política, mas política que religiosa. Poderia apresentar outros qualificativos no quadro da literariedade, onde Luizinha é conhecedora da teoria e da prática, sabendo muito bem trabalhar com ambigüidades e muita figuração. Desejo, entretanto, dizer apenas que ela conseguiu uma excelente contribuição à melhoria do humanismo, mostrando que a problemática social pode ser resolvida com o esforço de cada indivíduo, mesmo na vida do dia-a-dia. Participantes do real, vivemos um mundo de sonhos. Sonhando, transformamo-nos num gostoso universo onde as dificuldades só existem para quem não sabe resolve-las. Viver é perigoso mas é muito bom! Quem duvida disso?

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                                     “Um pequeno Rei”

         Recebo de minha colega de Fafil, Professora Ireny Caldeira Oliveira, com um pedido de apreciação, o livro “Um Pequeno Rei”, coletânea de contos infantis de José Flávio Juca, primo do Fran, marido de Ireny. É livro pequeno, porque destinado a crianças ou adultos que gostem de ler rápido e em pouco tempo. Edição de 1982, da minha saudosa cidade de Fortaleza. “Um Pequeno Rei”, tem prefácio de uma garota de 9 anos, Flavia Girão J. Araújo. Trata-se de uma estorinha de um menino de seis anos, que já queria ser adulto. Aliás, que já estava vivendo num mundo de adultos, sendo a vida de criança apenas um sonho. Um sonho que, imaginário como todos os sonhos, teria de durar muito e ser real, para trazer a criança, de novo, feliz...

         “Não se preocupem se, por acaso, encontrarem uma ou outra palavra cujo significado vocês não entendam ou não conheçam; o importante é compreenderem o que o Zezinho sentiu; as palavras difíceis só estão aí para facilitar o entendimento da estória pelos adultos que queriam também lê-la. Se, mesmo com tanta palavra difícil, vocês não conseguirem entender a estória do Zezinho, peçam para uma criança lhes explicar. O que ela disser, escrevam em um papel, palavra por palavra, que eu assino embaixo”. Foi o que disse o autor, num esclarecimento à guisa de prefácio, o que já dá para sentir que muitas vezes a criança entende mais do que as pessoas que já se julgam crescidas...

         Zezinho, a personagem central, ou praticamente a única personagem tinha mesmo de ser adulto: “ – Menino, tira essa chupeta da boca; você já tem três anos, já é quase um homem”... “- Não tem vergonha, com quatro anos e ainda faz pipi na cama?”. “ – O quê? Com cinco anos e ainda não sabe amarrar um sapato?”. “ – Que é isso rapaz? Você é um homem, e homem não chora...”. Cedo ou tarde, Zezinho tinha de tomar uma decisão: dormir mais tarde, falar mais grosso, dizer mentiras, juntar dinheiro, usar cuecas, fazer besteiras, ler jornal, ter dores de cabeça....etc... etc. Também tinha de deixar para trás algumas obrigações: tomar mingau, comer sopinha, jogar bola de gude, andar pelado, ser soldado de mentira, chupar chupeta, sujar e sujar-se, brincar do rei ou de príncipe... Zezinho passou a ser sério, pensativo e, triste. Ficou de uma tristeza que só os adultos sabem sentir. Esqueceu-se dos brinquedos, dos sonhos, dos contos de fada e do urso de pelúcia. Zezinho ficou diferente...

         Só um sonho poderia salvar Zezinho, como só um sonho poderá salvar muitas pessoas. E foi um sonho que salvou o Zezinho do livro de Flávio Juca, bom sistema de ensinar a realidade, de colocar cada criatura no mundo do seu tempo mental, criança ou gente grande. Pena que o livro, publicado no Ceará, esteja fora do alcance do leitor mineiro, longe, além, muito além daquela serra que ainda azula no horizonte, pertinho de onde Iracema corria para ver de perto o seu guerreiro branco. Afinal, não é todo dia que podemos ter bom produto da Terra dos verdes mares de Alencar...

        

Quem, entretanto, tiver oportunidade, não deixe de ver “Um Pequeno Rei”. É experiência que vale a pena. E pode trazer muita felicidade...                      

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Montes Claros, vovó centenária

              Montes Claros Centenária é a canção do primeiro século de independência da cidade. É um marco de inteligência, de fé e de amor, cadinho de ternura de Luiz de Paula Ferreira, fruto importante da nossa história. É a síntese sentimental de um trovador, menestrel da cultura, doação viva à nossa realidade e aos nossos sonhos. A força desta canção é o constante entrelaçamento de duas existências, a de Luiz de Paula e a da cidade, ambos sensíveis ao eterno e ao efêmero, misticamente voltados para tudo que cheira ternura, saudade e afeição. Mais do que uma prece à meiguice do sangue, Montes Claros Centenária é um grito de sagrada paixão pela terra e pelo povo.

           Decorridos sessenta anos do Centenário, impossível descrever o entusiasmo, o afeto e o carinho com que a cidade comemorou os 250 anos de sua fundação e os cem de criação do município. Foram sete dias de festas, em que praticamente todas as famílias abriram suas casas para receber montes-clarenses saudosos vindos de todos os quadrantes da pátria. Em cada praça, em cada lar, a alegria do reencontro, o abraço emocionado de velhas lembranças, o eclodir sincero da mais pura devoção a um local abençoado por Deus. As pessoas se abraçavam, dançavam e cantavam nas ruas, cultuando o passado e extravasando esperanças. Era a transformação de cortejos em alegorias de amenas certezas, uma doce e gostosa gratidão ao berço natal. Feliz de quem teve a sorte de viver aqueles dias deste santificado Arraial de Nossa Senhora da Conceição e São José das Formigas, tudo tão Montes Claros.

         A canção Montes Claros Centenária, que a inspiração de Luiz de Paula transformou em hino de lirismo e vibração para velhos e jovens, foi o elo emocional necessário para fazer aquele momento mais do que inesquecível, iluminando recordações e cintilando o porvir. A gravação de 78 rotações feita na época, hoje guardada como relíquia, incrustação material no espaço afetivo, sempre se fez presente em novas técnicas, reavivando cada vez mais as ondas de sentimentos bons. Cantada também com o encanto da voz de Carlos Galhardo, do Quarteto em Cy, de Nivaldo, Benedito e Clarice Maciel, e por tantos outros notáveis, será com certeza a imortalização de um dos mais altos momentos de Montes Claros, o da alegria do seu primeiro Centenário.

 

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POESIA NO “MULO” DE DARCY RIBEIRO

          Não sei por que mecanismo fica guardado em nossa memória um assunto que julgamos de interesse futuro, e que em determinado momento nada temos a fazer com ele. Um dia, sem qualquer planejamento, aquele assunto aflora em nosso pensamento e, sem quê nem porquê, se insinua como se em nascimento de filho de parto invisível, produto de gravidez intelectual como a apelida Cyro dos Anjos, disso acometido muitas vezes na vida. Foi o que aconteceu hoje comigo, ao desengavetar da lembrança de uns quinze anos ou mais a sonoridade de uma poesia rítmica e bem feita encontrada na prosa do romance “O Mulo”, de Darcy Ribeiro, obra que ali para fazer a apresentação quando do seu lançamento em Montes Claros.

       E com que alegria volto ao assunto para compartilhar com o leitor, principalmente por se tratar de boa lavra, uma mineração de ouro nas letras contemporâneas.

Lembro-me da surpresa encontrada nos olhos do próprio Darcy, sempre crítico dos outros e de si mesmo, que, ao esperar uma série de dados biográficos dirigidos a e sobre um filho da terra, encontrou uma análise linguística e literária do seu romance, com busca de estratos fônicos e semânticos, de que talvez nem ele mesmo tivesse consciência clara. Foi assim que, quando descobri versos com balanço e métrica na sua prosa, versos coerentes e bem encadeados de uma poesia moderna e límpida, pequeno não foi o seu espanto.

        O livro “O Mulo” é todo Montes Claros, com um elenco de personagens gostosamente nossas, como nomes do passado e do presente: Agapito, Lopinho, Izupero Ferrador, Dio, Mia, Leonel Filogônio, Malaquias, Benedito Gomes, Quinzim, Deba, Pio; Pacopaco, Dominguim, ao lado de Bidê, Konstantin, Mauricinho, Ducho, Fininha, Alfeu, Lauzim.

        No “Mulo”, Darcy é muito ele mesmo também, deixando aqui e ali em toda a obra pinceladas de irreverência, quando indiretamente fala do próprio câncer que lhe tomou um pulmão, de apelidos do seu tempo de criança e de rapaz, de definições que dá para a gente chamada povo (“só quer folgar e parir”) e para cidade (“o que me arrelia, é estar sozinho. Nas cidades quando lá fui e vivi, estive sempre só, só no meio do povaréu, como um traste que ninguém vê, nem quer ver”). Gratificante, quando ele se torna lírico: “Ele sentava na ponta do banco, comendo no prato com a mão, fazendo capitão e me escutando”. Lindo, quando ele fala de Benedito Gomes: “Chamei o compadre Benedito,/ homem de sabedoria, / para ver se descobria/ e me explicava a causa de tanto urubu / Não sabia! Ótimo quando se vê como o mulo, ele mesmo ou Filomeno: “Aquele sim, é o homem / que eu sou, / inteiro. Cabal. / Sossegado, Valente / Realizado. / Contente. / Isso tudo, sem saber./ Inocente”.

Veja leitor que beleza de ritmo: “Nessa casona,/ hoje, um homem espera a Morte. / Eu. Nem homem sou. / Sou é um des-homem, / de punhos atados, / de dentes cerrados,/ de pernas peadas, / aos pés do Senhor!

          Quanta coisa boa! Mas devo respeitar o espaço, e só tenho tempo de falar de Emilinha, uma gostosura de poema e de figura: “Emilinha não era desse mundo. / Ou era, demais da conta. / Safada de nascença. / Nela havia o sumo de dez, / de cem mulheres/ muito fêmeas. / Tanto que extravasava, / sopitava em cheiros e babas. / Suspiros e choros. / Era uma força viva,/ selvagem como esses bichos silvestres. / Emilinha me fez homem/ como jamais fui antes nem depois./ parecia até feitiço. / Eu e ela inesgotáveis... / Vi por fim, / me convenci,/ de que ela me vencia,/ me amofinava./ Era mulher demais para um homem só./ Eu não podia com a mulinha!...

                

Precisa mais, leitor?      

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A NOITE DA MINHA INICIAÇÃO

           Foi numa noite bem cheia de emoções do dia primeiro de junho de mil novecentos e sessenta e três a primeira vez que vi as luzes do velho templo da “Deus e Liberdade”, ainda na Rua Coronel Joaquim Costa, onde fica hoje a Soebrás. Minha impressão inicial era de que estava num pequeno cômodo quadrado, com cadeiras altas, gente sentada ao redor e coladas às paredes, falando uma linguagem teatral numa espécie de fogo cruzado, todos muito interessados em conhecer os profanos cada qual querendo saber mais sobre o que pensavam a respeito de uma série de coisas do passado e do atual. As vozes eram todas minhas conhecidas, nenhuma sem identificação, bastante familiares para um já calejado repórter, político e sindicalista bem entrosado em todas as camadas de pobres e ricos de nobres e plebeus. Tudo me impressionou muito e creio que também ao Renato Alencar, de Porteirinha, meu companheiro de posse.

          Dos que falavam mais de perto, lembro-me bem de Toninho Rebello, Renato Alarico, Almerindo Mendes, Luiz de Paula, Geraldo Novais, Geraldo Borges, José Gomes de Oliveira, este um mestre-sala que, parece, complicava mais as coisas, mostrando que tinha muito mais autoridade. Júlio Pereira, João Murça Júnior, Arnóbio Abreu, Ewany Ferreira Borges, Vadiolando Moreira, Tufy Felício, Cristóvão Costa Mendes, Alício Mendes, Pedro Spyer Rabelo, Hélio Athayde, João e Terezo Xavier, todos apareciam de vez em quando como a dizer que eu estava no meio de amigos, não devendo temer mal nenhum, e ao contrário, pudesse rejubilar-me de ser participante de uma assembleia composta só de gente portadora dos melhores e maiores méritos, de membros de uma sociedade milenar e de muito bom exemplo em toda a história do mundo. Mais distantes, mais calados, Antônio Franco Amaral, Almir Chaves, Hélio de Morais, Eugerson Novais, Adil Horta, Raulemar Conto, Djalma Coelho, Rodolfo Cândido, Antônio Pernambuco, Múcio Correia Machado, Walter Lopes, Petronilho Narciso, Diógenes Guimarães, Waldir Macedo, Tasso Rodrigues da Cunha, Pedro Paulo e Paulo Pedro Costa, Mário Reis, Nenenzinho, Rosalvo Carvalho, Cassimiro de Paula, doutor Almerindo de Brito Faria, e o meu quase conterrâneo Joviniano Ramos, todos curiosos e contentes com sorrisos de quase mistério.

          Não sei se poderia hoje descrever de memória todos os acontecimentos da noite, tão bonitos, tão fartos pela rápida sucessão, tão harmoniosos no conjunto, assim como a servir de eternos lembretes para uma vida de real fraternidade. Sei que não devo ter falhado em nada da confiança que em mim depositava, porque também sabia que a seriedade dos meus acompanhantes não deixava dúvida quanto à importância do momento. Deve ter sido um caso de confiança mútua, assim de conivente compreensão de ambas as partes, cada lado procurando demonstrar maior lealdade, pois, no fim, saímos todos para um jantar no Restaurante Mangueira, na Rua Doutor Santos, um encontro bastante amigável.

           Pergunto a mim mesmo se tenho saudades dos meus primeiros tempos da Deus e Liberdade, um notável grupo empenhado em desenvolver um trabalho social de grande alcance, onde a lembrança de Chico Tófane, Francolino Santos, Geraldo Athayde, João de Paula, trabalhadores de muitos anos, era sempre uma constante, nunca esquecidas por Paulo Duarte e Pereira, Lauro Nascimento, Geraldo Rodrigues Pereira e Alício Mendes, entre os mais vividos no lado mais importante de todos os acontecimentos. Lembro-me bem de Waldir Macedo, Giru Amaral, Gentil Antunes, Joel Stark, Walter Suzart, Aristides Gomes, Levindo Aguiar, todos da melhor camaradagem, tudo gente muito boa e de convívio bem agradável como acontecia com Jonas Almeida, Ormezindo Assis Lima, Aristides e Quincas Barbosa, Daniel Guimarães, Geraldo Borges, Carlúcio Freitas, Didi e Djalma Guimarães, Jaime Mendes e tantos outros.

         Muitos já não se encontram entre nós, causando falta, o marcando apenas a lembrança, o último a partir, semana passada, meu bom irmão Vadiolano Moreira. De lá para cá, bem mais de uma centena de bons companheiros chegaram para perto do trabalho e do estudo, construindo mais amizades, revolvendo terra da história em busca do grande monumento que é hoje a Deus e Liberdade. Tenho sido muito feliz todos esses anos, mais de encontros que de desencontros, mais de conforto que de desconforto, sobretudo muito mais de pureza de sentimentos, na verdade o único material com que se pode construir a solidariedade e o amor. E ainda bem que a vida tenha esse lado bom, segundo sempre repetia o meu grande amigo e irmão José Gomes de Oliveira...

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FAFIL, PRIONEIRA DO ENSINO SUPERIOR

         Creio que o grande laboratório de ideias a usina de sonhos tenha sido mesmo as salas de aulas da Universidade Federal de Minas Gerais, onde moças montes-clarenses terminavam diferentes cursos, tão distantes uns dos outros que iam da História à Pedagogia, das Letras à Matemática, da Geografia às Ciências Sociais. Diplomadas, portadoras de muito saber e incentivo de antigos professores da capital, Isabel Rebelo de Paula, as irmãs Baby e Mary Figueiredo, Sônia Quadros Lopes, Florinda Ramos Marques, Dalva Santiago de Paula, ansiosamente, se uniram a outros idealistas, e o resultado foi o nascimento da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras do Norte de Minas – Fafil -  aqui em Montes Claros. Verdade é que não houve oposição ao seu trabalho e até não faltou crédito ou aquele sempre necessário voto de confiança. Todo mundo acreditou nelas, com o Colégio Imaculada Conceição cedendo espaço físico e moral, a Fundação Educacional Luiz de Paula fornecendo recursos e entusiasmo, professores como Jorge Ponciano Ribeiro, dando logo a sua quota de serviços.

           Foi uma beleza o começo, um sucesso o primeiro cursinho de Montes Claros. Lembro-me bem, da primeira aula de francês que tivemos com a professora Baby Figueiredo, com texto solto, impresso fora de livro, uma novidade! Lembro-me do Adélia Miranda elaborando, como secretária, os primeiros relatórios, apertando os primeiros alunos retardatários para não atrasarem no pagamento das mensalidades ou início das aulas. Era uma experiência interessantíssima com passagens de se emocionar!

           Era tanta sabedoria nova, um conhecimento tão organizado, uma perspectiva de aprendizagem tão grande, que problemas apareciam a toda hora, todos querendo aproveitar de tudo, sorver de vez todo um alimento que por não existir antes, estava sendo negado a quem muito o desejava. Acontecia então o troca-troca de salas, uma espécie de mineração de assuntos, um descobrir quem era o melhor professor, um abeberar de toda uma nova filosofia de vida. Não posso contar tudo sobre as aulas de nossos cursos, nos primeiros dias do semestre, porque os acontecimentos vinham aos borbotões, quase sufocando a curiosidade, até confundindo as cabeças. Era como se fosse um vasto ciclo de conferências de palestras, um eterno comício. Hamilton Lopes, calouro, ensaiava os primeiros passos da política estudantil, João Valle Maurício, José Nunes Mourão, Hélio Vale Moreira, Mauro Machado Borges, alunos mais vividos, mostravam uma compenetração pouco natural de estudantes. Yvonne Silveira, esta numa santa vaidade de literata, se desmanchava em sorrisos e sutilezas numa alegria quase infantil.

Tudo foi uma longa festa intelectual, uma corrida de muita sede à fonte, todos considerando um grande privilégio, uma oportunidade a mais de vencer na vida, em campos profissionais já longamente seguidos. Pela primeira vez, vimos professorinhas ensinando para velho elenco de construtores do futuro! Olhado de longe, cinquenta depois, quase uma loucura, maravilhosa loucura! Que o diga Isabel Rebelo de Paula, a primeira diretora. Que o digam os primeiros graduados dos cursos de Letras, História, Geografia, Pedagogia e Matemática. Alguns já nem mais na romagem terrena...

 

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MONTES CLAROS, SESSENTA ANOS ATRÁS

    Quando Celso Brant dedicou toda a revista ACAIACA de agosto de 53 a Montes Claros, comandavam esta cidade o Capitão Enéas Mineiro de Souza e o Coronel João Lopes Martins, duas patentes ainda bem vivas na lembrança de leitores mais velhos, cada uma delas com personalidade bem forte, à moda da época, revolucionários e conservadores, marcantes de paixão, um tanto próximos do caudilhismo com feição regional. A Câmara Municipal, dirigida pelo flegmático João F. Pimenta, tinha a respeitabilidade da década, uma saudosa coerência de bom comportamento. Dos quinze cidadãos com acento na casa, nenhum mais aqui para servir de testemunha. Também já não temos o juiz Ariosto Guarinello, o bispo Luiz Victor Sartori, o delegado José Coelho de Araújo, nem os colaboradores da revista padre Agostinho Beckhauser, Nelson Washington Vianna, Alfred Hannemann, José Monteiro Fonseca, Neném Barbosa, Pedro Sant’Ana, Irmã Rudolfa e os poetas Geraldo Freire e Dulce Sarmento. Ninguém mais para contar a história, pois todos na longa viagem da eternidade...

     Com sessenta anos passados, é bom que ainda reste a lembrança de amigos como o professor Belisário Gonçalves, figura e estilo tão próximos de Castro Alves, do repórter José Prates, nosso primeiro jornalista de rua e de redação, ainda no batente, escrevendo do Rio de Janeiro para o Montesclaros.com.  Também já ausentes do plano físico, Felicidade Tupinambá, João Vale Maurício, Konstantin Christoff, Flora Pires Ramos, Cândido Canela, Irmã Maria de Lourdes, Orestes Barbosa e Lourdes Martins, Áflio Mendes de Aguiar, Afonso Pimenta e Feliciano Oliveira. Vivos, bem vivos, muito vivos, aproximando-se gloriosamente dos cem anos, Luiz de Paula Ferreira e Yvonne Silveira, companheiros da Academia Montesclarense de Letras e do Instituto Histórico e Geográfico de Montes Claros. Todos juntos, formaram um belo corpo editorial, de prosa e poesia e de desenho, agradáveis, bem feitos, até com um lindo toque de romantismo pelo muito amor a terra montes-clarense.

     Confesso que o mais gostoso na velha revista ACAIACA era o conjunto de anúncios, alguns até de página inteira, muitos com ilustrações interessantíssimas. Yvonne Silveira e Luiz de Paula que me digam se estou ou não falando a verdade, se é ou não salutar o direito de ter saudades. Quem – dos mais velhos -  não se lembra, por exemplo, de nomes importantes como, Casa Alves, Imperial Casa Ramos, Big-Bar, Salão Rex, Joalheria Coelho, Assombro da Pirotécnica, Casa Elza, Loyola e Companhia, Turmalina, Instituto de Beleza Gilda, Casa Paulino, Alfaiataria Ribeiro, Macarrão Iracema, Bar de Tito Versiane? Quem não tem ainda gravados na memória nomes tão conhecidos como Hotel São Luiz, Hotel São José, Hotel Santa Cruz, João Souto Consignações, Casa para Todos, A Construtora, Ayres Alfaiate, Joalheria Cima, Transportadora Armênio Veloso, Farmácia Americana, Maternidade Santa Helena? São gratificantes pedaços de lembranças, coloridos no tempo e nos sonhos...

    Tudo na revista é interessante, mas o sensacional mesmo são as fotografias feitas pela mão de mestre de José Figueiredo Pinto, também inesquecível. Na página infantil, retratos dos garotos Jorge Enéas e Catarina. Nas páginas de esportes, flagrantes de momentos históricos dos atletas do Montes Claros Tênis Clube, Moema, Zembla, Glória, Eunice, Ilza, Marlene, Shirley, Wilma, Norma Maria, Stela, Zenaide, Clarissa, Consolação. No bloco da educação, fotos de alunas e professoras, do Colégio Imaculada. Como fechamento de ilustração, bonitos exemplares das raças gir e indubrasil das fazendas de Dominguinhos Braga, Osmane e Neném Barbosa, João Alencar, Antônio Augusto e Geraldo Athayde.

     Naquele tempo, havia os Bancos do Brasil, Hipotecário e Agrícola, Minas Gerais, do Comércio,  Crédito Real. Não havia Banco do Nordeste. O Banco do Estado de Minas Gerais ainda era chamado de Banco Mineiro de Produção.

 

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SAUDADES DO VELHO MERCADO

         Para ter saudades do velho mercadão da Praça Dr. Carlos é preciso ter algo mais de quarenta anos, uma idade que jogador de futebol já não tem mais preço, mesmo em clubes do interior. Gente de menos de quarenta anos ou não conheceu ou não se lembra do velho casarão, que marcou tanto a nossa vida de jovens, local obrigatório de passagem diária ou de trabalho e ganha-pão. Velho, sujo, defeituoso, profundamente marcado pe­los anos era, entretanto, uma construção feita com ar de suntuosidade, grandalhona, cheia de grandes portas e largas janelas, escura e clara ao mesmo tempo, dependendo do ângulo de observação. Muito largo e espaçoso, tomava conta de toda a pracinha entre as ruas Rui Barbosa e Cel. Antônio dos Anjos, entre a São Francisco e a Dr. Carlos, onde hoje fica o "pimentão". Quem melhor o descreveu – acredito sinceramente – foi o companheiro e amigo João Carlos Sobreira, nascido e criado nas proximidades, melhor dizendo, vivente do Hotel São Luiz, de D.  Nazaré, sua mãe.

          Celeiro de vida movimentada, o Mercado começava o barulho a partir das cinco da manhã, quando cavalos, burros, bestas e jegues de carga, resfolegando, eram amarrados nas árvores, nas argolas e nos morrões a eles destinados pela Prefeitura. As bruacas, os em­bornais, os jacás eram carregados calmamente para as laterais do lado de fora e do lado de dentro, cada um julgando-se dono do lugar, pela tradição ou simplesmente porque havia chegado primeiro. Fila não existia, quando muito uma carreira no chão, formando montinhos de maxixes, de panas, de pequis, saquinhos de andu, de feijão de rama, de arroz com casca, de remédios, ou montões de raízes de mandioca, de batatas, de melancias, de abóboras de por­co ou morangas. Era um colorido de fazer gosto, onde eram incluídas as laranjas, o bacupari, as tangerinas, limões verde-amarelinhos, a pimenta-de-cheiro.

           Havia também barracas de lona, com toscas mesas, onde eram vendidas as talhadas de requeijão e doce-de-cidra, pedaços de queijo e rapadura. Normalmente, havia também um pote com copos feitos de latas e folhas de flandres para vender moreninha com bi­carbonato, coloridas e transparentes de dar gosto! Para não esquentar, as garrafas e os litros ficavam sempre na sombra, assim como os copos de vidro, mergulhados numa bacia de alumínio cheia d'água. Quando o freguês queria beber, o vendedor tirava o copo, sacudia-o para jogar fora as gotas de sobra e punha o bicarbonato com uma colherinha de chá. Para despejar o refresco, subia bem a vasilha, fazendo uma linda espuma.

         Do lado de dentro, principalmente nas portas da Cel. Antônio do Anjos e da Rui Barbosa, os vendedores de carne, com varais e mesas engorduradas, cheias de panos de toucinho, de tripas, de sebo e de fressuras. A carne de sol e mesmo a carne fresca eram penduradas nos ganchos como o mais natural dos mostruários. No chão, os ossos grandalhões, as cabeças, os entrecostos, os mocotós, as rabadas os miúdos vermelho-escuros. Bonito mesmo eram os pedaços de bucho branquinhos, bem limpos, convidativos, ao lado da carne de porco e das passarinhas. De vez em quando, uma oferta de caça, uma cotia, um quarto de veado, um tatu, uma zabelê ou uma codorna. Peixe quase sempre ficava separado para não misturar os cheiros, sendo os mais bonitos os dourados e as pensas de lambaris, normalmente já secos e salgados.

        O mais interessante, porém, era a paisagem humana, gente de toda espécie, num vaivém de se admirar, quase sempre numa interminável pechincha. Havia também muitos botemos, onde a cachaça corria solta, pura ou misturada com remédios ou folhas para dar cor mais agradável. Lembro-me, com saudade, das vendas de Jonas Almeida e de Tiano, parece as mais movimentadas, onde os fregueses eram atendidos com mais amizade e podiam deixar os tarecos enquanto faziam a ronda para encontrar vizinhos, amigos e conhecidos ou, simplesmente, para dar uma olhada nos aconteci­mentos. Tudo muito familiar como uma grande casa de parentes, onde o barulho e a algazarra conviviam com a pressa de donas de casa que compravam as verduras pouco antes do almoço.

         Será que vale a pena buscar a marca da saudade?

 

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ORALIDADE EM “GRANDE SERTÃO VEREDAS” 

           Há um bocado de tempo, minha amiga e vizinha Yara Souto emprestou-me os originais de uma tese de doutorado de sua irmã Teresinha Souto Ward, apresentada à Universidade de Stanford, dos Estados Unidos. Uma bela e sábia dissertação que, submetida ao Departamento de Espanhol e Português e ao Comitê de Graduação em setembro de 1981, mereceu aprovação incondicional para o grau de “Doctor of Philosophy”, um dos títulos de maior prestígio em todo o mundo. Um interessante trabalho sobre a nossa realidade cultural do Norte de Minas, tese sobre a oralidade da linguagem no GRANDE SERTÃO – VEREDAS, de Guimarães Rosa, nosso quase conterrâneo de Cordisburgo, lá pertinho da Gruta de Maquiné. Uma pesquisa de fôlego feita por uma estudiosa que demonstra amar grandemente sua terra e sua gente, tudo indica, mergulhada em constantes saudades deste sofrido sertão!

         Guimarães Rosa, o sonoro autor de GRANDE SERTÃO–VEREDAS e de mais uma meia dúzia de livros notáveis, tem marcadas grandes paixões em Montes Claros. Luizinha Barbosa Lopes, Yvonne Silveira, Zinda Barcala Jorge e este que vos escreve... mais sobretudo, três paixões que não tiveram e não têm tamanho, as de Júlio Melo Franco, João Carlos Sobreira e João Lúcio da Silva, os três mais embeiçados na obra toda daquele que foi embaixador no mundo diplomático, mas sempre vaqueiro no tempo das férias no interior mineiro! João Guimarães Rosa tem uma mística de encantamento nunca igualada por outros escritores, mesmo por aqueles que nos falam mais perto ao coração e à mineiridade, mesmo pelos que registram o fôlego autêntico dos que vivem mais diretamente nossas tristezas e alegrias, nossa suave malícia ou mesmo nossa ingenuidade de matutos!

        GRANDE SERTÃO–VEREDAS tem no sertão de Montes Claros, não só na Montes Claros cidade, uma vastidão de influências espalhadas. Este Norte isolado e de vida bem diversificada e enriquecida por costumes próprios, tornou-se um grande centro da epopeia roseana, transcolorido com nuances tanto do dramático como do lírico de nossas tradições. Se Guimarães Rosa não tivesse certidão de nascimento como filho de Cordisburgo, poderíamos tê-lo inteiramente nosso, como montes-clarense dos mais autênticos! Assim, Teresinha Souto Ward falou e disse sobre gente e costumes da sua própria terra, das suas lembranças e vivências dos Montes Claros! E quem fala assim, fala de cátedra, merecedora de todas as distinções da nota de louvor!

        Eu gostaria de voltar ao assunto e comentar diretamente o texto de sua dissertação, vivendo com os leitores o gratificante contato de assuntos nossos e nomes de conterrâneos sonoramente musicais como Carrim, Preto, Francim Durães e Raimundo Bindóia. Não poderei ficar calado também quanto ao Manuelzinho do Juca, ao João do Carrapicho ou à Folia do Bom Jesus!

 

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ONDE E QUANDO O AMOR É MAIOR

          Permita-me mais uma apresentar alguns comentários sobre o Livro “Montes Claros, Sua História, Sua Gente e Seus Costumes”, do nosso saudoso Hermes de Paula, o maior amado-amante da cidade, um dos melhores montes-clarenses de todos os tempos. Foi, aliás, outro bom montes-clarense, o Newton Prates que, prefaciando a obra na primeira edição, afirmara ser o relato histórico de Hermes de Paula um trabalho valioso, um modelo de honestidade. “Do alvorecer aos dias atuais, o livro é um quadro colorido, cheio de vida, um testemunho palpitante da força criadora de gerações”. Para Newton, “o livro não é apenas de interesse regional, é uma contribuição para o estudo do folclore, dos usos e costumes, da marcha da civilização no interior do Brasil”, pois, “Montes Claros é o milagre do sertão”. “Quem nela viveu nunca a esquecerá. Se está distante, a lembrança da cidade querida permanecerá sempre ao seu lado, carinhosa, fiel”.

         Como Newton, também o seu parente Juca Prates, famoso pelo amor a Montes Claros, foi personagem de Hermes de Paula. Também estão no livro Gonçalves Chaves, Honorato e João Alves, Celestino Soares da Cruz, o Cel. Antônio dos Anjos, José Correia Machado, Honor Sarmento, os dois xarás Simeão Ribeiro dos Santos e Simeão Ribeiro da Silva, além do nosso querido e admirado Simeão Ribeiro Pires, todos ou quase todos, nomes de ruas e praças da cidade. Homens e mulheres foram um contínuo desfile de trabalho e de saudade, e Hermes os trouxe para o nosso convívio em ameno bate-papo, lembrando velhos tempos quando a televisão ainda não ocupava o lugar principal em nossas horas antes de dormir.

         Com Hermes de Paula, vemos chegar a Montes Claros o primeiro “bicho caminhão”, em 1920; ouvimos os tiros de pré-revolução de seis de fevereiro de 1930; vemos acender as luzes dos lampiões de querosene, de 1912, e da usina hidrelétrica do Cel. Francisco Ribeiro, em 1917. Aparamos águas nas bicas do século passado e nas torneiras do século presente, no sonho finalmente concretizado depois de 82 anos. Com ele, assentamos os primeiros paralelepípedos, na Rua Quinze, e os primeiros blockretes na Rua Rui Barbosa e na Praça Doutor Chaves; em 1950, com o Doutor Alpheu de Quadros; em 1955, com João F. Pimenta; e em 1957, com Geraldo Athayde. Com Hermes de Paula, pavimentamos até o pavimento a que ele não quis se referir, as muitas ruas calçadas pelo Capitão Enéas Mineiro de Souza, seu adversário político na campanha para prefeito de 1950.

            Com Hermes, ficamos sabendo de velhos nomes de logradouros públicos: Rua do Pedregulho, atual Gonçalves Figueira, ex-Joaquim Nabuco; Rua da Assembleia, atual Afonso Pena; do Bate-Couro, a Governador Valadares; do Pequizeiro, a Cel. Antônio dos Anjos; Largo da Caridade, a nossa Praça Dr. Carlos; do Urubu, a ainda velha Floriano Peixoto. É ele quem afirma ser o esdrúxulo nome do Roxo Verde proveniente de personagem de Alexandre Dumas da literatura francesa, etimologicamente Rochefort, personagem de Dumas Filho. É Hermes que põe o nosso saudoso Pedro Mendonça fundando a Malhada de Santos Reis, dividindo as terras em lotes para evitar a solidão. É Hermes que faz funcionar uma liga contra o alcoolismo e a faz acabar com as licenças dos associados de goelas secas. É ele quem põe o povo entregando um relógio de ouro ao Dr. João Alves, depois de uma terrível epidemia.

            É por isso que ninguém sabe onde é maior o amor, se em Hermes de Paula, se em Montes Claros, uma vez que o autor, ontem e ainda hoje, se mistura com as personagens, numa paixão de nunca acabar.

            Deo gratias!

 

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Cinquenta anos, meio século!

          Vivo-vivo só se encontra entre nós o bom Amigo e Mestre Professor Athos Braga. Todos os seus companheiros de fundação da DEUS E LIBERDADE já gozaram do direto de uma nova iniciação no Oriente Eterno, deixando para os que vieram depois apenas a lembrança do bom exemplo, da coragem e da fé no trabalho e no estudo. Um a um, como tinha de acontecer, foi deixando a vida e entrando para a história da Loja, cada qual marcando a sua participação, assinalando uma hora importante do progresso da Oficina. José Esteves Rodrigues, Sebastião Sobreira de Carvalho, Álvaro Marcílio, todos, cada um a seu modo e com a força e o prestígio que tinham. Foram acrescentando o “algo mais” que tanto valor tem somado à nossa Instituição aqui em Montes Claros nestes cinquenta anos de tantas lutas e louvores da Maçonaria.

           Que poderia eu dizer de setembro de mil novecentos e trinta e dois, quando só dois anos depois iria nascer na quase escondida cidadezinha de São João do Paraíso? Quem dos leitores poderá dizer também com conhecimento de causa, uma história presenciada, com testemunho ocular dos que acontecia naqueles tempos bons e difíceis? Não acredito que seja possível falar muito de Maçonaria sem ser maçom, uma vez que a Ordem nem sempre divulga os seus feitos ou anuncia a sua realização, ficando, na maioria das vezes, a mão esquerda sem saber o que realiza a direita, como bem manda o figurino evangélico desde os tempos apostólicos. Avessa à publicidade, a Maçonaria é pouco vista do lado de fora, só aparecendo o trabalho que, de forma alguma, pode ficar escondido. Assim, muita coisa dos cinquenta anos da DEUS E LIBERDADE permanece apenas na memória dos seus protagonistas, dos que tomaram parte direita nos próprios acontecimentos.

               Houve tempo, é certo, que nada poderia ser feito sem passar antes pela Loja e pelo Rotary, duas reuniões semanais que reuniam a maior parcela de liderança de Montes Claros. Do Rotary eu sei que cada reunião me dava quase totalidade da matéria de um jornal, nos meus tempos de repórter convidado por João Souto e Luiz de Paula, no salão dos jantares do velho Hotel São Luiz. Como entre cruzavam associados das duas organizações, entre muitos o Nozinho Figueiredo, o Henrique Baendel, o João e o Luiz de Paula, posso concluir que a tradição de Gentil Gonzaga e Sebastião Sobreira, maçons e rotarianos, haveria de ser continuada num e noutro lugar, com duplo apoio para acrescer a força de reivindicação. Na verdade, quase nada teria realização sem que uma palavra de ordem fosse comandada pelo movimentar das malhetas.

            A nossa tradição local de maçons continua ainda apoiada na memória de Athos Braga, de Gomes, de João de Paula, de João Murça Júnior, os mais antigos, de iniciações mais remotas, todos na década de quarenta. Toninho Rebello, Júlio Pereira, Hélio Athayde, Geraldo Novais, Walter Suzart João e Terezo Xavier e mais um punhado de outros vieram depois de cinquenta e contam assuntos mais recentes bem depois da longa administração de Chico Tófani e de Sobreira. Poucos ainda estão aí, vindos antes de mim, eu que venho acompanhando os fatos a partir de agosto de sessenta e três. Como eu olhava com respeito aquele pessoal de avental vermelho, do grau dezoito, que se assentavam mais perto do Venerável. Os graus trinta e três só vieram tempos mais tarde, quando José Gomes foi ao Rio de Janeiro a chamado urgente e foi depois um sucesso! O próprio tempo de ir igualando os mais velhos e, pelos idos de setenta e oito também eu cheguei ao fim da escada, ao lado de grandes amigos, entre eles o Georgino Jorge que chegou depois.

Muito teremos de escrever sobre a história da DEUS E LIBERDADE. Espero que o futuro não me negue o tempo!

 

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Estevinho Poeta

          Estilingue azul no pescoço, mil sonhos para viver com você. Correr ruas, assaltar jardins, criar vidas, ser forte, pra te tirar das armadilhas e te livrar das emboscadas e te falar de fantasias. Na hora de lutar, meu coração se entrega todo e nesse duelo meu revólver é aventura clara como o sol, colorida como seus olhos. Já me acostumei à sua ausência. Mas como suportar sua presença se existem correntes de ar que não acorrentam ninguém e um balança que pesa mais para um lado que não se sabe qual é? Não vá pensar em feitiços, que eles não existem em seu espaço de vida. Não há querer definição, porque nesse momento nada se define. Há uma denúncia contra você em meu coração”.

          “Quando chegar o momento escuro, ou a luz maior, me deixem no caminho dos viajantes: serei cruz à beira da estrada. Ouvirei passos, vozes que falam da viagem; verei homens que bebem café, estranho como a madrugada. Não participarei dos misteriosos voos das aves noturnas: amarei o sertão. Ninguém vai notar nada na falta da vida; sentirei o calor da terra, no dia, e o frio vento, na noite. A mulher bonita me tem perseguido em todas as festas para as quais não sou convidado. A mulher bonita me persegue, quando o piano toca. Ela persegue o meu sonho e não quer me abraçar. No domingo quero beijar a mulher bonita, mas é inútil.

          A semana passa”. “Todos os bares estão fechado, todas as casas. Está fechada a cidade. O coração... fechado para balanço. Vou viajar para uma terra, onde tardes e madrugadas se confundem, e o último trem já partiu... um cachorro late para o nada por nada. Nesses caminhos, onde o presente é silêncio, o som da fonte imita sentimentos e sangue correndo nas veias do corpo inteiro. Aí, o coração treme de frio e se pergunta: que desejos pode ter? Está perdida a colheita dos sonho e tudo que digo é lugar comum... Venha descalça, me encontre na esquina, senta no passeio até eu chegar.

        Te levo uma rosa amarela. Deixa eu olhar pra você, deixa eu chorar e fumar o último cigarro, que hoje é segunda-feira. Me beija sem eu pedir, me mostra seu seio esquerdo, quero ver teu coração”. “Suba devagar essas escadas e não espere um sorriso. Pisarei de leve o carpete de sua casa, quero estar no seu sonho de amor. Há palavras que poderei ouvir e me perdoa que eu sairei de fininho, quando você fechar os olhos pra dizer alguma coisa. Me dá medo precisar do seu sorriso. Fico pensando estas paixões, que às vezes têm apenas o sentido de existir. Não posso negar a ternura que brota em mim. Eu queria ser apenas mais do que sou agora.

         Foi necessário o tempo passar depressa para eu crescer sozinho.

Foi necessário a mudança de uma amiga para que eu entendesse o que não sabia. Foi preciso estar perdido, pra poder me encontrar na esquina da rua Januária e me sentir feliz, e me sentir, de novo, criança”. Tudo poesia pura de Estevinho, Estevam J. Barbosa, poeta.

          Tudo uma bela magia de ternura de alma jovem, feliz com a vida. Não se sabe o que sobrepuja no livro ainda não publicado, se inteligência, se sentimento. A musicalidade de uma situação de canto está toda presente, do começo ao fim, simples de comover, gratificantes de ler e sonhar. Um notável esforço de partida de quem ama o mundo, gosta de viver, sabe ser amigo dos amigos, tem gratidão pela própria existência.

          Bom poeta de grafite, agora Estevinho é poeta de livro. Bom que seja assim, natural, colorido, livre, com a liberdade de tratamento que só os modernos sabem criar e têm a coragem de fazer.

         Parabéns, Estevinho poeta, os que vão viver te saúdam.

 

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Henrique Oliva, o pesquisador

         Com prazer, faço a apresentação da “História E Desenvolvimento de Montes Claros”, do escritor e historiador Henrique Oliva Brasil, homem de fé e de coragem, manancial de fortaleza e boa vontade, frente a tudo que é difícil na vida. Henrique Oliva Brasil, meu velho companheiro de Academia Montes-clarense de Letras, tem sido para mim um exemplo de capacidade de trabalho e de ousadia, um atestado existencial do que a força de caráter, o desprendimento, o dinamismo pessoal podem realizar. Nos muitos janeiros por que tem passado, nem os minutos nem as horas têm sido fronteiras no seu trabalho e no esforço incansável de homem estudioso. Cada dia tem o seu objetivo, é uma meta de alcançar, pouco importa a dificuldade, de nada valem os empecilhos de qualquer espécie. De cabeça erguida, marcha sempre em frente e, olhando o futuro com a segurança de um jovem, segue esperançoso e confiante.

         “História e Desenvolvimento de Montes Claros” é fruto de minuciosa pesquisa, de longos períodos de estudo, que só um minerador do ouro dos acontecimentos poderia conseguir fazer. Foi tarefa de muito tempo e de muito lutar, resultado e cadinho do amor de um sertanejo que deseja deixar bem marcado seu traço de vida no conhecimento e nas consciências de todos nós, também amigos desta cidade e do seu progresso. É livro que faz justiça ao nosso processo histórico, sempre dinâmico e de acordo com o esforço pioneiro de um bom punhado de gerações, normalmente voltadas com sincera afetividade para os valores humanos e humanizadores, sentimentos que engrandecem e eternizam cada um e todos os momentos da própria História.

            “A História e Desenvolvimento de Montes Claros”, só não traz em seu bojo todos os acontecimentos, todas as personagens, quando isso não foi possível por falta de dados ou por falta de espaço. Segui, de perto, sua longa elaboração e sei que Henrique Oliva Brasil jamais poupou esforços ou qualquer tipo de sacrifício para chegar ao alvo da exatidão, ao centro da verdade, é pureza da isenção. Cada levantamento foi revestido de exaustiva pesquisa, muito próxima da mais acurada exigência da moderna ciência histórica. O fato de não ser o autor graduado em História, alicerçado em diploma universitário, nunca impediu que o intelectual buscasse o que há de melhor no estudo documental e na observação interessada, fatores valiosos para a perfeição dos resultados. Acima de tudo, o historiador teve sempre a honestidade de propósitos, uma santa vaidade de quem se compraz com o exato cumprimento de qualquer missão, por mais espinhosa que seja.

      Espera que o leitor também participante da nossa História, se sinta satisfeito com a leitura ou o estudo deste volume sobre a gostosa vida de Montes Claros. Mais do que isso: espero que o leitor se faça também presente no incentivo e no apoio a este homem que, no seu comedimento, é um dos maiores apaixonados por esta cidade e por toda a região, pedaços de terra ligados á sua própria existência. Mais do que o presente, estou certo, o futuro e nós teremos de lhe dar razão, de lhe fazer justiça, de lhe proporcionar o prêmio do mérito de vier e materializar em livro nossos principais acontecimentos.

 

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Hotel Cachoeira de S. Félix

            Já não é mais tempo de escrever sobre o “Hotel Cachoeira de S. Felix”, considerado o grande tempo que nos separa do lançamento feito em Montes Claros pelo meu amigo e colega Ângelo Soares Neto. Faço-o, entretanto, considerando, agora a eleição do Ângelo para a Academia Montes-clarense de Letras e sua posse festiva em janeiro que vem. É, assim, uma lembrança muito grata da leitura que fiz a dois anos, do romance escrito em Salvador pelo montes-clarense de Taiobeiras, o amado filho de D. Laura. Acrescente-se também a recordação de um interessante discurso feito no lançamento por Ubaldino Assis, tio e conselheiro do romancista, um desfilar de apontamentos entre o racional e o apaixonado, coisas de quando o Ângelo era garoto, menino de recados do Banco do Nordeste, aluno do velho Instituto do Dr. João Luiz.

          O tempo passa, a experiência amadurece, as visões e as realidades da paisagem de muitos pedaços de Brasil vão se fixando na memória do escritor. A imensidão de Brasília, o vertical, o horizontal, as linhas curvas da arte de Lúcio Costa e de Niemeyer, a busca da solidariedade, o mando, o asfalto, o agreste, a imensidão do planalto de Goiás, tudo fica retido. Ao lado ou como superposição, o mar, o verde mar de Iracema, a lagoa azul de Iracema, a praça do Ferreira, a Aldeota, a cajuína, o caju, a graviola, o mercado, o calor de Fortaleza e, como símbolo do Ceará, a serra do Baturité. De longe, como memória de infância, o gerais, o serrado, o frio, a garoa, os pequis de Taiobeiras. Muito de Irecê, de Itabuna, de Propriá, de Guanambi, um mundo, um mundão desta terra descoberta por Cabral.

          De Montes Claros, Ângelo revive uma gostosa vida de menino levado, parada dura no Grêmio do Instituto Norte Mineiro, curso de contabilidade, primeiras namoradas, feijão-tropeiro, torresmo, quebra-queixo, seresta, cinemas aos domingos para ver os seriados, conversas perdidas na frente da casa de Konstantin, solteirão da rua D. João Pimenta. Acredito que, além da diversão que era muita, aconteceu também muita leitura nos escritos de Cândido Canela, Olyntho e Yvonne Silveira, Nelson Viana, João Chaves, substrato que floresce, hoje, em muitas de suas ideias.
            
         Claro que a evidência maior é mesmo a da cidade de São Salvador, principalmente do Largo do Pelourinho, campo de batalha antigo de estudantes e intelectuais e atual de prostitutas e viciados, vivendo eterno de batidas da polícia. De Salvador, Ângelo revive seus melhores anos de Banco do Nordeste e da Faculdade de Direito, mas, principalmente, da pensão-hotel-república, mundo de suas aventuras de amor e perdição. Professor de dança para americanas, guia turístico de fala francesa nos fins de semana, foi ele um jovem cidadão baiano no Farol da Barra, no Terreiro de Jesus, na Praça Castro Alves, na Avenida Sete, na granfina Rua Chile, para não falar das incursões do Mercado Modelo, da Feira da Água dos Meninos, nas praias de Amaralina até Itapoá. Dir-se-ia um universo de contradições do maravilhoso pagão e do místico cristão, produto da mescla cultural que só a Bahia consegue ter e reter. “Hotel Cachoeira de S. Félix” é um livro de confissão à moda de Darcy Ribeiro, no “O Mulo”. De repente, o autor se deita num divã do analista e começa a contar suas experiências, suas vivências, a vida das pessoas que passaram por sua vida. Pensa e sonha com o que foi real, dando mais forças aos temperos das comidas e no doce sabor dos beijos das namoradas ou das mulheres de encontros sem compromisso. De repente, o autor descobre na força telúrica dos homens e mulheres rudes do campo, do casamento do indivíduo com a natureza, das paixões debaixo de cobertores domésticos ou dos lençóis enxovalhados das casas de tolerância, um universo de perfumes de mocinhas de boa família e de fêmeas de brilhantina barata, tudo numa vida mais agitada que um furacão ainda por explodir.

          Fe1izmente, o autor fala também de artes, de sentimentos, de ternuras, de doces carícias, de inocência, de momentos em que um minuto vale por um milhão de séculos, onde o passageiro é a eternidade. Tudo uma fotografia verbalizada do acontecido. Quando registrada, a palavra não passa!

 

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Memórias de Adriano

            Foi com incontida alegria que recebi de Raquel, minha cunhada, emprestado e ainda novinho, o volume de "MEMORIAS DE ADRIANO". Ela, que é leitora constante, havia lido apenas as primeiras páginas, dizendo da falta de tempo para um assunto minucioso, tão repetitivo como as descrições de Marguerite Yourcenar, Lê-lo-ia depois, não haveria problema. "Pode levá-lo e faça bom uso", disse-me. "A mulher da Academia Francesa é sua, toda sua", acrescentou com malícia. Recebi com gratidão antecipada e lhe confessei que só não havia comprado "MEMORIAS DE ADRIANO" por estar acima da casa dos mil, muito caro. Não por falta de vontade, que eu já andava ansioso. Afinal, foi por causa desse livro que Carlos Drumond de Andrade havia ficado uma semana preso em casa, com medo de alguém apontá-lo, na rua, chamando-o de "pobre velho que ainda não leu "MEMORIAS DE ADRIANO" ".

             E isso aí, é realmente pobre quem ainda não leu Yourcenar. É pobre e não sabe o que está perdendo, pois "MEMORIAS DE ADRIANO", que não se diz romance, é a maior joia da ourivesaria literária de nossos dias, um encanto de trabalho feito com o carinho que só uma mulher da Academia Francesa poderia ter. Bem haja que ela tenha ficado tantos anos, quase trinta, elaborando e polindo, ligando fatos e escolhendo palavras; para mim, vivendo e revivendo o atavismo do melhor tempo de esplendor. Não é fácil assumir o papel de Adriano, ter a consciência de César, ser deus e ser gente, lutar na tessitura da alma de um povo e de um mundo, a um só lance guerreiro, político e amante de cada face da vida. Ninguém pode saber onde começa o autor e termina a personagem, uma vez que só Marguerite teria tão grande liberdade em sentir-se Adriano. A paixão por Antinoos é acima de tudo de alma feminina.

              Sempre encantei-me com o dinamismo do Império Romano, onde o poder nunca desprezou a cultura e o culto dos imortais, jamais deixou de lado a vida de cada dia. Mundo de patrícios e plebeus, de guerreiros e artistas, de livres e escravos, Roma atravessou fronteiras com o sentimento de globalidade, fazendo de bárbaros bons cidadãos, mostrando a vida com beleza e civilidade, elaborando leis e diretrizes, ensinando a viver.
              Não creio que exista melhor modelo para a história que a descrição e a narrativa da "grande dama de literatura". Nada mais apropriado para imitar a realidade. Uma penetração física e psicológica, um remoer de pequenos e grandes sentimentos, um improvisar momentâneo ou um consciente preparo de cada instante, de cada período. Adriano não se contenta apenas no viver, sente-se que é a mola maior do destino, um senhor do presente e do futuro, um gesto seu plasmando culturas, permitindo mudanças forjando consciências. Apesar de tudo, as incertezas, a busca de afirmação do ser humano, fraco e falível em toda parte, em todo o tempo, pois ninguém é dono da vida, nem o rei de Roma.

             Fiquei mais rico de vivência e de amor depois de ''MEMORIAS DE ADRIANO". Acredito na grandeza e no poder das letras, naquele sentido de canalizar momentos de felicidade, unindo séculos em frações de segundos, doação de patrimônio à curiosidade de cada espírito. De todas as invenções do homem a maior ainda é o alfabeto e, em decorrência dele, o livro. Depois que aprendemos ler, desaparece o egoísmo alheio, o mundo é nosso, ninguém pode impedir de que sejamos senhores da nossa própria cultura. O milenar passa a ser o agora, a história é a página que vemos diante de nossos olhos, somos participantes de tudo. De tudo mesmo.

Devolvo-lhe o livro, Raquel. "MEMÓRIAS DE ADRIANO" não pode deixar de ser lido. Em último caso, na falta de tempo, faça como a minha outra cunhada, a Laury: arranje uma doencinha qualquer e, deitada, penetre na alma dos livros; cavalgue sonhos, realize o irrealizável.

 

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“Montes Claros era assim...”

             Não faz muito tempo, num comentário que fiz ao Elos Clube sobre Hermes de Paula, falando em continuidade dos registros históricos de Montes Claros, apontei a acadêmica Ruth Tupinambá Graça como a pessoa indicada para essa tarefa. Sei que alguns ouvintes devem ter julgado minha opinião como fruto de entusiasmo de orador de momento, um arroubo de amigo e companheiro. A própria Ruth Tupinambá deve ter pensado o mesmo, pois sorriu descrente, nunca se colocando como continuadora da obra do nosso mais famoso historiador. A memória recente sobre Hermes de Paula ainda é muito viva, a admiração por ele é incontestável, a visão de sua luta diária com os acontecimentos o coloca como insubstituível e, por isso, ainda não se firmou o pensamento de que a história não para e exige outro acompanhante.

             Contínuo, pois, dizendo que depois de Hermes de Paula deverá vir Ruth Tupinambá Graça. Não só deve, como precisa que venha. Precisamos de alguém que conheça a cidade e sua gente, alguém que goste do trabalho de registrar acontecimentos e de marcar as presenças das personagens nesses acontecimentos. Alguém que tenha amor suficiente à cidade e que saiba como manusear as palavras para pintar e descrever os momentos dignos de registros. Precisamos, sobretudo, de uma pessoa que seja, ao mesmo tempo, repórter, cronista e contadora de histórias. E estas qualidades a autora de “Montes Claros Era Assim...” tem de sobra. Sem nenhuma intenção de fazer trocadilhos, posso dizer que Ruth Tupinambá tem muita graça para isso. Escreve com a suavidade de quem toma banho em cachoeira, com limpidez e transparência.

              Ressalte-se também o fato de ela conhecer muito bem o passado de Montes Claros, desde quando se entendeu por gente. Menina curiosa, versátil, muito inteligente e perspicaz, ela observou tudo e, às vezes, até acompanhou e viveu muitos episódios, principalmente a atuação das pessoas, as visões de cortes sociais, os ambientes, as mudanças físicas e psicológicas. Analista de alma humana, Ruth Tupinambá alcança cada gesto, cada piscar de alegria, cada remoer de tristezas. Em tudo ela vê cores, sons, dimensões, o amor ou o desamor, as crendices, o folclórico. Ruth tem imensa saudade de todas as horas, e isso lhe dá condições de sempre refrescar as lembranças da memória e do coração. Parece-me um bom passaporte para a posição de historiadora, pelo menos para a criação de história apaixonada como sempre o fez Hermes de Paula.

               Já quase sem espaço nesta crônica, quero dizer que o livro “Montes Claros Era Assim...” é uma boa oportunidade de conhecermos o passado da cidade, esse conjunto de gente sertaneja e vivedora que soube crescer e multiplicar. É bom, minha senhora, ler depressa (ou devagar, conforme o gosto) todas as crônicas do livro de Ruth Tupinambá par saber tudo ou, pelo menos, o lado mais interessante das coisas e das gentes. Nelas estarão os “cometas”, os bruaqueiros, o velho Christoff (pai de Konstantin), o velho João Maurício, o primo Luís, o Sinval e seu bar, a Euterpe Montesclarense, o Cine Montes Claros, o footing da Rua Quinze, as boiadas, os carros de bois, os circos, a brincadeira de argolinha, a Matriz, um grande universo de assuntos que marcam saudades.

                Depois da leitura, pode vir o julgamento se Ruth Tupinambá é ou não nossa futura historiadora.

 

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O dividido Fernando Pessoa

               Se é difícil falar de uma pessoa, penetrar no seu íntimo, senti-la e transmitir seus sentimentos, imagine quando essa personalidade é dividida e subdividida, como aconteceu com o poeta português Fernando Pessoa, que tinha, no mínimo, cinco heterônimos, cada qual com sua biografia, seu mundo, seu estilo. Ele mesmo, Fernando, uma caudal de vibrações humanas e poéticas, uma sensibilidade tão à flora da pele e das ideias, que muitos chegaram a dizer nas raias da exuberância sobrenatural. Foi quem marcou a mais forte presença na poesia portuguesa e europeia nestes últimos anos do milênio, ou melhor, em nosso século, já que ele começou mesmo a escrever e a publicar em português a partir de 1912, numa espécie de reencontro com suas origens lusitanas. Pessoa influenciou muito dos seus contemporâneos e continua até hoje arrastando uma falange de adeptos cada vez maior.

               Para o crítico Oscar Lopes, Fernando Pessoa “é a mais importante personalidade das tendências pós-simbolista portuguesa”. Para João Gaspar Simões, “Pessoa tornou-se o mais imitado dos nossos poetas modernos, porque exprimira penetrantemente certas contradições inerentes à sua camada numa altura em que elas estavam latentes”, “quando ainda se fingia acreditar em certas sinceridades ou sentimentos poeticamente expressos, em certos ideais ou emoções teoricamente caritativas ou cívicas que, no fundo, se havia esvaziado de qualquer conteúdo concreto, quotidiano ou intimamente pessoal”. Na sua poesia, tudo isso se ironiza e problematiza com uma justeza inexcedível de tom lírico, porque Pessoa opõe-se à metafísica sentimentalista romântica, que abstrai a sensibilidade da razão “o que em mim sente está pensando”. “É preciso fingir para conhecer-se”.

             Pessoa fez uma distribuição de sua obra por vários heterônimos e tem dado por isso ensejo a numerosas discussões sobre sua unidade ou pluralidade, ou sinceridade, já que foi um ser altamente contraditório. Na verdade, cada poeta de sua divisão criadora corresponde a um conjunto de posições polêmicas determinadas. Cada um com vida própria, cultura peculiar, sentimentos e problemas individuais, opondo-se ou identificando-se como seres humanos portugueses ou universais. Como não é possível dizer tudo em um só fôlego e espaço de jornal, eis algumas pinceladas sobre os principais e mais conhecidos:

ALBERTO CAEIRO – reage em verso prosaicamente livre contra o transcendentalismo saudosista, mostrando que o “único sentido oculto das coisas / É elas não terem sentido oculto nenhum”; é contra o farisaísmo, então concorrentemente jacobino e devoto da poesia compassiva e sentimental. Caeiro apareceu em Fernando Pessoa com trinta e tantos poemas que ele escreveu de pé, numa espécie de êxtase, cuja natureza o próprio Pessoa afirmou não saber definir se mediunidade ou simples inspiração. Saiu daí “O Guardador de Rebanhos”.

RICARDO REIS – exprime contra as concepções meramente abstratas de sobrevivência post-mortem ou de progresso humano e em estilo que se pode designar com neo-arcádico, embora apresentando uma densidade de significado muito mais próxima do modelo horaciano; a antiga sabedoria epicurista egocêntrica de dores e prazeres prováveis. Ricardo Reis é desde o princípio um alto poeta formal, de alto refinamento artístico. Sentia-se apto a trabalhar a forma métrica ao verso à maneira dos que perpetuam na poesia como lavrantes amorosos, requintados e astutos das formas e do virtuosismo estético. Ricardo Reis proporcionou a Pessoa a primeira sensação de plena harmonia consigo mesmo e com a literatura.

ÁLVARO DE CAMPOS – prega nas odes em verso livre entusiástico, a sabedoria futurista da sem-razão, da energia bruta, da vida jogada por aposta. Álvaro de Campos era uma mentalidade trabalhada pela civilização e pelo progresso. Engenheiro, ultrapassa de longe nas ambições até o próprio Pessoa. É em verdade o mais simulado dos heterônimos e entre todos, o mais mistificadoramente concebido. Pretendeu formar uma nova escola e o conseguiu.

          Desculpe-me você se o assunto foi por demais erudito, tratando-se de apresentação crítica literária. Um dia, quem sabe, voltarei falando mais do homem do que do artista.

 

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O mulo Darcy Ribeiro

               O lançamento do segundo romance de Darcy Ribeiro- "O MULO"- na Academia Montesclarense de Letras, numa descontraída noite de quinta-feira de dezembro, foi um reencontro de alegria e de contrastes, com um amado e temido filho da terra a derramar nos ouvidos o mel e o fel de santas heresias e virtudes. Ora terno, doente de romantismo, saudoso filho de dona Fininha Silveira, ora demolidor, prenhe de força belicosa, irmão de Mário Ribeiro, ora compulsivamente criativo, primo espiritual de Konstantin Christoff. É que Darcy Ribeiro nasceu pouco adaptado ao modo e ao jeito dos mineiros, nunca afeito ao silêncio, ao retraimento, mas, ao contrário, incomodo para inteligências e sentimentos preguiçosos, bisturi ou látego auto conduzido e sempre a si mesmo proclamado.

              Ao contrário de Ciro dos Anjos, outro montes-clarense famoso no mundo das Letras, este sereno, machadiano, universalista, acomodado como um velho funcionário público, a curtir um silêncio invisível, Darcy Ribeiro é e afigura-se agitado, fogoso, tropicalmente brasileiro, aquecido de alma e corpo, de lufa e de luta, instintivo, felino como um condor. De inteligência selvagem, incontida, Darcy raciocina como uma ventania de amor a tudo que é cultura. Curtido primitivamente no sol e no solo do sertão de Montes Claros, fruto teórico de ternura e de instinto, de voluptuosa ambição de mundo. Darcy é um caldeirão efervescente de ideias como a querer viver em uma só vida todas as vidas. Mortal, tem pretensões de imortalidade e imortal se fez pelos feitos multifeitos.

            Bem brasileiro, latinamente apaixonado, traz na alma o Mulo Darcy retalhos de peles de todas as cores: a cor do índio, a cor do negro, lembranças atávicas do misticismo dos celtas, aguerrida força de velhos godos, gosto de mando da alma ibérica, uma noção tão grande de espaço e de glória que só navegadores fenícios poderiam ter impregnado o sangue de marinheiros do velho Portugal. Tem mais: Darcy é lúbrico como um cristão novo, fogoso como um nômade cavaleiro árabe. Na verdade, é um homem com a alma da raça, e não só da portuguesa, da índia e da africana, misturadas no cadinho brasileiro. E da raça humana, pois portador de muitas virtudes e de muitos defeitos, um caldo bem temperado de semens jorrados do chuveiro eterno, não sei porque nascido em Montes Claros.

          O MULO é esta cidade sedenta de força humanamente parceira de Deus na distribuição da vida e da morte; divinamente sequiosa na busca de amor, criadoramente envolvente na caça do mando e do poder. Sensual, oportunista, material, religiosamente mística, faminta da novidade, sonhadora de futuro. O MULO é um pedaço de cada criatura que viva ébria da própria terra natal, homem ou mulher. O MULO tem muito de João Valle Maurício na palavra e na sutileza, muito de Konstantin no arregalo da anatomia, no desenhar das forças; muito de Crispim da Rocha no faro do homem do mato, forte e inteligente; muito de Filomeno na sede do ter e do governar; muito de Plínio Ribeiro, no misticismo, no gosto do idear, no ser e não ser da vida. O MULO é Darcy e é Mário Ribeiro, inconsequentes e perseverantes, sempre determinados.

              O MULO, centro de uma bem romanceada trama de Realismo e Naturalismo, barroco talvez pelos contrastes, hereditariamente marcado pelo destino, fruto do amor e do desamor, sem peias, sem origem e sem destino produto da terra e da carne, somos-isso é verdade-todos nós, pequenas grandiosas criaturas no sofrer e no gozar.

             E que Deus nos perdoe-Amém.

 

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O sertão de Antônio Ferreira Cabral     

              Surpreendeu-me o meu amigo e bom irmão Antônio Ferreira Cabral com o livro “O Sertão Norte-Mineiro”, capa a uma só cor, editado aqui mesmo, lançado ao apagar das luzes de 1985. surpreendeu-me porque ele nunca falara em publicação de livro, nunca frequentara as rodas de literatos, pouco tem publicado de sua lavra em nossos jornais, salvo engano, só no “Deus E Liberdade”, e assim mesmo há muito tempo. Surpreendeu-me esse trabalhar escondido em silêncio, isolado, sem qualquer propaganda de trabalho audível ou visível até mesmo para os amigos mais próximos. Trabalho de mineiro? Serviço de quem não quer concorrente? Acanhamento? Modéstia? Quem sabe. O certo é que o livro saiu sem qualquer barulho, sem nenhuma publicidade, nem o próprio autor apareceu para a dedicatória. Recebi o meu volume por intermédio do meu colega de Banco José Lúcio Gomes, juntamente com o que foi destinado ao companheiro Thiers Antônio Penalva Ribeiro. Junto com o livro apenas a cobrança do preço de venda.

             Confesso que me espantou, inicialmente, a forma de armação dos parágrafos, todos curtos demais, parecendo sem costura ou alinhavados de forma apressada. A segunda impressão era de que o livro só poderia interessar a fazendeiros ou a pessoas necessitadas de dados estatísticos, pois deu-me a ideia de uma monografia regional destinada a historiar a economia do Norte de Minas. Cheguei a compara-lo mentalmente, embora sem nada dizer a ninguém, com frios dados dessas associações que só defendem o próprio interesse e se preocupa apenas com a própria sobrevivência. Mas, como errei, meu bom Cabral! Ledo engano o meu folheamento apressado ainda em serviço, em horas de aperto. Se antes eu o respeitava pelo zelo intelectual, pelo respeito que sempre teve para com a língua portuguesa, agora, companheiro, você quase me jogou para fora do cavalo, e apresentou-se-me em nova dimensão.

         A modéstia costumeira, a simplicidade incomum com que você se comportou traiu-me na avaliação. “O Sertão Norte-Mineiro”, quase com o estilo do escritor Terezino Caldeira Brant, é um livro de leitura fácil, gostosa, bem concatenada, com uma conversa amiga ao pé-do-fogo, contada por quem sabe muito bem de todas as coisas. É uma história e uma estória ao mesmo tempo, que serve para o hoje como informação e entretenimento e para, o amanhã, como fonte de pesquisa, uma espécie de ensaio a ser grandemente considerado. Em ordem cronológica, tem redação de advogado que gosta de ser claro ao juiz e não quer confusão interpretativa nos seus pontos de vista.

           Além de tudo, traz uma argumentação de quem conhece profundamente o assunto, com direito à visão científica e aos rodeios poéticos, num estilo de narrador calmo e metódico, parece com a máquina de escrever e um cigarro de palha funcionando ao mesmo tempo. Não tenho dúvida, uma delícia de livro. Antônio Ferreira Cabral fala de mineração, do ciclo do gado, da agricultura, dos problemas políticos e sociais, da chegada da estrada de ferro, da indústria e do último dos ciclos econômicos, o carvão. Fala de tudo isso, longe da linguagem dos economistas ou dos estatísticos, ou dos geólogos, ou dos planejadores. Também não fala como historiador preocupado com a visão crítica ou problemática dos dados. Cabral não é técnico, não tem compromissos com a matemática ou a sociologia. É um amigo que fala à inteligência e ao coração do leitor, de forma amena, interessante, tão interessante que nos dá vontade de ler o livro todo de uma vez.

             Esse Cabral descobriu em 1985 o Norte de Minas!

 

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“Seis Poetas de Montes Claros”

               Meia dúzia de poetas, pois não! Três pares de criadores de poesias. Três homens e três mulheres, mas não três casais, porque só ligados pelas letras em harmonia. Seis montes-clarenses, não importa terem ou não aqui nascido, todos morrem de amores pela terrinha muito nossa. E que bom existam os seis! Pela ordem de entrada, Georgino Júnior, Joba Costa, Liana Menezes, Márcia Braga, Raimundo Mendes, Raquel Mendonça. Ah que time tão embeiçado pela poética, pela musicalidade das letras, pelo social que o verso pode oferecer, pela reforma que uma composição literária pode provocar! Quem sabe, seis revolucionários que os leitores acabarão re-descobrindo!

            “Seis Poetas de Montes Claros” é um bom começo de luta em forma de livro, reunião corajosa e trajetória de cabeças pensantes, pouco conformadas com o tradicional, briguentos por uma urgente inovação do mundo e das gentes do mundo. Busca ansiosa de democratização do ser humano – homem ou mulher – avaliado, medido, pesado, para um reencontro de valores, sem muita preocupação de exagero de igualdade no real ou no sonho. “Seis Poetas de Montes Claros” é, deveras, um lançamento de ideias provocantes, concatenadas para uma fervedura de inteligência e emoções, coisa assim do ex-adolescentes que querem ser mas já não são.

             Não seria tão necessária a apresentação dos poetas, porque em verdade vos digo, a poesia acaba apresentando-se por si mesma queiram ou não queiram os autores ou o distinto público ledor. Claro que não valerá o poeta mais do que a própria poesia, assim como não se acende uma candeia para coloca-la debaixo do alqueire como bem disse o evangelista. Se poesia é luz, o poeta é o iluminador. Um mostrará o outro, e vice-versa, foi assim desde o início do mundo, ambos se complementam. Mas como uns são mais conhecidos do que outros, não posso me furtar de dizer alguma coisa que, vai ser, vós até já conheceis.

             Georgino Júnior é poeta de nascença, e só não digo que come e bebe poesia, porque nunca ouvi dizer que poesia aplaca ira de estômago vazio. Juninho, todos sabem, é santo e puro, um irmão se São Francisco, bom que faz gosto! Malandramente didático, ensina certo, certinho, e muitas vezes até machuca a nossa consciência. É um gigante.

            Joba Costa, João Batista de Almeida Costa, espiritual na arte, bailarino, rítmico por natureza: sensível como um herói grego das naves de Ulisses, põe na poesia a forma do movimento, joga com a sonoridade e com o significado de palavras e letras. Tem presente e futuro.

        Liana Menezes, que já tem livro publicado em Juiz de Fora, atriz, diretora e professora de teatro, moça de muita sinceridade, quase dramática, muito convincente. Segura no trato do social, tem no lúdico um papel de formação direta de nobres e plebeus. É ótima!

          Márcia Braga é um presente que Belo Horizonte nos ofereceu! Que excelente jornalista, como sabe poetar tão bem! Já tem tradição (ao lado de Luciano de Jesus) na poesia impressa nos Poemas de Couro, sempre gostosos de ler e de ouvir. Que bom Márcia fazer parte deste livro! Enriqueceu-o.

          Raimundo Mendes, nosso melhor declamador – sempre o foi – revela-se também um perfeito poeta, doce e salgado, severo e terno ao mesmo tempo, uma experiência que engrandece a ele e a nós. Viva Montes Claros!

             Raquel Mendonça, nossa Raquel batalhadora, franca, direta, fluente, é látego e carinho, tem cadência no escrever. Autora e musa, Raquel é colocada como chave de ouro do livro para encantar os que gostam e até os que não gostam de nobre arte. E é ótimo que assim seja.


           Quem bom existam no mundo os que têm coragem e sabem e podem abrir caminhos! Afinal, o canto é para ser cantado.

 

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Wagner Durães, poesia, fé e destino

         Por mais que eu procure explicação para mim mesmo, não compreendo porque demorei tanto na análise e revisão da produção poética de Wagner Durães. Há mais de dois anos, tenho praticamente sobre a mesa do escritório os originais dos seus poemas, vejo-os e revejo-os, gosto muito de todos eles, mas nunca coloco a profundidade de exame, a ponto de dar a tarefa por terminada. Quantas vezes não ensaiei explicações a Juvenal e a Rosa, desculpando-me pelo atraso, e acabei não falando nada! Quantas vezes tentei iniciar este comentário e não me foi possível! Não sei e não sei, são as incógnitas do destino ou da própria vida. Mas não choremos o leite derramado, que choro nenhum devolve o leite à leiteira. Vamos em frente.

       Wagner foi um jovem de muita fé, muita segurança íntima, um crente fiel na sua destinação de pregar a si mesmo e aos outros as maravilhas da existência de Deus. Um Deus bem justo. Era uma que nasce à beira do caminho mescladas de interrogações, no geral, sempre afirmativa, concludente da onipotência, da onisciência e, sobretudo, da onipresença do Criador dos mundos. “Às vezes, penso que o Senhor errou. Por isso lhe peço perdão. Mas que eu, antes de entender, confio no Senhor e no amor que me faz pensar assim. Sou muito feliz, Deus! Entendo tudo agora. E que em todos os meus erros, eu esteja tentando acertar”.

        De grande riqueza temática, inclusive nas composições musicais de parceria com Luciano, Chico e Claudionor, Wagner quase sempre se apresentou otimista, numa solidão poética muito próxima de uma espécie de paraíso perdido, assim como que um saudade atávica e uma busca constante da felicidade ao mesmo tempo distante e à mão. A Deus pedia na constância da humildade o pão da alegria, a pureza de sentimentos, estivesse falando da fé religiosa ou da namorada. “Eu não gosto de ficar triste. Sempre fui enganado pela claridade da lua. Agora aparece o sol. Não vejo direito, meu entusiasmo me cega. Que eu esteja certo, e que toda a sabedoria do mundo ouse me condenar. E que ela esteja errada. E mais, que as luzes do sol e da lua juntas, esse amor ilumine, e me mostre o caminho, para que eu chegue até você, Deus”.

       Veja você um bilhete que ele intitula de “Meu Amor”. A poesia existe. Ela sempre existiu. Nunca foi perdida, nunca foi tirada, sempre existiu. Talvez, os corações impuros pensem ao contrário. Talvez, as almas vazias acreditem no contrário. Mas, eles estão errados. Você me ama, eles são insensíveis a isto. Eu a amo, eles continuam insensíveis. Se você sonha me ter a vida toda e também pela eternidade a fora, eles não conseguem perceber e então não devemos nos entristecer. Isto nao pode nos afetar, senão, seria uma prova de que nós não somos evoluídos ainda. Meu amor, a poesia existe, pois o amor existe entre nós e o amor é a única poesia possível. As outras são falsas, não existem”. (15.01.81)

         Não deve demorar muito a publicação de todos os escritos de Wagner Durães, que passou para o Mundo Maior aos vinte anos, deixando muita saudade e um importante ideário de crença em Deus. Em tudo há poesia, desde que começou a escrever com intenções de escritor de 13 anos. Sua vida, nem precisa dizer, foi um hino de amor à família, aos amigos, à namorada e à humanidade. Viveu pouco em termos de calendário, mas cumpriu um destino. O destino de deixar palavras de conforto e sabedoria.

 

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Gy Reis, Poeta

        O homem bom tira coisas boas do tesouro do seu coração. O homem útil é feito de sonho e realidade, com palavras sempre traduzindo o que imagina e o que pode fazer. Algo muito parecido com o sábio que sonha realizando e realiza no viver todos os seus sonhos. Compreende a vida olhando-se para trás, mas vê esta mesma vida vivida, olhando-se para a frente. O homem bom existe e sobre-existe como muito bem expressou Thiago de Melo: “Não tenho um caminho novo. O que eu tenho de novo é um jeito de caminhar."

           Vejo com bons olhos o olhar poético do companheiro e amigo, professor Gy Reis Gomes Brito, autor de PARADOXO, Poemas e Contos, de feitura gráfica da Editora Unimontes, de apresentações inteligentes e bonitas dos professores Osmar Oliva e Anelito de Oliveira. PARADOXO que vem como leitura fluente, vívida e vivida, um amar no aprender amando, das palavras e versos de Carlos Drummond de Andrade, esta que é a nossa oportunidade de poetar, poetando na poesia do amigo Gy Reis. Bonita, lúcida, inteligente, moderna, atual, esta é a poesia que encanta e vai encantar-nos sempre e sempre.

            PARADOXO é, no dizer do próprio poeta, um amor como um rio em época de chuvas e um tempo em temporada de tempestades, versos em forma de gente, penhor de luz, passeio largo em frente de um boteco. Ele escolhe a poesia como redesenha a religião que liga e religa, liga e desliga para o bem de todos os mortais. É assim no antes e no depois do grande Tagore: "A noite abre as flores em segredo, e deixa que o dia receba os agradecimentos." É assim antes e depois de Goethe, o mais lembrado poeta alemão: "Quando uma criatura humana desperta para um grande sonho e sobre ele lança toda a força de sua alma... Todo o universo conspira a seu favor!"

          -me agora das palavras do autor de PARADOXO, o grande Gy Reis: “Os frutos novos me velejam, me mordem e me desejam, pois são os meus reflexos, e isto os alimenta, porque agora, sou eu em cor e pele. Agarro a vida e seus objetivos como um tamanduá-bandeira agarra a presa. O homem não nasceu para si mesmo, nasceu para a comunhão. Se não fosse, cada um seria seu próprio rei. Vivendo a vida, construiremos o mundo. Tudo porque, além da atmosfera terrestre, há uma escuridão a ser desvendada. Se um colibri passa por aqui, Lembro-me de você beijando o néctar de uma flor nas praças, escolas e ruas , quando tudo está colorido e é Natal.

          No meio do caminho há uma flor, apalpando o novo, requerendo equilíbrios. O desconhecido é como um pássaro voando na noite e garimpando no alto Amazonas, onde serra ficou pelada, onde o tempo nos incentiva, mas o momento nos cobra o futuro. Esta minha mulher é tudo aquilo que sonhei. Esta minha mulher é minha noite, é o meu dia, é a minha dor e minha alegria. Não quero sair do meu chão, nem sair tão doido como peão que cai o potro alazão. Estrela da manhã, vem me fazer criança, vem cantar comigo, vem me fazer sorrir. Amo-te, pois és a minha pressão arterial. Nada pode ser tão doce assim...


             Termino com uma confortante prece irlandesa, que o Instituto Histórico e Geográfico de Montes Claros dedica ao grande Gy Reis:

"Que a estrada se abra à sua frente, Que o vento sopre levemente às suas costas Que o sol brilhe morno e suave em sua face, Que a chuva caia de mansinho em seus campos... E, até que nos encontremos de novo, Que Deus lhe guarde na palma de Suas mãos."

 

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Outubro de 1940

         Parece até uma onda de nostalgia, mas a verdade é que os leitores mais vividos gostam de quando falamos de história, algo que diz diretamente à lembrança e aos corações. Foi por causa de uma “Seleções” antigas que o Nathércio França deixou para mim através de D. Nina e João Leopoldo, que comecei a escrever sobre velhos escritos, comentários de tempos de antanho, como diria o cronista Haroldo Lívio. Daí a focalizar a Revista “Acaiaca”, de 1953, foi um passo, o que também, estou certo, agradou bastante, pois muitas foram as manifestações que recebi pessoalmente e por telefone. Agora tenho a grata surpresa de ser presenteado pelo meu amigo Netinho. Jacinto Silveira Neto, ex-prefeito de Capitão Enéas, com um velho exemplar, sem capa, da “Revista Montes Claros”, editada pela “Gazeta do Norte”, dirigida pelo ainda jovem, à época. Jair Oliveira com a data de outubro de 1940. A capa, diz Netinho, tinha um bonito retrato de uma menina-moça que até hoje é vidrada em desfile de carnaval.

         É uma gostosura ler e ver as páginas publicadas em 1940, início da Segunda Guerra, mundo de início de evolução maior, prefeito de Montes Claro o famoso Doutor Santos, engenheiros de obras Joaquim José da Costa Júnior e Newton Veloso. Uma foto que apresenta os três juntos, simplesmente mostra que, naquele flagrante, era iniciada a colocação dos primeiros meios-fios da não mui central Rua D. Pedro II, via pública de poucas casas. Outra fotografia apresenta a Avenida Francisco Sá, vista do alto da Catedral, jardim ainda novo, laterais quase só de lotes vagos, lá longe a estação da Central do Brasil, sem o monumento a Francisco Sá. O que vem mais de ilustração corre por conta do jovem pintor e desenhista Godofredo Guedes, que aparece num autorretrato e muitas fotografias de moças e atletas cujos nomes não quero dar para não comprometer muito. Falo só que José Gomes de Oliveira já era famoso desportista e tinha na camisa, pelo lado da frente, um grande algarismo SETE.

         Os anúncios dividiam-se em propaganda de profissionais liberais e de firmas do comércio e da iniciante indústria. Dr. Álvaro Marcílio, Praça Dr. Carlos, 40; Dr. Hermes de Paula; Dr. Raul Peres; Praça Dr. Carlos, 110; Dr. Geraldo Athayde, advogado; Rua Presidente Vargas, 129; Dr. João Gomes Leite; Dr. José Ribeiro da Glória, dentista; Dr. Tardieu Pereira, Belo Horizonte; Francisco José Guimarães, construtor; Juventino Gomes, encarregado de obras; João de Paula era usineiro em Curvelo, com exportação em alta escala de algodão em rama; José Dayrel, representante na Rua Bocaiúva, 254.

         Já existiam a Agência Thais, com venda de apólices a prestação, jornais e revistas; a Farmácia Central, de Aluízio F. Pinto, com preparados químicos nacionais e importados. Outros estabelecimentos que já não existem: A Eclética, de Tiago Veloso; a Panificadora Montes Claros, de José Regino; o Bar Líder, na Rua Quinze; Portas de Aço Ondulado, de A. de Oliveira; Serraria Montes Claros, de Capitão Enéas; a Casa Montes Claros, de Custódio Rodrigues Pinheiro, com Waldelírio Moreira (Vavá) de contramestre. José Batista da Conceição (pai de Waldyr Sena) tinha loja na Rua Lafaiete, 684 – A Bitaca – e vênia chapéus de sol e de cabeça, louças, calçados, gêneros do país, etc.

Já anunciaram também a Chuva de Ouro, de Lionel Beirão de Jesus (loterias, cigarros e charutos). Alfaiataria Delly, Casa Alves, Imperial, Casa Luso-brasileira. Tipografia Orion, Salão da Hora, Café Glória e a própria Gazeta do Norte, que tinha papelaria. Muito grato para mim o anúncio do Bazar Loureiro, de Amândio. Pais Loureiro, Rua Simeão Ribeiro (bijuterias, artigos para presente, brinquedos e camisaria), porque o Amândio e eu tornamo-nos amigos quando o conheci em Lisboa, oportunidade em que me dispensou grande hospitalidade, chegando a ponto de viajar longamente para as despedidas quando da minha volta ao Brasil.

             Não é bom realmente lembrarmos do passado?

 

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Euclides não morre nunca

              O que vale mais do que a terra e do que o homem só pode ser o divino. Abaixo do divino, que é o poder criador, grande mesmo plasticidade cósmica e sua argamassa telúrica. Vale mais do que a transcendental e divina, o homem-poeta. Tão grandes são os poetas, que Benedito Croce sugere que eles não sejam intérpretes do seu tempo ou do seu país, mas ao contrário, os críticos da sua época e da sua terra, sempre discordando dos padrões vigentes e da mentalidade comum. Assim foram Dante Alighieri, Miguel Cervantes, Johan Wolfgang Goeth. Assim foi Euclides da Cunha, um inconformado, um transubstanciador da miserabilidade humana em arte pura, social e literária.

Euclides da Cunha, o grande poeta de OS SERTÕES, nunca se rendeu. Foi homem da terra, homem do humano, homem da luta, um estudioso, um dissecador da vida sertaneja, da força e da fraqueza, geólogo e geógrafo do solo e da alma das pessoas, um genial hipnotizador das letras, bandeirante dos mistérios e do misticismo de Canudos e do espírito medieval de Antônio Conselheiro. Euclides da Cunha, homem da fauna, da flora, do sertão, do deserto. Euclides, a esperança das chuvas e o desespero das secas, homem da terra bárbara e desumana, o maior inimigo dos soldados e o maior aliado dos jagunços. Euclides, o etnólogo, o sociólogo, o historiador, o viajante comedor de horizontes.

             Em OS SERTÕES, a terra é uma análise, uma visão panorâmica da região nordestina, na parte da Bahia mais triste, ponta de funil deitado no desenho feito pelo solo seco de Pernambuco, alagoas e Sergipe, um canudo ressequido do Vasa Barris. Canudo é a terra ignota, a entrada do sertão, o inferno de secura da terra e do homem, o martírio secular da fome e da ignorância. O engelhado de argila escaldante é a mesma marca bíblica que os anos de vida e trabalho sulcaram as faces dos escravos hebreus dos desertos egípcios, o traço eterno do sofrimento purgatorial das existências. E a terra do convulso, do áspero, dos ângulos mais agudos, dos relevos mais agressivos, as arestas mais contundentes: o cascalho, a rocha, o penedo, os cactos, os espinhos, os troncos retorcidos de sede, a dureza, o poeirento. Ali estão os taperas, os paus-a-pique, a palha paupérrima servindo de telhado ou abrigo.

No meio da terra terrível, o homem: o mulato, o jagunço, o vaqueiro. Dentro do homem, na alma e na carne, as superstições, a escravidão, a loucura mística mais enlouquecida pela loucura ascética de Antônio Conselheiro, o beato bronco do sertão.

Não há adjetivos para qualificar a Guerra de Canudos, assim como não há vocábulo para determinar a obra de Euclides da Cunha. Em Euclides não há palavras doces ou períodos domados. Tudo nele entra em ebulição, com altíssima temperatura, tudo fundindo no tremendo calor das emoções violentas, o calor de efervescente tragédia. Só em Euclides o impossível se tornou possível. Canudos não se rendeu. Caiu de pé. OS SERTÕES de Euclides da Cunha não cairá nunca!     

 

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Júlio Verne – Sonho e realidade

          Os sonhos de Júlio Verne, tão lindamente vividos no fim do século passado, transformaram-se tão grandemente em realidade, em nossos dias, que hoje, o escritor francês quase não é lido nem por jovem nem por adultos. Realizada uma ideia, atendida a capacidade criativa, satisfeita a curiosidade, parte do indivíduo pra novo sonho, nova tentativa de ilusão ou de atendimento do seu querer. A inteligência e a arte são sempre muito exigentes, dinâmicas por excelência, nunca se estacionam, e é disso que é feito o progresso humano, não pode parar, pois tudo viraria rotina insuportável, inconcebível para a nossa tendência evolutiva sempre para cima e para o melhor. Viver é sonhar e realizar os sonhos! Júlio Verne foi o grande idealizador das coisas do futuro, criador do preceito de que “tudo que um homem pode sonhar outro pode realizar”. Concebeu a televisão antes de ser inventado o rádio, chamando-o de “fonotelefoto”, isto é, um aparelho que pudesse falar e mostrar imagens à distância. Imaginou o helicóptero meio século antes de o homem aprender a voar. Apresentou planos para a construção de submarinos, aeroplanos, luzes de gás néon, calçadas rolantes, ar condicionado, arranha-céus, mísseis dirigíveis, tanques de guerra, alimentação comprimida, produção de oxigênio, deslocamento de corpos no vácuo, um verdadeiro mundo de invenções. Sem dúvida alguma, o pai da ficção científica, um antecipador de realidades, um vidente, um intuitivo.

          Tive um dia a sensação de estar vivendo ao lado de Júlio Verne, de beber na fonte mais pura da água de sua vida sensibilidade científica e literária. Foi uma dessas interpretações confusas que todo mortal costuma fazer, principalmente os distraídos e viajantes do mundo da lua, uma espécie assim de “insight” desfocado nos segundos de oportunismo curioso. Vagando nas proximidades do Louvre, em Paris, li uma faixa de propaganda “Júlio Verne – hoje e amanhã”, e entendi que se eu não aproveitasse logo a oportunidade, perderia de ver uma exposição que já estaria prestes a terminar, isto é, no dia seguinte. Não pensei duas vezes. Entrei. Era uma exposição feita pela Fiat italiana, de uma forma extraordinária, com projetos, desenhos, aparelhos, máquinas de calcular, toda a parafernália de suporte que o escritor francês usou para inventar uma realidade ideal. Nada havia, porém, de marca de final de evento. Tudo estava fresquinho, com abertura ao público naquele mesmo dia. O Hoje e Amanhã era com relação ao presente e ao futuro de Júlio Verne, o seu melhor modo de sonhar...

            Poucas vezes na vida tive tão grande sensação de enormidade da inteligência de um inventor, de um cérebro criativo capaz de vencer todas as barreiras da imaginação. Poucas vezes, antes e depois, pude formular intimamente uma admiração sem limites ao otimismo, à confiança no destino lógico, à crença de um mundo melhor digno do esforço da ciência e da poesia. Para mim, Júlio Verne, naquele momento, era a síntese da fé que Deus sempre depositou no homem, no seu futuro, na sua trajetória evolutiva de criatura da inteligência divina. Júlio Verne estava ali, através de toda uma ação vivencial, de todos um universo de pesquisas, simplesmente sonhando o possível, o provável, a destinação histórica da inventiva humana. Momento inconfundível de respeito ao raciocínio livres, da valorização ao direito de penar e de sentir.

Não seria bom que voltássemos de novo, à leitura de todos os escritores de ficção, à busca de compreensão de todos os inventores do futuro? Só a realidade presente não satisfaz!

           Quanto ao casamento: “em Moscou os jovens esposos vão depositar flores no túmulo do soldado desconhecido, diante do qual arde o fogo eterno. São levados ao muro do Kremlin (onde se perpetua o memorial dos mortos de guerra), em veículos portadores de 2 grandes anéis-de-ouro entrelaçados”. – Quanto às exéquias: O rito consta de 2 partes – a dos discursos patrióticos em homenagem ao defunto e a outra do cortejo para a sepultura, ao som apenas de música (sem preces e até não sei se lá, por lei esteja proibido chorar).

Evidentemente (sem poder manifestar-se) bem outra é a mesma psicologia de qualquer ponto da cidade dos homens: Vive e Palpita, em sua esperançosa transcendência a alma imortal do povo russo e de seus países escravizados. Mesmo se ainda não saboreiem as maravilhas do Evangelho de Jesus Cristo. Pois é esta a Constituição devida da fraternidade, da liberdade e da igualdade ou a Carta Magna dos povos realmente livres e virilizados.

          Mas, culto e autônomo, o mundo não se deixará enganar! Muitos agora não escapam do referido materialismo, ou porque não têm asas ou liberdade ao seu êxodo, ou porque não têm coração para abandonar o pessoal de sua casa. Esta, coitada, foi invadida pelos fortíssimos e violentos contingentes da foice e do martelo. São duas armas que não se obrigam a revelar a “sinceridade” de suas “conquistas democráticas”. A foice não vai contar as vidas que ceifou, nem o martelo fotografará as liberdades que massacrou. Que nô-lo diga, por simples amostra o sindicato “Solidariedade”, lá na Polônia!

Como apêndice: O materialismo “antigo” de Tales de Mileto, de Heráclito de Éfeso, de Anaxágoras, de Epicuro e o materialismo “inglês” de Francis Bacon ficaram aqui sem espaço, porque não oferecem mais conteúdo senão história ao que escrevo, de maneira singela e popular, longe dos lances polêmicos da outra filosofia. E se “douta” mesmo, ela não pode aceitar a Matéria, como soberana rainha da história da humanidade.  

 

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“AS 7 PONTES", DE MARIA LUÍZA

  
   Foi uma linda festa a de lançamento do livro “As 7 Pontes” de minha amiga,  companheira de Academia e de Faculdade, irmã de todo o coração, Maria Luíza Silveira. Salão cheio no Centro Cultural. Rostos de muita simpatia para com a autora, aquela sensação de grata amizade por um passado e presente de bons
entendimentos, fruto que só o amor pode realmente construir.

Coisa interessante: Maria Luíza tem muitos amigos, sincera gente que mora na sua alegria e no seu viver, tudo muito lindo de se apreciar. É bom que ainda exista gratidão neste mundo, pois a autora de “As 7 Pontes” se tem tido na vida o trabalho sincero em favor de todos que participam de sua existência como professora, como jornalista, como psicóloga, intelectual e espiritualista de tempo integral, sempre indicada ao extremo tanto na alegria como na tristeza de cada um ou de todos.

Estou falando de Maria Luíza, porque falar dela é o mesmo que falar de “As 7 Pontes”, já que seu romance, excelente do princípio ao fim, é reflexo perfeito do seu modo de ser, da sua fé, do seu racionalismo, de sua visão particularíssima, das fraquezas e virtudes do homem e da mulher, juntos ou separados. Realmente, “As 7 Pontes” é um livro de sabor universalista, repertório de experiências vividas e ouvidas, sentidas e presenciadas, já que Maria Luíza, como confidente de muitos, sempre atenta a humanas idiossincrasias, nunca perde ou esquece um detalhe existencial, um desenho perfeito ou simples caricatura a vol d'oiseaux . Pintora de caracteres, observadora de feições, afeita aos mais simples movimentos da alma jovem ou adulta, nova ou envelhecida, Maria Luíza sabe tecer a trama interessante e policromia de que o leitor não pode se afastar enquanto não obtém a catarse esperada.

Luiz de Paula no prefácio muito feliz, afirmou ter lido “de um só fôlego todo o romance, amarrando-se ao destino vivencial de cada uma das personagens, que se buscam e se atropelam numa ficção-realidade”, num cadinho de sonhos, contradições, amores e desenganos. Diz ele que “todos nós nos reencontramos em episódios diversos da história, pois o tempo jovem dos homens e das mulheres se escreve, de certo modo, com os mesmos arranjos e iguais trajetos, sobretudo no plano das idealizações”. Livro de personagens modernas, afeitas as peripécias da vida atual, com o mundo centrado em Montes Claros, Francisco Sá ou na Amazônia, oferece, num balanço sincero, o peso devido às influências do espírito e da matéria. Selva ou cidade, civilização primitiva ou a caminho de evoluir, a pessoa humana será sempre um laboratório de reações previsíveis para quem conheça a vida e dela participa com amor.

Zoraide Vasconcelos Teixeira, minha amiga belo-horizontina de Brejo das Almas, alma sensível como Maria Luíza disse também uma verdade sobre “As 7 Pontes”, que nenhum leitor poderá desfazer: “o livro restituiu-nos um bem precioso que é a fé na vida, a possibilidade de sonhar e acreditar nos próprios sonhos”, um feito de podermos idealizar um mundo novo, incessante busca de perfeição. “É filosofia, é religião, é purificação, e vida
transbordando em plenitude. É Maria Luíza com toda sua feminilidade, com toda sua espiritualidade. Há nele uma infatigável confiança nos princípios básicos sobre os quais deveriam se alicerçar o destino dos homens”. Não se pode arredar a ideia de que “As 7 Pontes”, de Maria Luíza tinha nascido em parte na sua infância de Francisco Sá, menina-moça que viveu ao lado de Zoraide, duas intelectuais desde os tempos de criança. É por isso que Zoraide não só gostou do livro: amou-o como se ama a um filho ou a um irmão muito querido. Maria Luíza e Zoraide são realmente boas irmãs, assim como eu também me sinto com relação às duas, sempre muito perto do coração.

Voltarei ao assunto, minha senhora, o que espero não demorar. Afinal, farei hoje quase que só aproveitando das ideias alheias, justas e bonitas, pois partidas de duas grandes inteligências, Zoraide e Luiz de Paula. Concorde com eles, saberei também, como disse o poeta, ouvir estrelas, e fazer as minhas confissões de ouro que pude minerar.

 

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DOCE ENCANTO

Dário Teixeira Cotrim .
Capa de Konstantin Chistoff.
Ilustração de Samuel Figueira.

DOCE ENCANTO é um lindo livro de Dário Teixeira Cotrim, historiador, poeta e cronista, escritor prolífico, membro da Academia Montesclarense de Letras, do Instituto Histórico e Geográfico de Minas Gerais, Vice-presidente do Instituto Histórico e Geográfico de Montes Claros.

      DOCE ENCANTO tem um excelente prefácio de Lázaro Francisco Sena, coronel e professor, seu conterrâneo de Ceraíma também apaixonado pela baianidade e pela poesia. Para Lázaro, o livro de Cotrim fala da mansa rebeldia e do sensualismo bem comportado, sem descair na lascívia, um amor redivivo em todo o percurso, desvestindo o corpo feminino sem falso pudor, evidenciando formas dengues e encantos.

Dário Teixeira Cotrim, já com mais de dez livros editados, durante muito tempo publicou poemas no Jornal de Domingo, suplemento do JORNAL DE MONTES CLAROS, sempre aplaudido por sua sensibilidade como cantor da beleza feminina, bom poder descritivo de formas, sem exagero de adjetivação. Seu forte é a saudade baiana pela terra em que nasceu, eterna lembranças de pessoas e paisagens, movimentadas tramas do tempo de menino, antes de ser tornar mineiro de Bocaiúva e Montes Claros.

 Agora, com a publicação dos poemas eróticos de DOCE ENCANTO, toda a sensualidade da linguagem poética do autor explode, traduzindo imagens lúdicas e lúbricas, embora com o comedimento esperado, até mesmo porque, segundo tudo indica, a musa principal é Júlia, sua mulher, a quem dedica a obra num acróstico que fala de “único amor da minha vida em flor / lembranças d’um passado com fatos / incomuns e desejos... e pecados.../ a cada instante na beleza deste amor!”

 Muitos são dos poemas, a maioria falando de aventuras vividas, outros com manifestações de sonhos e acordamentos, criativos em imagens que chegam a proclamar fogos de incontidos. Destacam-se pela sensação de vivência: Júlia, As Rosas, O Beijo, Eu Amo! Doce Olhar, Minha Musa, Nega, Escrupulosa, Clara e Negra, Lembranças, Deixa-me Sonhar e Teu Corpo Suave. A dúvida se Júlia é única inspiradora do poeta é que ele, possivelmente buscando inspiração nos estilos do Classicismo e Romantismo, cria o paradoxo claro-escuro, falando ao mesmo tempo de mulheres claras e mulheres negras: “É tão negra a doce Clara! É tão clara a doce negra...”  “São duas ninfas unidades / Num mesmo leito, vividas / Do mesmo gozo e desejos”. “São dois corpos, loucas feras! / Que vivendo em primaveras / Vão se encontrar no infinito”.

DOCE ENCANTO tem uma ilustração belíssima, num dos momentos mais felizes do desenho de Samuel Figueira. Nus perfeitos, que cantam e encantam, valorizando grandemente a concretização do elemento verbal tão sensível na poesia do Cotrim.

 

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Karla Celene Campos

              É importante começar por Maria Luíza Silveira Teles, a autora do prefácio de "Hisbiscos Molhados", publicado pela Editora Unimontes, a mesma Maria Luíza que seria, neste momento, a apresentadora do abraço de boas-vindas à nossa nova companheira na Academia Montesclarense de Letras. Cel. Geraldo Tito hospitalizado, família toda em cuidados, nossa colega de letras, de fé, e de amor à vida, aqui não poderia estar, e foi logo me pedindo para substituí-la nesta tão agradável e bela missão. Triste pela ausência física, saudoso pela distância, muito menos poeticamente analista do que luminosa Maria Luíza, sinto-me honrado e feliz porque sei do seu magnífico encantamento pela poesia e pelo charme de Karla Celene Campos. Vejo-me, assim, como um acendedor de madrugadas, um libertador de belezas, um otimizador de primaveras, a um tempo só cronista e poeta, lúcido e em êxtase, muito espiritualmente acordado para dizer à distinta intelectualidade de Montes Claros e do Brejo que esta é uma hora marcante de dourada e acadêmica alegria. E que bom para mim, porque assim desempenho um papel de introdutor e de testemunha num dos mais destacados momentos desta Instituição, ato de muito agradecer a Deus, tanto de minha parte como também de Maria Luíza, assim como da parte da presidente Yvonne Silveira, madrinha acadêmica de Karla, esta Karla que, desde a infância, sabe desnudar e vestir cores e sons, prismas e músicas, ritmos e tempos, mundos de visões e sonhos, tudo nem sempre permitidos à normalidade de humanos mortais. Karla antevê e vê deslumbrantes rasgos de vidas, panoramas lúdicos só possíveis a quem, de cima dos horizontes poéticos, vislumbra matizes e sabe muito de ventos e brisas. Missionária, predestinada e mágica, é arquiteta e operária de mais do que dizem dicionários e textos. Graduada em Letras pela Unimontes, jornalista pela UNI-BH, pós-graduada em Língua e Literaturas Brasileira e Espanhola pela PUC-Minas, cursos em Salamanca, mestra de muitos magistérios, poeta e cronista vencedora de dezenas de concursos, mereceu, com todo louvor, o destaque 2004 do Salão Nacional Psiu Poético e merece honestamente esta noite de posse acadêmica. No dizer de Maria Luíza, que também viveu infância e adolescência no Brejo das Almas, Karla - quem sabe pelos ares brejeiros tocados por tempestades de inspiração - edifica poemas desde que aprendeu a escrever. Inteligente, profética, conspiradora de belezas, é e tem a majestade do imprevisível na tessitura moderna do mundo da comunicação e da expressão linguística. Menina sempre, tem a simplicidade vocabular dos que entendem das coisas. Sabe, como mestra, registrar costumes, repintar entusiasmos, dignificar gestos e jeitos, musicalizar todas as energias que a Criação Divina colocou no mineiríssimo gosto de nossa gente. Karla é uma geminiana mais do que versátil e exerce suas atividades sempre com muito prazer. Faz várias coisas ao mesmo tempo, principalmente quando estas coincidem com a sua filosofia e cultura. Insaciável para saber, de tudo saber, tem na fala e na leitura constantes perguntas. Fascinante no dom da palavra, sua conversa é ágil e estimulante, tanta eloquência que deixa a impressão de domínio completo em muitos campos do conhecimento. Intelectual sempre, acomodada nunca! Importantíssimo – palavras que tiro da sua boca - que Karla tenha tirado da gaveta as páginas que lá envelheciam e ali trancado a própria modéstia, para nada impedir a publicação dos seus livros. Sabe que a vida tem prosseguimentos e que, para ser interessante, nem precisa de históricos acontecimentos, grandes glórias ou tragédias grandes. Basta ser como é, basta ser como este aqui e este agora, aura pura de amizades e considerações. Mesmo passando depressa demais, a vida é sempre ótima, ponta de partida e ponto de chegada. Melhor ainda quando em cada manhã um poema novo, cada hora como fruta madura ao alcance das mãos. Termino com versos lindos de Klara, sentimentos de amor à vida: Orquestra de insetos do mato Sou o cio! Agora sou caminho Chegadas E partidas. Sou estrela. Sou abismos, precipícios, sou meio, sou inteira. Sou metade Sou avesso Sou tarde e Amanheço.

 

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Montes Claros, Cidade da Arte e da Cultura

      Enquanto muitos cuidam do viver e outros cuidam do sonhar, Montes Claros cumpre, como vem cumprindo há muitos anos, a função de cidade da arte e da cultura, epíteto que Reginauro Silva criou lá pelos idos de 1978, quando escreveu - parece-me - a sua primeira peça de teatro. Isso mesmo: Montes Claros, Cidade da Arte e da Cultura, com todos os substantivos com iniciais maiúsculas, destaque mais do que merecido, principalmente agora nas comemorações do sesquicentenário, exatamente cinquenta anos depois do grito histórico de Hermes de Paula, quando tudo mudou para melhor em termos de reconhecimento e progresso.

      Terra de muito trabalho, de múltiplas iniciativas, marcada a cada dia pela independência e pela ousadia, Montes Claros é realmente uma cidade de vida e de sonhos, já com escola para a formação de professores em fins do Século XIX. Em 1926 teve em funcionamento a estação ferroviária e inaugurou, com toques internacionais, o terceiro Rotary Clube fundado no país. Pouco tempo depois, bancos particulares, Banco do Brasil, aeroporto, telefone, difusora de rádio, postes de luz elétrica, redes de água e de esgotos na parte de baixo e na parte de cima, ou melhor da Avenida Cel. Prates até o Roxo Verde, da Rua Dona Eva até a Rua Bocaiúva, onde ensaiava e tocava a Euterpe Montes-clarense. Daí para a criação do Clube Montes Claros, na Rua Doutor Veloso com a Presidente Vargas, foi um pulo. Progresso para fazer muita inveja!

      Insaciável no encontro do real e do fantástico, Montes Claros foi sempre fonte de trabalho e estúdio de criação artística, principalmente na poesia. Em qualquer encontro valia um discurso, escrito ou de improviso. Faceira, romântica, apaixonada, o suor do ganha-pão nunca foi menor que as serenatas, o aboio dos vaqueiros, o cantarolar de viajantes ou o sapatear do lundu. Ano após ano, muito de coroações nas igrejas, muito de catopês, muito de pastorinhas. Todas as cores que o folclore e a saudade marcam direto. Quem quiser saber mais, melhor perguntar ao meu amigo Nivaldo Maciel, que no alto dos seus oitenta e tantos, ainda canta e aboia como ninguém.

     Vale todo o progresso que chegou a partir de cinquenta. Sudene, batalhões da Polícia e do Exército, Companhia Telefônica, escolas de francês e de inglês, associações e sindicatos, Corpo de Bombeiros, Lions, Elos Clube, Academia de Letras, Parque de Exposições, jornais diários, revistas quase mensais. De duas ruas calçadas em 1951, o prefeito Enéas Mineiro espalhou paralelepípedos do centro comercial até a Praça da Estação. Depois de 1955, com a vinda da Cemig, energia elétrica em tempo contínuo. Por esse mesmo tempo, Banco do Nordeste para ampliação de financiamentos, curso científico do Colégio São José para que rapazes e moças tivessem permanência com suas famílias, não precisando sair para estudar em outras cidades.

     A partir da década de sessenta, com a fundação do da Fafil, Fadir, Famed e Fadec e a criação do Conservatório de Artes Lorenzo Fernandez, do Automóvel Clube, nada mais segura Montes Claros, porque o desenvolvimento tem garantia, principalmente depois da Unimontes e mais seis conjuntos de escolas superiores, que hoje fazem da capital do Norte de Minas uma verdadeira cidade universitária. Que o nosso Instituto Histórico e Geográfico – já consolidado - seja a fonte de todos os registros e a marca da evolução física e humana de tudo que deveria ter sido sonhado pelo bandeirante Antônio Gonçalves Figueira nos idos de 1707. Deo gratias!

 

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Rosas do Meu Jardim

        Foi um lançamento muito festivo, muito bonito, com um lado emocional inesquecível, o de "Rosas do Meu Jardim", primeiro livro de poemas de Reinilson dos Anjos Câmara, professor, cronista, e poeta, nascido aqui mesmo na Rua General Carneiro, em frente à essa casa onde, nos meus bons tempos, eu mantinha a redação da "Folha do Estudante". Vou ser mais preciso: nosso jornal estudantil ficava frontal à casa de "seu" Filipe e D. Dadinha, pais de uma filharada bonita e amiga que veio brotando durante muitos anos, entre muitos o nosso agora autor de Rosas do Meu Jardim".

       Reinilson, das gerações de novos poetas, é dos bons, trabalhando com segurança na construção da frase de ideias. Apesar de estreante, tem tido o cuidado de não muito inovar, deixando que a experiência de universitário estudioso e do agora professor flua com elegância culta. Livro constituído de 25 poemas escritos ao longo dos anos, tem uma divisão em quatro partes: Taty, sete poemas de 1974; Eu A Estrada E O Céu, seis, de 1975; É Bom..., seis de 1976; e Rosas do Meu Jardim, seis poemas de 1977. Produção amadurecida, pensada e repensada, deu tempo ao autor de aprimorar, enriquecer, colorir conceitos e estruturas, o que foi ótimo para o resultado final.

        "Só de saudade é impossível viver um grande amor/ Lugar de amor é perto de mim e não longe". "No embalo da noite de lua cheia/ a morena é estrela que brilha,/ que expõe seu corpo/ e me acaricia. "Passou seus últimos dias/ padecendo de amor". Apanharei minha varinha mágica/ e num toque/ farei de você a mais linda, pura e feliz/ a amada menina". "Ela, porém, dentro da cândida timidez,/ não me diz nada e sempre foge". Taty, divina donzela,/ flor mimosa./ Quando perceberá/ que é dona do meu coração!". "Na minha rua crianças brincam alegremente/ todas as tardes./ Brincam de roda, correm, chutam bola,/ brincam de esconder...caem, machucam, choram... / depois levantam e continuam a divertir. / São passagens da vida, partes dos primeiros poemas.

Reinilson tem também uma preocupação com a cidade e com problema social. Procurar marcar um momento da vida, uma movimentação do observador e das coisas e ações observadas. "No centro da cidade/ passam muitos carros/ motocicletas,/ carroças,/ bicicletas... / Passam muitos jovens/ e velhos./ Gente bonita,/ gente feia.../ Cegos,/ surdos,/ mudos,/ aleijados,/ trabalhadores/ e desempregados,/ todos passam./ Mas à-toa mesmo,/ fico eu, que não tendo / o que fazer, / fico observando / o movimento." Tudo em verso, que eu transformo em prosa para caber melhor neste espaço. "O jornal traz as notícias: missa de sétimo dia, assaltos, mortes, tiroteios, sangue, muito sangue: Se você não leu as notícias tristes e sangrentas no jornal, não se preocupe, a televisão leva até a sua casa com cens estarrecedoras: suicídios, guerras, sangue e mais sangue, crise, desemprego, poluição. Quanta poluição! É o homem na sua incrível capacidade de enfear o que é belo".

        "Homem velho e triste/ que passa/ cadê os seus filhos,/ sua mulher/ que não vem afagar sua face sofrida? "Homem velho e triste/ que passa/ com os olhos cansados/ me dê sua experiência/ sua vivência/ seu talento/ e sua compaixão." Tenho muita fé nos destinos do jovens que fazem poesias. Eles representam um nova visão da vida e do mundo e assim... podem buscar e até mesmo encontrar um pouco de felicidade... E quem sabe se, desta forma o mundo não pode ser mais feliz?

 

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MONTE AZUL DE MARIA DA GLÓRIA

         Depois do amor e da fome, prevalecem nas boas cabeças e nos justos corações - mais do que tudo - a vontade estética e o interesse de ser imortal. É o ideal do artista, como pessoa e como construtor do mundo e das existências do mundo. Proust, o autor de “La recherche du temps perdu”, saudosista de costumes e pragmático em acontecências, ressaltou que não haverá - na arte ou em qualquer outro setor intelectual - realidade mais profunda que aquela onde personalidades procuram encontrar expressões e ações da vida. Nada mais exato, porque a função da arte é principalmente a de descobrir verdades e reconstituir valores da consciência coletiva.

        Assim, querida amiga, “Monte Azul, Retrato e Relatos do Tremedal”, seu primeiro livro sobre a cidade do seu amor, chega no tempo certo e rodeado de belezas nas lembranças e nas ideias, mesmo não contando com os modernos recursos da fotografia digital. É um encantador celeiro de informações sobre coisas, lugares e pessoas. Um maravilhoso conjunto de ilustrações de um compreensível carinho por tudo que a história de Monte Azul registra em tempo de antanho e em tempos modernos, muitos deles da minha geração, pois tendo chegado à sua região em 1945 - melhor dizendo a Mato Verde - assisti a todas as mudanças políticas, à inauguração da estrada de ferro, à consolidação dos hábitos de cultura, e principalmente ao incremento da leitura de livros pelos jovens. Lembro-me dos longos e bem feitos discursos do Cel. Levy, da valentia de Arabel, das campanhas políticas de Sinhô Teles, da elogiada elegância de Lamartine. Continua tudo muito vivo em minha memória.  É importante também saber que entre Mato Verde e Monte Azul, dois meses depois das chuvas, estão os cenários mais bonitos do mundo, formados pelo contrastado colorido das serras azul-cinzas e das árvores e lavouras verde-vermelho-amarelas. Podem – sem qualquer dúvida – competir com montanhas e lagos próximos a San Francisco, Estados Unidos; gramados de Montreal, Canadá; e a relevos do Rio de Janeiro e planícies do Pantanal de Corumbá.

         Você, Maria da Glória,  é uma pesquisadora com elevada capacidade de registrar fatos, levantar tendências e reconstruir caracteres, tudo muito importante para a valorização histórica das gentes e dos costumes. Sem desfalecimento, você abriu baús, leu alfarrábios, colecionou retratos, ouviu histórias e causos, trabalho de quem sabe de responsabilidades e de valores cívicos, únicos caminhos para construção da verdadeira cultura. Parabéns, querida aluna do curso de Letras da nossa montes-clarense FAFIL, tempo romântico do maior amor às artes, fruto do ouro de privilegiadas inteligências.

Calorosas saudações a Monte Azul, ao Norte de Minas, e à família e escola da professora Maria da Glória Feliciano.   

 

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WANDERLINO E SUAS “EMOCIONES”

Rigoberto Guillerno Espinosa Pichs

      Por uma feliz coincidência, durante a tradução de EMOCIONES e ante a iminência de mais outra viagem de  – eterno e incansável peregrino – chegou a Montes Claros, proveniente de Cuba, Vivian Martínez Tabares, crítica teatral e diretora do Departamento de Teatro da Casa de las Américas.

         Não casualmente e apesar da existência de bons hotéis na cidade, a teatróloga preferiu hospedar-se na residência particular de Wanderlino e Olímpia, aquela ilustre casa romana da Rua São Sebastião, Bairro Todos os Santos.

       Em apenas cinco dias, apesar do curto tempo para ministrar, um curso na Unimontes, conhecer lugares e curiosidades de Montes Claros, além da gente hospitaleira; fez também fecundas aquelas intensas jornadas um diálogo espontâneo e prazeroso entre nós outros – incluído o próprio Wanderlino – que transformou o que poderia ter ser uma revisão monótona e fria do seu livro.

      Vívian quedou-se gratamente impressionada com a vitalidade e a pluralidade de Wanderlino, qual um D’ Vinci de nosso tempo. Admirou do cálido anfitrião sua capacidade e sua energia inesgotável: um entusiasmo que contrasta com sua madureza: uma serenidade que não trai seu dinamismo constante; uma experiência que lhe permite alcançar o belo sem esforço aparente e sua invejável virtude de saber otimizar esse ouro que chamanos tempo, pois com sua produtividade impar logra multiplicá-lo e fecundá-lo.

       Ao deleitarmos com a leitura de EMOCIONES rompem-se as barreiras poéticas. Não sabemos donde hallanos nas poesia: se no que genericamente é considerada poesia nos textos em prosa de onde emerge um universo poético capaz de desafiar a essência e forma dos versos.

       Acaso não há poesia também, até nos sentimentos de perda de um tronco, de um gato o de um amigo, ou em um circo. Nada está isento de poesia sobre; todo pelo humanismo de um Wanderlino que transparenta os mais puros sentimentos de um homem que é fiel escudeiro da inteligência, do  esforço e da beleza. Possuidor de uma fina espiritualidade por toda a vida, incluindo seus enigmas, suas aspirações, suas contradições que lhe são inerentes.

       Uma galeria de personagens desfila por nossa  imaginação, no tempo e ea conformação do acontecido, guiada com a maestria do narrador por meio de uma fantasia tão real que parece que se nos apresenta como um novo amigo. Para comover-nos com gentes, feitos e coisas que nos exigem desde o presente, e caminho dialético até o futuro, que nos deixa morrer o passado. Interpelando-nos a fazer útil e significativa a memória de um Brasil que para muitos é desconhecido, com sua história, seus costumes, seu folclore, etc.  Porém não é tudo isso a escrita de um intelectual importante, apesar de verte-nos em uma linguagem clara, sensível, amena, cômica, mordaz na maioria das ocasiões. Assim aparecem estes retratos vivos, mais que meras biografias retóricas de artistas, políticos, membros ilustres de famílias, etc.

        A natureza pródiga é o marco destas crônicas e poesias, de onde se mesclam o rural e o urbano, e seu universo de inter-influências em um lindo mosaico. Mais que um quadro inerte se convertem em um panorama vivo de cenas bucólicas da modernidade com saudades do passado, e fortes matizes da contemporaneidade e do presente. Instituições, lugares, feitos, pessoas e estórias fluem aqui como um rio que desemboca ao revés, nas costas sem entranhas das Minas Gerais, no coração do leitor.

       Wanderlino quebranta as fronteiras do mero autobiográfico e incursiona de tal modo na vida amena que a faz palpitar como algo nosso, algo bem íntimo, que nos arranca uma lágrina hacia adentro. Também nos contagia com a alegria e lembranças do circo.

        Quem não teve um circo em sua infância, que não vive em sua imaginação até hoje? O autor nos devolve a infância, as brincadeiras, as alegrias e as travessuras para quando hoje, ou amanhã, sejamos adultos. As cores dos pintores, dos poetas, dos avós, dos cantores, das vozes, o beijo, os olhares, as brisas, os perfumes, as ruas, enfim convida-nos a que junto a nossos e prazerosos diálogos sobre Wanderlino e suas EMOÇÕES, desfrutem e descubram o inesgotável universo poético de onde não queda um instante a salvo de um encontro emotivo com o amor.

 

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